sexta-feira, 30 de outubro de 2009

terça-feira, 27 de outubro de 2009

O Corpo que goza versus o Corpo que sublima(A Mulher e o Homem,o macho)



Levada Da breca,de Howard Hawks:O homem e a mulher em confronto?Ou o instinto de Vida(Eros)versus o Instinto de Morte?
Nessa screwball(comédia maluca)trepidante,o diretor decidiu por acentuar ainda mais sua ironia,presente inclusive nos filmes de aventura,faroestes,etc.
Nos filmes "de ação" os homens estão sempre envoltos em seus árduos trabalhos, por meio dos quais seus limites são transpostos com considerável sucesso(como de um winner norte-americano).São homens objetivos,pragmáticos em suas tarefas,realizadas com grande beleza nos gestos e primor tal qual dos feitos gregos épicos.No entanto,um elemento mais moderno se anuncia com força:o mais difícil dos limites será sempre uma mulher,que embaralhará um bocado os papéis dos sexos.
Que é onde entra a brecha dos heróis:seres tão abismados em suas tarefas, tão intrépidos,deixam vir à tona seu medo de perder "a si" em uma relação mais concreta.Ou seja,o medo da morte.
O homem nessa comédia é um cientista.Ou seja,aquele que sublima os medos por meio da ciência(assim como o protagonista de O Inventor da Mocidade).Existem,claro,várias formas dessa necessidade de sublimação nos demais filmes.Tanto mais em uma cultura maquínica,de grandes "previsões",como a norte-americana.
Nessas comédias a ironia muita das vezes se acentua,chegando ao ponto de, em Levada da Breca,o homem-cientista sisudo-se travestir de mulher frente a uma necessidade.E falta de opção.(É o que ocorrerá também em A Noiva era ele).
Portanto,na comédia da foto temos a mulher como o corpo que goza(ou seja,sem as estratégias habituais para burlar o medo da morte)versus o homem do corpo que sublima.Que sublima,seja por meio de suas obsessivas pesquisas e leituras,seja por meio de seu trabalho.E, sobretudo,estando prestes a se casar com uma "típica" castradora(mulher de gelo,igualmente maquínica e contempladora científica).
Ao se passar por travesti,torna-se incorporada toda a estratégia desse "temor da castração",(leia-se temor da morte)próprio a um homem já castrado e oprimido pela futura esposa(A figura do travestimento estará presente também no John Wayne,de Rio Bravo).
É então que entra Katharine Hepburn,que tenta devolver vida ao corpo desse homem.
Há toda uma série de elementos enriquecedores,tais como a busca de um leopardo que precisam a todo custo capturar,como esse corpo perdido e radicalmente cindido na castração.E,claro,o dinossauro de mentira- "compensação fálica do cientista"-que se quebrará ao final,assinalando um momento de morte em vida,de ruptura.Inclusive como humor de Hawks a apontar a fantasia da "perda de si" masculina.
Talvez e, por fim,seja essa quebra um momento da inclusão da morte como dado " a mais" da vida.
Que é onde voltamos ao início do comentário: Morte como outra força impulsionadora da vida ao lado de Eros,o impulso erótico de Katharine Kepburn.Quem sabe um dia não mais como confronto.Não mais como cíclica sublimação das fantasias de castração masculinas.
Mas isso, claro,não caberá ao filme resolver.

terça-feira, 20 de outubro de 2009



Texto perdido não dá pra ser reescrito.Em linhas mais gerais, o que poderia ser dito da revisão de Noivo Neurótico,Noiva Nervosa(Annie Hall),de Woody Allen?Que, ao longo do tempo,ele não perdeu nada de sua força.É o trabalho em que Allen parece mais se encontrar à vontade em matéria de humor.O que acompanhamos é sim um torpedo de achados de grande perspicácia,acompanhados por um senso de cinema o mais solto e livre possíveis.Exemplo:cortes no tempo em que podemos acompanhar o pretérito, juntamente ao pretérito passado, somados ao presente do protagonista,tudo como se em um único fluxo, o que não quer dizer frenesi,em absoluto.
Em alguns momentos a cinefilia filtrada do diretor parece estar mais para o Fellini de Amarcord( a cena na escola em sua infância),mas o que prevalece é uma espécie de sopro de nouvelle-vague francesa,tanto pelas quebras,deslocamentos constantes,como por esse gosto pela captação mais aberta:seja como entrega ao mais casual do cotidiano,ou por esse dom de flagrar inequivocadamente(em seu caso,com certa calma e sobriedade)a energia dos espaços exteriores-mais abertos.
A história de amor entre um neurótico e uma histérica pode remeter a uma nova depuração de Levada da Breca,de Hawks, só que com inversão de papéis.Aqui a histérica é a mulher, e o homem, o obsessivo, encampados em uma ambientação no máximo do urbano,constituinte daquela civilidade fortemente cindida que tanto agrada ao artista.Só que em pouquíssimos filmes se poderia(como se dá aqui)haver quebras da narratividade para uma abordagem direta do espectador pelo próprio protagonista-diretor,sem que isso em nada prejudique o timing do momento.
Annie Hall tinha tudo para ser um filme carregadamente pessimista, tendo em vista certas notações do diretor-protagonista ao longo da projeção,ou por se tratar de uma história de amor frustrado.Sem atraiçoar o que isso implica de densidade,o que Allen faz é injetar o filme de tanta descontração cinematográfica com gags incessantes-as verbais afiadíssimas,dignas de um Groucho Marx em seus melhores momentos-,que a obra, na maioria das vezes,não teve como não fluir tão desenvolta e deslizantemente.O que acompanhamos é uma reorganização dessa experiência amorosa,entre a chave mais irônica e a mais afetiva(Fellini de novo),por onde se possa,de alguma maneira,celebrar o instante mais vivido(certa nouvelle-vague francesa, novamente).
Porém, Noivo Neurótico,Noiva Nervosa não deixa de ser não “somente” uma homenagem às experiências de vida,mas também um canto à figura de Annie,Diane Keaton.Quando ela canta,o filme pára e se concentra um tanto mais.Quando ele termina, é a voz da atriz que acompanhamos em off para as imagens revividas e redivivas.A se considerar que o diretor e a atriz tiveram de fato um romance em vida,mas já concluído quando da realização da obra, trata-se mesmo de uma das mais belas reorganizações de experiências do cinema,como também uma das obras mais definitivamente agridoces(melancólicamente enfezada e terna),que já passaram pelas telas(grandes ou pequenas)..Mas tudo isso consiste nessa inteligência arguta com raro sentido do tempo,que pôde lançar fora todo o bolor, a partir de uma experiência extrema de perda e fracasso.

sábado, 17 de outubro de 2009




Escrevi um longo comentário sobre o Annie Hall,do Woody Allen,que a Lan fez o favor de abruptamente apagar.Já que considero impossível reescrever da mesma maneira,deixo aqui a crítica de João Bénard da Costa sobre um de meus filmes favoritos:"Deus sabe quanto amei",de Vincente Minnelli.
Minnelli é um desses que precisa ser sempre retomado,apesar de sua consagração pelos (bons)críticos franceses.
Muita das vezes fica como que parecendo que fazer musicais ou melodramas seria algo "menor",menos "nobre".
Creio que assistir a pelo menos esse filme já seja suficiente para desconstruir com peso e força esses (pré)conceitos.
Ps.Ah,pelo início do texto puder ver também que não sou o único a tanto valorizar the Clock(no Brasil, O Ponteiro da Saudade),do mesmo diretor.

DEUS SABE QUANTO AMEI, Vincente Minnelli, 1958

por João Bénard da Costa



Dos melodramas de Vincente Minnelli, há dois entre os quais sempre hesito quando me pedem hierarquias de preferência: The Clock, realizado em 1945, e que em Portugal se chamou A Hora da Saudade, e Some Came Running, estreado em 1959, e que em Portugal se chamou Deus Sabe Quanto Amei.



The Clock, que já alguém comparou - e não fui eu - à Aurora de Murnau, é talvez o mais belo dos breves encontros do cinema, encontro de 24 horas entre o mais magoado dos atores dos forties - Robert Walker - e a mais magoada das atrizes de sempre - Judy Garland. A mesma velha história do soldado em licença na grande cidade, que encontra uma rapariga, ela apaixona-se por ele, ele por ela, casam à tardinha, têm uma noite e depois ele volta para a guerra. Quem sorri e diz que já viu cem vezes, é porque nunca viu The Clock, onde tudo isso acontece mas acontece como se nunca tivesse acontecido.



Mas se Deus sabe quanto amo esse filme, apesar de tudo, escolho hoje Some Came Running, até porque há hipóteses de ser ouvido por mais gente (o filme é mais conhecido e passou há pouco tempo na RTP, embora não em scope, sem o qual só por memória funciona).



Os dois filmes - para lá da marca específica de Minnelli, o homem que, como a varinha de condão, transformou em ouro tudo quanto tocou - têm em comum uma aproximável concepção do tempo e uma aproximável variação dos desígnios do destino nos limites daquele. Em The Clock (de que aqui me despeço), Judy e Bob corriam contra o título e a favor do título. A lentidão dos movimentos do ponteiro só era inevitável porque o ritmo da paixão deles o era também. Em Some Came Running, só se corre aparentemente no final, esse final alucinante, das múltiplas montagens paralelas, com Dean Martin e o assassino (Steven Peck) a tentarem ser mais velozes que os fados na busca de Shirley MacLaine e Frank Sinatra, recém-casados e engolidos pela multidão que comemora, na feira de todos os carrosséis, o centenário da cidade de província (Parkman, Indiana) onde a ação decorre. Só nessa altura descobrimos que o tempo correu todo o tempo, e que todos o perderam. A sensação que temos, quando relembramos o filme, é que houve tempo para tudo e subitamente não há tempo para nada.



Houve tempo para conhecermos a família de Dave (Frank Sinatra), com o irmão pusilânime, a cunhada sinistra e a sobrinha bonita. Houve tempo para conhecermos a professora puritana, essa Miss French (Martha Hyer) que às vezes lembra Eva Marie Saint e que usava carrapito com medo que lhe soltassem os cabelos, como Sinatra fez naquela única e incrível tarde de amor deles. Houve tempo para muitos batoteiros e muitas pegas, paisagem acidental e essencial para dela emergirem Bama (Dean Martin), o homem que nunca tirava o chapéu, e Ginny (Shirley MacLaine), a mulher que nunca largava a mala de mão em forma de coelhinho de peluche. Houve tempo, até, para uma bela e efêmera secretária, Miss Barclay (Nancy Gates), que rima com todo o resto. Só não houve tempo para o tempo do mais belo amor da mais bela mulher, Ginny-Shirley, essa que veio a correr e morreu no fim para salvar Sinatra, que lhe deitou a cabeça em cima da berrante almofada encarnada que a pedido dela lhe dera, e que era a coisa de que ela mais gostava no mundo.



“Menina e moça me levaram de casa da minha mãe. Qual fosse a causa daquela minha levada, era pequena não na soube então.” Some Came Running fez-me lembrar o começo da novela Bernardim. Quando Shirley MacLaine acorda no autocarro onde até aí não a víramos (a câmera só nos mostrara Sinatra a dormir), depois de ler o anúncio da companhia transportadora (“and leave the driving to us”) ou de ouvir o primeiro diálogo dela com Sinatra (“You’re a nice kid. I like you. Take care.”), sinto essa sensação de “levada”, um dia, menina e moça (Shirley MacLaine que o não era, era-o mais do que outra nenhuma), de “casa da minha mãe” (sempre gostei mais dessa variante do texto do que da usual, que diz “de casa de meus pais”) por causas que os pequenos nunca sabem, que faz parte de serem pequenos nunca saberem. Há, no filme de Minnelli, uma mesma dupla acentuação da inocência, a mesma saudade por um quente mundo perdido, a mesma viagem, o mesmo lento sublinhar do tempo, do “então”. E, mais importante ainda, a mesma equivalência nas cores, no décor e nos olhos de Shirley MacLaine para as labiais de Bernardim, com o corte final (a “dental”) do “então”, no movimento sublime, duma rapidez feita tanto de reflexo, como da ausência de reflexo, com que a moça menina se atira para cima do corpo de Sinatra, apanhando em cheio nas costas a bala que a ele era destinada.



Centro deste filme prodigioso, o mais bonito personagem que o cinema alguma vez inventou, Ginny é menina e moça perdida na vida e perdida na morte, no sentido em que também se diz “mulher perdida”, “mulher da vida”, tão belas expressões. E no fim, no enterro dela, percebemos que, se Dean Martin nunca tirou o chapéu, foi para tirar nesse momento, para a única mulher que a esse gesto obrigava.



Metera-se, uma noite, num autocarro e atravessara centenas de quilômetros porque Sinatra, sentimental de mais quando bebia de mais, a convidou a segui-lo. Passada a bebedeira, na manhã da chegada a Parkman, ele já nem se lembrava dela. Mas lembrava-se ela e ficava, numa ida sem volta, apesar da nota de 50 dólares que Sinatra lhe metia à mão.



E ficava, atrapalhada, atrapalhante, sem perceber de que terra era, sempre com coisas a mais nas mãos (a tal carteira, a tal almofada, as flores artificiais), sempre com os penduricalhos, sempre a pintar os olhos, a pôr rimel nas pestanas, “leaving the drive to others”.



E há as duas seqüências mais inesquecíveis.



A primeira é quando decide ir à escola, conhecer a professora por quem Sinatra se apaixonara, para “tirar a limpo” aquela história. A professora ensina literatura e explica aos alunos que as bebedeiras de Poe, as drogas de Quincey, a “neurótica promiscuidade” de Baudelaire não os tornavam menores. “Eram grandes homens, grandes na força, grandes nas fraquezas”. A campainha toca no fim desse parvo discurso. E, enquanto os estudantes saem, aparece na frente daquela mulher que sabe tudo e não percebe nada, a mulher que não sabe nada e percebe tudo. Vem nervosíssima, timidíssima,, amedrontadíssima. Se a professora gostar tanto de Sinatra quanto Sinatra gosta dela, todos os seus sonhos morrerão ali. Como ela própria diz, na profundidade de campo da aula vazia, contra um quadro onde está escrito um texto de Zola: “You don’t know how scared I was.”. “I want him to have whatever he wants. Even if it means you instead of me.” Durante toda a seqüência, não disse nem fez uma coisa feia. Só ganhou o campo-contra-campo porque a professora era incapaz de olhar para além do campo dela e ver para além das aparências a “rival” que não tinha nada, “not even a reputation”.



A segunda seqüência é pouco depois, quando Sinatra chega à casa, possesso de dor de corno, porque Miss French lhe dera com os pés (“I don’t like your life. I don’t like what you think. I don’t like the people you like.”) na ressaca desse face a face com a “pega”.



Sinatra insulta-a a despropósito. Há uma panorâmica sobre ela e ela a dizer: “You gotta remember I’m human. I’ve feelings”. Depois, Sinatra arrepende-se. Mas tudo quanto tem para dar àquela mulher que antes tinha dito que era capaz de fazer tudo, tudo quanto ele lhe pedisse (e veio a fazer mais) é perguntar-lhe: “Do you clean that place for me?” E o que a frase podia ter de horrível ou frustrante é salvo pelo sorriso de Shirley e aquele “Oh! Could I?”, como se acabasse de receber o mais belo dos presentes.



Corte e Sinatra lê-lhe o romance com que acabara de ganhar um prêmio. Sentada no chão, os braços à volta dos joelhos, de calças cor-de-rosa, Shirley está toda nele e nada no que ele diz. E, quando ele a acusa de não ter percebido uma palavra do que ouvira, ela responde com esta tirada prodigiosa: “No, I don’t. But that don’t means I don’t like the story. I don’t understand you, neither, but that don’t means I don’t like you. I love you, but I don’t understand you. What’s the matter?” Vira a cara para o lado, amuada. Há uma “pausa côncava de assombro” preenchida apenas pela espantosa partitura de Elmer Bernstein. A câmera fica fixa no rosto de Sinatra, e tudo quanto o filme e a vida até aí acumulara nele (tempo, décor, cidades, néons, família, a loura e frígida professora) sai cá para fora no inesperado pedido de casamento. Segue-se a incredulidade de Shirley (“Não deves brincar com essas coisas”) e depois o abraço, abraço incrível de entrega e doação. Há o degrau e a coda volta ao início: “You gotta remember, I’m human.”



Nestas duas seqüências como na seqüência final do crime, como em todo o filme - Minnelli atinge o apogeu da sua arte. Há cineastas, como há pessoas, que procedem por silogismos e assim destroem tudo e se destroem a si próprias. Há cineastas, como há pessoas, que estão para além de qualquer lógica e transfiguram tudo o que tocam em oração e oblação. Nessa delirante irracionalidade do amor, apanágio de tão raros. Como diria Shirley MacLaine: “Thanks, awfully, so awfully much.”

sexta-feira, 16 de outubro de 2009

I survive



No próximo dia 26 em São Paulo,show do cantor favorito de Sinatra em São Paulo:Tony Bennett,dez anos mais novo que The Voice,é o último reminiscente do jazz-canção.Aliás, ao longo de sua carreira,ele brigou muito com as gravadoras para gravar jazz e depois de muita luta-de infinitas resistências-venceu.Bennett é último e heroico sobrevivente de sua geração.Acompanhar o show talvez seja uma das últimas ocasiões para entrever e(entre)ouvir segredos que não demorarão muito para se esvanescer do planeta Terra(um pouco como aquelas receitas da tia da minha esposa que morreu sem deixar alguma orientação de como fazer suas "eternas quitandas"...).
Num momento em que o lugar da memória é tratado com descaso,podendo até ser interpretado como mera nostalgia vagabunda,esse blog não vai se impedir de deixar sua foto.

quarta-feira, 14 de outubro de 2009

Burton,de novo

Ficou parecendo para alguns alunos que a postura de Burton em A Fantástica Fábrica de Chocolates quanto aos adolescentes otários fora um tanto extremista.Eu diria,generalizante?Em uma obra de arte não dá pra se falar de todos os seres.Tanto mais em uma alegoria.Burton se dispõs a fazer recortes, a sintetizar.Afinal, se trata de uma fábula.Lógico que uma fábula um tanto atípica,para o bem de todos nós.
A se considerar que são pouquíssimos os tipos adolescentes retratados,talvez a ótica não seja assim tão amarga quanto pode parecer.
O problematização, em todo caso,diz respeito mais aos pais do que aos próprios filhos:esses que mimam demais ou que temem suas crias,..que estragam seus filhos,enfim.
Um menino escapa e é pobre.Não se trata aqui de um romantismo ingênuo.É que em tal contexto,esse garoto é o excluído do mercado das futilidades que aborve a todos,até os que pensam não serem tragados.É novamente a temática do excluídos em Burton sendo retrabalhada,mostrando até onde os pais podem ser cúmplices desse mercado que visa tragar as crianças cada vez mais cedo para seu seio.É um filme deveras atual.O mercado já mirou com mais força o adolescente ou o adulto.Hoje em dia, esse tipo de esquema não espera mais tanto tempo.
Então,somente um excluído para se safar um pouco dessa.

sábado, 10 de outubro de 2009

Sem gêneros,one more time






Vira e mexe alguém solta um comentário estranho sobre Tom Jobim.Por esses dias me disseram por mais uma vez que sua música é muito triste.Nem se fosse.Além do mais,o pessoal de hoje será que não estaria habituado com letras que falam sobre uma melancolia qualquer? O fato é que, no geral,apesar da influência de Chopin, suas músicas cantam o sagrado exuberante da natureza,das mulheres.Da vida,em uma palavra!Uma letra brilhante de sua própria autoria: "Águas de Março"fala da morte como um dado a mais da vida,numa colagem impressionate de elementos quase videoclípticos.
É interessante observar que o despojamento das letras era um mérito dele, que tornava sua arte ainda mais sólida que nas elaborações de Chico ou Vinícius.
Mas se observamos em Manhattan,de Woody Allen,um Gershwin que canta Nova York,suas belezas,mulheres,Tom cantou o Rio sim,depois nossas florestas,etc.Aí surge outro comentário de doer,ele seria " um pequeno-burguês de classe média".Não, ele era um poeta.Ele só faria boa arte se fosse um esquerdista descarado?Esses patrulhamentos empobrecem tudo, não é mesmo?
O fato é que Jobim tinha uma formação clássica e notamos isso em sua música:Debussy(alguém se lembra de Imagina ou Inútil Paisagem,...?),ou Chopin(Insensatez,...)e ainda há Villa-Lobos(Trem de Ferro,etc)...Bem, são outros os elementos em antropofagia.O interessante nisso tudo é que sua música soa como se fosse muito simples,sem nenhum empolamento, passível de ser assoviada pelas ruas ou mesmo no banho.Ou banho de mar...Como se fosse mesmo simples.
Outros falavam em "Americanismo" e o interessante é que seu processo de composição era de descoberta e redescoberta do Brasil,já que ele deglutia desde choros,passando por Ary Barroso,Noel...
Jobim estudou com Lúcia Branco que foi professora de piano de grande parte dos grandes pianistas brasileiros,vide Arthur Moreira Lima.Estudou com Kollreutter, que trouxe o dodecafonismo para o Brasil,sem falar em Radames Gnattali que já orquestrava muita coisa da música popular. Ele também seguiria primeiramente esse caminho de orquestrador.
Tom estava inescapavelmente ligado ao popular.Além dos músicos brasileiros citados que ele tanto amava,começou a aprender orquestração em um livro de Glenn Miller focado no assunto.Mas havia mais:a canção americana de Gershwin e Cole Porter.Dizem que o Samba de uma nota teria sido inspirado em Night and Day,entre outras.
Agora pensemos bem e calmamente:deglutir tudo isso sendo tão Tom Jobim, sendo tão brasileiro e tão cosmopolita, ao mesmo tempo..Talvez por isso Caetano tenha dito que o Tropicalismo(e sua antropofagia mais declarada como projeto)era um continuador dessa linhagem.
Bem, Jobim soa airoso,aéreo,marítimo e, por vezes, noturno também, como em uma tela estrelada de Chagall.Fazia uma música popular tão perfeita, de aparência tão simples,sendo tão erudito.Ser tão cosmopolita,soando tão brasileiro.E, afinal, qual seria a relação possível entre Ary Barroso,Gershwin e Debussy?Bem,Tom Jobim é a única resposta possível,ou bem "impossível".
Antes de Villa Lobos morrer, ele disse a um músico(cujo nome não me vem no momento)que tomasse cuidado com Tom, que esse e o tal músico seriam seus únicos e verdadeiros herdeiros."Cuidado com Tom na música de câmara.Ele é um perigo pra escrever".
Bem, a meu ver, suas músicas de câmara são as peças-canções que ele deixou,tão aparentemente econômicas, humildes até,mas cheias de modulações,nuanças internas infinitas.
Esqueçamos os clichês bossanovistas, ou o argumento de autoridade que narra Sinatra ou Dianna Shore babando ou se ajoelhando diante dele,somado aos músicos de jazz ou Henry Mancini:todos seus admiradores aficionados.Ou o fato de que nos USA, um país tão nacionalista, ele seja considerado ao lado(leiam bem:ao lado,nem um pouco abaixo)de seus principais compositores.Mas claro que não precisamos dessa bobagem de "referência externa" para reconhecer seu gênio.Gênio,bem dito,de múltiplas interioridades.
Não importa que muitos tenham banalizado sua música e ainda continuem assim,que Garota de Ipanema,entre muitas,esteja entre as mais tocadas nesse século e no que findou..Pensando bem, é até bom isso tudo.Já que Jobim não somente redescobriu modernísticamente o Brasil:sua obra inventou e reinventou o Brasil e parte significativa,determinante de nosso mundo.Quem sabe um dia o Brasil(e o mundo) estejamos à altura.

quarta-feira, 7 de outubro de 2009

"Marginália"



Para quem conhece o Erasmo Carlos somente pelo lendário "Carlos Erasmo",de 1971(ou pelas parcerias com Roberto),uma bela notícia:Seu "Sonhos e Memórias",de 72 é tão bom quanto o anterior.Ou seja, o que parecia impossível aconteceu.Difícil definir o som desses discos:soul+samba+rock+MPB.., que contam ainda com arranjos sofisticadísimos,junto a pegadas e interpretações de extremo feeling e despojamento.
Se Chico Buarque,por exemplo,era um neoclássico e flertava instintivamente com a poesia práxis,e Caetano se filiava,de certa forma,ao concretismo dos irmãos Campos e Décio Pignatari,Erasmo era o poeta marginal,impossível de ser enquadrado em alguma escola ou algo do tipo.
O flerte com elementos diversos não obedece à grande preocupação elaborativa do Tropicalismo e seu projeto, nem ao artesanato rigoroso e preciso de Chico.Trata-se,é verdade,de algo mais rasgado como o são muitos souls e rocks.Só que contando sempre com grandes músicos(a turma dos Mutantes,por exemplo)e extraordinários arranjos(Rogério Duprat,por exemplo),dentro de um qualidade de produção e conjunto tão vigorosos que nem se acredita terem sido feitos no Brasil do período.Ok.Muitos são os discos excelentes,da mesma maneira que se pode dizer que o todo, muita das vezes, deixa a desejar nos ítens textura e vitalidade.
Esse flerte com tantos elementos comparece da melhor maneira "impossível", dando sempre o que pode haver de melhor em cada um deles:
Do Lirismo algo nostálgico de " No Largo da Segunda-feira",que abre o disco,passando pelo Samba/Soul de seu clássico "Mané João",chegando até "Grilos",que contém muito(tudo?)do que acontecia no melhor rock-pop brasileiro dos anos 90(certamente eles ouviram esse disco),tudo aqui soa intensamente atual,nada datado.
Mas ainda há "Minha Gente" e "Vida Antiga",duas obras-primas que parecem beber da mesma fonte(pelo tipo de musicalidade mais jazzística,sofisticada)que o primeiro Clube da Esquina,além das primeiras faixas do "Court and Spark"(fase áurea da Joni Mitchell).Mas,que fique bem claro,trata-se de uma sofisticação sem nenhum rastro de empolamento.
Já "Mundo Cão" e Sorriso dela"contam com aulas percussivas inventivas e secas,em que se exploram as muitas lacunas silenciosas,sendo pontuadas sempre por lindíssimas guitarras de blues e jazz.
Enfim, outra obra-prima.
Ps.Quando fui procurar a foto do disco não a encontrei em sites nacionais,somente em estrangeiros.Inclusive em um desses,a obra era citada como sendo sua favorita dentre os discos do Brasil.(Enquanto o dito Brasil permanece adormecido).

terça-feira, 6 de outubro de 2009



Nessa falta de tempo absurda,deixo aqui,para meus amigos e conhecidos,uma foto do que tenho muito ouvido nesse últimos dias:Iron and Wine.
Esse lindíssimo som que tem me pego pelas noites,para quem não conhece,seria uma espécie de combinação dos Beatles,do White Album(Lembram-se de Julia,Dear Prudence?!)com Simon and Garfunkel e ainda por algumas vezes, Belan and Sebastian.
A versão White Album, como ficou claro, estaria mais para Lennon.E o fato de que esse Beatle se encontraria mais à vontade nesse disco do que talvez em qualquer outro(como o próprio mesmo confessava)e,principalmente,do Disco Branco ser um trabalho mais incontornavelmente Lennon que Macca,já pode funcionar como um belo convite de bordo para o som.
Mas o bom é que,para além de quaisquer influências,Iron And Wine é,antes de tudo,Iron and Wine,"para alegria efusiva de todos nós".