quinta-feira, 31 de dezembro de 2009

A linguagem e seus fracassos como fundamento




O cinema,ou a música e a literatura,por exemplo,muitas vezes são vistos como válidos quando fabricam as ditas obras-primas.
Os modernistas passaram a questionar esses pressupostos,tentando aproximar vida e arte.Foi então que a oralidade da linguagem do dia-a-dia passou a ser também valorizada e passou a firmar novos modelos.
Isso radicalizado daria em Guimarães Rosa,com seus neologismos e também seus trocadilhos e "chavões"-tudo misturado.
Nesse espaço blogueiro,quando foi abordado o cinema de Roberto Rossellini,comentei algo sobre uma alternativa à linguagem oficial dessa arte.Mais do que isso,um estar "fora da linguagem",como recurso coerente às propostas do diretor italiano.Por exemplo,como seria filmar uma radical transmutação em um ser(com um alter se formando),ou mesmo um milagre de outra espécie(já que a mudança,por si só,já poderia ser um estado de "milagre")?
Nem precisaria tanto.Filmar o humano já constitui,por si mesmo,uma grande armadilha.Talvez a maior delas no cinema e na tv.Diretores como Eric Rohmer,Jean Renoir e Howard Hawks deram raríssima conta desse estado de presença do homem,do "milagre" de se estar vivo no universo,de alguma maneira.
Em Rossellini caberia dar conta não somente da presença,mas de como o universo reagiria a ela,nos termos de uma encenação.E a partir disso,de como o homem reagiria a esse olhar do cosmos sobre ele.
Como,então,seria filmar esse estado de coisas,esse jogo do visível ao invisível e vice-versa?Esse captar um certo estado de enraizamento na terra,conjugando-o com um estado de trânsito para o céu?
Enraizando Cristo ao máximo, colocando-o ao lado de outros homens para somente assim poder filmá-lo no momento da ressurreição,em que ele(ou Ele)esvanescerá diante do espectador e dos demais personagens em "O Messias".
Ou enraizando radicalmente a heroína de "Europa 51",que abandonará seu ambiente de palacete para habitar o húmus da terra e,assim, podermos entrever seu céu,no exato momento em que ela parece nos escapar(e aos demais no filme)sob forma branca,caiada,subtraída de uma dada matéria(ou bem de uma matéria dada).
Contudo,isso ainda não daria conta de toda uma estratégia de encenação.Em que consistiria essa atitude de filmar por subtração,de se desligar de um "bem escrever",de um "bem filmar"?
Em um ponto importante,resistindo à tentação da "fôrma" da obra-prima,que havia se tornado um anacronismo parnasiano,nada condizente com uma postura mais urgente da arte de se atrelar à vida.
Mas a respeito disso, fala melhor uma buriladora da mentalidade modernista no Brasil,a escritora Clarice Lispector:

"O indizível só poderá me ser dado através do fracasso da minha linguagem.Só quando falho a construção é que obtenho o que ela conseguiu."

domingo, 27 de dezembro de 2009

Em tempos de Comunicação de Massa no Natal e réveillon





Antigamente tinha o médium,intermediário entre o além e o aquém(embora eu não acredite neles).
Hoje tem a mídia,intermediária entre o consumado(espertalhão)e o consumista(idiota).
E,que nela também,acredite quem quiser-(recriando Millôr).


As maravilhas da mídia eletrônica:atualmente um subnutrido vivendo no local mais deserto do país pode assistir,como qualquer cidadão de São Paulo,dezenas e dezenas de anúncios sobre restaurantes,culinárias,doces e bebidas.

Os grandes meios de comunicação de massa foram inventados quando ninguém tinha mais nada para fazer-do ítem,o que um imenso tédio pode provocar. (recriando Millôr again).

quinta-feira, 24 de dezembro de 2009

Impressões de Chico e de Crítica Musical




Como toco instrumento musical e canto,ainda que já de um bom tempo pra cá somente em minha própria casa(ou seja,não me tornei profissional),música para mim é mais fácil de ouvir e executar do que de falar a respeito.
Não sendo músico profissional,pegando as coisas que ficam meio caídas por aí,de ouvido ou de "pileque mental,auditivo",como poderia falar a respeito?Aliás,de música popular conheço pouquíssimas pessoas que saibam falar.
Normalmente citam muito letra,mas essa não é a música,e a coisa fica descabeçada,desarticulada ao ponto do vazio.O livro do Pedro Alexandre Sanches sobre a MPB de Paulinho da Viola,Chico,Ben e Caetano analisa somente palavras,o que, a meu ver,seria um grande equívoco.Paulinho chegou a reclamar disso e com toda a razão.
Daí pega-se uma música do Chico Buarque para dizer que não é lá grande coisa por não ser fiel a uma postura política do passado.Tá,mas e a estética?
Exigir posturas fixas,políticas(que seja)de artistas é totalmente fora de lugar.Ideologia nessas horas castra tudo,tal como as escolas,os modismos na arte, que só vão criando amarras com o tempo.
Como diz um dos Caymmis:depois que a obra do Chico passou a ser mais influenciada pelo Tom Jobim,as pessoas não conseguiram acompanhar.
Não é cópia.Influência,como tudo.Cultura se alimenta de cultura,arte de arte.O Pedro Alexandre diz pejorativamente que as músicas do disco "Cidades",por exemplo,revelam uma postura de indefinição.
O que ele chama de indefinição, a meu ver, são os elementos musicais do impressionismo,que Debussy,por exemplo,fazia uso para criar justamente esse tipo de atmosfera mais fugidia.Para quem já viu uma pintura impressionista, encontra-se por ali um tipo de indefinição visual,uma certa captação do transitório,que vai se dissolvendo,se fazendo quase onírico,a confundir as instâncias do tempo e do sonho com aquilo a que se convencionou chamar de "realidade".
O prólogo,por exemplo,da música do Chico "A Ostra e o Vento"-trilha do belíssimo filme homônimo de Walter Lima Júnior-é praticamente uma citação do "Prelúdio à Tarde de um Fauno",de Claude Debussy.No desenrolar,a letra vai sugerindo movimentos de vento e ondas do mar que,por sua feita,a música vai se encarregando de consumar em sua atmosfera de etéreas e pendulares oscilações.
Certa a afirmação de Caymmi sobre a herança jobiniana,pois tal músico já carregava consigo fortes elementos de Debussy.Se o crítico não pega isso,seja por ficar remoendo a letra,seja por fazer exigências políticas sem eira nem beira,a música há tempos que já se foi.Se perdeu.

quarta-feira, 23 de dezembro de 2009

Escola 2




Na segunda escola,que envolve um projeto social,o prazer advém muito da moçada.Primeiramente,o mais honesto seria eu falar mesmo em tom de confissão:Raramente eles me irritam.Já passaram e ainda passam por tanta dificuldade,perderam tantas oportunidades(a maioria delas não foi sequer cogitada em suas vidas)que nada(ou quase)me estressa.Não se trata de paternalismo. É que sei perspectivar melhor cada caso.
Como têm mais de 18 de idade,seria um pouco estranho pra mim esse papel de papá.Eu que mal dou conta de minha filha de 7 meses,que diria deles?Vejo-os,na verdade,como iguais,em vários pontos.Aparentemente temos origens bem distintas,culturas diferentes e tal.
Mas se estão à margem por alguns motivos,nem por isso deixei ao longo da vida de me colocar em um "outro lado"(sem malícias de posições,por favor).Menos por escolha, é mais por ontologia.Que palavrinha chique,hein?Como o "Peixe Grande", que não pode viver fora da água.Questão de natureza.No meu caso,sou o peixe nanico.
Não conseguiria exigir também certo tipo de cultura dessa turma.No caso da outra escola é diferente,pois os meninos têm recursos,oportunidades:Cavem seu poço. No Pró-Jovem é muito,muito diverso.
Mas gostaria de falar bem,sem nenhuma demagogia,da trupe de professores,meus comparsas.Não sei se eles têm a mesma visão progressista como a turma da outra escola.Talvez até não.E se não,é realmente lamentável que o seja.Na maioria do tempo,estou ocupado com meu próprio trabalho.Não me interessa meter o bedelho em trabalho alheio.
Certa vez levei uma letra de música do Ira para ser trabalhada,e a coisa não vingou,pois os meninos foram tratados como crianças e não como jovens de mais de 18 anos.Ou seja,a meu ver eles foram subestimados.Na outra escola,em que os alunos têm menos do que isso,nunca relutariam em trabalhá-la.Primeiramente veriam o que está "por trás" ,melhor,leriam nas entrelinhas e a professora de Sociologia seria a primeira a querer trabalhá-la.Na verdade,na escola,digamos,mais progressista,cheguei a ler a letra no momento de reflexão que antecede as aulas e os professores entenderam muito bem a proposta,o discurso da enunciação presente na música e gostaram deveras.Alguns até se empolgando.Ou seja,intelectualmente,culturalmente,falamos mais a mesma língua.A partir de lugares parecidos,semelhantes.
No Pró-Jovem rola muita questão administrativa e reuniões longas e sem grandes resultados sobre todos os assuntos.Menos sobre conhecimento e a perspectivação dos jovens no campo de um saber mais abrangente,levando em conta as várias possíbilidades de desenvolvimento.
A turma com quem trabalho(escola acima,na região),é a melhor possível.O grande defeito do bicho-homem é se considerar sempre melhor do que se é,de fato.Com todas nossas imperfeições,que podem ser sempre mais assumidas em um exercício concreto de humildade,gosto de todos ali,consideravelmente.Nos damos muito bem no trabalho.Embora não tome café em suas casas,nem eles na minha.Muito menos,molhando a bolacha no dócil líquido.Bem,coisas de mineiros.E eu, que sou mineiro,mas não sou(numa outra oportunidade me explico melhor sobre isso,assim como a riqueza presente nesses paradoxos barrocos),prossigo,como os demais.
Depois,com mais tempo,tentarei falar um pouco de um por um,de uma por uma.Dizer que não há afeto,como chegou a ser sugerido em uma reunião lá de baixo,é forçação de barra.O que tem de ser dito,falamos comumente logo,de cara,pra coisa não se complicar depois.Se essas mentiras que existem em toda relação de trabalho fossem se subtraindo a cada dia,teríamos sempre ótimos ambientes para trabalhar.No meu grupo,sinto considerável honestidade,franqueza para com eles.Daí a coisa flui,sem tensões desnecessárias.
Feliz Natal,galera do trabalho!Sem Papai Noel plastificado e sem o Cristo morto na cruz(herança maldita ibérica, também dos jansenistas e dos protestantes de Bergman),mas o Jesus mais próximo,"eu vos chamo de amigos",o vivo,a despeito de todas as tradições humanas que quiseram comê-lo com fascismo,mercantilismo e angu.

Escola 1




Perguntaram-me por dar aulas em duas escolas,qual seria a diferença entre uma e outra enquanto realização,essas coisas.
Todas são muito boas de trabalhar.Uma,por conta do projeto pedagógico,progressista e devido a um corpo docente de uma qualidade humana muito perceptível.Humana e,digamos,intelectual do "bom senso"(não sou lá muito chegado nessa palavra,mas vai).Não são anjos,seres perfeitos,mas brilham por serem pessoas com um certo nível de-lá vem a palavra de novo(argh)- maturidade.Maturidade educacional,sagacidade crítica,o que não encontramos em outras escolas por aqui,em que as pessoas seguem livrinhos didáticos e pensam que educar é "deformar" para vestibular e ponto.
Ok.Mas deve ter algum ponto negativo, logo pergunta o legista de cadáveres,o dialético niilista,metido a "realista"(palavrinha,hein?).Certo.O ponto menos estimulante está em que a maioria dos alunos fica bem aquém da proposta que citei como sendo mais progressista.Nunca sei qual a razão dos pais conduzi-los para essa escola.E lá estão os meninos,mimados,com suas cabecinhas fechadas,faltando muitas vezes em noções básicas de humanidade e cultura:não tanto do nacional,mas do nocional,como bem diria Júlio Bressane.
Li por esses dias um texto da Lya Luft em que ela defende a nova moçada, focando a responsabilidade nos pais.É exatamente o que faz o filme " A Fantástica Fábrica de Chocolates",de Tim Burton.Mas o artista é suficientemente inteligente para não dourar a pílula,qual seja,em não ser complacente com o que poderia se converter em mero álibi fácil para esses jovens.E é ao que muitos recorrem."Faço isso ou não faço,pois sou adolescente mesmo.Ponto."
Para uma escola que visa a autonomia,essas desculpas são,no mínimo,furadas.Vitimizações,transferir culpas e responsabilidades a outras pessoas funcionam somente como exercícios de fuga.A longo prazo,a ficha pode cair.Se os pais ajudarem,mimando menos ou motivando,ao invés de somente cairem na chantagem de inócuas pressões(sem nenhum sentido para os jovens),tanto melhor.

segunda-feira, 21 de dezembro de 2009

Te Recomendo,Lê




A Lenice me pediu uma dica de filmes novos da indústria,muita embora dizendo que tem medo de "meus" filmes :"muito cabeça".
Bem,poderia escolher umas mulas sem cabeça,ou antes,filmes mais descabeçados,mas o engraçado nisso tudo é que os diretores de que mais gosto:Hawks,Rohmer,Renoir,Hitchcock...são muito inteligentes,até concordo,mas não (tipicamente) "cabecistas".
O que vem ao caso é que, para ela que optou por filmes norte-americanos(no meu caso de morar no interior o acesso é também muito maior a esses),facinho,facinho seria indicar um excepcional "Gran Torino",do Clint Eastwood,ou um revirador e inversor de clichês,como o instigante "Fim dos Tempos"(Shyamalan),mas talvez esse último soe mesmo como mais "hermético".Pelo menos em suas reais qualidades.Mas como o admiro.
Poderia voltar um pouco ao faroeste contemporâneo de um,no mínimo admirável "Marcas da Violência"( David Cronenbergue),não me esquecendo,claro, de que o do Clint Eastwood também passa muito bem por esse estado de espírito: A América(do norte)voltando à sua condição de western primário,dessa feita apinhada de anti-heróis.
Mas, por fim,quis indicar mesmo algo do James Gray,o comentado "Amantes",que até então não havia encontrado por essas "pragas".E eis que ontem consegui topar com ele(muchas gratias!).
O início é bem animador e cheio de uma atmosfera mais introspectiva.
No entanto,as breves tomadas das ruas de Nova York,discretas,foram me parecendo bem mais consistentes do que as dos interiores,que é onde a maioria do filme,de fato,se passa.O que,para um projeto com pretensões mais intimistas,não deixa de indicar um certo e considerável limite.
No mais,no triângulo amoroso,que é o eixo da trama com suas questões,a moça que ama o protagonista e é consideravelmente preterida por ele,comparece com mil vezes mais carisma do que a real preferida do moço,vivida por Gwyneth Paltrow.Proposital ou não,a coisa não funciona tão bem.
Há uma certa forçação de barra nesse intimismo pelo desenrolar da obra,apesar da forte humanidade de seus protagonistas(não confundir humanidade com gestos humanitários),que,por melhor que seja "Amantes",na verdade um filme de destaque em meio a tanta ninharia da indústria,não consegui recomendá-lo com a força e a convicção que,antes de vê-lo, pensei que teria.
É bom?Com certeza.Mas prefiro o anterior desse sensível cineasta chamado James Gray:Os Donos da Noite é muito mais vivo, vivo-físico, mas com um intimismo menos óbvio,mais na surdina.E que surdina!E que vivacidade!Esse sim é,no mínimo,um ótimo filme.Recomendo-o com muita força,leveza interior e nenhum pesar,Lelê.

Dinheiro,poder e fezes(Um Manifesto-punk?)





A Psicanálise estabelece uma íntima relação entre a fase em que a criança namora,melhor,se fixa em seu ânus e em suas fezes como desencadeadora mór de sua constituição própria das noções de dinheiro e manipulação de poder na idade adulta.
Deduzo então que,diante de pessoas no mínimo mesquinhas,mandar enfiar todo seu dinheiro naquele lugar não seria bem indelicadeza ou grosseria-muito menos palavrão-mas tão somente uma boa fundamentação teórica.

domingo, 20 de dezembro de 2009

Papai deseja casar








Bom descobrir que há mais gente no mundo a reconhecer a grandeza de um Vincente Minnelli(exercício narcísico?),para além dos falsos truísmos de que fazer musicais,comédias e melodramas seria recorrer a algo "menor" ,menos "profundo."
Já viram uma comédia ou musical ocupar alguma dessas listas "respeitáveis" de melhores filmes de todos os tempos?
Continuaremos eternamente pagando pau para os velhos paradigmas europeus e nos esquecendo de que o cinema é também uma arte do século XX?Prosseguiremos a querer ignorar que Charlie Chaplin,o primeiro artista a ser reconhecido como aquele a dar "status" de arte a um "recurso" tão desprezada à época, fazia comédia,melodrama e musical(em suas coreografias dançantes de caiado fonâmbulo),tudo,além do mais,misturado?Ele era amado pelas vanguardas mais sensíveis e inteligentes da época e nenhum deles parece ter feito acomodadas e rançosas restrições a seu gênio.Inclusive Élie Faure,que o comparava a Shakespeare,o que para um crítico de arte de seu porte não era pouco.
Abaixo um comentário sobre um supremo momento de Minnelli,extraído do Signododragão,do Bruno Andrade(alguém certamente não preconceituoso em sua ótica de cinema,até que me provem o contrário).E é justamente de rigor que estamos a falar,não só do crítico,mas do mestre-maestro Minnelli:

"É mais possível que dentre os auto-proclamados herdeiros de Minnelli o único verdadeiro sucessor seja aquele cuja arte pareça a mais distinta e distante possível, e é nesse sentido que Jean-Claude Rousseau me parece um digno sucessor do Minnelli. Há nos dois uma maneira (evidentemente ambos chegam a esta através de métodos distintos), uma maneira de fazer com que por meio de fechos sucessivos o ator se cole gradualmente ao cenário, o que permite ao ator que recorre aos velhos truques de marionetes estriadas liberar-se de certos vícios e ao cenário de ser mais que uma decoração simplória um tanto afastada da câmera (como ocorre em 98% dos cineastas que tentam decalcar os trabalhos de Minnelli, Sirk, Ophüls etc.). Tanto ator como cenário vêem-se liberados por essa forma, e é assim que o ator pode, por exemplo, comunicar a tranqüilidade absoluta da sua performance, simplesmente representando por meio de uma efração daquilo que está ao seu redor, enquanto o cenário passa ele mesmo a atuar sobre a cena; passa a ser, enfim, décor.
Uma idéia que tive após assistir The Courtship of Eddie's Father, facilmente o melhor filme a que assisti neste ano."

sexta-feira, 18 de dezembro de 2009

Próximos lançamentos





Como próximos lançamentos da Lume: para fevereiro "Lola,A Flor Proibida",de Jacques Demy,um desses artistas não tão lembrados se comparado a outros de sua geração(Godard,Truffaut),provavelmente por ter feito grandes musicais.Como esse "gênero" não é tão "respeitável",figuras como ele, Vincente Minnelli e Kelly-Donen acabam não sendo valorizados como deveriam.Faltaria a eles o tônus grave europeu?Ou umas boas pitadas de um existencialismo mais radical(Truffaut),ou quem sabe a dimensão mais cerebral de um Godard?O fato é que nenhum desses diretores de musicais citados deixam de ser bem graves para bons entendedores.Não lamentemos o "velho mundo" mais do que o necessário.
Jerry Lewis é outro.Cineasta de ponta nos anos 60,fazia algo que poucos cineastas americanos faziam à época com tanta eficiência e espírito experimental.Desprezado em sua terra,foi mais valorizado na França.Seu espelho(invertido,como todo bom espelho) do american way of life incomodava seus conterrâneos,como fiel herdeiro que era de seu cáustico mestre Frank Tashlin.Ficamos a esperar também os filmes desse último no Brasil.Alguns títulos capitais de Lewis já aportaram por essas "bregas", a provar seu gênio.Meus favoritos dos que saíram:"O Otário" e "O Terror das Mulheres".Da parceria com seu mestre,gosto mais do nonsense do "Bagunceiro Arrumadinho",em que a dimensão sentimental equilibra-se muito bem com seu estado de espírito (mui)inventivo.
A outra promessa de lançamento da Lume fica sendo "O Intendente Sancho",do mestre japonês Kenji Mizoguchi,um dos dois maiores de sua terra.Antes disso,um dos melhores de toda a história dessa arte.Pelo que lembro,essa sua prometida obra foi a que mais me arrebatou.
Enquanto isso,aguardamos mais Pialats,que até então se mantém na timidez hesitante de um único lançamento no Brasil(corrijam-me se estiver errado).Aos poucos vamos reivindicando os demais.
Por enquanto,aproveitemos o "Entre os Muros da Escola"(de Laurent Cantet),filme "fresquinho",ainda recente e rapidamente lançado por aqui,a ficar como dica suplementar para os meus "comparsas" professores,os conhecidos e os não.E,claro,para os amantes de cinema.Ou do cinematógrafo?

quinta-feira, 17 de dezembro de 2009





"Como nunca vivi numa democracia,às vezes me pergunto:e se a democracia for isso mesmo?"

"Democracia é eu mandar em você.Ditadura você mandar em mim."



Folga

"No dia de folga o anão e o gigante de circo têm estatura normal."

"O mundo inteiro está assistindo diariamente,e aplaudindo entusiasmado,aos extraordinários espetáculos do Gran Circo Brasileiro,único no seu gênero- meia dúzia de trapezistas e cento e cinquenta milhões de palhaços."

terça-feira, 15 de dezembro de 2009

Pequeno esclarecimento("feio" de se dizer ou de se olhar?)




Há pouco tempo nesse espaço falei da estratégia do filme sobre o Lula.Algumas pessoas tedem a confundir as coisas,que quando se esclarece algum ponto capital de alguma estrutura,tudo pareça pessoal.É como alguém afirmar que quando se cutuca algo do Brasil,a evidência seria de ódio pelo país.
Partindo desse pressuposto,não se pode falar de nada,já que todas as relações seriam baseadas em apenas mentiras e superficialidades.Você não pode falar nada de ordem profissional para um colega de trabalho,que será interpretado como sendo pessoal.Prova de amizade seria mentir para o amigo,para agradá-lo(leia-se: agradar a si mesmo com isso),de amor esconder tudo que lhe desagrada à "sua" mulher ou "seu" homem e,claro,os melhores pais seriam aqueles que mimam seus filhos ou bem se omitem quanto a tudo?
Com algumas exceções,caso do Diogo Mainardi da Veja(esse sim,odeia tudo que provenha do país),investigar problemas nesse caso funciona mais como ato de ponderação(problematização)do que de ódio.Se ironizo os chavões de efeito do Caetano Veloso,isso não me impede de gostar dele e em nenhum momento me interessou falar mal do compositor de "It`s a long way","Peter Gast" ou "Jeito de corpo".
No caso da demagogia no governo,isso não é privilégio do PT.Em grande medida,"faz parte" do jogo de poder.Mas nem por isso deixa de ser patético.Ou alguém ainda tem alguma dúvida de que lançar um filme como apologia de um governante,deslavadamente,lavando-o,santificando-o com o Omo publicitário seria,no mínimo,oportunismo dos mais descarados em pleno período de antecipação de uma nova eleição fundamental(ou não)para um país?
Também cansa(e como)essa historinha de que qualquer crítica que se faça ao governo, seja encarada sempre como estratégia golpista.Então,todos agora nos basearemos desse estado de imunidade parlamentar de um governo:imunidade crítica,por meio de um documento chamado atestado de perfeição e iremos nos calar como habitantes de um lindo e maravilhoso regime fascista.
Contrastes servem para dialéticamente contribuir para algum desenvolvimento e não para alimentar ressentimentos naqueles que entendem tudo fundamentados em uma ingênua tese de "predestinados a uma perfeição purificadora".Quando o governo começa a querer colocar tudo por debaixo de sua aba,desde ongs e sindicatos até banqueiros,torna-se algo preocupante para um regime que um dia se pretendeu minimamente democrático.Trata-se sim de uma forma de articulação interna de poder um tanto quanto escamoteadora,que deveria encarar de frente essas problematizações.Sem linhas de fuga.
Não é o caso de fugir dos problemas e relembrar as mil e uma boçalidades do governo do Fernando Henrique.Pois é claro que pra um país com um histórico que temos de governantes,de um Sarney,Collor,passando por FHC,talvez muitos ingenuamente pensem:"Chega.Depois de tanta purgação,chegou a hora da redenção,como uma flor agreste que se santifica".Nem tudo é assim tão simples,nada chega tão prontinho,nem há Messias por essas bandas,sinto dizer.O mesmo no caso de Obama.
À parte tanta firulice de discursos,à parte todo o óbvio ululante e gemente de Nelson Rodrigues,e para não dizer que não falamos das flores,algo no mínimo curioso.Vira e mexe alguém comparece com o discurso pronto de que Lula teria falado palavrões em seu discurso.As dondocas se irritam:"Nunca falei um palavrão em minha vida."Devem ir para o céu por conta disso.Mas Lula,como esteve na Terra,ou na terra,no húmus,não falou sequer palavrão.Como poderíamos dizer "tirar o povo da merda?",de uma maneira perfumada,digamos,respeitosa,quando a própria miséria não o é?Se fosse FHC certamente recorreria a ela com alguma higienista terminologia científica,um calvinista falaria "em castigo dado aos não predestinados",um fundador do neoliberalismo em "ordem natural das coisas",um espírita:compensação kármica para um passado cruel e Sarney viria com mais de seus discursos bestialógicos de praxe.
Desculpas e discursos existem aos montes para tapar esse sol com a peneira.Mas quem vive,in vero,na pele, é que sabe aos montes o que "é a lama,é a lama".Ops,a merda,nua e crua.Sem frescuras e nem mais.

A Crítica(por Diego Assunção)




Sobre a crítica e para os alunos iniciados ou não,um comentário bem preciso do Diego Assunção,extraído do Sétima Arte:

“Crítica de cinema é a arte de amar”, afirmou Jean Douchet, o “Sócrates da atividade”, segundo Louis Skorecki. A frase dele diz muito sobre a profissão como nenhuma outra, começando que ela descarta a prática como uma atividade de indivíduos odiosos e também ignora a idéia de que os críticos são seres que deixam de experimentar os filmes para lê-los, tendo uma visão extremamente racional, como a de um médico legista que disseca um cadáver.

Eu penso que uma crítica não deve nunca ser escrita como uma visão de cima pra baixo da obra, devendo assim obedecer à intenção de proteger a verdade e o sentido internos de uma obra contra todo e qualquer historicismo, biografismo e psicologismo.

Como Jacques Derrida, acredito que a grande virtude de um crítico está em reconhecer a força da obra, a força do gênio que a cria. Assim, o trabalho do crítico é o de fazer com que a potência do artista resida no texto.

Se crítica é a arte de amar, de prolongar o impacto de uma obra, creio que ela deve ser escrita um pouco como uma carta de amor e, se possível, ir além: tornar-se um testamento, um manifesto político, uma declaração de guerra.

Um crítico luta por convicções semelhantes às que o cineasta português Pedro Costa persegue com os seus filmes, a de “nunca lutar contra o capital, contra a barbárie, contra o país”, nada disso, mas lutar por alguma coisa, “pela memória, pela justiça, pelo amor”.

É claro que a atividade crítica anda desprestigiada, mas o bom cinema também está desacreditado. A verdade é que o público não anda muito interessado nos filmes que vão além do passatempo, aí fica realmente difícil a reflexão competir com a indução, a inquietação confrontar a conformidade, a crítica de cinema se sobressair à publicidade."

domingo, 13 de dezembro de 2009

Mann e o corpo a corpo




Uma entrevista muito interessante com o cineasta Michael Mann( de Miami Vice,Colateral,Inimigos Públicos)no "Ilustrada no cinema".
Primeiramente um excerto em que ele engrossa o caldo da questão da autoria nessa arte,provocando os mais puristas de plantão:

"Hoje, temos menos problemas trabalhando com um grande estúdio do que com um produtor independente. Com um independente você é obrigado a lidar com dez produtores,15 conselheiros que se consideram artistas e toda essa merda".

Sobre o estilo:

"Pergunta - Você é um estilista, um formalista. Para você o estilo é mais importante que a história?

Mann – Um filme estiloso cuja história é fraca atrairá nossa atenção durante cinco minutos, não mais. Um cinema puramente formalista é algo imaterial, não tem nenhum sentido."

Sobre a velha dicotomia demasiado enfadonha em que se digladiariam cinema como arte versus cinema como entretenimento.Pingos nos is:

"Mann: Para o estilo enquanto tal, eu não estou nem aí. Assim como estou me lixando para a maneira como as pessoas me percebem: como um artista ou um “entertainer”... Para mim, o crime capital de um realizador é se tomar por isso ou aquilo. Se me tornasse vaidoso e me observasse filmar, eu me condenaria a um fracasso certo e total! Pensar em seu próprio estilo não passa de sedução imatura."


Há um tempo nesse mesmo espaço cheguei a dizer do primeiro impacto que foi ver "Inimigos Públicos" como sendo o de alguém que toca e se sente tocado por "puros rostos("Faces"),Sombras("Shadows"),de uma maneira quase tátil".
Em suma,como que sendo um verdadeiro luxo para os sinestésicos,por excelência.
À parte as muitas distinções entre Mann e um filme de Cassavetes(diretor de "Shadows" e "Faces"),ambos lidam com esse mesmo estado de troca físico-amorosa entre diretores e espectadores.
Para Silviano Santiago,a obra de Drummond como a de Clarice Lispector e de Graciliano Ramos são um caso único na literatura brasileira por essa busca do corpo do leitor por intermédio da palavra,o que consistiria em uma atitude de aproximação erótico-amoroso via signo verbal e os seus silêncios.
Como isso se daria no signo visual do cinema de Michael Mann?
"Mann – O recurso digital me proporcionava a sensação de estar vivo em 1933,de ser contemporâneo da época no filme,de quase poder tocar na gota d’água que cai no carro preto.... Não queria que o público visse meu filme como um truque retrô."

quinta-feira, 10 de dezembro de 2009

Rossellini,os profetas e a Linguagem




Foi falado aqui num breve histórico sobre Roberto Rossellini algo como "fulminação da alteridade" e logo li no blog do Júnior sobre religião algumas visões interessantíssimas sobre o divino e seus tabus.
O que se dá,por esse ângulo,no cinema de Roberto Rossellini é algo que se assemelha a uma parábola.Aliás,iria falar algo sobre o magnífico Joelho de Claire,de Eric Rohmer,do que diz respeito a esses recursos de linguagens oblíquos,quando deparei-me com esses textos.Havia acabado de transcrever,ainda que de maneira introdutória,algo sobre o cinema do mestre italiano,quando eles me caíram como luva.Ou ponto de partida para demais observações.
O que chamei de "alteridade que fulmina" no comentário abaixo sobre o cinema de Rossellini,diz respeito tanto aos protagonistas quanto aos recursos próprios à concepção de direção("e eis que o Espírito Santo será derramado sobre vós").
Longe de mim encarar a arte como forma de redenção,ou algo do tipo.Mas há rastros disso em certos artistas,da Gravidade e da Graça,como já havia falado sobre o Janela indiscreta,citando Simone Weill.
Em Rossellini,o que haveria de moderno?Uma espécie de pós-linguagem oficial de cinema,à parte de seus recursos habituais de empatia,entre outras.Uma espécie de pós-mecanismos de visibilidade entronizados,dentro do que esses despertam como sendo "verdades",ou identificações mais imediatas com ideias ou personagens,etc.
Segundo esses textos sobre religião do blog do Júnior é o que se dá justamente com os profetas nesses estados de alteridade,desse "outro" que vem tomar conta das palavras.
No caso dos profetas,o signo verbal.No caso de Rossellini,o imagético,como que não encerrado dentro dessa linguagem que é lei:linguagem oficial humana de um lado.Linguagem desse cinema e dos profetas,do outro.
Jesus,por exemplo, que inaugurou a Graça por excelência,foi morto bem menos pelos romanos do que pelos doutores da lei. Que é onde questionamos o lugar da religião como disseminação também de truísmos,de farisaísmo dos legisladores de leis mais humanas do que divinas.Afinal,foram esses religiosos que mataram o principal profeta,filho de Deus.
Para começar ele só falava por parábolas,o que era escândalo para muitos.Esse recurso sendo usado pelo fato das coisas divinas não caberem na linguagem,dentro da concepção de uma relação entre linguagem humana e lei,segundo mesmo Jacques Lacan.
Decerto existem outras leis,outras linguagens que os religiosos da época não compreendiam.Para eles,escândalo foi Jesus trabalhar no sábado ou acolher aqueles estigmatizados pelo seu povo,o judeu.
Ao quebrar as fronteiras enraizadas da linguagem,ele(Ele)era avesso aos tabus.E foi morto como homem tabu,tamanha sua alteridade,sua forma de comunicação "outra".Nem precisa ser Jesus,profeta para ser queimado como "outro"(a História assim nos mostra muito bem)em praça pública ou privada.
Estamos lidando com um mundo que não suporta ainda nada "extra",apesar do discurso oficial de pluralidade.Pluralidade desde que muito bem etiquetada em escaninhos bem definidos.
Será que esse mundo padronizado,em que os "governos de esquerda" comportam-se também como arrebanhadores administrativos,suportariam o discurso de Cristo por parábolas?Desconfio que muitos religiosos seriam os primeiros a jogar pedra.
Bem.E o que isso tem a ver com Rossellini?Como uma espécie de profeta nascido na manjedoura do cinema,ou seja,com parcos recursos,inaugura,sem autocomiserações,seu reino do cinema moderno,provocando dissensões dentro de uma concepção mais oficial de cinema,do mau ou do bom.
Quando realiza Alemanha ano zero é quase apedrejado por trair os princípios do neo-realismo.Princípios:leia-se,tabus.Claro que seu cinema interessava-se por muito mais que "mostrar".Desde o início bem mais que um ocupante da escala "social",assim como Jesus também provocava a ira dos amigos por não querer tomar o poder,grande relicário da linguagem humana enraizada.
O social em Rossellini só existia por haver a dimensão de atitude profética,ou seja,embrenhada em outras dimensões,mais escorregadias. Tanto que quando realiza Francisco é chamado de carola.No caso dos filmes com a Ingrid Bergman,um "anti neo-realista".
Se seus heróis eram mesmo possuído por visões,como dizia Gilles Deleuze,a maior dessas era a de encenação.Nesse ponto,ambos(diretor e personagens)se igualavam,pois tomados por algo que nunca coube muito bem dentro do quadro.O visível tornado invisível,como a heroína da obra-prima Europa 51,que se torna irreconhecível pelos demais:Ingrid tornada tabu pelos próprios familiares("Um profeta nunca é reconhecido em sua própria terra".Ou:"Eu vim para separar,pai e filho,marido e esposa".Todas frases de Jesus,retiradas da Bíblia).
A protagonista de Europa 51 não cabe mais na linguagem.Como que possuída por uma forma radicalmente outra de encarnação,de enraizamento no universo,ela some a nossos próprios olhos e de seus familiares,desvanescendo(Relação terra/céu).
Como a mesma Ingrid Bergman em Stromboli que,após galgar os montes para fugir da ilha,é fulminada repentinamente pela extrema alteridade que vê baixar sobre si.Novamente temos monte como terra e erosão,mas também como trânsito para o céu:lugar onde os profetas bíblicos encontravam o alter maior,Deus.
O milagre e a alteridade em Rossellini se dão nesse trânsito para "o fora da linguagem",o visível nesse trânsito para o extracampo.Extrema interioridade da Terra-terra despojando-se para os "céus".
O que é magnífico desperta certo temor de visão,não cabendo no enquadramento.Nessa arte,o cinema está sempre nesse aquém ou além da linguagem.Por isso,em O Messias,Rossellini nem se dá ao trabalho de mostrar a morte a a ressurreição do Mestre,vulgarizando-as.Totalizando-as.Basta,ao final,alguém olhando para um céu esvanescente para que parcialmente compartilhemos do milagre.Ou quando morre o menino em Alemanha ano zero,a câmera logo busca um outro ângulo,uma imagem acima a flagrar a epifania de um estado de movimento de um veículo que transporta outras pessoas.Imagem a um tempo escorregadia e paradoxalmente muito precisa.Certas ações e visões não cabem na linguagem humana ou oficial.São outros(Outros) imensos.Basta uma lépida e definitiva trepidação de um movimento interior tornando-se exterior,e vice-versa:
Terra e céu.

terça-feira, 8 de dezembro de 2009

Listinha Número 2








Quando chove ininterruptamente,pode-se haver uma resignação ao mofo e suas serpentes e lêmures.Ou quem sabe brincarmos com elas,quando não há mais tempo para cantar e dançar na chuva como Gene Kelly.
A maior evidência de que um apocalipse estaria por essas bandas de cá é a sessão dupla do 2012 no centerplex na cidade de Lavras,Sul de Minas,não dando maior espaço para um filme a mais,que não seja um marketeiro Lua Nova.
Ao invés de correr para o shopping em busca do mais do mesmo,eu e minha esposa fugimos para uma lanchonete-café da cidade chamada Delícias da Casa(se não me engano),que veio incrementar com excelente atendimento e deliciosa atmosfera,a um tempo despojada e algo cosmopolita,nossa noite de Sábado.
Foi nesse bendito lugar que perpetramos nossa listinha de cineastas,entre sucos e sonhos.
Como bom cavalheiro(talvez de fachada),a da Dani pra começar,no melhor estilo The Girl is mine,mas a lista é dela:

Charlie Chaplin
Alfred Hitchcock(por esses dois nomes iniciais em sequência,permito-me um comentário:inglesinha,nem um pouco...)
Roberto Rossellini
Howard Hawks
Vincente Minnelli
Jean Renoir
John Ford
Clint Eastwood
Michelangelo Antonioni

(Quando fazíamos cada uma delas nos guardanapos,naturalmente não víamos a do outro).
A de meu punho:

Howard Hawks
Jean Renoir
Eric Rohmer
Roberto Rossellini
Vincente Minnelli
Alfred Hitchcock
King Vidor
Charlie Chaplin
Clint Eastwood


Uma foto(a segunda) é do cineasta francês Jean Renoir,filho do pintor impressionista Pierre-Auguste Renoir.
A escolha foi por conta de seu nome estar muito bem representado aqui e também por uma homenagem afetiva a seu filme La Bête Humaine,que tendo sido minha penúltima aquisição, mesmo assim não esperava que tanto me impressionasse nessa revisão em DVD.
Momento em que seu dom de de acolhimento dos seres-personagens,diante da impassibilidade da natureza e dos "fatos",não redunda em nada menos do que inteira obra-prima.

Ps(sobre a outra foto):Aguardo com certa ansiedade a última aquisição:o lendário A Tomada do poder por Luís XIV,de Roberto Rossellini(que em dvd no Brasil saiu com o nome de Absolutismo-A Ascensão de Luís XIV),o cineasta visionário italiano que traumatizou positivamente o cinema do pós-guerra.
Esse lançamento vem cobrir mais uma parcela de sua obra de quando ele migrou do cinema para a TV.Sua fase televisiva é menos conhecida,mas a se julgar por alguns títulos como Sócrates ou O Messias,é igualmente visionária.
Sua obra antes do clássico Roma,Cidade Aberta,filmado todo sem estúdio e fazendo milagre com parcos recursos,era adaptada ao regime fascista em voga.Com Roma veio o corte para uma postura mais urgente diante dos fatos e um posicionamento inovador de cinema.Pela recusa,entre outras,a uma empatia mais óbvia e imediata com o espectador via protagonistas ou via arcabouço cenográfico dos estúdios.A empatia em Rossellini não é buscada em princípio.Mas se não a procurava,ele bem a encontrava,como dizia Picasso.
Com Paisà,uma obra-prima de contos a partir de seres aparentemente anônimos e Alemanha ano zero,fecha com chave de ouro a chamada trilogia da guerra.
Com Ingrid Bergman(sua então esposa)uma fase muito rechaçada à época e hoje muito admirada,contendo os consagrados Stromboli,Europa 51(um de meus filmes favoritos,se não o favorito)e Viagem à Itália,que provocou assombros na Cahiers du cinéma pela desdramatização de uma história de amor entre o desgaste da "queda" e o resgate de um sentido de união para um casal.Isso tudo entre um Francisco,arauto de Deus(outra obra-prima)aqui e outra pérola acolá(Era noite em Roma,...).
Seu último momento é da da fase televisiva, por meio da qual pretendia educar o povo,contando a história de toda uma formação ocidental,inclusive de pensadores,via sua concepção visionária de arte,sem fáceis didatismos.Ao migrar para a tv,Rossellini fugia ao modelo espetaculoso do cinema que ganhava força com o tempo.
O diretor até o fim permaneceu fiel à sua recusa da "falsa empatia",optando por um rigor de extremo despojamento de estilo.Essa dureza do relato permitia as mais infinitas nuanças nas entrelinhas e no entorno de cenas.E ao cabo de suas jornadas,o resultado era não menos que uma empatia,ainda que outra que a habitual,não menos intensa,talvez até mais,em que o intelectual italiano deixava bem claro que se seu alvo inicial era a inteligência,essa abruptamente tornava-se fulminação da alteridade:um "outro" subterrâneo que se colocava repentinamente à superfície,em meio às bordas do plano de cinema,ou dos personagens.
Afinal,e um tanto paradoxalmente,o resultado do cinema de Rossellini,sua espiritualidade tão decantada,estava em total acordo com sua inteligência suprema do pathos:a emocional.E mais por ela do que por qualquer outro motivo,qual seja da ordem dos recursos,que sua obra permanece intacta como uma das mais instigantes do chamado Cinema Moderno,além de ser provavelmente a mais fiel porta voz dessa sensibilidade.
Sua obra televisiva é mais uma das provas de seu visionarismo.Um desses mal assimilados ainda hoje e que o veículo tv de nossos dias custará muito a conseguir acompanhar,estar à altura.

domingo, 6 de dezembro de 2009

Instantes listados à luz de velas





Eu e a Dani(ma femme)ontem à noite numa lanchonete-café,em meio a um climático tempo chuvoso,decidimos bolar umas listinhas.
Não houve pretensão de "verdade".Somente algo que correspondesse ao momento afetivo de cada um de nós.
A de música popular da Dani:

Ira
Burt Bacharach
Velvet Underground
Tom Jobim
Chico Buarque
George Gershwin
Ennio Morricone
Cole Porter
Noel Rosa
Cartola
Paul McCartney

A minha:

Tom Jobim
Burt Bacharach
Richard Rodgers
George Gershwin
Paul McCartney
The Kinks(Ray Davies)
Henry Mancini
Ira
Cole Porter
Cartola
Chico Buarque


A foto é do grande mestre,o maestro Burt Bacharach,nossa coincidência como segundo nome.

sábado, 5 de dezembro de 2009

Sabotagens




Com os reveses do caso Enem,houve um certo esforço geral em querer desacreditar o primeiro projeto de avaliações no Brasil minimamente sensato:as velhas resistências de sempre quanto à algo que pressupõe desenvolvimento.Com o Enem as avaliações tendem a valorizar menos mecanicismo e mais reflexão e interpretação.Tudo isso é muito novo e a "manada" geral(leia-se gado)procura de todas as formas sabotar.
Como ficariam os donos de cursinhos,sempre ocupados em adestrar "gado" para o vestibular?Sempre me perguntei,uma vez passada essa etapa da vida de muitas pessoas,o que fazer com o que foi "ensinado"?Joga-se tudo janela à fora.Já que o tal "conhecimento" somente serviu para aquelas provas.
O Enem é o primeiro esforço digno de acabar com isso,já que hoje quase todas as escolas particulares só se preocupam com esse adestramento:Conhecimento descartável.Peraí,conhecimento?Adestramento,repito.Como se treina um cão,repetindo fórmulas,ensinando macetes.
Lógico que as resistência vêm a tona,com os melhores- piores sabotadores compenetradíssmos.

quarta-feira, 2 de dezembro de 2009

Janela Indiscreta(De Novo)



Janela Indiscreta ou o cinema segundo Alfred Hitchcock:as projeções do fotógrafo(James Stewart)+ a presença do corpo no mundo(Grace Kelly).Para o diretor inglês,o cinema ocorre nesse acoplamento em que ideia e matéria se interceptam a compor os limites do mundo-ficção,ou bem da ficção- mundo.
Em outros termos ou sub-planos, o cinema define-se moralmente como o lugar da "Gravidade e da Graça"(Simone Weill).A Gravidade presente no fotógrafo Stewart,que carrega consigo a forte suspeição e persecução do olhar siderado + a Graça=Grace Kelly,sua namorada,que entra com a leveza e o plainar dos corpos,tal como na cena crucial em que ocupa o apartamento do assassino para a um tempo o orgulho e a angústia do namorado que supõe dessa vez perdê-la para sempre.
Em Janela Indiscreta(como em Um Corpo que Cai), fica mais do que nítido que, em Hitchock,o cinema é o lugar da desconstrução e da alquimia atualizadas,acopladas para o "Bem" ou para o "Mal."
No primeiro,o protagonista é um homem noturno,que mal dorme para vigiar os habitantes do outro prédio,tal como um "vampiro" baudelaireano a querer sugar a essência dos seres,compondo para si mesmo os sinais da trama das correspondências:Pintor-fotógrafo.
Grace Kelly, de frívola burguesa ocupada com a moda, dá seu salto definitivo.Encontra a ponte para o outro lado da vizinhança, em que escala com a ligeireza e o flutuar de alguém que se descobre e se desdobra como avesso,corpo angelical.Tanto mais que,após revirar as provas do suposto assassinato,que teria desencadeado(também supostamente)as atitudes de suspeição do marido,entrega o mesmo indiretamente ao assassino,escancarando com toda a graça e Graça um nítido sinal: a aliança.Prova do crime e possibilidade concreta de união para o casal.Desconstrução do amado e alquimia moral.
No universo de Stewart a casa do crime seria também a hesitante moradia das projeções do fotógrafo.Tirar,em meio a um cenário cinematográfico do crime,uma aliança seria menos trabalho de ourives do que contundente alquimia de sentidos,de sinais imagéticos(não confundir com fácil simbolismo).Nesse sentido,o cinema de Hitchcock encontra-se consubstanciado nesse definitivo plainar de Kelly,que desconstrói o amado a seus próprios olhos.Será permitido dessa vez ao fotógrafo obsessivo ver no espelho do crime e do amor sua própria faceta,como o outro lado do espelho em que tanto se projetava e até residia.Grace Kelly,ao encarnar o avesso de si mesma,expõe o do amado para ele.
Víamos quase todo o tempo o que Stewart via de seu prédio.Agora é a vez do espelho olhar para o fotógrafo,justamente quando as imagens de Hitchcock buscam outros focos.Exatamente no momento em que a solteirona do outro andar escapa do suicídio,devido à conclusão de uma composição que o pianista do outro andar tentava à todo custo aprimorar durante todo o filme.Essa composição a detém,fazendo com que outros mundos intervenham na ação,trazendo novas perspectivas,menos obsessivas e mais dinâmicas,sendo conduzidas por um maestro de imagens e pelo corpo esguio da namorada.
Após esse jogo de trilha sonora efetivado pelo pianista do outro andar,que nem sabia o que estaria se passando de suspense no prédio,ao cabo desse momento ápice da sinfonia de Hitchcock,só poderemos ver nosso "herói" precipitando-se na queda-leia-se- Queda-de seu próprio andar.
A alquimia de Hitchcock(e de Grace Kelly)o desconstruiu,mas o primeiro foi também compassivo,salvando-o por um triz.Dessa forma(antes Forma),ideia e matéria consubstanciadas em Gravidade e Graça deixaram as marcas nesse filme brilhante com aparência de mera brincadeira.Um momento em que os rastros simbolistas de um Charles Baudelaire fizeram-se modernos em uma arte cheia de segredos,carregada de entrecruzamentos,os mais expressivos e de natureza.

terça-feira, 1 de dezembro de 2009

Confusões 2




A outra parte da reportagem fala de algumas curiosidades interessantes,como Margot Kidder(a namorada do Super-Homem)ensinando Steven Spielberg a lidar com as mulheres.
Se aprendeu ou não,não sei.Sabemos,no entanto,que sua entrada(penetração),junto a George Lucas,no mundo de Hollywood inaugurou a era dos blockbusters e daí pra frente o cinema norte-americano,assim como o conhecíamos,foi paulatinamente perdendo sim seu lugar de arte,de algo,digamos,mais adulto para a sintonia com algo mais adolescente.Mas não poderíamos simplesmente responsabilizá-los, esquecendo o papel dos novos engravatados,leia-se executivos,nisso tudo.
De Spielberg gosto particularmente bem do Encurralado,mas com o tempo foi havendo uma adequação cada vez maior de tudo à nova sensibilidade televisiva e era necessário pegar o espectador mais desconcentrado da tv por meio de pastiches da narratividade épico-aventureira ou melodramática de Griffith(o codificador do classicismo no cinema),ou de seriados de tv do passado,acrescentando a isso os efeitos especiais,que se tornaram muito mais do que um recurso,mas um verdadeiro fetiche dos tempos,o deus platinado do cinema.Em perfeita sintonia com aquela tv,que era(e permanece)como que sendo um totém nas "prisões domiciliares" burguesas ou pequeno-burguesas.
A vantagem de Lucas e Spielberg é que tinham certo talento de narradores e,algumas vezes,uma real crença em seu material.Sabiam,por vezes,manipular bem as lições de Griffith da inserção da emoção no ato da narratividade,sem agressões mais óbvias ao espectador,ou telespectador.
Mas a partir daí a cisão entre arte e entretenimento foi-se tornando cada vez maior,a tal ponto que falar em arte hoje em Hollywood parece a muitos um contrasenso.Ou um luxo.
De maneira que aquele que quer dizer que não aprecia os ramerrames,as mesmices da indústria,tão logo busca uma maneira de se auto-afirmar:eu gosto mesmo é de filme europeu,asiático,etc.Como se muitos desses filmes não pudessem ser também fraquíssimos.Como se não houvesse uma enorme diferença,por exemplo,entre um Abbas Kiarostami(esse sim, um grande artista)e a maior parte dos ditos filmes iranianos.
Grande parte da nova geração cult precisa desse tipo de "afetação" talvez por não saber que alguma vez separações tão brutais não existissem.Que muitos que um dia procuravam divertimento,se habituavam também com arte,e vice-versa.Sendo esse tipo de posicionamento,assim como as declarações do autor do livro sobre a contracultura no cinema,mais um dos sintomas de uma esquizofrenia que foi se impondo com cada vez mais força no tempo.

Confusões




Vendo uma reportagem sobre o livro de Peter Biskind sobre a geração da contracultura em Hollywood,uma frase de efeito me pareceu fora de lugar.A de que diretores como John Ford se preocupavam em entreter, enquanto a turma de Scorsese,Coppola,Dennis Hopper e muitos outros estaria interessada em algo artístico e pessoal.Confesso que até hoje não consigo entender essas dicotomias.É como aqueles fãs de rock que querem colocar um Paul McCartney num lugar secundário por fazer algo pop.Consideram que o pop é o lugar das concessões e o rock, o espaço por excelência da autenticidade.
Esse tipo de maniqueísmo é, no mínimo,tosco e acomodado.John Ford não é meu diretor favorito,mas tem muito de pessoal.Basta conhecer bem sua obra e ver como planejava seus planos,como durante a evolução de sua obra as preocupações iam se depurando e se reconfigurando com considerável coerência( na falta de uma palavra melhor).Mas isso talvez interesse menos.
Ao assistir a um filme como Sem Destino, o que vemos é uma sintonia com aqueles tempos,da mesma maneira que um filme de John Ford poderia muito bem estar sintonizado com as épocas precedentes,ainda que trabalhando a partir de mitos.Acontece que Sem Destino trabalha com o mito hippie,assim como o Poderoso Chefão com outro deles.
Cada época apresenta suas representações.Não se trata de mentira ou "realismo",mas sim de que o trabalho feito com arte atravessa seu tempo.Caso tanto de um John Ford quanto de um Scorsese em muitos filmes.
Por outra,não podemos nos esquecer de que um Poderoso Chefão,entre outros,guardava muito do espírito de estúdio e que os bons filmes da dita contracultura eram igualmente, em sua maioria,muito divertidos e vibrantes.