sexta-feira, 30 de abril de 2010





Ao final de o Grande Ditador,de Charlie Chaplin acompanhamos uma espécie de indistinção do ser em uma imagem que flutua até chegar àquele momento chave:um nazista que é um barbeiro judeu a discursar com o bigode e o tom inflamado de Hitler.

Em seu filme seguinte,Monsieur Verdoux,o diretor retoma o ambiente de guerra junto à figura de assassino em massa.Mas,dessa feita,trata-se de um protagonista inserido na "normalidade" do cotidiano americano,que opera como alegoria a denunciar um tipo de crueldade instalada como"comum" e perpretada por homens comuns.

Que é onde se prolonga e se apura o questionamento do filme anterior e,de um modo geral,de toda a obra do diretor:Quais seriam as proporções-e possibilidades- de um homem na imagem?Flutuamos de um barbeiro judeu com sua gilete a um nazista e vice-versa,de um homem de negócios,zeloso do lar a um criminoso em potencial,mas que, em um dado momento, poupa a vida de uma indefesa.


Há ainda outra sobreposição:


" Verdoux é uma das saídas para o Carlitos dos primeiros tempos.A consagração de um aspecto que desde então não deixou de renegar ou recalcar.Só é um "anticarlitos" na medida em que materializa as tendências que Carlitos continha em si. Mas,de uma maneira ou de outra,é a mesma crítica,a mesma feroz ironia.

A sociedade que recalcava Carlitos por ser "subversivo" condena Verdoux,que não está à margem da dita sociedade.Sem defesa contra um Carlitos que só podia excluir ou fingir ignorar,pode dar-se ao luxo de levá-lo ao cadafalso."(Jean Mitry)


quinta-feira, 22 de abril de 2010






Papo melômano com amigos


Embora não consiga me desvencilhar do Cafe Bleu, do Style Council, que é uma rara combinação de jazz e pop, bem sucedida, mágica - eu diria-, estive ouvindo um tanto de Elvis Costello, sobretudo Clubland, obra-prima do pop.
Em ambos os casos, são músicas que poderiam ter nascido hoje e que apresentam um tipo de sonoridade pop de tônus bem sofisticado, ameaçando a qualquer momento passar para um outro lado,um outro mundo, mas que já não caberia em um conceito específico,delimitado de rock/pop ou mesmo jazz.
Trabalhos, enfim, para amantes de música e não para fãs de gêneros musicais.

Aproveitei para relembrar outro trabalho de Costello, When I was cruel. A jovialidade comparece desde a primeira: “45”, um balanço de sua vida e carreira. No decorrer, haverá uma obra pontuada por duplas facetas. De um lado, o de quem havia acabado de se dedicar a trabalhos de jazz e de canto lírico. De outro, o de alguém que retoma um estado de espírito mais “punk”, ruidoso dos primeiros tempos de sua carreira.

Haja, aliás, barulho em “Dissolve” ou em “Daddy can I turn this?” Nesses momentos, o disco permanece elegante e saberemos que poucos trabalhariam a cacofonia com tal propriedade e refinamento.

Haverá também menções ao glam rock, como em “Tear off your own head”, ou na finesse minimalista de “When I was cruel”,título do álbum. Já Tart passa abruptamente do pop lamentoso a uma precisa e intensa pegada de jazz que durará segundos a cada vez que comparece. Nada mais é necessário nessa aula de musicalidade e de concisão instrumental.

Minha favorita é “Episode of Blonde”,pontuada por pianos ao estilo do Aladin Sane,de David Bowie- o glam rock novamente- combinados a um canto herdeiro de Bob Dylan,mas com um dom melódico mais apurado,nada indigno dos melhores momentos de McCartney.Ocorrendo quase ao final do disco,funciona como seu momento clímax, como um tipo de apoteose. E mesmo com a riqueza de recursos sonoros a acompanhar um prolífico monólogo teatral, circular, não haverá rastros de inchaço ou de gigantismo e, portanto, nem aqui o disco se afastaria de uma tonalidade geral mais despojada-embora "mais despojada” somente no tom.

Tanto o jazz-pop do Style Council, em Café Bleu ,quanto Elvis Costello,em um disco pontuado por metais como When I was cruel,encontram-se no máximo de suas carreiras, como também de uma maturidade musical que dispensa dogmas ou apanelamentos de idade ou de gênero.

segunda-feira, 19 de abril de 2010



"Este filme ilustra exatamente a dialética hitchcockiana da prova que conduz o herói-ou heróis-do enigma à sua resolução,do erro ao reconhecimento...A permanente ironia,tão difícil de formalizar como fácil de indicar,faz do filme o lugar eleito de uma dissolução.De um ir e vir provocante,entre a gratuidade do jogo e a gravidade da aposta"(Raymond Bellour,sobre Intriga Internacional,em uma observação que caberia também para Janela Indiscreta).

sábado, 17 de abril de 2010

To Play





Sem internet por esses tempos e com absoluta falta de tempo,peço desculpas a quem esteja acompanhando.
De qualquer forma,aproveito para postar algumas cotações de filmes vistos e revistos.Do item "that´s entertainment",ou "vamos brincar nesta rua":

***- bom
*** e meia-muito bom
****-ótimo
**** e meia-excelente
*****-excepcional ou obra-prima

Invictus(Clint Eastwood)***
Avatar(Cameron)**
Colateral(Michael Mann) **** e meia
O Anjo Exterminador( Luis Buñuel)*****
Nascida Ontem(George Cukor)****
Holiday(Cukor)*****
A Fantástica Fábrica de Chocolates(Tim Burton)**** e meia
Um Mundo Perfeito(C.Eastwood)*****
O Alucinado( Luis Buñuel)*****
O Peixe Grande(Tim Burton)****
A Volta da Pantera cor de rosa(Blake Edwards)**** e meia
Adeus,Amor(George Sidney)*****
Bastardos Inglórios(Tarantino)***
Soberba(Orson Welles)*****
Miami Vice(Michael Mann)*****
A Ilha do Medo(Scorsese)***
Se meu apartamento falasse(Billy Wilder)*****
Bonequinha de Luxo(Blake Edwards)*****
A Filha da Água(Jean Renoir)*****
O Assassinato Misterioso em Manhattan(Woody Allen)*****
A Tortura do Silêncio(Hitchcock)*****
Rio Grande(Jonh Ford)***
Um Certo Capitão Lockhart(Anthony Mann)-**** e meia
O Pão Nosso(King Vidor)-*****
De Repente,no último Verão(Joseph Mankiewicz)**** e meia
Juventude Transviada(Nicholas Ray)**** e meia
O Joelho de Claire(Eric Rohmer)*****
Cassino*** e meia(Scorsese)
Duas Inglesas e o Amor(Truffaut)*****


Alguns já gostei mais ou bem mais,tais como Cassino e Núpcias de Escândalo(*** e meia).
Outros como a A Filha da Água(Renoir),A Fantástica Fábrica,de Tim Burton ou Assassinato Misterioso em Manhattan( W.Allen) muito me surpreenderam pela superposição de novas camadas.
E Se Meu apartamento falasse,Janela Indiscreta,O Anjo Exterminador,entre outros,parecem não alterar com o tempo.Ou, quando acontece,é para melhor.

sexta-feira, 9 de abril de 2010

Ps

Ps.No comentário sobre Miami Vice postei apressadamente o termo " a de despertada".
Era para ser "conexão pelo sensorial a ser despertada".Mas fica do que jeito que já está para nos mantermos fiel ao que o blog(ao menos esse) pretende ser.Um esboço.

segunda-feira, 5 de abril de 2010








Miami Vice apresenta uma montagem original do começo ao fim, como a que comparece no desenrolar de Colateral. Jogos de ângulos a compor um labirinto urbano pós-moderno.

Colateral pode parecer, por certos pontos, mais direto, ao passo que Miami Vice vai se insinuando aos poucos, do abstrato ao concreto, para retornar à abstração - no último momento, não vemos mais o rosto do protagonista - como sugere e atesta sua sinuosa montagem. E, por esse lado, seria oblíquo.

Michel Mann faz um tanto como Howard Hawks. Abaixa o tom de sua narrativa, de maneira que, enquanto a dramaturgia cria seu ruído próprio de ação - afinal, tratar-se-ia de um policial-, o essencial se encontrará, de fato, no subsolo de cena.

Mais para o início, quando o policial negro se entrelaça com sua namorada durante e após um banho, teríamos apenas um breve tira gosto do que seria a extensão do sensorial no filme. Cinema tátil, mas como forma de buscar a alma dos indivíduos e dos acontecimentos.

Teremos, afinal, uma espécie de ensaio fenomenológico sobre as agruras da máquina do dever policial, primeiramente, de sua trágica condição. A câmera oscilará, sem alardes videoclípticos, em torno de seu eixo, dos rostos e das cenas, pois haverá um frêmito contemporâneo a ser captado, a tornar-se aparente. E se o andamento das cenas é bem dinâmico, saberemos que os amores talvez sejam instantâneos, próprio de um tempo fugaz e, talvez, improvável.

Para compensar esse estado de coisas, do tempo, a cena do combate final funcionará como um duelo de um western de San Peckinpach, lentamente coreografada. Ou seja, o que, em um policial convencional, seria o ápice do filme é empregado com rebaixamento de tom, com a sonoridade dos tiros sendo trabalhada como música lenta, ou seja, de forma decomposta como o movimento das imagens.

Esse tipo de mutismo é toda uma operação fundamental do filme, pois se existem muitas falas e dinâmica na montagem, essas mesmas carregam uma destacada qualidade de abstração, já que o relevante se encontra mesmo no interior do movimento, no subsolo do plano. E, diante disso e das implicações existenciais, éticas e mesmo trágicas da máquina moderna ou pós-moderna, estaremos distantes do espírito de fôrma ou de tese de filmes descararadamente políticos.

É que, no fundo, Miami Vice é mais simples do que parece. Trata-se de um “filme de amor”. A rigor, de amores. De um policial negro que quase perde sua namorada por duas vezes e de um policial branco que, definitivamente, perde sua executiva, pertencente ao “outro lado”. Sabendo que essa moça oriental teria se envolvido há tempos com o negócio de contrabando de drogas por um tipo de fatalidade, trata-se de um casal composto por seres semelhantes, porém, de lados opostos.

São angústias mudas que se desenham como paralelas dos tons mais altos, cujo segredo estará em saber filmar a intensidade dos encontros e desencontros por meio de um laconismo vigoroso, com o mais ficando por conta do extra campo e do espectador.

Ao fim, teremos aquele policial negro entrelaçado à sua namorada em coma. O momento não é casual, como poderia parecer o do início no chuveiro, implicando uma rara conexão pelo sensorial a de despertada. No caso do protagonista branco com a oriental, o entrelaçamento ocorrido pouco antes da despedida final implicará mútua absorção, mas com a conexão se rachando fisicamente ao meio.

Cineasta de “identidades forjadas” (expressão do filme), de estilhaços pós-modernos, a filmar rostos no vácuo ou entrelaçamentos, usando o físico e o subsolo de cena para se chegar à alma, por meio de um movimento contínuo de rebaixamento de tom em sua narrativa, Michael Mann, em Miami Vice, talvez tenha feito sua obra-prima.