segunda-feira, 28 de novembro de 2011

Cooperifa- A periferia por ela




Aqueles que lotavam o Zé Batidão, localizado na periferia da Zona Sul paulistana, aguardavam ansiosamente o início do Sarau da Cooperifa, que ocorre toda quarta-feira, “faça chuva ou faça sol”, como avisa o fundador Sérgio Vaz.


Porém, o dia 19 de Outubro foi especial. Além de chegar à marca de 500 saraus, a Cooperifa completa 10 anos de resistência cultural. Para a comemoração, cerca de 500 pessoas se espremiam alegremente no Zé Batidão.


Às 21 horas, quando o poeta Sérgio Vaz e outros colaboradores se reuniram em frente ao microfone, o ambiente se modificou. O barulho produzido pelas conversas e  debates deu lugar a um respeitoso silêncio.


“O silêncio é prece. É uma prece mesmo. O cara chega na quebrada e vê 200 pessoas reunidas em volta de um bar pela poesia. E não é festa. É silêncio, é  comungar a palavra, comungar o respeito”, explica Vaz.


Após um momento de celebração e abraços, a atividade continuou normalmente. “Queremos que o artista conheça sua comunidade e que a comunidade conheça seus artistas”.

“Durante duas horas, mais de 50 poetas declamaram seus textos. Depois do aplauso da galera, eles voltavam para seus lugares, se misturando com o público, e assistiam as declamações seguintes. Era difícil diferenciar artistas e espectadores”.



Passado imediato


Porém, essa efervescência cultural nem sempre foi a realidade da periferia de São Paulo. 


“Nos anos 80, a Zona Sul foi considerada um dos lugares mais violentos do mundo e ninguém queria morar aqui”, relembra Márcio Batista, poeta e fundador da Cooperifa.

Durante muito tempo, moradores da Cooperifa tiveram seu direito à cultura negado. Para Rose Dória, poeta e fundador, a situação ainda é a mesma, “se você parar pra pensar, quanto se paga para ver um show, uma peça de teatro ou filme de cinema?”.



“Então, a cultura continua não acessível, o que mudou foi que resolvemos fazer por nós mesmos”.


 Para Josiel Medrado, poeta e morador da zona Sul, durante muito tempo a articulação e produção cultural da região foi fraca. “Aconteciam somente coisas eventuais e esporádicas, não existia um movimento de ação cultural, isso começa com a Cooperifa”.



“Todo mundo sabe que na periferia não tem teatro, nem cinema, nem biblioteca. O único espaço público que o governo deu foi o bar. Então, vamos transformar o bar em centro cultural”, incentivou Vaz.

segunda-feira, 21 de novembro de 2011

Periferia por ela mesma- 2





 


( Mano Brown fala com Renato Rovai):





Movimento Zapatista:


Sou mal informado sobre isso. Todo movimento que é pra defender quem sofre sou a favor. Que seja da partilha, tô dentro.

A periferia já ta armada. Só que na periferia é tudo alienado. Eles só conseguem enxergar o inimigo aqui no meio deles. Mas o inimigo não está perto de nós...



 
Racionais:

Agora, a mídia e muitas pessoas veem  a gente como atração de circo, a mulher barbada, o homem que engole espada. Os “maluco” é preto, do Capão (Redondo) e até que não é tão burro.


De uma hora pra outra aparecem uns malucos da periferia cantando rap, falando uns barato. Os caras  não estão acostumados a ver sair pessoas da periferia com ideias.

É como se fosse um barato excêntrico. É,  eu acho que o Racionais é excêntrico...




A Educação Branca:


A cultura européia vê o negro como coadjuvante, só na sombra.

A maioria dos pretos que entram nas escolas de branco e vira doutor fica chato pra caramba. Ele não é preto. E também não é branco.  É igual um braço querer ser igual a nós. Ele tá sendo um barato que ele não é.





Sonho:



Todo mundo acha que eu tenho que falar em prol de um grande número de pessoas, só que eu falo do que tá do meu lado.  Os problemas dos camaradas. Eu quero que todo mundo da quebrada, da região, viva bem.

 Só que cada um tem um sonho diferente do outro.



USA


...(  ) Quanto aos Estados Unidos,  se o mundo for acabar, vai começar por lá.


  Agora, uma “pá de bagulho” que vem de lá é da hora. Tudo o que é chique é americano. Não dá pra negar. A pior burrice é criticar o que é da hora e fingir que não é.


O Brasil também é um país da hora, só não sabe, não descobriu. A culpa é do nosso governo, que é igual puta que perde status. Não bate bem.


O que falta ao Brasil é um governante à altura para defender os interesses do país. O governo americano defende os interesses dele.




Ser ruim:


Ser ruim é o cara que não perdoa. Ou que troca uma amizade para conseguir alguma coisa por dinheiro.




Classes e conflitos sociais:


Não li muitos livros. Tem muito discurso pronto: “O pobre é coitadinho e o rico é filho da puta”. Na verdade, quem tá por baixo sempre é coitado.

Só que tá do jeito que o diabo gosta.




Religião:


Eu freqüento uma igreja evangélica aqui da quebrada. Já simpatizei com o candomblé. 

Agora, quando minha família ia pro candomblé, não tinha nem pra comer. O candomblé mexe com coisa que não é da alçada do ser humano.


Eu acho que existe uma força maior. Acredito em Deus, que Jesus existiu mesmo, que ele fez o que falam. Não que eu vá seguir pessoas. Se eu tentar me espelhar num crente, vou me danar. Tem que ir pela palavra, não num ser humano que é igual a mim.

Todo mundo quer analisar a religião pelas pessoas. 

Você pode encontrar pessoas boas e pessoas más numa igreja. Você não pode seguir o homem, mas a palavra.

Se fosse para seguir o homem não existiria Deus e essas coisas. Como pode existir a criatura? Precisa de criador. É outro assunto.



Mídia:


Ajo como um preto deveria agir. Digo não pras coisas que todo mundo acha que eu deveria dizer sim. Nós não precisamos disso aí ".

quarta-feira, 16 de novembro de 2011

Gotas de Realismo- parte 1


  
 “A periferia por ela mesma”-   Mano Brown ( 2001)



1-Violência, Paz e consumo:

Qual das violências? A do revólver? Há vários lados a analisar. Uma é a do desemprego, ainda mais com tanta competição.

Tem muita arma na rua. Falta comida, mas tem arma. É o circo do cão.




Hoje tem um monte de coisas “bala” pra comprar, mas falta dinheiro. Isso desperta mais cobiça ainda.


Por outro lado, tem o dinheiro. Todo mundo quer ter. E aí o ladrão tem mais respeito que o trabalhador. Até pra sociedade.




Por isso, a molecada, filha daquele pai que já sofreu pra caralho, que não tem nada, que mora no barraco, não quer viver igual ao pai...Quer ser notório. Quer ser notado. Quer seu espaço.



Ele não é ninguém pro governo, não é ninguém pra patrão dele, pra mulher dele, pros vizinhos dele, “não é ninguém.”. Aí quem faz o crime é notório, “é alguém”. 



O mundo é violento, o sistema é violento. Hoje o que manda é o ter. Quem não tem “não é”.
Se você pode consumir, “você é”. Senão, “você não é”. 




As pessoas veem muita televisão, o que é vendido na televisão. Você quer ser o cara da TV. Compre o Startac, “se você não tem, é vacilão”. “Tem que estar a pampa no dia a dia”, senão as minas te veem como um prego.




2- O Povo Brasileiro:




O brasileiro não confia muito no Brasil, não confia na melhora, não confia no vizinho. Não há sentimento de união.


Não tem esse povo brasileiro que o pessoal fala. Tem um monte de gente. O Brasil não tem um povo. O que é o brasileiro?



3- Alienação e Bandidagem:



É o que eles estão conseguindo. O crime é alienado. Os criminosos na periferia não são políticos, não têm ideologia. São alienados: 


É ouro, puta, motel, roupa de marca, carro de playboy. Não têm ideologia, têm merda. Eu vivo na periferia, eu vejo o que é.



4- Dignidade:



Eu sou um homem, não sou uma peça, um móvel. Mas eu vejo que aqui as pessoas são tratadas como móvel velho.




5-Drogas:


Elas não desestruturam só a periferia. O que existe em toda periferia é tráfico. Droga é problema geral. Se bobear, até o presidente dá uns pegas. Mas rico, se passar mal, vai pra clínica. 

Na periferia, não, a guerra do tráfico da droga mata. Sem a droga, a periferia já é desestruturada.



6- A Polícia




A polícia não reprime, representa, faz teatro. A polícia não repreende nada. É mais um Trabalhador que está enganando o patrão, que nesse caso é o povo.

“Eu vou dar um role pra aqueles lados, se eu catar um otário-vacilão, eu mando. 

Se a bocada tiver dinheiro e der pra eu catar um cara, eu cato; se não tiver nada também se dane, não é meu filho”. É desse jeito. 


Esse espírito do vamos combater o crime para o bem da população não existe. Não tem nada disso. Ele nada mais é que um criminoso com farda.



Agora o que dá nojo é que ele é um cara que muitas vezes sabe das coisas. Mas lá na polícia, dentro da corporação, não sobra ninguém. Uma vez eu estava numa delegacia e vi um policial chegando pra falar com o comandante dele. Aí o comandante berrou:

“Volta pra trás, cadê seu chapéu?” O cara parou e o comandante mandou: “Eu te chamei pra você entrar aqui? Volta pra trás, pra lá, mais pra lá”.



Mandou ele voltar três ou quatro vezes. 


Agora solta aquele cara na rua e você é o primeiro a trombar com ele numa favela. Na hora ele pensa: “Vou tirar a neurose é nesse aqui”.

( Continua...).

sábado, 12 de novembro de 2011

Papéis em Minnelli- Meet me in St. Louis ( 1944) : ( Nota)





“A sensibilidade artística de Minnelli estava em sintonia com os anseios femininos e com a ansiedade masculina, e um excesso de ambos torna este musical inexoravelmente dramático.
O patriarcado surge na forma algo estúpida e rabugenta de Leon Ames, que tenta afirmar sua autoridade em face de uma família esmagadoramente feminina.
  
A série de namorados das garotas também precisa ser instigada, manipulada e informada de seu verdadeiro destino conjugal."



Ps- Próxima postagem-  A periferia por ela mesma.

The Bad and The Beautiful- Notinha



A convicção de Shields ( Kirk Douglas) , o personagem produtor,  de que está fazendo uma grande arte - compartilhada por seu contador !-  pela qual vale a pena sacrificar a vida de outras pessoas torna esse filme ainda mais perturbador quando o diretor Minnelli nos permite vislumbrar exatamente o tipo de espetáculo "exagerado"  e arrogante que acabou sendo menos  "bem-sucedido"  do que produções mais modestas.

 Sabemos que, na filmografia de Shields, preferiríamos  ver  “A Maldição do Homem-Gato"-  referência ao filme b "A Marca da Pantera" no lugar de "A Montagem Distante".


terça-feira, 8 de novembro de 2011

Os Supers- papéis



“Um cartaz muito eloqüente”, Por Marina Colasanti



“Não sei como ela consegue”, diz o cartaz. Abaixo, chamativo, o título do filme “Se é fácil, o homem também pode aprender”. E a indefectível Sarah Jessica Parker avança a passos seguros recortada sobre fundo infinito.




Não tenho a menor intenção de ver o filme, o cartaz já é todo o programa. Lá vem ela, sorrisão, cabelão, recém-saída do cabeleireiro. Veste terninho de saia bem curta, e blusa de bolinhas, com laço. Bolinhas e laço estão ali para dar uma amaciada feminina no terno escuro.




E o primeiro recado já está dado: ela obedece às normas ditadas pelo mundo corporativo dos homens, mas sem perder o ar sexy.


Na mão esquerda, essa jovem mulher, que parece começar o dia cheia de energia e entusiasmo, empunha um tablet ou iPad. Não se vê exatamente a marca, porque está na capa rosa choque. No ombro, carrega - mas sem nenhum esforço visível - uma bolsona enorme, cheia, de onde escapa um brinquedo de pelúcia.



E o segundo recado está dado: madame tem filho pequeno e é mãe extremosa, mas isso não perturba a disponibilidade com que avança no universo do trabalho.


Pendente do braço direito está uma pasta grande, que tanto pode conter um computador - quem sabe, para alguma apresentação em power-point - quanto pode ser um book. E na mão, pronto para ser atendido no ato, o celular. O terceiro recado está dado: esta bela mulher não perde uma, está sempre e totalmente conectada com o mundo.




Há mais um recado, menos explícito, mas não menos eficiente: os sapatos. Altíssimos, vertiginosos, nem por isso impedem o incidir firme. E alguém duvida que sejam daquele famoso estilista, o das solas vermelhas cujo nome propositadamente não cito, que ela popularizou na série “Sex and the city”?  Recado: na natureza feminina nada se perde, tudo se incorpora; o saltão e a passada, a sensualidade e a eficiência, a garra, a maternidade, a moda.





Estou equivocada ou, repaginada e com acréscimos, temos aí de volta a Mulher Maravilha, que tanto combatemos no passado?





E graves são os acréscimos porque, àquilo que já era insustentável, agregou-se agora o duplo modelo “produtora/ consumidora”. Produtora feroz no trabalho, consumidora de engenhocas eletrônicas, de moda, de cosméticos, de luxo, enfim, de mercado.




Na França acaba de ser publicada, pela Editora Seuil, em três volumes, uma “Histoire de lá virilité”. Como a identidade feminina, a masculina tampouco é espontânea e natural. Ambas obedecem a modelos que a sociedade gera e que, de forma sutil ou nem tanto, impõe. São percursos complexos.




Quarenta especialistas reunidos para realizar essa verdadeira enciclopédia do homem chegaram à conclusão de que, construída ao longo de séculos, por meio de mitos, das guerras, das necessidades econômicas e geográficas e da mais recente revisão feminista, a "virilidade"  é muito pesada para se carregar, e constitui tremenda armadilha.




Escapar desses modelos não é fácil. Lutamos para nos livrar de um e já um outro nos cai em cima. Um cartaz como esse tem pelo menos a virtude de nos alertar para a lentidão das modificações comportamentais e para nos dizer que ainda não chegou o tempo de desligar o sinal de alerta".