Aqueles que lotavam o Zé Batidão, localizado na periferia da Zona Sul paulistana, aguardavam ansiosamente o início do Sarau da Cooperifa, que ocorre toda quarta-feira, “faça chuva ou faça sol”, como avisa o fundador Sérgio Vaz.
Porém, o dia 19 de Outubro foi especial. Além de chegar à marca de 500 saraus, a Cooperifa completa 10 anos de resistência cultural. Para a comemoração, cerca de 500 pessoas se espremiam alegremente no Zé Batidão.
Às 21 horas, quando o poeta Sérgio Vaz e outros colaboradores se reuniram em frente ao microfone, o ambiente se modificou. O barulho produzido pelas conversas e debates deu lugar a um respeitoso silêncio.
“O silêncio é prece. É uma prece mesmo. O cara chega na quebrada e vê 200 pessoas reunidas em volta de um bar pela poesia. E não é festa. É silêncio, é comungar a palavra, comungar o respeito”, explica Vaz.
Após um momento de celebração e abraços, a atividade continuou normalmente. “Queremos que o artista conheça sua comunidade e que a comunidade conheça seus artistas”.
“Durante duas horas, mais de 50 poetas declamaram seus textos. Depois do aplauso da galera, eles voltavam para seus lugares, se misturando com o público, e assistiam as declamações seguintes. Era difícil diferenciar artistas e espectadores”.
Passado imediato
Porém, essa efervescência cultural nem sempre foi a realidade da periferia de São Paulo.
“Nos anos 80, a Zona Sul foi considerada um dos lugares mais violentos do mundo e ninguém queria morar aqui”, relembra Márcio Batista, poeta e fundador da Cooperifa.
Durante muito tempo, moradores da Cooperifa tiveram seu direito à cultura negado. Para Rose Dória, poeta e fundador, a situação ainda é a mesma, “se você parar pra pensar, quanto se paga para ver um show, uma peça de teatro ou filme de cinema?”.
“Então, a cultura continua não acessível, o que mudou foi que resolvemos fazer por nós mesmos”.
Para Josiel Medrado, poeta e morador da zona Sul, durante muito tempo a articulação e produção cultural da região foi fraca. “Aconteciam somente coisas eventuais e esporádicas, não existia um movimento de ação cultural, isso começa com a Cooperifa”.
“Todo mundo sabe que na periferia não tem teatro, nem cinema, nem biblioteca. O único espaço público que o governo deu foi o bar. Então, vamos transformar o bar em centro cultural”, incentivou Vaz.