quarta-feira, 31 de outubro de 2012

Hitch- 2



É o mesmo James Stewart que, em "Janela Indiscreta"  tentará fazer, para fugir ao tédio,  com que suas teorias sobre um crime sejam verdadeiras. Para tanto, esforça-se por manipular as sombras projetadas, assim como  os seres à sua volta: a namorada, uma enfermeira, um velho amigo, o próprio assassino, a fim de fazer valer suas obsessão de brincar de controlar um universo.

Ideia e matéria em condução aparentemente manipuladora são estratagemas hitchcockianos, que colocarão em xeque não somente seus próprios protagonistas mas, sobretudo, toda uma indumentária “cênica”, cinematográfica, junto a nós mesmos, seus espectadores.



"Em Janela Indiscreta", conduzido com humor a um tempo inglês e norte-americano, em uma encenação mais sutil, como que realizada a pinceladas, temos vidraças e pequenas "sombras chinesas" a se movimentarem no interior de pequenos blocos-espaços.

Com os pontos em cores experimentais a se instalarem em cada um dos vários mundos das janelas, em que o herói será sacrificado por uma segunda vez, por conta de sua velha mania de controlar os fatos.
 


O filme contém, apesar do já dito, algo do cineasta Murnau, pelo manejo e somatório de mundos paralelos, janelas/mundos a se interceptarem em algum ponto na obra, e pela junção de uma tonalidade do cotidiano a um real “ estilizado", em mesmo patamar de universos.

A condução, contudo, apresentará mais de cinema norte-americano, seja pelo tipo de humor irônico a intercambiar idéias e instantes, seja pelo sentido quase cartunesco de estilização de personagens, em ambientes recortados por vidraças, por vezes foscas, por vezes mais cristalinas, às quais Stewart procurará impor seu sentido de controle das coisas.

Enquanto uma trilha de jazz cooperará para a condução de certa flexibilidade no jogo, inclusive na postura física esguia e algo mutante da namorada de Stewart, Grace Kelly, a interagir com as leves síncopes da banda sonora.

Alessandro

Hitch -1





...."Janela Indiscreta e "Um Corpo que cai" resumem, como talvez nenhum deles, o método hitchcockiano em forma e conteúdo.




O diretor em questão se notabilizou por ser um minucioso controlador de cada recurso de seu cinema- um demiurgo, por excelência- que, no primeiro filme citado, cria mundos a partir de um artifício cenográfico para um prédio de Nova York e, também, para o que se encontra quase invisivelmente ao redor da mesma construção: a rua, seus sons, etc.


No segundo caso, Hitchcock faz de um homem com acrofobia (medo de altura), alguém que se dispõe a fazer de uma mulher morta, idealizada, algo vivo e a seu alcance. Ou seja, tornar o fantasmagórico verdadeiro e totalmente possuído para o ser em questão, via artifício.

Hitchcock não era um manipulador sádico, como tantas vezes foi ou ainda pode ser visto. Sua obra apresenta plena consciência do processo manipulador pela qual se constrói, mas também se desconstrói, em âmbito problematizador.

Se em Rope (Festim Diabólico), os assassinos querem manipular a vida e a morte, pensando estar além tanto de uma quanto de outra será por intermédio de uma postura limite e da figura de um professor-consciência das coisas- que serão desmascarados por quem que teria sido- (involuntariamente?) a própria cabeça do crime.

O educador mencionado estará inserido, principalmente ele, no processo da penalização final.


Envergonhado das ideias plantadas com imprudência nas mentes e almas dos jovens, situa-se, ao final da obra, de costas para a câmera, com uma iluminação esverdeada, doentia a sugerir as camadas implícitas e implicadas.

É como se todo o plano manipulador fosse explicitado no momento em que o professor reconta o crime de sua própria mente. Ele parece ter estado lá, como uma ideia fantasma a orientar os detalhes.

Na medida em que o filme se desenvolve, as luzes se tornam de néon, mais artificiais, não somente pela passagem do dia à noite a criar o suspense, ou o clima doentio que se evidenciam.



Enfim, é todo um artifício que se autoproclama, de mente e de cinema, com a iluminação do prédio do lado de fora da janela principal a incidir, sem nenhuma cerimônia e como autodenúncia, na sala de estar onde ocorre a cena.

Trata-se de uma forma de linguagem, de um simulacro que se nomeia enquanto tal.

( continua...)

Alessandro


" Incisivo e corajoso, mas longe da fúria militante de seus primeiros trabalhos , Bellocchio parece sobrepor às discussões políticas e religiosas o sentimento supremo da identifica
ção com a dor alheia. Sim, políticos são oportunistas, o Vaticano é hipócrita, mas não é isso o que mais importa....


Momentos de uma densidade ímpar pontuam essa narrativa plural, que mescla o documento e a ficção.

A silhueta do senador recorta-se escura e solitária contra a imagem do Parlamento em convulsão, projetada numa tela.

A atriz retirada deixa o filho junto ao leito da filha em coma, recomendando ao rapaz: “Fale com ela, opere o milagre; diga ‘a palavra’”, o que remete ao clássico Ordet – A palavra, de Dreyer.

A mesma atriz, durante um sono agitado, na poltrona ao lado da filha, recita as falas culpadas de Lady Macbeth. Políticos na banheira fumegante de mármore de termas antigas revivem o Senado da Roma imperial.


O passado e o presente, a arte e a vida, o fugaz mundo midiático e o humanismo perene, Shakespeare e a Bíblia, tudo se entrelaça com uma desenvoltura notável, num ritmo ao mesmo tempo compassivo e eletrizante, pelas mãos de um cineasta que atingiu a plena maturidade artística e ética.

Outros grandes filmes vêm por aí, mas este é, desde já, um dos destaques da mostra".

"A Bela que Dorme" ( Eluana Englaro), Marco Bellocchio


Do texto do José Geraldo Couto


" Frank Tashlin dirigiu e escreveu mais de vinte comédias em Hollywood, muitas delas abiloladas, redigiu enredos para boa quantidade de outras, escreveu e ilustrou três livros infantis
engenhosos e cáusticos, e dirigiu mais de sessenta des

enhos animados notavelmente inventivos.


Porém, nos USA, pouca gente prestou sua atenção nele, provavelmente porque a maioria dos seus filmes foi- na superfície, com certeza- veículo para Jerry Lewis, Bob Hope, Jayne Mansfield e Doris Day.


Vários foram sucessos de bilheteria, mas esse não é o tipo de material que conduz a grandes créditos no estabilishment. Embora Jean-Luc Godard e vários outros críticos e cineastas da Nouvelle Vague francesa tenham lhe prestado elogios derramados, e apesar de esses diretores (Godard, Truffaut, Jacques Rivette, Luc Moullet) terem sido por vezes claramente influenciados por ele.


Fora de Hollywood, Tashlin era virtualmente desconhecido em seu próprio país. Ainda hoje- apesar da monografia elogiosa publicada pelo Festival de Cinema de Edimburgo para acompanhar a retrospetiva que realizou em 1973 sobre o diretor, e a despeito da grande retrospectiva promovida em 1994 durante o Festival de Locarno-, mais de vinte anos após sua morte, Tashlin permanece esquecido no país que ele procurou descrever ao longo da carreira.

" Certa vez, quando perguntei a Jerry Lewis quem mais o tinha influenciado, ele respondeu: " O sr. Tishman, soletrado: TASHLIN. Ele é o meu professor".


Se as comédias de Hawks, McCarey e Capra são representativas dos anos 30- e, como assinalou Preston Sturges, também dos anos 40-, então os anos 50 foram vividamente simbolizados no trabalho de Tashlin.


Não foi uma era bonita; ao contrário, foi uma época de excessos grotescos e contrastes. Assim, infelizmente, uma quantidade excessiva de críticos não enxergou a sátira frequentemente devastadora que estava por detrás da fachada berrante e ostentadora.


"The gir can help it" ( Sabes o que quero), uma visão horrenda da primeira era do rock and roll ( estrelando Tom Ewell e Jayne Mansfield), é quase trágico na sua feiúra proposital; ainda mais quando se considera o quanto Frank admirava a beleza.


"Will sucess spoil Rock Hunter? ( Em Busca de um Homem), o seu melhor filme, é um retrato definitivo da "vulgaridade" da Madison Avenue- onde ficam as sedes de muitas agências de publicidade-, mas, usualmente, foi considerado explorador em vez de sardônico. A cena na qual Tony Randall é levado às lágrimas pela alegria, quando recebe a chave do banheiro executivo, é tão pouco exagerada que se torna quase aterrorizante em sua verdade básica.


Essa era uma parcela considerável do gênio particular de Tashlin: ele era honesto, e só exagerava ligeiramente para frisar alguma coisa. Era também profético. Quais divertimentos selvagens Tashlin teria extraído dos horrores dos anos 80, 90,...?

Ele fez os filmes mais atraentes, e o único sólido, da dupla Dean Martin e Jerry Lewis: "Ou vai ou racha" é um olhar mordaz sobre a mania do cinema; "Artistas e modelos" é uma perspectiva
espetacularmente "destrutiva" da mentalidade de revistas em quadrinhos.


Como era um artesão extremamente hábil, e sendo provavelmente o mais inventivo construtor de gags visuais do cinema falado, Tashlin tomou o humor ultrajante e impossível dos cartuns e o conectou de forma muito humana ao cinema.

Embora pretendessem a comicidade que tinham, seus filmes frequentemente refletiam um descontentamento profundo com a situação da sociedade- como observou certa vez o maior escritor farsesco francês, Georges Feydeau, os melhores escritores de comédias " primeiro pensam tristes".

...Seus filmes pareciam sorrir, mas quando vistos sob a perspectiva da criação, refletiam a tolice e a miséria que via a seu redor".

( P. Bogdanovitch).

Ps- A TV- vista por Frank Tashlin e J. Lewis.

quinta-feira, 25 de outubro de 2012




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A partir do texto do Zé Oliveira sobre "Pola X", de Leo Carax


"Sucede-se um langor, uma melancolia... esses olhos belos e meigos que parecem adoecer e agudizar nessa dor e que mesmo assim se manterão tão belos mesmo que lacrimejantes e raiados de sangue.


( ...)


É nessa transmutação de um ser,....“a adaptação consiste precisamente em não se adaptar”.


O que nos remete para os inauditos atores carregados dessa presença abstrata que desprendem de si e simultaneamente absolutamente concreta, por vezes temerários, mas tão cheios de humanidade e coragem e principalmente amor. Humanidade, coragem, amor.

Dois corpos já falecidos agora viventes em grão da luz revelado. O que tudo isto pode..."


"O encontro dos dois ( Charisse e Taylor), no entanto, redunda em uma consciência de mundo que nem um nem outro parece possuir individualmente.

O final, veremos qual é.


O importante é, primeiro de tudo, essa luta pela libertação de antiga
s amarras levadas por pessoas que são, a rigor, marginais entre marginais.

Os americanos vivem falando em liberdade. Ray preferia falar em libertação.


...


...Essa luta ele narra menos com "ideias" do que com cores, posturas, gestos.

 
Como o mestre que foi, enfim."

( I.A.)


terça-feira, 23 de outubro de 2012



"A coisa que mais me toca no cinema de Ford, algo que desapareceu completamente no cinema, é o fato de os personagens serem confrontados à decepção e ao fracasso,
serem obrigados a digerir uma humilhação – diríamos agora uma ferida narcísi

ca – e continuarem a viver mesmo assim, sem chorar como pirralhos.
É inimaginável hoje conceber um filme como Fomos os sacrificados (They Were Expendable, 1945).

Outra coisa que também me agrada muito em seu cinema é a capacidade imediata de dar vida a toda uma série de personagens secundários, sempre "simples, fortes" e que são reconhecidos automaticamente.
Quando eu vejo os filmes, tudo parece evidente, mas ao escrever roteiros, noto como é difícil fazer um personagem secundário adquirir simplicidade do trato na multiplicidade das figuras. Para mim, é o produto de um enorme trabalho.

É preciso um talento enorme para chegar a isso.

A força de Ford é dar uma espessura humana a personagens que são imediatamente tipificados sem cair no clichê. É muito difícil. É um problema de personagens e não de atores.


(...) Todos os filmes americanos de aventura e ação celebram o culto ao individualismo e, no cinema de Ford, é curioso observar as correções muito importantes que o cineasta trouxe a essa ideologia.

Para ele, o homem é pequeno, seja ele forte ou fraco, ridículo se comparado à criação, à grandeza do universo. É seu lado pascaliano.

...

É muito raro no cinema, porque isso implica uma modéstia dos personagens e uma profunda modéstia do cineasta diante da criação que não se observa em qualquer outro lugar.”

Jean-Claude Brisseau- cineasta ( francês) contemporâneo



Percebe-se que o materialismo dialético aplicado às artes trouxe, na verdade, mais estragos do que frutos.

( O interessante é que ainda permaneça, de uma maneira ou de ou de outra).


- Por exemplo, o naturalismo marxista desprezou ( e aind

a despreza) Federico Fellini que, por sua feita, era um grande admirador de Fred Astaire.


- "Ladrões de Bicicleta", clássico absoluto do neorrealismo, apresenta nítida ( e confessa) influência do lirismo de Charles Chaplin.


- O mestre do neorrealismo - Roberto Rossellini- chegou mesmo a ser acusado de espiritualista ( Fellini foi seu assistente e discípulo).



- Pela ótica dialética, musicais seriam vistos como arte "alienada", quando, a rigor, se trata de potência surrealista ( referindo-me aos bons).



Por muitas vezes, queremos nos esquecer de que o cinema teve sua origem na diversão de feira.

E que, nesse caso, "Cantando na Chuva", por exemplo, seria a apuração cinematográfica da linguagem de "feira", do vaudeville ( assim como em Jacques Tati, Chaplin, etc ...).
( Em uma análise crítica, não é o caso de se deter a uma trama, quase inexistente, aliás ).

A despeito de grande parte desses filmes terem sido realizados em estúdios, a veia popular é o que vem à tona.

Ainda que uma veia recriada por um senso apurado do surrealismo ( o cine americano dos anos 40 e 50 foi profundamente influenciado pela psicanálise e por seu fruto artistico).


- Fato é que, durante o período que precedeu os "Cahiers du Cinema", a crítica marxista prendia-se a uma couraça, a um engessamento idelógico que não permitia que os filmes fossem vistos para além ou aquém de seus conceitos e pré-conceitos.

( Isto quando não queriam dissecar tematicamente a obra, a partir de critérios estritamente "literários").


Mas até hoje, mesmo com a revolução dos Cahiers, muitos críticos não fazem a vital e necessária ponte entre o concreto e o abstrato- e vice-versa.



Ps- Foto de George Méliès- dos principais pioneiros do cinema
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quinta-feira, 18 de outubro de 2012



"...Não significa que o mundo dos musicais seja desprovido de conflitos ou de materialidade, constituído só por substratos oníricos e sensações etéreas.


Pelo contrário: o mundo é apresentado em sua materialidade e conflituosidade fundamentais. Primeiro, porque os personagens de um musical de Minnelli estão sempre confrontados a uma dada realidade concreta.

Segundo, porque o roteiro sempre se baseia num conflito entre dois universos opostos, que podem se reconciliar no final, mas que não deixam de ser opostos e, portanto, se atritar.

É como em A Roda da Fortuna, um dos melhores musicais de Minnelli (ou seja, um dos melhores musicais já feitos). O dançarino Tony Hunter (Fred Astaire) e a bailarina Gabrielle Gérard (Cyd Charisse) são escalados para estrelar um espetáculo musical que pretende ser uma versão moderna do Fausto de Goethe.

A própria formação do espetáculo consiste num conjunto de oposições: como aliar a diversão de um musical à gravidade de uma história trágica, como unir Goethe e Broadway, a “grande arte” e a arte popular?


O outro conflito do filme, talvez maior, diz respeito aos dois protagonistas: um é veterano e já passou do seu tempo áureo, a outra é jovem e está no auge da carreira; um é dançarino dos palcos populares da Broadway, a outra é bailarina clássica. Dois diferentes estilos de vida e de dança.

A Roda da Fortuna pertence a um sub-gênero do musical, o chamado “musical-espetáculo” ou “backstage musical”, cujo enredo padrão envolve os bastidores da preparação de um espetáculo, da criação de um grupo (e de sua primeira turnê) ou ainda da feitura de um filme dentro do filme.


De Melodia da Broadway a O Show Deve Continuar (Bob Fosse, 1979), são inúmeros os exemplares desse tipo de musical em que a narrativa põe em jogo as dificuldades, os percalços, o trabalho árduo necessário para montar um cenário, ensaiar uma coreografia, ajustar um movimento, encontrar o ritmo do outro, enfim, dar a luz a um espetáculo.


Esse gênero de filme tem a particularidade de evidenciar o caráter físico dos musicais, a posição circunstanciada de determinados corpos dentro de um mundo concreto no qual eles realizam movimentos singulares. Os próprios números musicais, para serem aproveitados em todo seu esplendor, devem estar associados à captação realista de pessoas se movimentando numa cenografia.

O espaço cênico pode até ser estilizado, a dramaturgia pode ressaltar o artifício, mas a habilidade do dançarino e suas evoluções no interior do quadro devem ser apreendidas pelo espectador como reais, e não como trucadas. Universo fantasioso à parte, o que o musical nos faz ver, no fim das contas, é o corpo material, o cenário concreto.


O musical, portanto, não descreve um espaço virtual, desconectado da realidade física. Ele conhece o conflito intrínseco ao encontro dos corpos, bem como a resistência do mundo material à sua transformação pelo impulso do sonho.

O espetáculo se dirige frontalmente ao espectador, sem esconder sua realidade de espetáculo.


Em Minnelli, não se trata simplesmente de aceitar ou de negar a realidade, mas de reconhecê-la como uma questão de performance, como Jacques Rancière expõe precisamente:


"A performance é sempre uma capacidade de transformação, uma maneira de embalar os gestos, de transformar o espetáculo.

Isso não implica fugir para um outro mundo.

Fala-se com frequência, e particularmente a propósito de Minnelli, de um cinema de sonho e da luta do sonho contra a realidade. A oposição não é tão clara quanto parece. […] A arte de Minnelli consiste em operar a passagem entre os regimes. Para tanto, é preciso assegurar a disponibilidade dos corpos à metamorfose."

( Luiz Carlos Oliveira)






"The Bandwagon"

"Um dos clássicos incontestáveis da comédia musical hollywoodiana, produzido pelo genial Arthur Freed, compositor de canções e depois fundador de uma equipe responsável pela maioria das obras-primas do gênero musical na MGM. (Sobre essa personalidade excepcional, recomenda-se veementemente o livro de Hugh Fordin “The World of Entertainment”, Doubleday, New York, 1975, traduzido pela Ramsay em 1987 sob o título aberrante de “La comédie musicale américaine”.).

A pedido de Freed, os roteiristas Comden e Green construíram a sua história a partir das historietas escritas por Howard Dietz e Arthur Schwartz durante os últimos trinta anos. (A historieta que dá seu título ao filme havia sido interpretada em 1931 por Fred Astaire e sua irmã Adèle.)


Com Astaire interessado pelo projeto, os roteiristas (que se representam a si mesmos dentro da intriga através dos personagens interpretados por Oscar Levant e Nanette Fabray) criam um papel para o dançarino inspirado na sua idade e em algumas das suas manias (por exemplo, a alergia ao encarar os grandes parceiros.).


Minnelli, aqui, não procura jamais "revolucionar" a estrutura ou o conteúdo da comédia musical.

Ao contrário, "The Band Wagon" representa o apogeu da forma mais tradicional do gênero, que é baseada na preparação de um espetáculo e nasceu com os primórdios do sonoro.

Mas ele o enriquece do interior ao introduzir os temas do envelhecimento, do fracasso e da necessária renovação, que ele trata com uma emoção bastante discreta, um humor dinâmico e quase amargo.


Renovar-se não é exibir ambições extravagantes, misturar gêneros, minar sistematicamente as velhas tradições (Minnelli, diga-se de passagem, arranha o avant-gardismo da Broadway).


É, pois, por um retorno às fontes que exige humildade e coragem, renovar, revitalizar do interior seu domínio e seu próprio talento.

É também como afirma Mamoulian a propósito de Fred Astaire, “melhorar a perfeição”. 


Todos os números apresentados em The Band Wagon são passados na lenda do gênero: o solo de Astaire (“Shine on your Shoes”) no parque de diversões, o dueto “Dancing in the Dark” com Cyd Charisse no jardim atrás do qual se perfilam arranha-céus iluminados, ou mesmo “Triplets”, número burlesco onde Astaire, Buchanan e Nanette Fabray aparecem por meio de um truque hábil e simples como bebês (os atores dançam de joelhos, os joelhos deles dentro de botas de couro prolongadas por chinelos infantis).


O ballet final de treze minutos, “Girl Hunt, a Murder Mystery in Jazz”, evocação satírica do universo dos films noir onde Cyd Charisse aparece loira, depois morena, é junto com a de Um Americano em Paris e Cantando na Chuva a peça mais célebre da bravura da comédia musical hollywoodiana. Quanto à canção “That’s Entertainment” (que deu seu título às antologias da MGM), ela foi escrita especialmente para o filme em meia-hora por Dietz e Schwartz. Ela contém toda a filosofia do gênero e merece ser destacada no conjunto dos musicais da Metro. "


("Jacques Lourcelles, Dictionnaire du cinéma – Les films, pgs. 1456-1457). 

Tradução de Felipe Medeiros

sábado, 13 de outubro de 2012





sábado, 6 de outubro de 2012



"Dos melodramas de Vincente Minnelli, há dois entre os quais sempre hesito quando me pedem hierarquias de preferência:

"The Clock", realizado em 1945, e que em Portugal se chamou A Hora da Saudade, e "Some Came Running", estreado em 1959,

e que em Portugal se chamou Deus Sabe Quanto Amei.


"The Clock", que já alguém comparou - e não fui eu - à Aurora de Murnau, é talvez o mais belo dos breves encontros do cinema, encontro de 24 horas entre o mais magoado dos atores dos forties - Robert Walker - e a mais magoada das atrizes de sempre - Judy Garland.


Os dois filmes - para lá da marca específica de Minnelli, o homem que, como a varinha de condão, transformou em ouro tudo quanto tocou - têm em comum uma aproximável concepção do tempo e uma aproximável variação dos desígnios do destino nos limites daquele."

( João Bénard da Costa)


"Centro deste filme prodigioso, o mais bonito personagem que o cinema alguma vez inventou, Ginny é menina e moça perdida na vida e perdida na morte.....



No fim, no enterro dela, percebemos que, se Dean Martin nunca tirou o chapéu, foi pa
ra
tirar nesse momento, para a única mulher que a esse gesto obrigava.

....

Nestas duas seqüências como na seqüência final do crime, como em todo o filme - Minnelli atinge o apogeu da sua arte.


Há cineastas, como há pessoas, que procedem por silogismos e assim destroem tudo e se destroem a si próprias. Há cineastas, como há pessoas, que estão para além de qualquer lógica e transfiguram tudo o que tocam em oração e oblação.

Nessa delirante irracionalidade do amor, apanágio de tão raros. Como diria Shirley MacLaine: “Thanks, awfully, so awfully much.”

( Do trecho de João Bènard da Costa)

Shirley Maclaine, papel clownesco em "Some Came Running", antecipa sua versão da palhaça Cabíria.