quarta-feira, 7 de outubro de 2009

"Marginália"



Para quem conhece o Erasmo Carlos somente pelo lendário "Carlos Erasmo",de 1971(ou pelas parcerias com Roberto),uma bela notícia:Seu "Sonhos e Memórias",de 72 é tão bom quanto o anterior.Ou seja, o que parecia impossível aconteceu.Difícil definir o som desses discos:soul+samba+rock+MPB.., que contam ainda com arranjos sofisticadísimos,junto a pegadas e interpretações de extremo feeling e despojamento.
Se Chico Buarque,por exemplo,era um neoclássico e flertava instintivamente com a poesia práxis,e Caetano se filiava,de certa forma,ao concretismo dos irmãos Campos e Décio Pignatari,Erasmo era o poeta marginal,impossível de ser enquadrado em alguma escola ou algo do tipo.
O flerte com elementos diversos não obedece à grande preocupação elaborativa do Tropicalismo e seu projeto, nem ao artesanato rigoroso e preciso de Chico.Trata-se,é verdade,de algo mais rasgado como o são muitos souls e rocks.Só que contando sempre com grandes músicos(a turma dos Mutantes,por exemplo)e extraordinários arranjos(Rogério Duprat,por exemplo),dentro de um qualidade de produção e conjunto tão vigorosos que nem se acredita terem sido feitos no Brasil do período.Ok.Muitos são os discos excelentes,da mesma maneira que se pode dizer que o todo, muita das vezes, deixa a desejar nos ítens textura e vitalidade.
Esse flerte com tantos elementos comparece da melhor maneira "impossível", dando sempre o que pode haver de melhor em cada um deles:
Do Lirismo algo nostálgico de " No Largo da Segunda-feira",que abre o disco,passando pelo Samba/Soul de seu clássico "Mané João",chegando até "Grilos",que contém muito(tudo?)do que acontecia no melhor rock-pop brasileiro dos anos 90(certamente eles ouviram esse disco),tudo aqui soa intensamente atual,nada datado.
Mas ainda há "Minha Gente" e "Vida Antiga",duas obras-primas que parecem beber da mesma fonte(pelo tipo de musicalidade mais jazzística,sofisticada)que o primeiro Clube da Esquina,além das primeiras faixas do "Court and Spark"(fase áurea da Joni Mitchell).Mas,que fique bem claro,trata-se de uma sofisticação sem nenhum rastro de empolamento.
Já "Mundo Cão" e Sorriso dela"contam com aulas percussivas inventivas e secas,em que se exploram as muitas lacunas silenciosas,sendo pontuadas sempre por lindíssimas guitarras de blues e jazz.
Enfim, outra obra-prima.
Ps.Quando fui procurar a foto do disco não a encontrei em sites nacionais,somente em estrangeiros.Inclusive em um desses,a obra era citada como sendo sua favorita dentre os discos do Brasil.(Enquanto o dito Brasil permanece adormecido).

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