sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011

Prosseguimento- Mídia e Difamação: Comprometimento da democracia






"A República moderna e a democracia, em suas origens e fundamentos, basearam-se, uma vez associadas, na confiança e no "franco dizer" de todos os cidadãos, isto é, na liberdade de expressão, diversa, esta, da delação.

Porque hoje prospera a desconfiança como forma de sociabilidade, as delações programadas e premiadas- elaborações de dossiês sensacionalistas em época eleitoral ou denúncias por parte de funcionários e auxiliares do governo- estão se constituindo como práticas reconhecidas e aceitas pelo poderes instituídos e pela opinião pública, com recompensa cash e com a diminuição de penas criminais dos delatores quando estes são criminosos condenados pela justiça.

O convite à delação tem uma história, cuja expressão mais próxima foi a Revolução Francesa, que reablitou as medidas do Ancien Régime, em jornais publicados entre 1789 e 1791, como " A Denúncia Patriótica", "O Espião de Paris", " O Espreitador de Portas".

Denúncias de vizinhos, cartas anônimas, ou dossiês preparados para esses fins ocorreram também durante a ocupação alemã em Paris, bem como foi rotina nos regimes totalitários, na Alemanha durante o nazismo e na URSS, convertendo-se em política do Estado sob Stalin.

Da demagogia à difamação, do jogo com as engrenagens da justiça ao direcionamento da opinião pública, da obsessão com a segurança nacional ao patriotismo perverso, da vigilância cidadã ao fim da tranquilidade individual, da defesa do bem público à transgressão do espaço privado, a delação está ligada aos momentos mais sombrios da história.

O estudo da delação ao longo do tempo oferece-nos suas relações com o espaço público, em que se mesclam verdades e seu contrário, informações e falsificações, intervindo diretamente na formação da opinião pública".

(Olgária Matos)


Essa categoria de comportamento se constitui como ingrediente cultural, muito presente em ambientes de coleguismo, "clubes", fofocas familiares, competitividade científica ou artística, escolas, ambiente de trabalho, como forma de o sujeito delator, em processo vago de autoconstituição do ser, poder ganhar algo em troca. Seja dinheiro ou algum tipo de reconhecimento, com base no que considera como sendo "fraqueza do outro".

A convicção fanática, ou insuficiente ocorre na mesma medida de uma necessidade de autojustificativa para si e para os demais. Em vários casos, como dito por O. Matos, como sede de autopromoção.

Em outros casos (todos?), com fortes camadas de despeito inscritas no tabernáculo invejoso da carne.

Por isso, alguns diriam não se tratar da responsabilidade de alguém, mas de fraqueza da carne.

Educação como negócio, "Ideologia novo-rico", polêmicas




Para quem não teve acesso e, por algum motivo se interessar pela leitura, hacker em ação:

“O Valor Venal de Cada Poder é Calculável


Nesse contexto, só se pode falar de corrupção onde esse fenômeno se torna excessivamente manipulado. Tem seu sistema de comandos num sólido jogo entrelaçado de imprensa, órgãos públicos, trustes, dentro de cujos limites permanece legal” (Walter Benjamin).


"A Violência da moeda"

"O dinheiro como valor hegemônico na sociedade contemporânea supostamente promove a ascensão social, baseada exclusivamente em critérios econômicos e no prestígio do mesmo. Em seu livro “Processo Civilizatório”, Norbert Elias analisa os primórdios da “revolução burguesa” na França, indicando a democratização dos costumes da corte.

A burguesia, no esforço de alcançar uma legitimidade que não fosse a do dinheiro (que ainda não se impusera como valor), procurou “aristocratizar-se”, adotando a etiqueta e as “boas maneiras” como medidas de polidez e convivialidade. Como lhe faltava o universo de tradições da nobreza, esforçou-se para ascender aos bens culturais.

Mas, com a institucionalização da sociedade do consumo, os bens culturais, que exigiam iniciação para serem compreendidos como linguagens próprias- como as artes e os saberes literários-, foram sendo abandonados e passaram a se reger pela obsolescência constante. De onde o advento das “modas intelectuais”. A ideologia do “novo-rico” prescinde até mesmo do verniz da cultura.

A ideologia dominante em uma sociedade é a da classe dominante e, em nosso tempo, a dos “novos-ricos”.

O “novo-rico” é aquele que conhece o preço de todas as coisas, mas desconhece seu valor. Sob seus auspícios, a educação produz uma cultura que atrofia a sensibilidade e o pensamento; a educação é entendida pela “ideologia” do novo-rico como serviço e como mercadoria mais ou menos barata, dos quais o novo rico é cliente e consumidor.

A questão da autoridade

... As detenções espetaculares de acusados de crimes do "colarinho branco" promovem uma pseudocatarse da sociedade, de onde não estão ausentes a agressividade e a "pulsão de morte". Do outro lado, a estética do "novo-rico" opera com dólares nos sapatos ou maços de reais nas roupas íntimas.

Na sociedade panóptica, em que tudo se pauta pela exibição midiática, desaparece o pudor, atestando-se o enfraquecimento do sentimento de vergonha ligado à moral social.

O fim da autoridade paterna e o "pai humilhado" coincidem com a sociedade infantilizada, em que não se reconhece mais a diferença entre as gerações, entre pais e filhos, masculino e feminino, "bom e mau gosto". Em tempos da "ideologia do novo-rico", tudo pode (deve?) ser dito e mostrado".

(Olgária Matos)

terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

Hulot e o Moderno





"Meu Tio", de Jacques Tati, recentemente revisto, pode ser encarado a um tempo como uma obra de humor e de austeridade (um pouco como se Robert Bresson resolvesse fazer uma comédia, o que nunca deve ter passado por sua cabeça, já que seus filmes não trabalhavam com a comicidade das coisas).

Austeridade, em primeiro lugar, pelo tipo de filmagem que não se preocupa em fazer concessão para agradar seu público. Em segundo, pelo sentido rigoroso e detalhista da observação.

Mas, afinal, o que Tati observa a partir de seu cômico protagonista Monsieur Hulot? Um universo moderno- solidificado e metálico-, em que tudo obedecerá a uma prévia função de desempenho.

Para tanto, a filmagem aposta em planos abertos, que reforçam, de forma contraditória, a visão de um mundo rigorosamente fechado, tendo como base o lar burguês dos Arpel. Quanto mais distanciada a câmera de Tati, menos crível tal universo nos parece. Por intermédio da janela da casa, nos é dado ver um mundo rigidamente circunscrito, delimitado.

Do outro lado da cidade, há a moradia de Monsieur Hulot, onde, pelo contrário, os espaços, de alguma maneira, se comunicam. As janelas evocam a obra “Janela Indiscreta”, de Alfred Hitchcock, em que as moradas em algum momento poderão se tocar. Por diversas vidraças e quadros, a câmera respira tanto nos espaços exteriores quanto nos interiores.

É como observadores interessados que acompanhamos, via janelas e ruas, os vai e vens de Houlot, sua presença a cruzar, quase imperceptivelmente, com a de um outro ou outra nos corredores, em versão menos veemente da formidável cenografia proposta por Jerry Lewis para o “O Terror das Mulheres”, obra-prima do humor.

Para a casa dos Arpel, Jacques Tati reserva uma visão mais cruel, com insignificantes ruídos no local a ganhar enormes proporções. O peixe, símile fajuto de um chafariz- versão privada- só libera sua água quando a visita é do interesse da família.

Já a maneira de a câmera adentrar o universo de Hulot se dá por meio de tijolos rachados na rua. Tais rachaduras presentes no quadro de uma imagem oferecem espaço para que o sobrinho do protagonista sinta-se mais livre, e até disposto a comer um sanduíche preparado por um homem nada ocupado com a excessiva higienização do alimento.

Tati, claro, tende sua simpatia para o mundo onde nada é deveras "clean" ou metalizado, ao contrário da cadência ritualística e estática ocorrida na casa dos Arpel. A mesma a compor um quadro insolitamente circular, hierático, em que até uma criança se arma de terno e gravata, preparando-se, desde cedo, para o mundo da produção paterna.

É quando Hulot, desajeitadamente, molha seus sapatos na casa dos Arpel que o caos moderno ameaça se instalar, provocando certo desarranjo nas coisas, um pouco como o Peter Sellers do clássico “O Convidado bem trapalhão”. Nesse instante, a rachadura antes vista somente na rua comparece na imagem da casa impecável, trazendo a possibilidade de um encontro real, ainda que fortuito, entre os dois mundos: o de Hulot e os do Arpel.

Ao passo que, no ambiente de trabalho, em meio a ruídos que travam a comunicação, o protagonista faz com que plásticos produzidos de forma intensivamente padronizada ganhem involuntariamente um tipo específico de deformação a que alguém denominará “doces”. Tati acolhe o mundo da gratuidade, da brincadeira, de uma maneira em que pareça prever certos problemas do dito mundo moderno, condenado a suas vidraças e camadas de plástico.

Apesar das distinções, Charlie Chaplin conseguia nos lançar em ambiente já nascido caduco em seu interior (“Tempos Modernos”). No universo deslumbrante e deslumbrado dos Arpel, a câmera mal respira com as coisas e os personagens, enquanto os cômodos da casa não se interligam.

Entre a alienação adulta e a dita “ingênua”, o diretor aposta na segunda, onde certo lirismo se faz possível. O que não se configura exatamente como simples nostalgia. Seu filme, ao evocar um mundo moderno que então nascia não deixará de traduzi-lo em um tipo de ficção, que guardará relações certas com o filme de horror. Seja por conta dos ruídos circulares, infernais, seja pela caricatura de uma burguesia que flerta todo o tempo com o caricatural, ou seja, com o grotesco.

Pode-se rir à vontade, mas algo certamente ficará retido na garganta, uma vez que a obra adquire uma austeridade de observação, em algo semelhante a de um Michelangelo Antonioni, cineasta italiano. O mesmo a filmar um universo cravado em eixo aprisionante, em que, à força de um tipo de lucidez do olhar, maior se fazia a possibilidade de desconstrução de um mundo, com seus signos e valores.

No entanto, em Hulot, a poesia pode até comparecer como minguada a olhos desatentos. Contudo, a imagem final – de um branco lençol levemente se estendendo e distendendo de uma janela - resumirá bastante do estado de espírito desse belíssimo “Meu Tio”.

sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011

A Imagem nas Escolas (continuidade)-Tvs e cia





Dando prosseguimento ao assunto "Estudo dos Signos nas escolas", talvez seja necessário mencionar que alguns dariam preferência ao termo "indústria cultural" (a substituir cultura de massa). Quem sabe apenas uma questão de nomenclatura para o que temos proposto para o contexto.

Teixeira Coelho, professor de Comunicação e Artes- não sendo exatamente o que chamaríamos de apocalíptico- não pega assim "tão leve", como podemos notar a partir da seguinte abordagem:

“A indústria cultural vem operando com signos indiciais, e, assim, provocando a formação e o desenvolvimento de consciências indiciais. Isto é: tudo, signos, consciências e objetos, é efêmero, rápido, transitório; não há tempo para a intuição das coisas, nem para o exame delas: a tônica consiste apenas em "mostrar" (ocultar?), indicar.

Como ocorre com o índice, não há revelação, apenas constatação, e ainda assim, uma constatação superficial- o que funciona como mola para a alienação. O que interessa não é intuir ou argumentar, propriedades da consciência icônica ou simbólica; apenas operar.

A capacidade de interpretar o mundo iconicamente, de distinguir o “sentido” nas coisas, vê-se diminuída. Do mesmo modo, a possibilidade de proceder a uma interpretação simbólica do mundo e reuni-las em teorias fundamentadas. O que prevalece é ver apenas o signo indicial das coisas.

O índice não se deteria no objeto visado, nem em nada- não permitindo penetrar intuitivamente nele, ou conhecer seu processo "lógico".


E não é apenas no mundo da indústria abordada que prevalece esse processo. Na verdade, ele está na base de nosso procedimento de compreensão do mundo, particularmente tal como esse procedimento foi formulado e delimitado pela visão tecnológica da sociedade: visão que se preocupa com o rendimento e a “eficácia” dos processos, ou seja, apenas com seu lado operativo”.

terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

O Estudo da Imagem nas escolas:Propostas (Parte 1)






Existem algumas maneiras que parecem mais apropriadas para o estudo das imagens no país, sem que, para tanto, fiquemos presos a ranços ideológicos, seja de "direita" ou "esquerda".

Fato é que não dá para ficar alheio ao universo da poluição de imagens presentes cada vez mais em nosso dia-a-dia, e de forma acelerada.

O estudo dos signos provém de Charles Peirce (quase piercing mesmo). E, para simplificar, os dividiríamos em :

1- Signo Icônico- O que apresenta uma analogia com o objeto representado. Exemplo: uma foto.

2-Índice- São como setas que indicam uma direção. Um cata-vento, por exemplo, indica como o vento procede naquele momento.

Ou a própria seta, que indica algo, mas não estabelece uma relação "mais direta" com esse algo.

3-Símbolo- Representa o objeto por letras ou fonemas, a partir de um acordo tácito entre as pessoas. A palavra casa, por exemplo, é representada pelas letras C A S A, a fim de referi-se a esse local de habitação.

Como não daria mesmo tempo para destrinchar tais dados por aqui- e talvez ficasse até um pouco chato para um blog- pensemos no signo icônico ( o número 2) como aquele em que você pode, como diria Teixeira Coelho, "não sentir o objeto, mas sentir com o objeto. Ou seja, penetrá-lo e senti-lo por dentro".

Ou seja, a consciência icônica trabalha por analogias, como a intuição, ou o universo das sensações, sem ter de, obrigatoriamente, se vincular a raciocínios definitivos sobre algo.

Há quem mantenha preconceito para com esse modo de consciência- de conhecimento- como se o mesmo não passasse de um mero achismo.

Segundo T.Coelho: "Não significa, nem de longe, que o sujeito formará ideias erradas sobre o objeto...".

Aliás, "grande parte das descobertas feitas pelo homem, incluindo as científicas, deve-se à prática de uma consciência desse tipo, ou a uma prática que contém em ampla escala esse tipo de consciência".

Ou alguém ainda acredita que as descobertas de um Einstein, por exemplo, foram feitas com base em sua péssima matemática? Nesses casos, a ordenação demonstrativa surgiria posteriormente. O lado do cérebro que trabalha a consciência analógica é o que permitite que o universo "do novo", ou seja, das possibilidades se efetive.

2- Já a imagem, ou a consciência indicial- grosso modo falando- trabalha a partir de caminhos já estabelecidos por outros, sendo mais um fator de reconhecimento do que propriamente de conhecimento.

Por exemplo, no caso da TV, o jornalista do programa ao indicar o fato por meio de "setas" - imagens e vozes- direcionadas pela edição, conclui, de antemão, os dados para nós. Basta uma "setinha" para acompanhá-los e concluir o "já concluído".

A partir disso, podemos pensar se o frenesi de imagens com que nos arrrastamos a cada momento estaria mais para uma consciência icônica das coisas, ou para uma indicial. Levando em conta que, usualmente, não haveria signo puro. Embora haja sempre a predominância de um sobre outro.

Prosseguimos, posteriormente, com possíveis desdobramentos.

domingo, 13 de fevereiro de 2011

Escolas e Letraduras




Literatura pode ser estudada em casa com o incentivo de professores e pais ou país, já que há tempos se configura como matéria obrigatória, mesmo que muitos dos alunos não deem muita bola para a mesma.

Em alguns casos, a falha é do professor. Mas quando a matéria em questão passa a ser relacionada com as várias possibilidades de expressão que há no país, com questões que dizem respeito a nosso universo identitário, social-oligárquico (tipo Graciliano Ramos), com elites deveras autocentradas ao ponto da patologia (Machado), com o caráter existencial e desconstrutor/construtor da vida (Drummond, Clarice),... Para ficar “somente” no cânone e, por aí afora, não dá para encarar como um entulho a mais no currículo.

Para tanto, não há necessidade de perder muito tempo com estilos como o Arcadismo ou Parnasianismo, por exemplo. O primeiro pela forma convencionalíssima e desprovida de substância.

O segundo pela necessidade patética de ter de provar, a qualquer custo, uma linguagem “elevada” , igualmente desossada em seu empolamento. Quem sabe, nesse caso, evocar a unificação obrigatória de uma língua para o Brasil, como estratégia de Marquês de Pombal, que recalcava as demais possibilidades, ao contribuir para uma educação falida nessa terra. E para uma constituição social baseada na segmentação dos falares, contrariando as inevitáveis e bem vindas recriações.

Pode-se também relacionar o Arcadismo com o período político da Inconfidência e, a partir disso, procurar entender a linguagem aplicada, problematizando o caso, uma vez que alguns dos mesmos artistas evoluiriam para um estilo menos artificial, como é o caso do pré-romantismo.

No caso do Parnasianismo, seria uma boa oportunidade para a introdução da leitura de Machado de Assis, em sua maneira irônica de abordar os falares das “castas nobres” do país. Não me parece necessário, aqui, a camisa de força do tempo cronológico.

E quanto a fenômenos como “Lua Nova”, “Crepúsculo”,...? Penso que, antes de qualquer coisa, um estudo básico sobre cultura de massa e os diversos mercados para leitura surgidos de uns tempos para cá, tais como autoajuda, exoterismo e suas escritas mastigadíssimas já cairia bem. Quem se habitua a elas, como muita das vezes ocorre, pode se afastar de desafios mais contundentes.
(Nesse momento me lembro por que razão não aderi, com força, ao cinema de “Avatar”. Contrariamente a outros trabalhos de James Cameron,... haja mastigação).

No caso dos livros citados, procurar também entender a cultura Emo (muitos que o são não admitem) e seus signos, junto a um histórico de literatura sobre vampiros e sua conotação sexual poderia ser uma boa.

Seguindo tal ritmo, em pouco tempo estaríamos nos piercings.

terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

Paris de Minnelli é contraditoriamente acinzentada (continuação do e-mal)




O que você se referiu como sendo" trejeito infantis" guarda muita relação com a operação implicada na cena mais famosa de "Cantando na Chuva".

Em "Sinfonia de Paris", Gene Kelly chega à capital a fim de tentar sua sorte como pintor. E o que consegue, afinal?

A amizade de um grande músico frustrado que não consegue se apresentar na "Capital da Luz".

E quanto ao próprio Kelly? Para expôr suas pinturas somente se aliando a uma cafetina ricaça.

Em suma, Paris se desenha no filme como um lugar em que os " de fora" não conseguem se incluir naturalmente (talvez venha daí o caráter radicalmente anti-naturalista do filme). Muito menos quem é pobre. A arte, por fim, é uma mercadoria como outra qualquer.

O dilema, pois, para ele será: vender ou não sua alma?

No mais, o personagem encontra uma moça simples, balconista, por quem se apaixona. A rigor, seria ela a encarnação dos antípodas dessa cidade a princípio paradisíaca, mas que não passará de uma metrópole excludente.

Portanto, voltamos aos "trejeitos infantis" que são, na verdade, atos de resistência surrealista ao mundo hostil e mecanicista. A câmera do diretor e o corpo de Kelly trabalham com movimentos equivalentes às sutis pinceladas de Paul Klee e Joan Miró, desenhando linhas e curvas no espaço, a buscar realidades pré e pós-conscientes de enfrentamento livre e lúdico à máquina tentacular.

Na última e quase ininterrupta cena coreografada há um ambiente de caos, de seres tentaculares a impedir qualquer espaço para o "marginal protagonista". Daí a necessidade de formas - de caráter aberto, originário- que se contraponham a um mundo caduco.

Como podemos notar, um filme menor de Minnelli, mesmo feito à sua revelia não é tão bobo quanto aparenta ser.


" Walter Benjamim reflete sobre as questões da história. História que é violência, ruína, destruição, catástrofe.

Nesse horizonte, o herói não é mais o militante revolucionário, mas o flanêur, o andarilho na cidade, o poeta alegorista... a criança, o narrador, o colecionador- todas as figuras que a cidade não inclui, mas marginaliza como inúteis e sem localização produtiva definida.

Paris não é só a capital do capital. Paris é uma época. A época do desamparo do indivíduo.

A modernidade nos dá a experiência de um mundo "do qual os deuses já partiram ou ainda não chegaram".

(Olgária Matos sobre o pensamento de W.Bejamim).

A pergunta em Minnelli seria: é possível lutar contra um progressivo desancantamento do mundo, diagnosticado por Weber ou Benjamim?

E-mail número 1




Um amigo, que disse se considerar "cinéfilo amador", me enviou um e-mal dizendo ter assistido ao musical "Sinfonia de Paris". Muito embora não tenha gostado.

Reproduzo a resposta, dividida em duas partes:


"Concordo em grande parte com o que disse. "Sinfonia de Paris" é um musical menor "de Minnelli".

Mas por que coloco o "de Minnnelli", aqui, entre aspas?

A Europa havia realizado um musical ambicioso chamado "Sapatinhos Vermelhos", que fez muito sucesso junto à crítica e o público.

E, apesar de Vincente Minnelli, Stanley Donen ou Gene Kelly, o gênero ainda não era levado à sério nos USA. Os franceses, pra variar, foram dos que desconstruíram parcialmente tal visão (não somente a famosa turma dos Cahiers, de Godard, Truffaut, Rohmer,... como várias escolas à época).

A indústria norte-americana, tendo se assustado com o sucesso de "Sapatinhos Vermelhos", decidiu por produzir algo equivalente, como uma espécie de " resposta hollywoodiana" à façanha. Portanto, "Sinfonia" sempre me pareceu ser bem mais um filme de produção do que de direção.

Além do mais, uma figurinista deu a ideia de evocar uma variedade de pintores franceses para o acabamento na direção de arte. E para completar a "seriedade", alguém optou por melar o principal compositor popular norte-americano, George Gerswhin- o mesmo que flertara também com o erudito.

Sobre a última cena musicada- a que se refere- penso que guarda momentos muito fortes:

Em ritmo coreográfico, Gene Kelly chega à cidade já ameaçado pelo caos violento e suas mulheres tentaculares. Na história, o personagem é um pintor desempregado e perseguido exatamente por uma mulher poderosa que decide bancá-lo. Mas ao preço de sua alma.

O momento explora a desolação e confusão de sua mente, como também a busca por um mundo outro. É, então que, para o que você denomina "universo infantil", Minnelli fez uso de discretos e belíssimos movimentos de câmera, em que os cenários são expostos exatamente como são, ou seja, como artifícios, o que não diminuirá a magia. Pelo contrário.

Ou seja, não se trata de trapacear com o público (como dizia André Bazin) e, ainda assim, garantir a magia do melhor cinema lúdico (digno dos grandes pintores do "infantil", tais como Paul Klee ou Joan Miró). Infelizmente, a direção de arte sobrecarregada prejudica um pouco das imagens finais.

Fato é que o diretor, que amava a França, a filmou bem melhor em outros de seus trabalhos. Sendo esse um filme mais de produção do que de direção foi feito sob certas amarras com o intuito de abocanhar o Oscar e, como isso, ganhar a tal da "respeitabilidade" para um musical. O que, em termos, conseguiu.

Mesmo com seus méritos, não lambe as botas de outros musicais do diretor, como "O Pirata"( feito antes- a quem poucos deram bola à época), "A Roda da Fortuna", "Meet me in St.Louis", "Gigi",... para não falar nos melodramas e comédias.

Como o filme ganhou mesmo milhares de Oscars é mais lembrado do que a maioria deles (todos?), infelizmente. O que acabou se tornando um tipo de "erro histórico", uma possibilidade de incompreensão do melhor musical e, sobretudo, da arte de Minnell, aqui reprimida, achatada pelo peso de produção que se preocupava em mimar, com respeitabilidade, seu público.

Por outra, suas obras, no geral, contém ideias bem sutis embrenhadas em imagens, o que não deixa de comparecer, embora com menos brilho, nesse filme pouco autoral.

sexta-feira, 4 de fevereiro de 2011

Nudez




"... Todos carregamos máscaras. Avançamos mascarados, enfeitados por mentiras que nos embelezam. Até aqui, tudo bem: essa impostura é uma condição trivial e necessária da vida social.

Os melhores conhecem sua impostura e sabem que não estão à altura de sua máscara.

Os piores se identificam com sua máscara.

Acreditar nas máscaras que vestimos é um delírio que nos torna perigosos. Não há diferença entre o rei que acreditasse ser rei, o terapeuta que acreditasse ser terapeuta e o anjo exterminador que saisse atirando e matando, perfeitamente convencido de ser uma figura do apocalipse.

Os três teriam isto em comum: acreditariam ser a máscara que eles vestem.

Enfim, que Deus nos guarde de todos os que não enxergam sua própria nudez."

(Contardo Caligaris inspirado)

terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

O Reino da fofoca





O episódio envolvendo João Gilberto e a proprietária do local onde reside acabou por gerar algumas “polêmicas”.

João mora de aluguel em um Ap, no qual receberia poucas visitas. E, além do mais, não abre seu espaço para a interferência de pedreiros nas janelas. Diante do fato - supostamente-, a dona do prezado “saloon” correu atrás de uma ordem de despejo para o artista.

Afinal, o que isso tudo quer dizer? Talvez nada. Mais um exercício de extrema nadificação, sobretudo quando passa a ocupar as páginas dos principais jornais e revistas do país.

A história parece ser mais simples do que parece. Uma batalha entre dois “velhos’”? Provavelmente entre o gênero feminino, que muita das vezes apresentaria maiores caprichos para com artefatos como uma casa, e o masculino, que se veria mais desligado de certos detalhes da mesma. Uns são “de Marte”, outros “de Vênus”. Quem sabe uma mistura disso tudo, com alguma inveja a ocupar o espaço no coquetel das intrigas?

Parece, em todo caso, não ser algo que diga lá muito respeito à alimentação midiática em torno da lenda de que João Gilberto seria um “chato, recluso”, etc. Contudo, por que não vampirizar um pouco mais em cima dessa imagem, desse confortável estereótipo de homem, a fim de vendermos revistas e jornais, já que não podemos perder, de jeito maneira, nosso sagrado espaço para a internet?

Se João é recluso, problema (ou não) dele. A reportagem até menciona que o músico recebe algumas visitas. Há os que nem isso. E deveríamos, portanto, achincalhá-los, por mais estranho que nos pareça?

Na Era da frenética autoexposição, ainda que superficial - vide Big Brother e Cia -, não suportamos certos “comportamentos desviantes”. Ora, mas João ainda estaria “à frente” dos que não recebem ninguém.

Se o artista é um mito, o que conta para a imprensa são “manias”. E, por uma vez mais, brasileiros tomam elementos pessoais, de caráter privado como mais significativos do que os “profissionais” (artísticos, nesse caso). Dessa maneira, julgamos purgar nossas taras e loucuras no outro.

É também como no livro “Raizes do Brasil”, do sociólogo Sérgio Buarque - aqui reeditado -, na atitude de um congresso quando legisla em causa própria, esmagando, de vez, a instância pública.

Ou, principalmente, quando alunos mimados – por obra e cumplicidade dos pais - encaram a escola com tamanha indignação, tão logo professores não atendam a seus vorazes caprichos. Concepções dogmáticas que se traduzem em corporações.

Em suma, como uma maneira corporativa de enxergar o mundo, a educação, as artes, a política, “as notícias”.

Diante da cultura do mimo, e - por que não - da fofoca, sobre a música de João Gilberto de nada saberemos.