segunda-feira, 29 de agosto de 2011

O Bem vindo-Abacaxi




Passando os olhos pela lista de "filmes abacaxis" , proposta por André Barcinski


O crítico considera "Alphaville", de Jean-Luc- Godard um belo de um abacaxi.


Pode não ser um filme perfeito. Mas creio que o diretor não tenha almejado algo "perfeito".

Talvez tenha almejado até mesmo "um abacaxi". E me parece, nesse caso, ótimo. Senão vejamos:


1- Barcinski fala em "pastiche de filme noir", como de algo pejorativo.

Me parece até mais uma paródia do que pastiche- não exatamente como crítica, mas como uma bela recontextualização da ficção-científica para a realidade urgente dos anos 60.

Quando uma arte adquire consciência de que já carrega em si uma história, cabe uma ironia, um certo distanciamento- mais na cara.


Por exemplo: quando Vincente Minnelli (cuja mostra começa agora dia 31 em Sampa) realiza seu musical "A Roda da Fortuna" nos anos 50, a última e longa cena musical não passa de uma paródia ao filme noir. Notamos, a um tempo, seu irônico distanciamento, como também certa amorosidade ao poder recontextualizar a história do gênero na superfície dos objetos, das cores e dos corpos de Fred Astaire e de Cyd Charisse.
Ou seja, quase todo Tarantino já estava ali, nesse filme a um tempo sarcástico e amoroso.



Quentin Tarantino, por sua feita, puxa uma bela sardinha de Godard, que, em Alphaville, fez uso do mesmo jogo-operação para o gênero ficção científica. Daí essa imagem puída, barata ou irônica.



2- A propósito, Barça fala também de "Gran Torino" ( Clint Eastwood) como de "Duro de Matar".


Não lhe ocorreu que Eastwood, desde muito, se encarrega de passar não somente seu velho mito, como a história do cinema norte- americano a limpo. O que, para tanto, não significa destruir por destruir.

Para que se estabeleça um diálogo com a história dos filmes e da América (ambas entrelaçadas) cabe partir dos clichês dos mesmos, dos gêneros, a um ponto de revirá-los.


Ao fazê-lo, é a própria história oficial norte-americana, fulcrada em muito na imagem dos filmes que passa a ser reposta. E tal cinema, revitalizado, justamente a partir dessa imagem de morte embalsamada.

Ou seja, se alguém morre no filme não seria meramente o protagonista, mas a dimensão simbólica de um cinema que não serviria para "mais nada".


Seria fácil, cômodo em todos os casos citados uma mera implosão punk, dadaísta. Mas tais artistas ( Minnelli, Godard, Eastwood, Tarantino) sabem deveras que o presente não se faz da anulação gratuita de um passado.


Aliás, são e foram criadores de uma arte que, quanto mais circense e "bastarda", melhor.

sábado, 27 de agosto de 2011

Complexo de Roberto Carlos




Do texto de Marcia Tiburi: "A amizade e o fundamento subjetivo das redes sociais"




“Eu quero ter um milhão de amigos” é o famoso verso da linda canção “Eu Quero Apenas”, de Roberto Carlos. Adaptado aos nossos tempos, o verso representa o anseio que está na base do atual sucesso das redes sociais. Desde que Orkut, Facebook, MySpace, Twitter, LinkedIn e outros estão entre nós, precisamos mais do que nunca ficar atentos ao sentido das nossas relações. Sentido que é alterado pelos meios a partir dos quais são promovidas essas mesmas relações.


O fato é que as redes brincam com a promessa que estava contida na música do Rei apenas como metáfora. O que a canção põe em cena é da ordem do desejo cuja característica é ser oceânico e inespecífico. Desejar é desejar tudo, é mais que querer, é o querer do querer.


Mas quem participa de uma rede social ultrapassa o limite do desejo e entra na esfera da potencialidade de uma realização que vem tornar problemática a relação entre real e imaginário. Se a música enuncia que “eu quero ter um milhão de amigos”, ela antecipa na ala do desejo o que nas redes sociais é seu cumprimento fetichista.


E o que é o fetichismo senão a realização falsa de uma fantasia por meio de sua encenação sem que se esteja a fazer ficção?


Torna-se urgente compreender as redes sociais quando uma nova subjetividade define um novo modo de vida caracterizado pelo que chamaremos aqui de complexo de Roberto Carlos. Tal complexo se caracteriza pelo desejo de ter um milhão de amigos no qual não está contido o desejo de ter um amigo verdadeiro, muito menos único.


A impossibilidade de realização desse desejo é até mesmo física. Não seria sustentável para o frágil corpo humano enfrentar “um milhão” de contatos reais. Na base do complexo de Roberto Carlos está a necessidade de sobrevivência que fez com que pessoas tenham se reunido em classes sociais, partidos, grêmios, clubes e sua forma não regulamentada que são as “panelas”.



Um "milhão de amigos", portanto, ou é metáfora de canção ou é fantasmagoria que só cabe no infinito espaço virtual que cremos operar com a ponta de nossos dedos como um Deus que cria o mundo do fundo obscuro de sua solidão. Complexo de Roberto Carlos, de Rei, ou de Deus...



Questão fantasmagórica



A questão é da ordem do imaginário e de sua eficiente colonização. Não haveria o que criticar nesse desejo de conexão se ele não servisse de trunfo exploratório sobre as massas. Refiro-me às empresas de comunicação digital que usam o desejo humano de conexão e comunicação como isca para conquistar adeptos. Amizade é o nome dessa isca. Mas o que realmente está sendo vendido nessas redes se a amizade for mais que isso?


Certamente não é a promessa de amizade, mas a amizade como gozo: a ilusão de um desejo realizado. E quando um desejo se realiza? Apenas quando ele dá lugar à aniquilação daquilo que o impulsionava.


Logo, o paradoxo a ser enfrentado nas redes sociais é que a maior quantidade de amigos é equivalente a amizade nenhuma. A amizade é como o amor, que só se sustenta na promessa de que será possível amar. Por isso, quando se sonha com o amor, ele sempre é desejo de futuro, no extremo, de uma eternidade do amor. O mesmo se dá com a amizade. Um amigo só é amigo se for para sempre. Mas quem é capaz de sustentar uma amizade hoje quando se pode ser amigo de todos e qualquer um?


De todas as redes sociais, duas delas, Orkut e Facebook, usam a curiosa terminologia “amigo” para nomear seus participantes. Certamente o uso da palavra não garante a realidade do fato, antes banaliza o significado do que poderia ser amizade. A peça " A Rede Social" nos fazer pensar sobre o sentido que nosso tempo digital dá à amizade.


Mark Zuckerberg, como personagem, é o sujeito excluído de um clube. Dominado pelo básico desejo humano de “fazer parte”, ele decide criar seu próprio clube. No filme, ele consegue ter milhares de “conectados” – na realidade o Facebook hoje conecta 500 milhões de pessoas ou “amigos” – e perder seu único amigo verdadeiro, Eduardo Saresin.


A amizade é a básica e absoluta forma da relação ética, aprendida como função fraterna. O valor do filme está em mostrar a inversão diante da qual não há mais nenhuma chance de ética.

Um amigo não vale nada perto "de milhões", como uma moedinha que perde seu valor diante de um cofre cheio. Amigos transformados em números não são amigos em lugar nenhum, nem na metáfora de Roberto Carlos, que serve aqui para denunciar criticamente o mundo do qual somos responsáveis junto com Mark Zuckerberg".

quinta-feira, 25 de agosto de 2011

Oswald/ Drummond





Trechos de uma crônica de Drummond de quando da morte de Oswald de Andrade:


"Oswald de Andrade construiu toda uma filosofia de vida, e uma teoria sociológica, para justificar o exercício de sua tendência ao sarcasmo. Apelidou isso de antropofagia, e viu no homem um ser devorador por excelência, tanto mais justificado, histórica e psicologicamente, quanto mais deglute o seu semelhante:

No dia em que o homem deixar de comer o próximo, a civilização entra em decadência, e se instalariam, com o patriarcado, o messianismo, e os valores burgueses em geral. Oswald era contra a escravidão, porque esta importa em explorar o adversário, que deve ser comido, e não posto a ferros. Os devorados não contam, mas os devoradores implantarão a cultura da liberdade...


No subsolo dessa doutrina, havia apenas o gosto de Oswald pela sátira, que é a manducação simbólica. Viajando-se mais longe em sua personalidade, o ser corrosivo cede lugar, imprevistamente... a quem? A um menino sentimental, que queria ser mimado apesar de suas inconsequências, e que adorava um gesto de carinho.


Tive ocasião de surpreendê-lo (ou de surpreender-me) numa noite de abandono e confidência, em que pude verificar como geralmente sua agressividade era forma de defesa, compensação pelo agravo recebido, ou que supunha como tal.


Dessem-lhe carinho, e o homem cheio de alfinetes e ácidos se aveludava. E quando encontrou carinho, ou foi bastante lúcido para identificá-lo depois de outros que havia encontrado e não soubera decifrar, instalou-se numa felicidade burguesa e monogâmica, que negava toda a laboriosa construção antropofágica, levantada em quase trinta anos de orgulho intelectual, isto é, de autojustificação.


Uma linha de coerência se esboça através dos ziguezagues de sua vida. Ora espiritualista, ora marxista, criando um dia o Pau-Brasil e logo buscando universalizá-lo em antropofagia, primitivo e civilizado a um tempo, como observou Manuel Bandeira, solapando o edifício burguês sem renunciar à habitação em seus andares mais altos, Oswald manteve sempre intacta sua personalidade, de sorte a provocar, ainda em seus últimos dias, a irritação ou a mágoa que inspirava o "fauve" modernista de 1922.

Os rapazes que vinham para a literatura com a preocupação excessiva de purezas e aristocracias verbais (no fundo, variantes tardias do parnasianismo) pretendiam ignorá-lo ou negar-lhe a força.


(...) Não houve, no modernismo, personagem mais viva do que ele. Manteve até o fim, quando outros "heróis" do movimento se haviam acomodado ou haviam evoluído, uma atitude tipicamente modernista, não isenta de sabor.

Tinha algo de Jarry, inventor de "Ubu Roi" e do "Surmâle". E seu "Searafim Ponte Grande" é uma dessas criações que a gente não esquece, pela violência rabelaisiana de sátira, a destruir um mundo de atitudes e ideias que merece ser realmente espandongado.

Vamos sentir falta de Oswald, e também saudade."

terça-feira, 23 de agosto de 2011

Em Salão







Trechos de um texto de Marina Colasanti, escolhido não por que seja esse um "blog comunista".

Mas por ser uma bela crônica a respeito de uma relação muito concreta- a meu ver- entre imagens e frustração. Violência.

A propósito, e para que não seja mal interpretado, não tenho nada contra quem usa roupas de marca.

Até porque- também- podemos ganhar esse tipo de vestimenta e seria um ranço ideológico mui pesado ainda querer dar uma de francisco de assis. (Ou não).



"Não faz nem uma semana que na Inglaterra jovens encapuzados depredaram lojas de grifes. Foi uma maneira, rude embora, de afirmar a grife como gênero de primeira necessidade.



... Hoje, a marca Pucci , que vestiu de Sofia Loren a Jackie Kennedy, e com que Marylin Monroe foi enterrada, continua viva depois da morte do seu criador, mas 67% dela pertencem ao grupo LVMH. Quantos sabem o que significa essa sigla, além da palavra luxo?


Um grupo não é uma pessoa. Um grupo não tem rosto, nem raízes. Tem ações e uma imagem construída por profissionais de marketing. Dessa imagem faz parte o preço dos produtos.

Nada de muito novo no processo. Já os cavernícolas usavam joias, de osso ou pedras, mas distintivas. A aparência sempre foi utilizada como crachá. Novo é o constante atiçar do desejo de aparência.

A publicidade não é distintiva ou o é muito pouco. E é massacrante.

A campanha da "coleção de luxo" é concebida para ser vista infinitas vezes por quem pode comprá-la e por quem não pode, pela dona da loja que vai vendê-la e pela faxineira que limpa a loja, pela mulher rica que compra a revista com os anúncios e pela manicure que vê a revista no salão. A todas é dito que a posse daqueles objetos/roupa faria delas "pessoas melhores".


Quanto ganha uma estrela de futebol, apenas para usar uma marca? Os encapuzados de Tottenham depredaram lojas de esporte para roubar roupas grifadas. É o que eles usam, calça e agasalho esportivo. Mas de marcas baratas. São fãs dos astros que vestem as grifes mais caras e estão em um ponto social que não lhes dá grandes esperanças de também se tornarem astros algum dia, seja lá do que for.


A possibilidade mais imediata para subir é vestindo o mesmo que vestem os que já estão no alto. Foi isso o que eles aprenderam, o que lhes foi sempre repetido. Pertencem a uma geração para quem a publicidade faz questão de estar mais presente que qualquer outro tipo de "conselho", porque os outros conselhos não vendem produtos. E estamos vendo agora que foram bons aprendizes ".

CDA





"..O tempo pobre, o poeta pobre
fundem-se no mesmo impasse.

Em vão me tento explicar, os muros são surdos.
Sob a pele das palavras há cifras e códigos.
O sol consola os doentes e não os renova.

As coisas. Que tristes são as coisas, consideradas sem ênfase.

Vomitar esse tédio sobre a cidade.
Quarenta anos e nenhum problema
resolvido, sequer colocado.
...
Os homens voltam para casa.
Estão menos livres mas levam jornais
e soletram o mundo, sabendo que o perdem.

Crimes da terra, como perdoá-los?
Tomei parte em muitos, outros escondi.

Alguns achei belos, foram publicados.
Crimes suaves, que ajudam a viver.
Ração diária de erro, distribuída em casa.
Os ferozes padeiros do mal.
Os ferozes leiteiros do mal.

...


Uma flor nasceu na rua!
Passem de longe, bondes, ônibus, rio de aço do tráfego.
Uma flor ainda desbotada
ilude a polícia, rompe o asfalto.
Façam completo silêncio, paralisem os negócios,
garanto que uma flor nasceu.


Sua cor não se percebe.
Suas pétalas não se abrem.
Seu nome não está nos livros.
É feia. Mas é realmente uma flor.


Sento-me no chão da capital do país às cinco horas da tarde
e lentamente passo a mão nessa forma insegura.
Do lado das montanhas, nuvens maciças avolumam-se.
Pequenos pontos brancos movem-se no mar, galinhas em pânico.
É feia. Mas é uma flor. Furou o asfalto, o tédio, o nojo e o ódio".



sábado, 20 de agosto de 2011

Em Sala- A Ficção científica hoje





Trechos do texto de Roberto de Sousa Causo:


"A Guerra das Salamandras" (1936), de Karel Čapek (20 de abril de 2011) é uma obra de gênio, que captura muito do clima social e político do período do entre guerras.

A peça "Ze Zivota Hmyzu", de 1923 usa insetos para satirizar a elite. Claro, "A Guerra das Salamandras" emprega anfíbios em função similar. Mas Čapek também sondava as fantasias de abundância da sociedade do consumo.



" A Guerra das Salamandras", primeiro publicada aqui pela Brasiliense em 1988, abre com a descoberta de uma espécie de salamandra inteligente pelo capitão Van Toch, em uma ilha de Sumatra.

Esse mercador tcheco tem bons sentimentos dirigidos às criaturas, fornecendo-lhes meios de defesa contra os tubarões e encontrando locais seguros de desova, em troca de sua habilidade para o trabalho submarino. Mas acaba deixando-as sob o controle daqueles que, liderados pelo tcheco G. H. Bondy, globalizam seu emprego apoiados em sua altíssima alta de fertilidade.


O enredo não segue um único protagonista. As situações alternam-se, pintando um quadro multifacetado da interpenetração entre salamandras e humanidades. Agrega recursos da "montagem", como truques de artes gráficas e ilustrações, colagem de relatórios científicos e atas empresariais. E o recurso metaficcional culmina com o autor discutindo consigo mesmo no capítulo final.


Esse romance e a obra de Čapek são marcados pelo burlesco, no tratamento leve de temas sérios como a crueldade humana. Por trás do cômico e do absurdo, há um forte sentimento trágico, além da mente de um crítico incisivo de sua época. Isso leva sua ficção para muito além dos esquemas satíricos usuais.


Apesar de ferino e implacável satirista, Čapek não exibe desdém aristocrático pelas "massas". Em vida, foi um democrata que se pronunciou contrário ao comunismo e que escreveu peças antinazistas, colocando-se na mira da Gestapo.

Em "A Guerra das Salamandras", pôe no mesmo saco capitalismo e comunismo, colonialismo e fascismo.


Mais do que outros intelectuais da primeira metade do século XX, ele parece ter entendido que certas utopias ( do livre mercado, do coletivismo, da sujeição das "raças inferiores" ou do Terceiro Reich) são, na era da superpopulação, modos de aproveitamento das "massas" de mão de obra barata que, ele intuiu, formam o moto-perpétuo que faz "avançar" as nações. Mesmo que o avanço seja na direção do abismo.

Neste momento de globalização dos mercados, num mundo de 7 bilhões de habitantes em que a exploração da mão de obra barata desconhece fronteiras e a China ascende às primeiras posições no ranking das economias nas costas de centenas de milhões de trabalhadores, "A Guerra das Salamandras" ainda constitui um alerta sem paralelo na literatura".

quarta-feira, 17 de agosto de 2011

O Rei da Comédia-2- digressões

a


Trechos de uma postagem minha de início de blog:


Uma espécie de livre ensaio sobre a ânsia pela fama, em "O Rei da Comédia" De Niro parece fugir ao padrão mais "viril" dos demais filmes realizados com o amigo Scorsese. Mas não nos enganemos. Trata-se de um homem propício a violências mil.

A primeira delas, segundo o filme, é a de viver sempre no universo do espetáculo, dentro ou fora do proscênio. De Niro encarna aqui um clown de marca maior, mais Arlequim do que Pierrô, sujeito a delírios possíveis e impossíveis de grandeza. A rigor, um homem banal que se vê como Rei.


A chave com que Scorsese trabalha em "O Rei da Comédia" é a da ironia, a roçar sempre certo horror no vazio, como bela denúncia dos tempos. E o que haveria de mais atual do que a banalidade tornada púlpito encalacarado ?


Por outro lado, será a personagem sequestrada por De Niro, de alguma maneira, inocente? Ou aquilo que o cômico vivido por Jerry Lewis mais tema seja justamente o que não passaria de uma descarga da matriz, igualmente cínica e demente- a chamada indústria cultural e sua lógica implacável?


Parecerá, portanto, que essa insana atitude de amordaçar o rei corresponda ao comando do velho Maquiavel- o príncipe: os fins justificam os mídias. O que importa para De Niro, afinal, é chegar lá.



Pai e filho bastardos


Esse tipo de veículo, por sua qualidade hipnótica, não deixa de encarnar, de certa maneira, um certo paternalismo- ainda que mal assumido.

No filme, o protagonista ainda vive com a mãe e não há resquícios de pai em seu lar. Logo, Jerry, o raptado, não passa de um pai simbólico para De Niro, sendo a atitude do clown meramente reativa frente ao poderio de Papai. (Mas composta de uma violência afim ao veículo midiático em pauta).

Por esse lado, "O Rei da Comédia" não deixa de abordar uma violência entre grupos, gerações. O que se dará, afinal, é uma substituição de poderes em mesma moeda. De Niro passa a ser o novo Príncipe da mídia, com sua molequice perfeitamente adequada a um veículo com idade mental um tanto cínica e estagnada.



..É sabido que Scorsese, de início, recusou o "argumento", até o momento em que, instintivamente, percebeu como coerente seria ao tipo de mentalidade instalada.

Nesse caso, o personagem vivido por Jerry Lewis pode representar o próprio gênio ator, defasado frente ao reino do cômico "freak", escancarado, tornado mistificação.
No entanto, o filme de Scorsese evita qualquer estado de espírito que remeta à nostalgia. Seu filme é lúcido e bem humorado.

Desse difícil equilíbrio, entre o ácido e o bem humorado, a insanidade e a sobriedade se dá o fino jogo de "O Rei da Comédia": uma brincadeira-interação inteligente com o espectador.

Afinal, De Niro e Scorsese encenam, na verdade, para nós, a reivindicar nossa atenção e percepção.

Além de brilhante- em todos os sentidos- talvez o filme mais atual de Martin Scorsese.

Arte circense- O Rei da Comédia-1




Trechos de texto do filme de Martin Scorsese:



"Não é por acaso que Scorsese se fixa na televisão para compor sua fabulação. A TV é o próprio emblema de uma civilização que, dedicada exclusivamente ao consumo, abandonou todos os valores (éticos ou estéticos), em que já não se distingue
o gênio do idiota, já que só interessa a corrente desenfreada que vai da venda ao consumo.


Assim, a questão principal do filme é saber quem é Rupert Pupkin. Um idiota, por certo, mas que subitamente ascende à condição de "gênio". "Gênio" porque, não se movendo por nenhum parâmetro, exceto a celebridade que a TV pode oferecer, ele percebe que só a veiculação conta.

Tendo sido apresentado como O Rei da Comédia, o que ele conta já não parece dramático aos espectadores, mas cômico. Um rótulo basta.

Ser rei não implica, para Pupkin, ter alguma coisa a dizer, mas fugir ao anonimato. Isso não constitui nem mesmo uma empreitada individualista, apenas atesta como, no fantasmagórico nada consumista, qualquer coisa ou qualquer um podem se impor como sucesso. Há que ser audaz, perseverante e, lógico, idiota.


Porém, Pupkin, o idiota, não deixa de ser Pupkin, "o gênio", na medida em que decodifica esse mecanismo perverso: "verdade" é o que aparece na TV. Ter sua imagem projetada num receptor não é apenas um critério de sucesso, mas também um estatuto de existência.


Inútil acentuar o olhar sarcástico que Scorsese lança sobre esse mundo no qual a farsa não se distingue da verdade; no qual aquele que produz felicidade (Langford, no caso) está condenado à solidão e ao mau humor perpétuos. Essa ausência de vigor numa civilização que se contenta em absorver pacatamente o que quer que seja; em gerir o caos televisado sem oferecer nenhuma perspectiva aos viventes que não a reprodução infinita desse sistema – esse o centro mesmo do filme.

Ou, digamos, um dos centros de um dos filmes mais ricos dos últimos tempos: um pesadelo preciso, que
– se focaliza em particular a América do Norte – não deixa de valer para qualquer outro canto tomado pela tirania eletrônica.

Mas sejamos otimistas: na simplicidade e depuração de Scorsese, pode-se ver uma reação contra esse mecanismo infernal...Uma resposta cheia de humor e talento aos profetas da mediocridade. O avesso do pensamento dominante (mesmo em áreas autoproclamadas progressistas). Um filme, enfim, que não se pode perder."

( Inácio Araújo, 1983)

terça-feira, 16 de agosto de 2011

Não é o Velvet





"O Vendedor de Bananas"




Bababababababanana

Olha a banana
Olha o bananeiro

Eu trago bananas prá vender
Bananas de todas qualidades
Quem vai querer


Olha banana Nanica
Olha banana Maçã
Olha banana Ouro
Olha banana Prata
Olha a banana da Terra
Figo São Tomé
Olha a banana d'Água


Eu sou um menino
Que precisa de dinheiro
Mas prá ganhar de sol a sol
Eu tenho que ser bananeiro


Pois eu gosto muito
De andar sempre na moda
E pro meu amor puro e belo
Eu gosto de contar
As minhas prosas

Olha a banana
Olha o bananeiro


O mundo é bom comigo até demais
Pois vendendo bananas
Eu pretendo ter o meu cartaz
Pois ninguém diz prá mim


Que eu sou um palha no mundo
Ninguém diz prá mim
Vai trabalhar vagabundo

Olha a banana
Olha o bananeiro
Mãe, mãe, mãe
Eu vendo banana mãe
Mãe, mãe
Mãe mas eu sou honrado mãe

Olha a banana
Olha o bananeiro"

( Jorge B.)

segunda-feira, 15 de agosto de 2011

Pessoalidade Impesssoal- parte 2




"Biografia significaria a chance de algo para contar em tempos de morte da narrativa sobre alguém ou sobre si mesmo. De que é feita essa narrativa?

O que nos diz uma vida que pode ser narrada quando a produção industrial da tagarelice, do dizer vazio de quem muitas vezes ainda nem viveu, extermina o sentido de uma vida que pode ser contada?

A desvalorização do que, ao ser vivido, poderia constituir um sincero testemunho para quem não sabe muito da vida desaparece diante do endeusamento de quem fala demais sem ter nada a dizer.


Bob Dylan e Woody Guthrie


Mas nem tudo é sempre tão bonito como foi para Dylan, fã de Guthrie. Aquele que se coloca na posição de fã muitas vezes precisa ser ajudado a ultrapassar sua própria condição, pois a fixação na personalidade de outrem pode deixar de ser um caminho de autoconstrução e tornar-se autodestruição da própria potência de ser quem se é.

A relação da palavra fã com o fanatismo não deve ser esquecida. Assim como o ódio por alguém que mal conhecemos é autoprojeção, o amor como fixação também o é e, na verdade, não é amor nenhum, mas mero estranhamento de si que se explica na falta de autovalorização.

O exemplo de Dylan em relação a Guthrie define uma história de continuidade e superação. É a experiência única da própria individuação e suas metamorfoses que precisa encontrar palavras nos dias de hoje.

E essas palavras estão longe da tagarelice fabricada e consumida como verdade nestes tempos antibiográficos."

(Márcia Tiburi).




A Pessoalidade impessoal- 1



"Uma feliz coincidência faz com que o clássico "A Malvada" reestreie enquanto ainda está em cartaz o filme mais demolido do ano, "Showgirls".


No mundo do espetáculo, nunca estamos lidando com pessoas propriamente ditas, mas com máscaras, silhuetas que se botam e que se tiram conforme as exigências do momento (alô, Sandy- AC).

Nesse sentido, "A Malvada" usa o meio teatral como paradigma. Seu discurso, preciso, constata que cada pessoa é, no caso, antes de tudo aparência.

Uma proposição que "Showgirls" , sua releitura, torna bem mais angustiante: será que esse mundo de aparências ainda existe ou já entramos no registro da inexistência pura e simples?"

(I. Araújo).

sábado, 13 de agosto de 2011

Biombo virtual- Arte Mundo Circense-2





"SHOWGIRLS (1995), de Paul Verhoeven- por Inácio Araújo "


Showgirls chegou ao Brasil com a fama de pior filme do ano estabelecida nos EUA. A fama pegou e o estigma difundiu-se.


Nesses casos, qualquer argumento serve: há excesso de erotismo ou falta dele, a atriz é péssima, a história é cafona, etc. Não é tão simples assim. Showgirls é um A Malvada de tanga, um Robocop de topless.


Do filme feito por Joseph Mankiewicz em 1950 (A Malvada), Showgirls tira a história. É uma refilmagem, a rigor, da história da aspirante a atriz que usa de todos os meios para subir na vida. Mas o essencial vem provavelmente de Robocop, filme dirigido pelo próprio Paul Verhoeven em 1987.

Ali, como se sabe, um policial morto é recuperado, dotado de uma armadura, recheado de chips e colocado de novo a serviço da polícia, só que agora com poderes quase sobrenaturais.

Showgirls retoma essa ideia de armadura. A diferença – sensível – é que desta vez a nudez será a couraça das garotas que batalham, no palco, pelo estrelato.

É claro que ninguém se lembrou de considerar ridícula a atuação de Peter Weller em Robocop, ou de reprovar-lhe a imobilidade facial.
No caso de Showgirls, não faltou quem enfatizasse a incompetência, ou suposta incompetência, de Elizabeth Berkley.


Ora, Berkley (aliás, Nomi Malone, sua personagem) é mesmo de uma inexpressividade inquietante – por nascença ou virtude. Só não se pode dizer que essa inexpressividade não seja funcional. Nomi Malone é de um vazio atroz. É um Robocop com o rosto mascarado por quilos de purpurina, no qual não se vê sinal de humanidade.
Seus movimentos, mesmo quando dança, são robóticos, de um autômato.

É estranho que esse filme tenha sido condenado por erotismo. Seu parti pris é notoriamente antierótico (o inverso de Instinto Selvagem, do mesmo diretor). A bailarina pode estar no mais sórdido palco de Las Vegas, ou no mais triunfal dos grandes hotéis: não há sensualidade
nos gestos, nem nos propósitos. Tudo o que ela quer é vencer na vida.

Em relação a A Malvada, Showgirls opera um ressecamento dos personagens a dimensões mínimas. No filme de Mankiewicz, Anne Baxter era alguém de uma ambição desmedida. No de Verhoeven, Berkley tem a mesma ambição, mas não é certo que seja alguém, ou que possua outros atributos de humanidade.

Showgirls é um filme crítico a um estado de coisas em que o interesse mínimo e máximo das pessoas se equivale: triunfar. Em vez da armadura do Robocop, Nomi Malone arma-se renunciando à alma, ostentando um corpo de boneca, puro artefato de indústria (de diversão).

Showgirls é um filme inquietante, nada acomodatício, na contracorrente, a quilômetros da insignificância."

sexta-feira, 12 de agosto de 2011

Cinema, arte circense (no bom sentido)- parte 1











1- "Opinião Pública" (Casamento ou Luxo) foi o filme de Charles Chaplin mais elogiado pela crítica, mas a ausência de seu personagem-chave parece ter decepcionado o público.

Nem por isso, a farsa se encontraria menos presente. Pelo contrário, é até maximizada.

2- "O Terror Das Mulheres"- Jerry Lewis levando a um limite de delírio surrealista o nonsense moderno de seu mestre Frank Tashlin.

3- "Lili Marlene" e o circo melodramático de Fassbinder.

4- "Lola Montés" - Max Ophuls em espetáculo "aberrante", de um mundo igualmente.

5- "O Testamento do Dr. Cordelier", de Jean Renoir - um fã do "palhaço" Charles Chapin

6- "Tropas Estelares"- Os insetos de Paul Verhoeven tentam vencer os nazistas assépticos da globalização neoliberal.

7- " Alphaville"- A ficção-científica puída de um Godard que se intitulava como "o palhaço da burguesia".

8- "Vampiros de Almas" e a invasão dos homens vagens de Don Siegel.

quarta-feira, 10 de agosto de 2011

O Império do real, que não existe- parte 2







"Procurar sem notícia, nos lugares
onde nunca passou;
inquirir, gente não, porém textura,
chamar à fala muros de nascença,
os que não são nem sabem, elementos
de uma composição estrangulada.


Não renunciar, entre possíveis,
feitos de cimento do impossível,
e ao sol-menino opor a antiga busca,
e de tal modo revolver a morte
que ela caia em fragmentos, devolvendo
seus intactos reféns- e aquele volte.


Venha igual a si mesmo, e ao tão-mudado,
que o interroga, insinue
a sigla de um armário cristalino,
além do qual, pascendo beatitudes,
os seres-bois, completos, se transitem,
ou mugidoramente se abençoem.


Depois, colóquios instantâneos
liguem Amor, Conhecimento,
como fora de espaço e tempo hão de ligar-se,
e breves despedidas
sem lenços e sem mãos
restaurem- para outros- na esplanada
o império do real, que não existe."

(CDA)

O Império do real, que não existe- parte 1






Texto de Março em repostagem:


"Tempestade sobre Washington", de Otto Preminger é uma obra destinada a não fixar em seu "turbilhão" nenhuma imagem para o espectador.

Preminger, como se sabe, filma a partir de quadros abertos, de maneira a abarcar uma grande massa de personagens, objetos e situações.

O espectador pode se sentir perdido diante do fato de não saber exatamente para que lado ir, uma vez que o filme recusa a retórica dos cortes, ao filmar sempre em longos planos-sequências (longas tomadas com breves interrupções).

No filme em questão, trata-se de mais um caso da Corte Democrática norte-americana. Ou seja, de um processo em que personagens fazem o que podem e o que não podem para impor suas “verdades”. O que interessa nessa democracia é, claro, o jogo dos poderes. Nisso, Preminger filma em câmera baixa as escadarias que conduzem ao podium do Senado, o que reforça o estado de espírito algo megalomaníaco da coisa.

Diante de um quadro em que todos querem provar suas certezas, seu tipo de cinema nos conduz, vertiginosamente, de um lado a outro, com o máximo de atenção aos detalhes mais ínfimos. No entanto, nenhuma imagem se fixará. Na verdade, passará a ser negada pela posterior, que, por conseguinte, será anulada de alguma maneira.

A pátria das certezas- USA- passa, assim, a ser retorcida de seu interior, ao passo que a iluminação acinzentada só reforça o estado movediço das coisas. A rigor, o diretor filma o fugidio, qual seja, o que logo escapa, sob poder do tempo e das inconsistências.

“Sobre tempo” é necessário dizer que Preminger capta breves instantes destinados a não perdurarem diante de nós. Personagens do alto de suas posturas são fadados ao afunilamento de suas convicções. Inclusive o cínico senador, vivido por Charles Laughton, tão cioso de si, a carregar em seu corpo e rosto um contorno fantasmagórico, resultado de uma iluminação esbranquiçada a compor o quadro de um museu de cera, decadente.

Ninguém esperaria que, diante de um filme que pareça prezar certo “distanciamento” haveria lugar ainda para um momento de melodrama, vivido por um homem chamado Ray: uma referência talvez ao cineasta de mesmo nome- Nicholas Ray- que, tal como o referido personagem lutava por seus princípios, na mesma medida em que tentava se livrar das amarras de um passado?

Como "Tempestade sobre Washington" é quase um “filme de tribunal”, Preminger exigirá mais de seu espectador, a respeitar sua inteligência e sensibilidade. No mosaico proposto, haverá personagens de ambos os lados a lutar por seus princípios, mas se o diretor parece, por um lado, não tomar partido, por outro, toma um pouco o de quase todos, como a dizer que muitos no mundo apresentariam lá suas razões. O que não impede que mecanismos políticos sejam trabalhados e dissecados a partir da constatação que “os fins justificam os meios”, de maneira crítica e cruel.

A obra em questão nos lança, portanto, no centro de um podium de poder para, a partir desse quadro, operar seu movimento de descentramento. Pelos vai e vens da câmera ou dos acontecimentos restarão poucas certezas e, quem sabe, alguma possibilidade de construção.

Junto a uma vaga percepção do tempo segundo Preminger, captado como o esvair das coisas. É, no mínimo, notável.

segunda-feira, 8 de agosto de 2011

Mineirices- 2






" Paixão Medida"


Trocaica te amei, com ternura dáctila
e gesto espondeu.
Teus iambos aos meus com força entrelacei.

Em dia alcmânico, o instinto ropálico
rompeu, leonino,
a porta pentâmetra.

Gemido trilongo entre breves murmúrios.

E que mais, e que mais, no crepúsculo ecóico,
senão a quebrada lembrança
de latina, de grega, inumerável delícia.

(Drummond)

Mineirices







" Homens e mulheres sonham com um jardim. É preciso escolher um jardineiro.

Em tempos idos, bárbaros, os mais fortes, com porretes nas mãos, decidiam sobre a forma do jardim. Quem não concordava recebia uma porretada.

Aí chegou a democracia, coisa que eu amo e quero. Não é preciso brigar pela forma do jardim. A gente escolhe o jardineiro de acordo com o gosto e interesse.

Mas, como na prática a teoria é outra....Os indivíduos não são nem livres nem "racionais". São tolos. Moram em covas como toupeiras. Não vêem jardim. Só pensam na sua cova e por ela fazem qualquer negócio.

Trocam um jardim para todos por um apartamente para si. Querem um pedaço de terra cercado de muros no meio de uma montanha de lixo.

O que querem é uma canoa, não importando que, junto com ela, venha o dilúvio. Para se entender política é preciso ler menos os politicólogos e mais Orwell, Maquiavel, Freud.


Hoje os porretes da ditadura foram substituídos por artifícios de sedução. A fala macia da serpente é mais eficaz.

Na ditadura o estupro é óbvio. A ditadura gera o desejo de vingança. Na "democracia" o cidadão permite o estupro, é cúmplice do estupro, na esperança do gozo.

Felizmente, existe a dona Maria, minha faxineira, que fez almoço para as crianças de seu bairro. Acredito em seu gesto. E como ela, há milhares de donas Marias e senhores Joãos ( de outra crônica) por esse Brasil afora, pessoas anônimas que nunca se candidatarão e que, se candidatassem, não se elegeriam. Faltam-lhe as condições mínimas para triunfar no jogo: não têm esperteza nem dinheiro..."
( Ra)


Ps- Foto de "Fort Apache", de John Ford.
Ps 2 - O poema F- abaixo- é de Carlos Drummond.

sábado, 6 de agosto de 2011

F




Forma
forma
forma

que se esquiva
por isso mesmo viva
no morto que a procura

a cor não pousa
nem a densidade habita
nessa que antes de ser

deixou de ser
não será
mas é


forma
festa
fonte
flama
filme


E não encontrar-te é nenhum desgosto
pois abarrotas o largo armazém do factível
onde a realidade é maior do que a realidade

sexta-feira, 5 de agosto de 2011

Errata

Favor desculpar o erro de digitação: aviltado.

Obrigado!

quinta-feira, 4 de agosto de 2011

De quem é o preconceito?- 2





Preconceito existe na mesma medida em que o mesmo não é admitido como traço cultural. Logo, o preconceito é sempre do outro- o que não deixa de ser uma atitude discriminatória.

Pode-se ter preconceito pelos mais variados motivos. Como no caso do ciúme: basta que alguém exista.

A partir do momento em que alguém é minoria frente a um "grupo", a panelinha já o discriminou.

De quem é o Preconceito?




Não entendo muito bem por que ditos “progressistas” realizam passeatas pela descriminalização da maconha, influenciados logo pelo príncipe neoliberal FHC, que, aliás, nunca foi oposição e que, por não saber muito bem como sê-lo tenta inventar algo para si no vácuo.

Mas a questão não é a descriminalização da maconha.

E, sim, o fato de supostos “progressistas” não se mobilizarem quando pessoas estão estão sendo removidas arbitrariamente do anel rodoviário em BH, por exemplo, em função da côrte montada para o espetáculo de Copas e Olimpíadas.

Para tanto, não há campanhas- o que não deixa de ser estranho.

Não há marchas quando nosso SUS vive em eterna relação contínua/contígua de promiscuidade com os planos de saúde o que, por sua vez, mina qualquer dignidade mínima para a Terra Brazilis.


Enquanto a educação é quase jogada às traças, assim como quem carece de saúde é, no mínimo, aviltado : "bichas, padres, negros e mulheres fazem o carnaval", como diz a música do Caetano...Mas tudo é muito mais".

terça-feira, 2 de agosto de 2011

Em sala: TV- Debates/parte 1




"Quatro jovens mulheres sentadas em roda conversando de sexo no programa "Papo Calcinha".

Mas apesar do visível esforço de modernidade, nada foi dito na horizontal ou em pé que não estivesse sendo praticado desde antes do paleolítico. Era um pornopapo perfeitamente aceitável em salas de visitas, o privado exposto em público.

Ainda assim, tenho sérias dúvidas a respeito. Ouvindo a conversa, em nenhum momento me senti presenciando algo pessoal, e muito menos íntimo. Tudo parecia uma representação. O íntimo ali era muito mais obra de produção do que de " realidades".


A jovem sacode a cabeleira escovada/alisada/pintada/cacheada, arfa por baixo da roupa propositadamente reveladora do seio que talvez seja de silicone, descreve seus encontros ardentes com moças ou rapazes. E eu não tenho por que acreditar que aquilo corresponda à realidade, que retrate, de fato, seu comportamento sexual.

Não é difícil saber o que dizer para modernizar a "conversa erótica". A publicidade, as revistas, os livros de autoajuda sexual nos bombardeiam diariamente com seu repertório. Qualquer adolescente ou pré-adolescente sabe, antes mesmo de lançar-se à prática, como deve agir um mestre.

No entanto, qualquer sexólogo sério ou qualquer pesquisa confiável nos dizem da miséria sexual, do desencontro erótico, do sentimento de insuficiência que assolam as vidas e camas da humanidade.

As conversas sobre sexo, e não apenas sobre sexo, mas também sobre qualquer tipo de transgressão, tomaram como modelo as conversas de pescadores. O peixe da narrativa costuma ser bem maior do que a sardinha pescada. Porém, nesses casos não se trata de mentira, mas de defesa.

Pois enquanto aparentamos relatar nossa mais absoluta intimidade, utilizamos esse relato como escudo ou biombo por meio do qual se enconde o núcleo mais delicado- que pulsa na escuridão. Aquele que sendo, de fato, íntimo, só a nós pertence."

( Marina Colasanti)