
"Biografia significaria a chance de algo para contar em tempos de morte da narrativa sobre alguém ou sobre si mesmo. De que é feita essa narrativa?
O que nos diz uma vida que pode ser narrada quando a produção industrial da tagarelice, do dizer vazio de quem muitas vezes ainda nem viveu, extermina o sentido de uma vida que pode ser contada?
A desvalorização do que, ao ser vivido, poderia constituir um sincero testemunho para quem não sabe muito da vida desaparece diante do endeusamento de quem fala demais sem ter nada a dizer.
Bob Dylan e Woody Guthrie
Mas nem tudo é sempre tão bonito como foi para Dylan, fã de Guthrie. Aquele que se coloca na posição de fã muitas vezes precisa ser ajudado a ultrapassar sua própria condição, pois a fixação na personalidade de outrem pode deixar de ser um caminho de autoconstrução e tornar-se autodestruição da própria potência de ser quem se é.
A relação da palavra fã com o fanatismo não deve ser esquecida. Assim como o ódio por alguém que mal conhecemos é autoprojeção, o amor como fixação também o é e, na verdade, não é amor nenhum, mas mero estranhamento de si que se explica na falta de autovalorização.
O exemplo de Dylan em relação a Guthrie define uma história de continuidade e superação. É a experiência única da própria individuação e suas metamorfoses que precisa encontrar palavras nos dias de hoje.
E essas palavras estão longe da tagarelice fabricada e consumida como verdade nestes tempos antibiográficos."
(Márcia Tiburi).
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