quarta-feira, 17 de agosto de 2011

Arte circense- O Rei da Comédia-1




Trechos de texto do filme de Martin Scorsese:



"Não é por acaso que Scorsese se fixa na televisão para compor sua fabulação. A TV é o próprio emblema de uma civilização que, dedicada exclusivamente ao consumo, abandonou todos os valores (éticos ou estéticos), em que já não se distingue
o gênio do idiota, já que só interessa a corrente desenfreada que vai da venda ao consumo.


Assim, a questão principal do filme é saber quem é Rupert Pupkin. Um idiota, por certo, mas que subitamente ascende à condição de "gênio". "Gênio" porque, não se movendo por nenhum parâmetro, exceto a celebridade que a TV pode oferecer, ele percebe que só a veiculação conta.

Tendo sido apresentado como O Rei da Comédia, o que ele conta já não parece dramático aos espectadores, mas cômico. Um rótulo basta.

Ser rei não implica, para Pupkin, ter alguma coisa a dizer, mas fugir ao anonimato. Isso não constitui nem mesmo uma empreitada individualista, apenas atesta como, no fantasmagórico nada consumista, qualquer coisa ou qualquer um podem se impor como sucesso. Há que ser audaz, perseverante e, lógico, idiota.


Porém, Pupkin, o idiota, não deixa de ser Pupkin, "o gênio", na medida em que decodifica esse mecanismo perverso: "verdade" é o que aparece na TV. Ter sua imagem projetada num receptor não é apenas um critério de sucesso, mas também um estatuto de existência.


Inútil acentuar o olhar sarcástico que Scorsese lança sobre esse mundo no qual a farsa não se distingue da verdade; no qual aquele que produz felicidade (Langford, no caso) está condenado à solidão e ao mau humor perpétuos. Essa ausência de vigor numa civilização que se contenta em absorver pacatamente o que quer que seja; em gerir o caos televisado sem oferecer nenhuma perspectiva aos viventes que não a reprodução infinita desse sistema – esse o centro mesmo do filme.

Ou, digamos, um dos centros de um dos filmes mais ricos dos últimos tempos: um pesadelo preciso, que
– se focaliza em particular a América do Norte – não deixa de valer para qualquer outro canto tomado pela tirania eletrônica.

Mas sejamos otimistas: na simplicidade e depuração de Scorsese, pode-se ver uma reação contra esse mecanismo infernal...Uma resposta cheia de humor e talento aos profetas da mediocridade. O avesso do pensamento dominante (mesmo em áreas autoproclamadas progressistas). Um filme, enfim, que não se pode perder."

( Inácio Araújo, 1983)

Nenhum comentário:

Postar um comentário