

"SHOWGIRLS (1995), de Paul Verhoeven- por Inácio Araújo "
Showgirls chegou ao Brasil com a fama de pior filme do ano estabelecida nos EUA. A fama pegou e o estigma difundiu-se.
Nesses casos, qualquer argumento serve: há excesso de erotismo ou falta dele, a atriz é péssima, a história é cafona, etc. Não é tão simples assim. Showgirls é um A Malvada de tanga, um Robocop de topless.
Do filme feito por Joseph Mankiewicz em 1950 (A Malvada), Showgirls tira a história. É uma refilmagem, a rigor, da história da aspirante a atriz que usa de todos os meios para subir na vida. Mas o essencial vem provavelmente de Robocop, filme dirigido pelo próprio Paul Verhoeven em 1987.
Ali, como se sabe, um policial morto é recuperado, dotado de uma armadura, recheado de chips e colocado de novo a serviço da polícia, só que agora com poderes quase sobrenaturais.
Showgirls retoma essa ideia de armadura. A diferença – sensível – é que desta vez a nudez será a couraça das garotas que batalham, no palco, pelo estrelato.
É claro que ninguém se lembrou de considerar ridícula a atuação de Peter Weller em Robocop, ou de reprovar-lhe a imobilidade facial.
No caso de Showgirls, não faltou quem enfatizasse a incompetência, ou suposta incompetência, de Elizabeth Berkley.
Ora, Berkley (aliás, Nomi Malone, sua personagem) é mesmo de uma inexpressividade inquietante – por nascença ou virtude. Só não se pode dizer que essa inexpressividade não seja funcional. Nomi Malone é de um vazio atroz. É um Robocop com o rosto mascarado por quilos de purpurina, no qual não se vê sinal de humanidade.
Seus movimentos, mesmo quando dança, são robóticos, de um autômato.
É estranho que esse filme tenha sido condenado por erotismo. Seu parti pris é notoriamente antierótico (o inverso de Instinto Selvagem, do mesmo diretor). A bailarina pode estar no mais sórdido palco de Las Vegas, ou no mais triunfal dos grandes hotéis: não há sensualidade
nos gestos, nem nos propósitos. Tudo o que ela quer é vencer na vida.
Em relação a A Malvada, Showgirls opera um ressecamento dos personagens a dimensões mínimas. No filme de Mankiewicz, Anne Baxter era alguém de uma ambição desmedida. No de Verhoeven, Berkley tem a mesma ambição, mas não é certo que seja alguém, ou que possua outros atributos de humanidade.
Showgirls é um filme crítico a um estado de coisas em que o interesse mínimo e máximo das pessoas se equivale: triunfar. Em vez da armadura do Robocop, Nomi Malone arma-se renunciando à alma, ostentando um corpo de boneca, puro artefato de indústria (de diversão).
Showgirls é um filme inquietante, nada acomodatício, na contracorrente, a quilômetros da insignificância."
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