sexta-feira, 16 de novembro de 2012

Donen/Audrey


Charada


 
"Charada"

Stanley Donen mistura estados de espírito aqui:


O drama que ao mesmo tempo é humor, o humor que é sombra de suspense...A cada tomada.

Como fazê-lo, conduzi-lo tão bem até o final da obra ?

O filme trabalha constantes deslocamentos de sentido, "deslizamentos do significante".

O fato do persongem de Grant comparecer com uma identidade pouco definida ajuda e muito.
Sua atuação é escorregadia, como corpo em cena.


Donen, como mestre dos musicais, explora muito bem a dimensão coreográfica do cinema- embora, de forma discreta-, favorecendo a atmosfera algo insólita da obra.
Uma obra que, a todo tempo, sabe rir de si mesma, num lindo execício de saber se perder.

 
Mas não se trata aqui de zombar de seu material.

"Charada" é momento do cinema de se abrir a várias possibilidades do espaço, de se permitir entrar em labirintos abstratos e figurativos, mas sempre com um imenso prazer, com uma enorme crença em seu material.


Cada close em Hepburn é uma nova expressão de surpresa extraída de um rosto.

Donen brinca com a luz, no sentido lúdico da palavra. Brinca com o suspense....


O que interessa a ele parece ser o puro prazer do cinema, o sensorialismo- embora, um tanto discreto-, o de se perder nas luzes e sombras.


No fim das contas, é um filme da magia presente em cada cor e deslocamento...O cinema como espetáculo que sabe rir de algumas coisas, mas que nunca abrirá mão de ser fascinante.


Ainda que, para tanto, necessite deslocar as situações/ clichês, abaixar o tom, para reconfigurá-las.

Cinema irônico sim, mas que comparece aqui menos como paródia do que como música e dança em direção.


" O único esforço possível é afastar essa sombra da intenção, da interpretação. E ver o que está no filme.

Veja: até os anos 50, o Alfred Hitchcock, o Howard Hawks não valiam nada. Eram considerados apenas bons diretores de filmes comerciais.


Aí vieram os jovens turcos dos Cahiers du Cinéma e revisaram tudo. Não foi fácil. Lendo os artigos de Truffaut, Rohmer, Godard, Rivette, Douchet, você percebe que eles tiveram até de se opor com certa violência ao André Bazin..., para

impor esses cineastas.


E qual a particularidade dessa operação? É que esses cineastas eram extremamente populares.
Então, os Cahiers são um momento em que o pensamento crítico e o gosto popular se encontram.

Vendo retrospectivamente, nós podemos observar que, sobretudo para o cinema americano, o público tinha um olhar muito mais sofisticado, muito mais aparelhado do que os críticos da época.

Por que isso? Porque os críticos interpretavam. Eles não olhavam.

Essa é a grande lição dos Cahiers....Fizeram para crítica mais ou menos o que Griffith fez para o cinema.

O que aconteceu de lá pra cá, porém, é curioso. O cinema se "elitizou".

Isto é, um público com formação literária é que começou a ditar o gosto e daí, talvez, é que tenha nascido o "filme de arte", no mau sentido da palavra, esses filmes cheios de pretensão, cheios de coisa, mas que, você vai ver, não servem nem para lamber as botas de um Murnau, de um Fritz Lang."

( Inácio Araújo)

Hatari!




"Com todo o respeito, a feminilidade de Rita Hayworth tirando suas luvas em Gilda é apenas uma grosseria, se comparada à feminilidade de um grupo de girafas correndo em campo aberto em Hatari!.
Quando foge do caçador, a girafa mal encosta os pés no chão.


Dos pés ao pescoço, seu corpo contém as ideias de força e leveza, como se o animal tivesse duas naturezas, uma aérea e outra terrestre.

No filme, a girafa encontra correspondência em Dallas (Elsa Martinelli). Olhando com atenção, pode-se perceber que a montagem sugere essa correspondência.
No momento em que a girafa é aprisionada, alternam-se planos dela e de Dallas.

( O desenvolvimento do filme, contudo, diz : A mulher sabe aonde vai com mais precisão do que o homem. Ao menos do que Sean, o homem-rinoceronte, cuja afetividade está envolta numa carcaça tão resistente quanto a do rinoceronte).

Hatari! se propõe, ao primeiro olhar, como filme de caçada.
Vendo-o com mais atenção, as coisas não são tão simples assim.

Entre a razão e a emoção, o ar e a terra- Os exteriores são enquadrados com a linha do horizonte aproximadamente na metade do quadro-, os homens e os animais desenvolve-se a trama.

A palavra trama não deve ser entendida aqui no sentido de enredo. Hatari! não tem enredo.




É a química do encontro de uma série de sequências, ao longo das quais define-se o equilíbrio entre os elementos que compõem o universo.

Essa arte que Hawks desenvolveu desde os anos 1920, antecipa um tipo de modernidade cinematográfica.

Em "Hatari!", esse procedimento chega a uma radicalidade sem precedentes.
À luz do futuro (Antonioni, Nouvelle Vague, etc.), esse passado mostra com mais desenvoltura o tamanho de sua modernidade. Não é por nada que, quanto mais passa o tempo, mais Hatari! se torna atual."

(I. A.)


"...

Ao longo do filme, Feathers espera ouvir justamente isso de Chance: que ele a ama. Compreenderá que o xerife tem maneiras estranhas de dizer essa frase bem simples.


Por outra, o que Hawks faz é justamente demonstrar o quanto essa fra

se é complexa.

No caso de Chance, a principal resistência é mais ou menos a mesma de todos os filmes de Hawks:


Primeiro, a mulher é um acontecimento indesejado na vida do homem, na medida em que desorganiza uma ordem masculina construída em torno do trabalho.



Aqui, entra o aspecto o mais polêmico aspecto de sua filmografia, para muitos construída em torno da masculinidade.


É uma meia-verdade. O que Hawks constrói, plano após plano, é a tensão entre o masculino e o feminino.


Nesse sentido, foi o cineasta que mais profundamente percebeu a "mulher moderna".


A companheira de Chance é, ela também, uma profissional, que se integra à vida do homem, mas não renuncia à dela. Ela o entende e o força a entendê-la."


Notas sobre "Rio Bravo", de Howard Hawks.


( I. Araújo).


Claudia Cardinale em " A Moça com a Valise", de Zurlini

quarta-feira, 7 de novembro de 2012



Greg Tolland e John Ford em " As Vinhas da Ira".




"Eu acho tão legal, esclarecedor mesmo, que voltou à moda - afinal é de moda, de último lançamento mesmo que estamos falando quando falamos de lixo proselitista deliberadamente prolixo desconstrutivista sessenta-e-oitista - ver o Ford como
um "sentimentalóide" "de talento" "porém datado", com aquele ar despudorado, aquele embasamento notavelmente adquirido na faculdade de humanas na aula de "Cultura e ..........." com embalagem de cult(ura).


Porque é aquela coisa: Straub filmando campesinos descansando debaixo da sombra de uma árvore com o sol a pino num pedacinho de terra siciliana sem cerca não é sentimentalóide, pois tem as cauções certas de "distanciamento" (na realidade abstração, mas as pessoas, desde Brecht, desde Eisenstein, desde tragédia grega gostam de confundir uma coisa com a outra) e "materialidade" (embora não haja nada mais místico e indescritível que a Sicília filmada pela janela de um trem pelos Straub) que essa gente toma por pré-requisito.


Já a mesma coisa - mesmíssima, exata, tão-tenebrosa-quanto coisa - com o Henry Fonda e o John Carradine em Vinhas da Ira ( John Ford) recebe um simples "não senhor".


Enfim, abstração, a tal "economia do movimento, de atores e de câmeras; não fazer nada se mexer sem propósito; a diferença entre calma e estatismo", MISE EN SCÈNE em suma, isso não se discute.

O que se discute são as confusões retóricas..."

( Bruno Andrade).

Ps. Foto de "The Grapes of Wrath" ( As Vinhas da Ira)- John Ford -, baseado do romance social de Steinbeck.



"O Vento nos Levará", de 1999, nos joga no território da abstração. Aqui, o personagem- o engenheiro de uma aldeia no Curdistão iraniano- percorrerá as mesmas estradas sinuosas.
Mas podemos nos perguntar- por quê?


Em outros filmes, sabíamos o que estava em questão. Aqui, bem menos.

Por que o engenheiro está nessa aldeia? Em princípio é um segredo. " Se perguntarem, digam que procuro um tesouro", diz.


Nos filmes anteriores de Kiarostami, sabíamos, bem ou mal, com o que estávamos à volta. Aqui, o sentido é sugerido, mas em seguida deslocado.

Podemos nos perguntar se é mesmo um engenheiro ( não poderia ser um cineasta em busca de assunto?).

Em síntese, assim como as pessoas da aldeia, ignoramos quem são os protaginistas da história, seus motivos, o que buscam.

Só temos contato com o tempo- a duração e a evolução das coisas.


Engana-se quem imaginar que Kiarostami tende a mostrar o que é a vida numa aldeia. Ao contrário, de certa forma postula a impossibilidade do documentário, da pretensão de mostrar a "realidade".

Como as águas de um rio, a vida e a morte aqui não podem ser apreendidas. São um mistério. "Um tesouro que busca".

Nada do que vemos é especialmente significativo.
É o correr do tempo, sua incidência sobre as coisas o que nos hipnotiza e nos carrega."

( I. A.)


 
 
 
"Quando a China era um furacão no universo do cinema, na virada dos anos 1980/1990, o nome de Abbas Kiarostami começou a surgir na Europa. A China, vá lá. O Irã era algo mais inesperado.

Não era, até onde se sabia, uma cultura direcionada às coisas do cinema.

Kiarostami foi uma dupla surpresa. De uma hora para outra, o cinema parecia ter ganho um novo Roberto Rossellini.

A elegância de seus planos não tem nada a ver com um cinema inculto. Revela um perfeito domínio das imagens.

...(  )....

Kiarostami gosta de filmar itinerários. O filme que mais o influenciou foi A Estrada da Vida, de Fellini. E a Vida Continua já era um road movie turbulento. Ao longo do trajeto em que o diretor de cinema procurava um jovem ator com quem havia trabalhado anteriormente.

Essa intervenção do diretor não é narcisista. O diretor e o filme, seus trajetos e destinos, se identificam.

Ambos percorrem o país à deriva, topando com estradas intransitáveis, casas destruídas, pessoas que sobrevivem à catástrofe. O diretor toma o rumo que o filme toma e vice-versa. A realidade os arrasta. Não uma realidade que preexiste ao filme, mas que se forma junto com ele.

Esse caminho, Kiarostami percorre com elegância exemplar, sem nunca perder o sentido da beleza. Uma beleza cujo fundamento é o homem. Não se trata de um retorno puro e simples ao Neorrealismo italiano.

Mas a herança de Rossellini, de um cinema essencial, em que só se filma o necessário e em que se transita da realidade física do homem para a espiritual, estão lá.

Ninguém tenha dúvida: Kiarostami não é um desses meteoros exóticos, que fazem estilo, jogam poeira nos olhos do espectador e desaparecem sem deixar sinal.

É um diretor de cinema grande, simples. A retrospectiva com seis de seus filmes será, com toda certeza, um dos pontos altos da Mostra Internacional deste ano. "

( I. Araújo)



 Se para muitos críticos aos anos 30 são o período mais experimental do cinema, a "contracultura" em "Holiday"( de Cukor) me parece mais sólida que muita fanfarronice feita posteriormente.

O apego ao dinheiro aqui literalmente escraviza o homem.


Grant opta por Hepburn, que é mais ligada ao mundo "dos brinquedos".



Mas se engana quem pensar que se trata de um filme bobinho. 

"Pouco adulta" é a maioria das comédias produzidas hoje nos USA.

"Holiday" é hilário e encantador.


"Holiday"- de George Cukor 
 
Ironia lírica na ausência de empostação.



A mansão gélida, aprisionante....



E o quarto de brinquedo.


Irreverência popular e coloquialidade circense em um filme, paradoxalmente, "fino".



Cinema do gestual e não das "teses"

quarta-feira, 31 de outubro de 2012

Hitch- 2



É o mesmo James Stewart que, em "Janela Indiscreta"  tentará fazer, para fugir ao tédio,  com que suas teorias sobre um crime sejam verdadeiras. Para tanto, esforça-se por manipular as sombras projetadas, assim como  os seres à sua volta: a namorada, uma enfermeira, um velho amigo, o próprio assassino, a fim de fazer valer suas obsessão de brincar de controlar um universo.

Ideia e matéria em condução aparentemente manipuladora são estratagemas hitchcockianos, que colocarão em xeque não somente seus próprios protagonistas mas, sobretudo, toda uma indumentária “cênica”, cinematográfica, junto a nós mesmos, seus espectadores.



"Em Janela Indiscreta", conduzido com humor a um tempo inglês e norte-americano, em uma encenação mais sutil, como que realizada a pinceladas, temos vidraças e pequenas "sombras chinesas" a se movimentarem no interior de pequenos blocos-espaços.

Com os pontos em cores experimentais a se instalarem em cada um dos vários mundos das janelas, em que o herói será sacrificado por uma segunda vez, por conta de sua velha mania de controlar os fatos.
 


O filme contém, apesar do já dito, algo do cineasta Murnau, pelo manejo e somatório de mundos paralelos, janelas/mundos a se interceptarem em algum ponto na obra, e pela junção de uma tonalidade do cotidiano a um real “ estilizado", em mesmo patamar de universos.

A condução, contudo, apresentará mais de cinema norte-americano, seja pelo tipo de humor irônico a intercambiar idéias e instantes, seja pelo sentido quase cartunesco de estilização de personagens, em ambientes recortados por vidraças, por vezes foscas, por vezes mais cristalinas, às quais Stewart procurará impor seu sentido de controle das coisas.

Enquanto uma trilha de jazz cooperará para a condução de certa flexibilidade no jogo, inclusive na postura física esguia e algo mutante da namorada de Stewart, Grace Kelly, a interagir com as leves síncopes da banda sonora.

Alessandro

Hitch -1





...."Janela Indiscreta e "Um Corpo que cai" resumem, como talvez nenhum deles, o método hitchcockiano em forma e conteúdo.




O diretor em questão se notabilizou por ser um minucioso controlador de cada recurso de seu cinema- um demiurgo, por excelência- que, no primeiro filme citado, cria mundos a partir de um artifício cenográfico para um prédio de Nova York e, também, para o que se encontra quase invisivelmente ao redor da mesma construção: a rua, seus sons, etc.


No segundo caso, Hitchcock faz de um homem com acrofobia (medo de altura), alguém que se dispõe a fazer de uma mulher morta, idealizada, algo vivo e a seu alcance. Ou seja, tornar o fantasmagórico verdadeiro e totalmente possuído para o ser em questão, via artifício.

Hitchcock não era um manipulador sádico, como tantas vezes foi ou ainda pode ser visto. Sua obra apresenta plena consciência do processo manipulador pela qual se constrói, mas também se desconstrói, em âmbito problematizador.

Se em Rope (Festim Diabólico), os assassinos querem manipular a vida e a morte, pensando estar além tanto de uma quanto de outra será por intermédio de uma postura limite e da figura de um professor-consciência das coisas- que serão desmascarados por quem que teria sido- (involuntariamente?) a própria cabeça do crime.

O educador mencionado estará inserido, principalmente ele, no processo da penalização final.


Envergonhado das ideias plantadas com imprudência nas mentes e almas dos jovens, situa-se, ao final da obra, de costas para a câmera, com uma iluminação esverdeada, doentia a sugerir as camadas implícitas e implicadas.

É como se todo o plano manipulador fosse explicitado no momento em que o professor reconta o crime de sua própria mente. Ele parece ter estado lá, como uma ideia fantasma a orientar os detalhes.

Na medida em que o filme se desenvolve, as luzes se tornam de néon, mais artificiais, não somente pela passagem do dia à noite a criar o suspense, ou o clima doentio que se evidenciam.



Enfim, é todo um artifício que se autoproclama, de mente e de cinema, com a iluminação do prédio do lado de fora da janela principal a incidir, sem nenhuma cerimônia e como autodenúncia, na sala de estar onde ocorre a cena.

Trata-se de uma forma de linguagem, de um simulacro que se nomeia enquanto tal.

( continua...)

Alessandro


" Incisivo e corajoso, mas longe da fúria militante de seus primeiros trabalhos , Bellocchio parece sobrepor às discussões políticas e religiosas o sentimento supremo da identifica
ção com a dor alheia. Sim, políticos são oportunistas, o Vaticano é hipócrita, mas não é isso o que mais importa....


Momentos de uma densidade ímpar pontuam essa narrativa plural, que mescla o documento e a ficção.

A silhueta do senador recorta-se escura e solitária contra a imagem do Parlamento em convulsão, projetada numa tela.

A atriz retirada deixa o filho junto ao leito da filha em coma, recomendando ao rapaz: “Fale com ela, opere o milagre; diga ‘a palavra’”, o que remete ao clássico Ordet – A palavra, de Dreyer.

A mesma atriz, durante um sono agitado, na poltrona ao lado da filha, recita as falas culpadas de Lady Macbeth. Políticos na banheira fumegante de mármore de termas antigas revivem o Senado da Roma imperial.


O passado e o presente, a arte e a vida, o fugaz mundo midiático e o humanismo perene, Shakespeare e a Bíblia, tudo se entrelaça com uma desenvoltura notável, num ritmo ao mesmo tempo compassivo e eletrizante, pelas mãos de um cineasta que atingiu a plena maturidade artística e ética.

Outros grandes filmes vêm por aí, mas este é, desde já, um dos destaques da mostra".

"A Bela que Dorme" ( Eluana Englaro), Marco Bellocchio


Do texto do José Geraldo Couto


" Frank Tashlin dirigiu e escreveu mais de vinte comédias em Hollywood, muitas delas abiloladas, redigiu enredos para boa quantidade de outras, escreveu e ilustrou três livros infantis
engenhosos e cáusticos, e dirigiu mais de sessenta des

enhos animados notavelmente inventivos.


Porém, nos USA, pouca gente prestou sua atenção nele, provavelmente porque a maioria dos seus filmes foi- na superfície, com certeza- veículo para Jerry Lewis, Bob Hope, Jayne Mansfield e Doris Day.


Vários foram sucessos de bilheteria, mas esse não é o tipo de material que conduz a grandes créditos no estabilishment. Embora Jean-Luc Godard e vários outros críticos e cineastas da Nouvelle Vague francesa tenham lhe prestado elogios derramados, e apesar de esses diretores (Godard, Truffaut, Jacques Rivette, Luc Moullet) terem sido por vezes claramente influenciados por ele.


Fora de Hollywood, Tashlin era virtualmente desconhecido em seu próprio país. Ainda hoje- apesar da monografia elogiosa publicada pelo Festival de Cinema de Edimburgo para acompanhar a retrospetiva que realizou em 1973 sobre o diretor, e a despeito da grande retrospectiva promovida em 1994 durante o Festival de Locarno-, mais de vinte anos após sua morte, Tashlin permanece esquecido no país que ele procurou descrever ao longo da carreira.

" Certa vez, quando perguntei a Jerry Lewis quem mais o tinha influenciado, ele respondeu: " O sr. Tishman, soletrado: TASHLIN. Ele é o meu professor".


Se as comédias de Hawks, McCarey e Capra são representativas dos anos 30- e, como assinalou Preston Sturges, também dos anos 40-, então os anos 50 foram vividamente simbolizados no trabalho de Tashlin.


Não foi uma era bonita; ao contrário, foi uma época de excessos grotescos e contrastes. Assim, infelizmente, uma quantidade excessiva de críticos não enxergou a sátira frequentemente devastadora que estava por detrás da fachada berrante e ostentadora.


"The gir can help it" ( Sabes o que quero), uma visão horrenda da primeira era do rock and roll ( estrelando Tom Ewell e Jayne Mansfield), é quase trágico na sua feiúra proposital; ainda mais quando se considera o quanto Frank admirava a beleza.


"Will sucess spoil Rock Hunter? ( Em Busca de um Homem), o seu melhor filme, é um retrato definitivo da "vulgaridade" da Madison Avenue- onde ficam as sedes de muitas agências de publicidade-, mas, usualmente, foi considerado explorador em vez de sardônico. A cena na qual Tony Randall é levado às lágrimas pela alegria, quando recebe a chave do banheiro executivo, é tão pouco exagerada que se torna quase aterrorizante em sua verdade básica.


Essa era uma parcela considerável do gênio particular de Tashlin: ele era honesto, e só exagerava ligeiramente para frisar alguma coisa. Era também profético. Quais divertimentos selvagens Tashlin teria extraído dos horrores dos anos 80, 90,...?

Ele fez os filmes mais atraentes, e o único sólido, da dupla Dean Martin e Jerry Lewis: "Ou vai ou racha" é um olhar mordaz sobre a mania do cinema; "Artistas e modelos" é uma perspectiva
espetacularmente "destrutiva" da mentalidade de revistas em quadrinhos.


Como era um artesão extremamente hábil, e sendo provavelmente o mais inventivo construtor de gags visuais do cinema falado, Tashlin tomou o humor ultrajante e impossível dos cartuns e o conectou de forma muito humana ao cinema.

Embora pretendessem a comicidade que tinham, seus filmes frequentemente refletiam um descontentamento profundo com a situação da sociedade- como observou certa vez o maior escritor farsesco francês, Georges Feydeau, os melhores escritores de comédias " primeiro pensam tristes".

...Seus filmes pareciam sorrir, mas quando vistos sob a perspectiva da criação, refletiam a tolice e a miséria que via a seu redor".

( P. Bogdanovitch).

Ps- A TV- vista por Frank Tashlin e J. Lewis.

quinta-feira, 25 de outubro de 2012




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A partir do texto do Zé Oliveira sobre "Pola X", de Leo Carax


"Sucede-se um langor, uma melancolia... esses olhos belos e meigos que parecem adoecer e agudizar nessa dor e que mesmo assim se manterão tão belos mesmo que lacrimejantes e raiados de sangue.


( ...)


É nessa transmutação de um ser,....“a adaptação consiste precisamente em não se adaptar”.


O que nos remete para os inauditos atores carregados dessa presença abstrata que desprendem de si e simultaneamente absolutamente concreta, por vezes temerários, mas tão cheios de humanidade e coragem e principalmente amor. Humanidade, coragem, amor.

Dois corpos já falecidos agora viventes em grão da luz revelado. O que tudo isto pode..."


"O encontro dos dois ( Charisse e Taylor), no entanto, redunda em uma consciência de mundo que nem um nem outro parece possuir individualmente.

O final, veremos qual é.


O importante é, primeiro de tudo, essa luta pela libertação de antiga
s amarras levadas por pessoas que são, a rigor, marginais entre marginais.

Os americanos vivem falando em liberdade. Ray preferia falar em libertação.


...


...Essa luta ele narra menos com "ideias" do que com cores, posturas, gestos.

 
Como o mestre que foi, enfim."

( I.A.)


terça-feira, 23 de outubro de 2012



"A coisa que mais me toca no cinema de Ford, algo que desapareceu completamente no cinema, é o fato de os personagens serem confrontados à decepção e ao fracasso,
serem obrigados a digerir uma humilhação – diríamos agora uma ferida narcísi

ca – e continuarem a viver mesmo assim, sem chorar como pirralhos.
É inimaginável hoje conceber um filme como Fomos os sacrificados (They Were Expendable, 1945).

Outra coisa que também me agrada muito em seu cinema é a capacidade imediata de dar vida a toda uma série de personagens secundários, sempre "simples, fortes" e que são reconhecidos automaticamente.
Quando eu vejo os filmes, tudo parece evidente, mas ao escrever roteiros, noto como é difícil fazer um personagem secundário adquirir simplicidade do trato na multiplicidade das figuras. Para mim, é o produto de um enorme trabalho.

É preciso um talento enorme para chegar a isso.

A força de Ford é dar uma espessura humana a personagens que são imediatamente tipificados sem cair no clichê. É muito difícil. É um problema de personagens e não de atores.


(...) Todos os filmes americanos de aventura e ação celebram o culto ao individualismo e, no cinema de Ford, é curioso observar as correções muito importantes que o cineasta trouxe a essa ideologia.

Para ele, o homem é pequeno, seja ele forte ou fraco, ridículo se comparado à criação, à grandeza do universo. É seu lado pascaliano.

...

É muito raro no cinema, porque isso implica uma modéstia dos personagens e uma profunda modéstia do cineasta diante da criação que não se observa em qualquer outro lugar.”

Jean-Claude Brisseau- cineasta ( francês) contemporâneo



Percebe-se que o materialismo dialético aplicado às artes trouxe, na verdade, mais estragos do que frutos.

( O interessante é que ainda permaneça, de uma maneira ou de ou de outra).


- Por exemplo, o naturalismo marxista desprezou ( e aind

a despreza) Federico Fellini que, por sua feita, era um grande admirador de Fred Astaire.


- "Ladrões de Bicicleta", clássico absoluto do neorrealismo, apresenta nítida ( e confessa) influência do lirismo de Charles Chaplin.


- O mestre do neorrealismo - Roberto Rossellini- chegou mesmo a ser acusado de espiritualista ( Fellini foi seu assistente e discípulo).



- Pela ótica dialética, musicais seriam vistos como arte "alienada", quando, a rigor, se trata de potência surrealista ( referindo-me aos bons).



Por muitas vezes, queremos nos esquecer de que o cinema teve sua origem na diversão de feira.

E que, nesse caso, "Cantando na Chuva", por exemplo, seria a apuração cinematográfica da linguagem de "feira", do vaudeville ( assim como em Jacques Tati, Chaplin, etc ...).
( Em uma análise crítica, não é o caso de se deter a uma trama, quase inexistente, aliás ).

A despeito de grande parte desses filmes terem sido realizados em estúdios, a veia popular é o que vem à tona.

Ainda que uma veia recriada por um senso apurado do surrealismo ( o cine americano dos anos 40 e 50 foi profundamente influenciado pela psicanálise e por seu fruto artistico).


- Fato é que, durante o período que precedeu os "Cahiers du Cinema", a crítica marxista prendia-se a uma couraça, a um engessamento idelógico que não permitia que os filmes fossem vistos para além ou aquém de seus conceitos e pré-conceitos.

( Isto quando não queriam dissecar tematicamente a obra, a partir de critérios estritamente "literários").


Mas até hoje, mesmo com a revolução dos Cahiers, muitos críticos não fazem a vital e necessária ponte entre o concreto e o abstrato- e vice-versa.



Ps- Foto de George Méliès- dos principais pioneiros do cinema
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quinta-feira, 18 de outubro de 2012



"...Não significa que o mundo dos musicais seja desprovido de conflitos ou de materialidade, constituído só por substratos oníricos e sensações etéreas.


Pelo contrário: o mundo é apresentado em sua materialidade e conflituosidade fundamentais. Primeiro, porque os personagens de um musical de Minnelli estão sempre confrontados a uma dada realidade concreta.

Segundo, porque o roteiro sempre se baseia num conflito entre dois universos opostos, que podem se reconciliar no final, mas que não deixam de ser opostos e, portanto, se atritar.

É como em A Roda da Fortuna, um dos melhores musicais de Minnelli (ou seja, um dos melhores musicais já feitos). O dançarino Tony Hunter (Fred Astaire) e a bailarina Gabrielle Gérard (Cyd Charisse) são escalados para estrelar um espetáculo musical que pretende ser uma versão moderna do Fausto de Goethe.

A própria formação do espetáculo consiste num conjunto de oposições: como aliar a diversão de um musical à gravidade de uma história trágica, como unir Goethe e Broadway, a “grande arte” e a arte popular?


O outro conflito do filme, talvez maior, diz respeito aos dois protagonistas: um é veterano e já passou do seu tempo áureo, a outra é jovem e está no auge da carreira; um é dançarino dos palcos populares da Broadway, a outra é bailarina clássica. Dois diferentes estilos de vida e de dança.

A Roda da Fortuna pertence a um sub-gênero do musical, o chamado “musical-espetáculo” ou “backstage musical”, cujo enredo padrão envolve os bastidores da preparação de um espetáculo, da criação de um grupo (e de sua primeira turnê) ou ainda da feitura de um filme dentro do filme.


De Melodia da Broadway a O Show Deve Continuar (Bob Fosse, 1979), são inúmeros os exemplares desse tipo de musical em que a narrativa põe em jogo as dificuldades, os percalços, o trabalho árduo necessário para montar um cenário, ensaiar uma coreografia, ajustar um movimento, encontrar o ritmo do outro, enfim, dar a luz a um espetáculo.


Esse gênero de filme tem a particularidade de evidenciar o caráter físico dos musicais, a posição circunstanciada de determinados corpos dentro de um mundo concreto no qual eles realizam movimentos singulares. Os próprios números musicais, para serem aproveitados em todo seu esplendor, devem estar associados à captação realista de pessoas se movimentando numa cenografia.

O espaço cênico pode até ser estilizado, a dramaturgia pode ressaltar o artifício, mas a habilidade do dançarino e suas evoluções no interior do quadro devem ser apreendidas pelo espectador como reais, e não como trucadas. Universo fantasioso à parte, o que o musical nos faz ver, no fim das contas, é o corpo material, o cenário concreto.


O musical, portanto, não descreve um espaço virtual, desconectado da realidade física. Ele conhece o conflito intrínseco ao encontro dos corpos, bem como a resistência do mundo material à sua transformação pelo impulso do sonho.

O espetáculo se dirige frontalmente ao espectador, sem esconder sua realidade de espetáculo.


Em Minnelli, não se trata simplesmente de aceitar ou de negar a realidade, mas de reconhecê-la como uma questão de performance, como Jacques Rancière expõe precisamente:


"A performance é sempre uma capacidade de transformação, uma maneira de embalar os gestos, de transformar o espetáculo.

Isso não implica fugir para um outro mundo.

Fala-se com frequência, e particularmente a propósito de Minnelli, de um cinema de sonho e da luta do sonho contra a realidade. A oposição não é tão clara quanto parece. […] A arte de Minnelli consiste em operar a passagem entre os regimes. Para tanto, é preciso assegurar a disponibilidade dos corpos à metamorfose."

( Luiz Carlos Oliveira)






"The Bandwagon"

"Um dos clássicos incontestáveis da comédia musical hollywoodiana, produzido pelo genial Arthur Freed, compositor de canções e depois fundador de uma equipe responsável pela maioria das obras-primas do gênero musical na MGM. (Sobre essa personalidade excepcional, recomenda-se veementemente o livro de Hugh Fordin “The World of Entertainment”, Doubleday, New York, 1975, traduzido pela Ramsay em 1987 sob o título aberrante de “La comédie musicale américaine”.).

A pedido de Freed, os roteiristas Comden e Green construíram a sua história a partir das historietas escritas por Howard Dietz e Arthur Schwartz durante os últimos trinta anos. (A historieta que dá seu título ao filme havia sido interpretada em 1931 por Fred Astaire e sua irmã Adèle.)


Com Astaire interessado pelo projeto, os roteiristas (que se representam a si mesmos dentro da intriga através dos personagens interpretados por Oscar Levant e Nanette Fabray) criam um papel para o dançarino inspirado na sua idade e em algumas das suas manias (por exemplo, a alergia ao encarar os grandes parceiros.).


Minnelli, aqui, não procura jamais "revolucionar" a estrutura ou o conteúdo da comédia musical.

Ao contrário, "The Band Wagon" representa o apogeu da forma mais tradicional do gênero, que é baseada na preparação de um espetáculo e nasceu com os primórdios do sonoro.

Mas ele o enriquece do interior ao introduzir os temas do envelhecimento, do fracasso e da necessária renovação, que ele trata com uma emoção bastante discreta, um humor dinâmico e quase amargo.


Renovar-se não é exibir ambições extravagantes, misturar gêneros, minar sistematicamente as velhas tradições (Minnelli, diga-se de passagem, arranha o avant-gardismo da Broadway).


É, pois, por um retorno às fontes que exige humildade e coragem, renovar, revitalizar do interior seu domínio e seu próprio talento.

É também como afirma Mamoulian a propósito de Fred Astaire, “melhorar a perfeição”. 


Todos os números apresentados em The Band Wagon são passados na lenda do gênero: o solo de Astaire (“Shine on your Shoes”) no parque de diversões, o dueto “Dancing in the Dark” com Cyd Charisse no jardim atrás do qual se perfilam arranha-céus iluminados, ou mesmo “Triplets”, número burlesco onde Astaire, Buchanan e Nanette Fabray aparecem por meio de um truque hábil e simples como bebês (os atores dançam de joelhos, os joelhos deles dentro de botas de couro prolongadas por chinelos infantis).


O ballet final de treze minutos, “Girl Hunt, a Murder Mystery in Jazz”, evocação satírica do universo dos films noir onde Cyd Charisse aparece loira, depois morena, é junto com a de Um Americano em Paris e Cantando na Chuva a peça mais célebre da bravura da comédia musical hollywoodiana. Quanto à canção “That’s Entertainment” (que deu seu título às antologias da MGM), ela foi escrita especialmente para o filme em meia-hora por Dietz e Schwartz. Ela contém toda a filosofia do gênero e merece ser destacada no conjunto dos musicais da Metro. "


("Jacques Lourcelles, Dictionnaire du cinéma – Les films, pgs. 1456-1457). 

Tradução de Felipe Medeiros

sábado, 13 de outubro de 2012





sábado, 6 de outubro de 2012



"Dos melodramas de Vincente Minnelli, há dois entre os quais sempre hesito quando me pedem hierarquias de preferência:

"The Clock", realizado em 1945, e que em Portugal se chamou A Hora da Saudade, e "Some Came Running", estreado em 1959,

e que em Portugal se chamou Deus Sabe Quanto Amei.


"The Clock", que já alguém comparou - e não fui eu - à Aurora de Murnau, é talvez o mais belo dos breves encontros do cinema, encontro de 24 horas entre o mais magoado dos atores dos forties - Robert Walker - e a mais magoada das atrizes de sempre - Judy Garland.


Os dois filmes - para lá da marca específica de Minnelli, o homem que, como a varinha de condão, transformou em ouro tudo quanto tocou - têm em comum uma aproximável concepção do tempo e uma aproximável variação dos desígnios do destino nos limites daquele."

( João Bénard da Costa)


"Centro deste filme prodigioso, o mais bonito personagem que o cinema alguma vez inventou, Ginny é menina e moça perdida na vida e perdida na morte.....



No fim, no enterro dela, percebemos que, se Dean Martin nunca tirou o chapéu, foi pa
ra
tirar nesse momento, para a única mulher que a esse gesto obrigava.

....

Nestas duas seqüências como na seqüência final do crime, como em todo o filme - Minnelli atinge o apogeu da sua arte.


Há cineastas, como há pessoas, que procedem por silogismos e assim destroem tudo e se destroem a si próprias. Há cineastas, como há pessoas, que estão para além de qualquer lógica e transfiguram tudo o que tocam em oração e oblação.

Nessa delirante irracionalidade do amor, apanágio de tão raros. Como diria Shirley MacLaine: “Thanks, awfully, so awfully much.”

( Do trecho de João Bènard da Costa)

Shirley Maclaine, papel clownesco em "Some Came Running", antecipa sua versão da palhaça Cabíria.

sexta-feira, 28 de setembro de 2012



"O musical oferece ao personagem a possibilidade de cantar ao mundo sua alegria ou sua tristeza.

Assim sendo, está mais apto que os gêneros ditos naturalistas a representar de forma direta, imediata aos sentidos, alguns aspectos da existên

cia:

A continuidade de nossa vida mental ou de nosso “monólogo interior” (expresso pela canção-monólogo),
O pertencimento do indivíduo à comunidade e ao mundo (coreografias coletivas),

O diálogo do corpo com os espaços que o acolhem ou o oprimem,

O desejo de se deixar levar por um voo da imaginação ou de sacudir o mundo com as vibrações de um sentimento.

O musical realiza o que Alexandre Astruc afirmava ser a quintessência da mise en scène cinematográfica: “prolongar os elãs da alma nos movimentos do corpo”.

( Rancière)


"Killer of Sheep" veio ao mundo entre duas ondas populares de cinema americano negro: o período da blaxpoitation dos anos 70 e a revitalização operada por Spike Lee nos anos 80.

"Killer of Sheep" também é importante por ser um dos poucos
fi

lmes americanos nos quais os personagens negros não são metáforas para algo além de si mesmos. Não são simples variações de estereótipos ou vítimas passivas...

Muitos filmes sobre afro-brasileiros são filtrados por uma terrível "história da vida real", ....

Burnett reduz o ritmo, remove camadas, cria situações propositalmente banais e ilumina o espírito por trás de carne e osso.

Deixa o espectador sem fôlego ao não tentar deixá-lo sem respirar, não tentar deslumbrar ou assoberbar o espectador com um tratado político de peso- e ainda assim seu filme é um exemplo de arte radical".

(EH)
Benjamin, ao falar da modernidade e sua alienação, refere-se à arte alegórica em Charles Baudelaire.

Carlitos, em sua coreografia em "ponto de fuga", luta contra o aprisionamento moderno.

Em "The Kid", suas asas de albatroz ( poema de Baudelaire) trombam na multidão ( massa).


Chaplin, o flaneur na multidão- em sua alegoria da cegueira geral de uma cidade.

sexta-feira, 14 de setembro de 2012

Berkeley



Berkeley-2


Berkeley


Kyoshi




Em "Je Vous Salue Marie", Godard- um tanto extenuado com a massiva coisificação do corpo via imagens "chapadas", decidiu por reconfigurar a ótica, ao resgatar um erotismo via arte:

"Quanto mais discreta a beleza, mais intensa".


Se tudo já estaria dado, não haveria mais a necessidade desta arte específica do campo e do extracampo- do visível e invisível, de ocultações e desvelamentos.


Godard, claro, vai na contracorrente, ao afirmar o cinema, a mulher, o estatuto do corpo....


O filme é também um retrato dos tumultos de uma sensível mulher na sociedade moderna- entre outras.

quinta-feira, 6 de setembro de 2012



Não achei aqui a bela entrevista com o diretor Marcelo Gomes para a extinta Revista Paisà sobre seu belo filme "Cinema, Aspirina e Urubus", em que ele fala do emprego da luz e da câmera colada aos atores na obra.

Luz caiada do europeu, luz caiada do nordestino- em encontro.

E o mesmo tipo de iluminação, como expressão da busca de um caminho por esses "estrangeiros".


"Andrea Tonacci nasceu na Itália em 1944, mas ainda na infância veio para o Brasil para se instalar na cidade de São Paulo, onde reside até hoje.
Na década de 70, passou a “existir” (como ele próprio costuma dizer) para o cinema, após ganh...
ar notoriedade - sem qualquer tipo de glamour - com “Bang Bang” ....


No dia 30 de setembro, Tonacci recebeu o Cinequanon em sua casa, que também é a sede de sua produtora, a Extemart. Falou sobre assuntos como a história de “Serras da Desordem”, seu trabalho com a questão indígena, sobre “Bang Bang”, seu processo criativo....."
( Cinquanon)



Blake Edwards é antes de tudo um cineasta vivo.

Ele sabe descobrir o movimento que anima dois seres um rumo ao outro. Sua experiência pessoal, até hoje, nada mais é do que a compreensão do nascimento e da existência do amor.
Ele sabe no...
s fazer ver e perceber o amor tanto à sua origem, no momento do encontro entre dois seres, como no seu movimento, sob as formas que estabelecem as condições de suas relações – em todos os níveis. Daí essa gravidade da emoção que nos arrebata durante cenas como nós raramente as vimos, tão vivas como um organismo.

A cena inteira é um organismo vivo, de coração aberto. Nós assistimos a olho nu o batimento de um coração – e ao mesmo tempo sentimos e percebemos os batimentos do nosso – e a vida de repente encontra-se em nós, ao mesmo tempo que um conhecimento completo nos é dado do élan vital.

Se há um cineasta que toca e desperta em nós a vida mais orgânica, essa vida que é a matéria e a própria expressão do seu trabalho, é certamente Blake Edwards cuja atenção não é torpe como a da maioria dos cineastas, mas ao contrário, alerta e ativa - daí essa sensação de vida. Ela é uma das raras que podem durar longamente, tanto dentro de uma cena como na totalidade de um filme.

Blake Edwards só pode ser o autor de filmes pessoais de contatos vitais com ele. O calor de certas cenas prova, enfim, que sua sensibilidade, longe de fechar-se em si mesma, é ao contrário receptiva e reativa à realidade e aos acontecimentos do mundo."

( Pierre Rissient, Présence du cinéma)

Tradução- Felipe Medeiros


"Quando o intelectual francês vem discursar no Brasil, os caras se enchem a recolher as babas com seus potinhos.

O intelectual brasileiro é a escarradeira do Sartre."

( Nelson Rodrigues)

segunda-feira, 20 de agosto de 2012

A seguintes palavras sobre o cinema de Roberto Rossellini poderiam se aplicar com perfeição ao cinema de King Vidor - que, aliás, chegou primeiro.

"1- Somente um talhe vigoroso e direto, cuja minúcia iguala o fervor."


( Henri Agel)



2- Recusando as manhas da montagem analítica, "ele não demonstra, mostra.".

( Rivette)



3- " Não separa a procura da transcendência de tudo quanto prende o ser humano à terra.


( Philippe Collin)
" Como os melodramas de Douglas Sirk, as comédias loucas de Frank Tashlin exageram ao ponto da subversão os valores populares dos Estados Unidos.

O terreno de Tashlin era a esfera midiática da publicidade, tevê, cinema e showbiz .

Ao abraçar alegremente e satirizar com sagacidade essa arena de clichês e estereótipos, ele antecipou a pop art.

Com um enredo que lança mão sem aviso de uma intriga de espionagem e de uma demonstração musical esplêndida de engenhosidade visual, faz todo sentido que as estratégias de "Artistas e Modelos" encontrem eco nos alegres modernismos de Jacques Rivette...."


( Adrian Martin)

sexta-feira, 10 de agosto de 2012



" Como de costume, Shyamalan parte do cotidiano, da vida comum, sem grandes eventos.

Só que uma coisa parece mais clara em do que em qualquer outro de seus filmes: os personagens mais centrais têm certo sentimento sobre o mundo, sentimento
esse escamoteado pelas obrigações da rotina (o escritor Vick interpretado pelo próprio diretor), por uma dor incurável (Cleveland) ou pela solidão que acompanha os grandes eventos do mundo pela televisão com um olhar absolutamente impotente (Leeds).

A possibilidade de fazer da vida (e do mundo) algo maior, se não parece longe, parece ao mesmo tempo completamente fora de alcance. Temos um condomínio basicamente construído para abrigar aqueles tipos de pessoas (imigrantes, solitários) para quem o sonho americano é somente uma estéril ficção.


O diretor consegue captar esses momentos, como se cada imagem perscrutasse uma dor e uma solidão irremediáveis. Aqui não interessa somente a solidão de um homem, mas a de toda a comunidade. A descrição dessa comunidade, a apresentação do prédio como espaço físico e subjetivo é uma das coisas mais belas já vistas em seu cinema.


No cinema de Shyamalan, o tempo é o da melancolia. Suas imagens nascem do desencanto, são filhas de uma época de um pragmatismo árido, onde o poder de crença na imagem foi substituído pela perversão do auto-engano voluntário de certa concepção da imagem do real.


A Dama na Água é uma fábula melancólica, assim como outras grandes fábulas de nossa época, como Castelo Animado, de Hayao Miyazaki, e Peixe Grande , de Tim Burton. A memória dos tempos atuais é o do fracasso da imagem. M. Night Shyamalan é a consciência crítica dessa época. Não, isso não quer dizer que ele seja o melhor ou o mais completo cineasta do nosso tempo, mas ele resignifica a potência criadora das imagens.


Suas imagens nascem do fracasso da realidade.... Só que o fracasso libera outras forças, criativas e criadoras. Desse modo, a fantasia é a chave em que o cineasta pode orientar com demasiada liberdade todas essas questões.

....


 De todos os filmes do diretor este é o mais francamente religioso. Não, não uma religiosidade existencial e confessional como a de Martin Scorsese e Paul Schroder, mas uma religiosidade que entende a imagem (a evidência) como único elemento possível de criar significado e de fazer novas todas as coisas. Os personagens para acreditar precisam não só “ver”, como também participar.

Por isso, a importância desse elemento fantástico, algo que em princípio ninguém vê (como a criatura que se confunde com o ambiente), e a necessidade de contextualizá-lo em um ambiente muito prosaico. Talvez nesse sentido, esse sentimento de mundo (ordinário, fantástico e religioso) de A Dama na Água seja mais próximo de um cineasta como Carl Dreyer, que entendia a imagem como implicação daquilo que vemos e também daquilo que não vemos.


O projeto de cinema de M. Night Shyamalan é grandioso, e nesse último filme sua realização soa um tanto confusa, já que tudo ali parece precisar de uma estrutura menos movediça. Porém, se é fácil deixar-se enganar pelas qualidades de um filme, é mais fácil e cômodo ainda se deixar levar pelos seus defeitos.


Nesse sentido, pode-se até depreciar o filme em razão de seus descompassos, mas não há como ignorar o quão forte é sua visão e sua força, sua pulsão de vida. Não existe grande cineasta que não revele um particular e original sentimento de mundo, às vezes com tanta força que os defeitos parecem pequenos perante as qualidades: é assim com Godard, é assim com DePalma, era assim com Glauber. Hoje em dia isso é algo raro.


Assim, se até é compreensível, ao fim de A Dama na Água, que alguns tenham a sensação de não ter visto um grande filme, não ter visto um grande cineasta em ação é quase impossível"

  
( Francis Vogner)

 

Agora, sério, esse papo de que "sentimentalismo é demodê" já ficou um pouco gasto.


" O melhor filme que existe sobre o nazismo é um filme do Chaplin, é um filme de ficção e chama-se O Grande Ditador. Não vejo coisa maior.

Mas claro que há coisas importantíssimas sobre o nazismo, há um filme chamado Noite e Nevoeiro, há um filme chamado Shoah, mas o filme do Chaplin, e sobretudo porque foi feito durante a ascensão do famoso rapaz, é qualquer coisa. Aquela elegância.

E é isso que eu adoro, contra os brutos, mostrar a nossa elegância. A dança dele com o mundo… é a prova de que vencemos a brutalidade com ternura, com tudo o que é contrário ao nazismo, ou ao fascismo, ou à prepotência..."


( Pedro Costa (
http://cinergia-revista.tumblr.com/)

Digo ao Pedro que não é meu favorito sobre o nazismo,.... acho que não. Mas entendi perfeitamente sua linha de raciocínio.
" Vidor, como todos os grandes "clássicos", aliou experimentalismo e marginalidade com maitrise técnica- ou seja, ao contrário de certos modernos, a experimentação não virou pretexto pra fanfarronice."

( Lourcelles)



Pré-rosseliniano pelo sentido agudo das esquetes. Pelo telúrico e o mítico, unidos.


O estranhamento, o brutal, o milagre ( o " outro").

O despojamento, a ausência de firulas.

Na dinâmica do traçado.


sexta-feira, 27 de julho de 2012




"Meu Tio", de Jacques Tati pode ser encarado a um tempo como uma obra de humor e de austeridade (um pouco como se Robert Bresson resolvesse fazer uma comédia, o que nunca deve ter passado por sua cabeça, já que seus filmes não trabalhavam com a comicidade das coisas).

Austeridade, em primeiro lugar, pelo tipo de filmagem que não se preocupa em fazer concessão para agradar seu público. Em segundo, pelo sentido rigoroso e detalhista da observação.

Mas, afinal, o que Tati observa a partir de seu cômico protagonista Monsieur Hulot? Um universo moderno- solidificado e metálico-, em que tudo obedece a uma prévia função de desempenho.

Para tanto, a filmagem aposta em planos abertos, que reforçam, de forma contraditória, a visão de um mundo rigorosamente fechado, tendo como base o lar burguês dos Arpel. Quanto mais distanciada a câmera de Tati, menos crível tal universo nos parece. Por intermédio da janela da casa, nos é dado ver um mundo rigidamente circunscrito, delimitado.

Do outro lado da cidade, há a moradia de Monsieur Hulot, onde, pelo contrário, os espaços, de alguma maneira, se comunicam. As janelas evocam a obra “Janela Indiscreta”, de Alfred Hitchcock, em que as moradias, em algum momento, poderão se tocar. Por diversas vidraças e quadros, a câmera respira tanto nos espaços exteriores quanto nos interiores.

É como observadores interessados que acompanhamos, via janelas e ruas, os vai e vens de Houlot, sua presença a cruzar, quase imperceptivelmente, com a de um outro ou outra nos corredores, em versão menos veemente da formidável cenografia proposta por Jerry Lewis para o “O Terror das Mulheres”, obra-prima do humor.

Para a casa dos Arpel, Jacques Tati reserva uma visão mais cruel, com insignificantes ruídos no local a ganhar enormes proporções. O peixe, símile fajuto de um chafariz- versão privada- só libera sua água quando a visita é do interesse da família.

Já a maneira de a câmera adentrar o universo de Hulot se dá por meio de tijolos rachados na rua. Tais rachaduras presentes no quadro de uma imagem oferecem espaço para que o sobrinho do protagonista sinta-se mais livre, e até disposto a comer um sanduíche preparado por um homem nada ocupado com a excessiva higienização do alimento.

Tati, claro, tende sua simpatia para o mundo onde nada é deveras "clean" ou metalizado, ao contrário da cadência ritualística e estática ocorrida na casa dos Arpel. A mesma a compor um quadro insolitamente circular, hierático, em que até uma criança se arma de terno e gravata, preparando-se, desde cedo, para o mundo da produção paterna.

É quando Hulot, desajeitadamente, molha seus sapatos na casa dos Arpel que o caos moderno ameaça se instalar, provocando certo desarranjo nas coisas, um pouco como o Peter Sellers do clássico “O Convidado bem trapalhão”. Nesse instante, a rachadura antes vista somente na rua comparece na imagem da casa impecável, trazendo a possibilidade de um encontro real, ainda que fortuito, entre os dois mundos: o de Hulot e os do Arpel.

Ao passo que, no ambiente de trabalho, em meio a ruídos que travam a comunicação, o protagonista faz com que plásticos produzidos de forma intensivamente padronizada ganhem involuntariamente um tipo específico de deformação a que alguém denominará “doces”. Tati acolhe o mundo da gratuidade, da brincadeira, de uma maneira em que pareça prever certos problemas do dito mundo moderno, condenado a suas vidraças e camadas de plástico.

Apesar das distinções, Charlie Chaplin conseguia nos lançar em ambiente já nascido caduco em seu interior (“Tempos Modernos”). No universo deslumbrante e deslumbrado dos Arpel, a câmera mal respira com as coisas e os personagens, enquanto os cômodos da casa não se interligam.

Entre a alienação adulta e a dita “ingênua”, o diretor aposta na segunda, onde certo lirismo se faz possível. O que não se configura exatamente como simples nostalgia. Seu filme, ao evocar um mundo moderno que então nascia não deixará de traduzi-lo em um tipo de ficção, que guardará relações certas com o filme de horror. Seja por conta dos ruídos circulares, infernais, seja pela caricatura de uma burguesia que flerta todo o tempo com o caricatural, ou seja, com o grotesco.

Pode-se rir à vontade, mas algo certamente ficará retido na garganta, uma vez que a obra adquire uma austeridade de observação, em algo semelhante a de um Michelangelo Antonioni, cineasta italiano. O mesmo a filmar um universo cravado em eixo aprisionante, em que, à força de um tipo de lucidez do olhar, maior se fazia a possibilidade de desconstrução de um mundo, com seus signos e valores.

No entanto, em Hulot, a poesia pode até comparecer como minguada a olhos desatentos. Contudo, a imagem final – de um branco lençol levemente se estendendo e distendendo de uma janela - resumirá bastante do estado de espírito desse belíssimo “Meu Tio”.