terça-feira, 31 de agosto de 2010

Torre 2








Fiquei em débito com o degrau trigésimo terceiro,Drummond.
Pardon.


"Trigésimo terceiro":Um homem pede para ser crucificado e não lhe prestam atenção."

Mas como nem tudo parte de T.S.Eliot ou decadência de civilização,fico, alunos, amigos,colegas com esse F.Pessoa, dos favoritos:

"Na véspera de nada
Ninguém me visitou.
Olhei atento a estrada
Durante todo o dia
Mas ninguém vinha ou via,
Ninguém aqui chegou.

Mas talvez não chegar
Queira dizer que há
Outra estrada que achar,
Certa estrada que está,
Como quando da festa
Se esquece quem lá está".



sexta-feira, 27 de agosto de 2010

A Torre Sem Degraus









“No térreo se arrastam possuidores de coisas recoisificadas.

No primeiro andar vivem depositários de pequenas convicções, mirando-as remirando-as com lentes de contato.
No segundo andar vivem negadores de pequenas convicções, pequeninos eles mesmos.

No terceiro andar- tlás tlás- a noite cria morcegos.
No quarto, no sétimo, vivem amorosos sem amor, desamorando.

No quinto, alguém semeou de pregos dentes de fera cacos de espelho a pista encerada para o baile das debutantes de 1848.

No sexto, rumina-se política na certeza-esperança de que a ordem deve mudar, precisa mudar deve mudar há de mudar, contanto que não se mova um alfinete para isso.

No oitavo, ao abandono, 255 cartas registradas não-abertas selam o mistério da expedição dizimada por índios Anfika.
No nono, cochilam filósofos observados por apoftegmas que não chegam a conclusão plausível.

No décimo, o rei instala seu gabinete secreto e esconde a coroa de crisóprasos na terrina.

No décimo primeiro, moram (namoram?) virgens contidas em cintos de castidade.
No décimo segundo, o aquário de peixes fosforescentes ilumina do teto a poltrona de um cego de nascença.

Atenção, décimo terceiro. Do vigésimo quarto baixará às 23 h um pelotão para ocupar-te e flitar a bomba suja, de que te dizes depositário.

No décimo quarto, mora o voluntário degolado de todas as guerras em perspectiva, disposto a matar e a morrer em cinco continentes.

No décimo quinto, o último leitor de Dante, o último de Cervantes, o último de Musil, o último do Diário Oficial dizem adeus à palavra impressa.

No décimo sexto, agricultores protestam contra a fusão de sementes que faz nascerem cereais invertidos e o milho produzir crianças.

No décimo sétimo, preparam-se orações de sapiência, tratados internacionais, bulas de antibiótico.
Não se sabe o que aconteceu ao décimo oitavo, suprimido da Torre.

No décimo nono, profetas do Antigo Testamento conferem profecias no computador analógico.
No vigésimo, Cacex Otan Emfa Joc Juc Fronap FBI Usaid Cafesp Alalc Eximbank trocam de letras, viram Xfp, Jjs, IxxU e que sei mais.

No vigésimo segundo, banqueiros incineram duplicatas vencidas,e das cinzas nascem novas duplicatas.

No vigésimo terceiro, celebra-se rito do boi manso, que de tão manso ganhou biografia e auréola.
No vigésimo quarto, vide décimo terceiro.

No vigésimo quinto, que fazes tu, morcego do terceiro? Que fazes tu, miss adormecida na passarela?

No vigésimo sexto, nossas sombras despregadas dos corpos passeiam devagar, cumprimentando-se.

O vigésimo sétimo é uma clínica de nervosos dirigida por general-médico reformado, e em que aos sábados todos se curam para adormecer de novo na segunda-feira.

Do vigésimo oitavo, saem boatos de revolução e cruzam com outros de contrarrevolução.

Impróprio a qualquer uso que não seja o prazer, o vigésimo nono foi declarado inabitável.

Excesso de lotação no trigésimo: moradores só podem usar um olho, uma perna, meias palavras.
No trigésimo primeiro, A Lei afia seu arsenal de espadas inofensivas, e magistrados cobrem-se com cinzas de ovelhas sacrificadas.

No trigésimo segundo, a Guerra dos 100 anos continua objeto de análise acuradíssima.

No Trigésimo quarto, um ladrão sem ter o que roubar rouba o seu próprio relógio.

No trigésimo quinto, queixam-se da monotonia deste poema e esquecem-se da monotonia da Torre e das queixas.

Um mosquito é, no trigésimo sexto, único sobrevivente do que foi outrora residência movimentada com jantares óperas pavões.
No trigésimo sétimo, a canção

filorela amarlina
louliseno i flanura
meliglírio omoldana
plunigiário olanin.

No trigésimo oitavo, o parlamento sem voz, admitido por todos os regimes, exercita-se na mímica de orações.

No trigésimo nono, a celebração ecumênica dos anjos da luz e os anjos da treva, sob a presidência de um meirinho surdo.

No quadragésimo, só há uma porta uma porta uma porta.
Que se abre para o quadragésimo primeiro, deixando passar esqueletos algemados e conduzidos por fiscais do Imposto da Consciência.

No quadragésimo segundo, goteiras formam um lago onde bóiam ninféias,e ninfetas executam bailados quentes.

No quadragésimo terceiro, no quadragésimo quarto, no... (continua indefinidamente)”

( Carlos Drummond de Andrade)

quinta-feira, 19 de agosto de 2010

O Sagrado e o profano em Douglas Sirk-notas








Por vezes subestimado em meios pretensamente “cultos”(excetuando o caso Almodóvar),o bom melodrama tende a alternar com mestria as instâncias do profano e do sagrado.O bom cinema,tendo compreendido tais fundamentos, chegou a explorá-los com brio,como no caso de Douglas Sirk . É o que ocorre em Tudo o que o céu permite, recém saído pela Versátil.

Sirk, também diretor de teatro, sabia do lugar e do papel da encenação na vida comum e passou a duplicar tal teatralidade em cinema. Sua obra constitui-se como uma forma em que contradições, não somente do sentimento humano, mas de um modo de vida calcado em “dogmas” agregados a pirâmides sociais,comparecem a partir de entrechos românticos ou trágicos.

No filme Tudo o que o céu permite, o diretor trabalha a saturação das cores e dos ambientes, de uma maneira em que a cenografia aprisione os protagonistas em âmbitos burgueses, ao passo que tal cultura, supostamente “sagrada”, instala-se, de fato, como profana. A fotografia do filme configura-se como uma pintura detalhada entre cartão postal e um grande quadro-painel, como igualmente alternantes serão as instâncias do profano e do sagrado.No primeiro caso,um puritanismo hipócrita,a imobilidade conservadora em iconografia de materialismo intensivo e frívolo. Enquanto o sacro se manifestaria, paradoxalmente,na simplicidade de desejos que, renegados por um tipo de cultura,se afirmariam como sinceridade.

Nesse sentido, Rock Hudson, o homem “fiel a si mesmo”, (como o Clint Eastood de As Pontes de Madison), nas regulares elipses de sua presença na obra, irá se revelando, aos poucos, vulnerável em sua fortaleza, como no caso da outra obra citada. O desejo e o amor- inclusive pelas plantas- são seus únicos habitats.O que não será perdoável pela cultura de sua amada, pelo que o dinheiro e suas regras implícitas e deveras estanques impõem como padrões únicos de vida, crença e comportamento.

Pode até parecer que se trata de um filme quase didático,o que poderia comprometer seu valor estético.Na verdade, é um dos trabalhos mais ácidos e diretos do diretor Douglas Sirk, em que a formação de uma nação,culturalmente gerada na crença de sua suposta predestinação aliada ao fetiche monetário é aqui posta em xeque,o que, contemporaneamente, seria atualizado em uma falsa predestinação a - histórica,como, por exemplo, a oriunda de uma ideologia neoliberal.

Na obra em questão, há um trabalho fotográfico com sombreamentos a tornar os protagonistas, por vezes,“fantasmas”,ou seja,seres deslocados em meio à cultura retratada. Nesse caso, o sacro da imagem ameaça a se impor, abandonando o púlpito de igrejas conluiadas com a burguesia e seu fetiche monetário, para logo ingressar na vida do cinema,enquanto cultura não nobiliárquica, mas popular.O jogo iconográfico passa a lançar questões, uma vez que ambientes de aparência idílica, mas de fortes tonalidades,apresentam duplas facetas,em que o Jardim do Éden norte-americano poderá ser também o seu oposto,em período (já) de “Queda do homem”.

Ou seja, nos momentos de ambiência burguesa, os “palácios” são filmados em cores saturantes. Nos do casal,a fotografia matiza sua paleta em uma configuração que, humana e espiritualmente,subtrai a inicial fosforescência de iluminação -,a mesma que comparece, não raro, em ambientes retratados no limite da histeria.

As sombras do esteta nos instantes em que o casal se encontra ou se desencontra em dor retratam certo alheamento crescente daquilo que não foi predestinado, mas, a rigor, predeterminado como Absoluto na imagem, enquanto cultura burguesa do parecer. De outro lado, luzes mais baixas, entre o segredo intimista e a fantasmagoria, de forma que crenças e sentimentos constituem-se como implausíveis para mentes estanques, segmentadas. Nesse sentido, a TV com que os filhos,a todo custo,querem presentear a mãe será um elemento a mais na cenografia, a poder tragar os personagens para o seio de um jogo de reflexos a oprimir seres em cena, como personalidades a serem lançadas para longe de si mesmas ou de "um algo mais”,como contraditório atestado de prisão e de solidão aparentemente irreparáveis.

Entre os espelhos fosforescentes e a ruptura para uma nova definição iconográfica "de si" na imagem, a obra obedecerá a um ritmo que tende ao vertiginoso. No tempo, rostos passam a refletir-se com maior definição de serenidade,em contraste aos ambientes saturados dos “palacetes”. Sirk filma closes estáticos,serenos como ordem paralela do tempo e das crenças.

Encenação, artifício, mundo e sacralidade podem encontrar um eixo complexo em “Tudo o que céu permite”,mas definidor de posturas ,em que os reflexos dos protagonistas chegam a não ser de todo descarnados, por preexistirem como desejo,embora filmados e restituídos em recortes de simplicidade. A teatralidade e o delírio kitch passam a um outro lado do espelho, nas sombras projetadas de cinema em vias de definição de convicções, o que implicaria outra iconografia.
Em meio ao profano burguês e à cultura de massas,a obra flerta com um novo tipo de sagrado, a transitar de certas igrejas – a desdobrarem seu sobrecarregamento imagético para o meio burguês - até adentrar novos espaços. Ou seja, para um tipo de cultura popular propiciada por certo cinema do período.

Entre a hipnose da cultura do ter e do parecer, e a hipnose do desejo e do afeto projetados como novo recorte ,Sirk abraça, claro, a segunda, cioso de ser ela também imagem, embora subtraída de certos elementos dados. Quando, por exemplo,a direção acena em câmera baixa para um “terra a terra”, em que rostos despidos, cristalinos, e em baixo tom passam a falar uma outra linguagem -inclusive verbal- entrecortada por raros silêncios -sacros.

sábado, 14 de agosto de 2010

Informação ou Desinformação





A julgarmos por um histórico de telenovelas, jornais (teles ou não) e por muitos filmes nacionais, o pobre ou negro no Brasil sempre foi condicionado a ser visto como “coitado”. E, pior, como alguém perigoso, um Et indigno de confiança (a não ser se tratasse de uma exceção, como no caso de um mítico Herói, ou de algo que a isso se assemelhe).
Mas quase sempre é ele quem ameaça nossa bolha pretensamente bem montada, como habitat físico, psicológico, místico, cultural, etc. Quando certos ricos ou a dita classe média decidem tematizar o “social”, a tendência é das coisas se inverterem e, como no caso do filme Cidade de Deus, impõe-se uma espécie de videoclipe do horror, entre blindagem extrema de proteção e extremo terror. São eles ( eles quem?) sempre uma categoria de Outros a nos ameaçar em nossa previsibilidade “racional” e emocional.

Já os telejornais e Cia enfatizam a violência em favelas, como reiteração dos estereótipos.Como nada é problematizado,não haveria História, processos,tão somente destino,fatalidades.
Por um lado, gera-se a cultura do pânico, do autocentramento sombrio. Por outro, um prévio anestesiamento em aparelhagens de anulação históricohumana. Esquizofrenia e autismo sociais são doenças que demandam remédios diante da alienação na multidão, da falta de comprometimento de quem quase somente absorve suas enevoantes substâncias provindas de prolongada hiperconexão.

E a TV, como diria Paulo Freire, esforça-se por nivelar passado, presente e o futuro,o mesmo que virtualmente comparece como já dado,pronto.
Sem tocar e ser tocado pelo presente,como estar disponível ao futuro,a processos de passagens, balanços, construção, descontrução,reconstrução? Já hoje, observa-se um tipo de renegação do passado como se dele proviessem nostalgias. Afinal, “nessa época eu nem havia nascido”.O mundo começaria a partir de meu umbigo,como no da eterna criança ou adolescente.

Como se instantes e processos não se cruzassem,se reabsorvessem, enquanto nosso “tão novo”, rapidamente torna-se, em mesma velocidade, gagá. Diante disso, podemos nos refugiar em variações cosméticas,- reais ou virtuais-, ao passo que o tempo e suas reelaborações de “identidade” até pudesse nos passar batido.
Como se não houvesse História.E cínicos,acomodados, estivessem com sua “Santa Razão” congelada em multimovimento circular, como o cachorro a comer seu próprio rabo.
Cabe enxergarmos por vias ainda pouco exploradas,ao contrário de repetirmos a nova-velha cantinela da(des)informação. Não para o cor-de-roseamento do mundo, mas como dialética de assunção de uma não aceitação da unidimensionalidade dos discursos e das imagens, como destino a-histórico-,ou seja,fatalista de tudo e de todos.Discurso "das coisas",de comodistas ou covardes.
Não falo aqui em Revolução ou Vanguarda, como,por exemplo, as dos anos 60,mas a favor de algo que não nomeado - inusitado?- seria contra a estagnação,seja de processos...No caso de professores, de certo estudo contínuo,sem prévia fragmentação.De artistas, de pincelamentos.De intelectualistas,de vida. De mídias, de menos desinformação. De ditos religiosos e partidaristas, contra fundamentalismos. De exotéricos, por argúcia crítica. De céticos, por maior entrega e abertura a “algo mais”.
Desautomatizando o olhar, os ouvidos, místicas receitas de explicação para tudo,ou acadêmicas teorias do hiper-racionalismo, ou do bode...

Desaprendendo tanta coisa,podemos entrever certas brechas e nelas,quem sabe,o inusitado.


Trecho de entrevista:


“Você acha que há o risco apontado por alguns de uma espécie de invasão de bárbaros?”

“Acho difícil, porque o que pelo menos a periferia carioca quer é agregar, é ver o problema da comunidade, é entrar em conexão, é conquistar seus direitos ao acesso ao mundo do trabalho e da cultura. Veja, por exemplo, o caso do AfroReggae.O grupo vende até know-how de tecnologias sociais de gestão de conflitos para outros países.Esse momento não é agressivo,é proativo,de resolução de problemas.Os confrontos e a violência vêm das multinacionais do narcotráfico, não das favelas.

“... é preciso traficar informações entre os segmentos da sociedade para diminuir o apartheid e resolver com o que se tem na mão os problemas imediatos da comunidade. A chamada “tecnologia social” se aperfeiçoou de tal forma que hoje a gente está exportando isso.O José Júnior está levando para a Colômbia,para a Inglaterra, para os Estados Unidos estratégias que o AfroReggae desenvolveu em “gerência de conflitos”,em mediação de interesses”.

“... Tem até uma cooperativa chamada Cooperifa,que simplesmente realizou a Segunda Semana de Arte Moderna na periferia de São Paulo.
...São milhares de escritores. O primeiro que abriu seu guarda-chuva para abrigar essa poesia foi o Ferréz... Toda quarta-feira tem leitura de poemas. Já me mandaram até DVDs :quinhentas pessoas assistindo dentro da favela,não é fora não.Uma amiga me contou que foi lá e me contou que o Sérgio Vaz, que é o grande líder, avisa antes:”Poesia é uma coisa chata.Para quem nunca ouviu, é mais chato ainda.Se quer sair,aproveita e sai agora;senão,tem que ficar quieto”. Ninguém saiu. Ela disse que viu quinhentas pessoas atentas, imobilizadas, durante horas.

“Para você ter uma ideia, eles se baseiam naquela previsão de Oswald de Andrade de que a massa ia comer o biscoito fino que eles(os modernistas) faziam.Eles começam lembrando exatamente isso,que estão comendo esse “biscoito fino”

(Zuenir Ventura a entrevistar Heloisa Buarque de Hollanda)

quarta-feira, 11 de agosto de 2010






Apesar de parte considerável das interpretações das músicas de Ary Barroso ter sido realizada por Carmen Miranda, o compositor favorito da moça parecia ser Assis Valente.Ao fruirmos ou observarmos uma letra de sua autoria,entenderíamos parte dessa afinidade.
Se Carmen foi importante referência para os tropicalistas nos anos 60: “Tons Zés”, Mutantes, Gilberto Gil, Caetano, Duprat,...,assim como Chacrinha e seu: ”Eu vim para confundir e não para explicar.Frase,a rigor, de autoria bíblica,atribuída a Jesus Cristo,será que a esse específico movimento ou desmovimento- como quer Caetano-da contracultura, Assis Valente teria passado meio batido?

Gilberto Gil havia sido seduzido pela batida inovadora de Jorge Ben-antes do mesmo tornar-se Jor-, que,à falta de conseguirem explicá-la,foi chamada pelo próprio autor como samba esquema novo,título da obra que mobilizara João Gilberto,viciado nos compassos do músico ao ouvi-los e reovi-los em rito diário.

Mas se a bossa nova de Tom Jobim, João Gilberto, Vinicius e, para quem queira, Jonny Alf, João Donato(... Carlos Lyra, Baden Powell e agregados),havia aberto espaço para os tropicalistas- como os últimos afirmariam-,o estilo influente,ao menos via Jobim,prolongaria Pixinguinha, Noel Rosa,Ary Barroso,Custódio Mesquita, Radamés Gnattalli,entre outros. Aliás, se fosse para ficarmos em Tom Jobim, o chamado sincretismo constituiu-se como intrépido, apesar da calma aparência. Um “continente musical”, de que nos fala o pesquisador musical André Diniz, pois haveríamos de falar também em Drummond, Guimarães Rosa, Dorival Caymmi, cancioneiro americano, jazz, os impressionistas clássicos, Stravinsky, Villa-Lobos. Uma síntese que teria tudo para não emplacar e que, de certa maneira, não parecia tão afinada à visão mais exotizada e maneirista do país, posteriormente proposta pelo Tropicalismo.

Esse já era um outro tempo, que pariria a poesia e o cinema marginais e,dentre eles,o referencial Bandido da Luz Vermelha,obra-prima do cinema brasileiro, provocada por Rogério Sganzerla frente aos anos de chumbo na ditadura.O maneirismo tropicalista torna-se compreensível quando instalado em uma dialética potência/impotência, mais do que pela montagem homem urbano/ rural ou ”alta” e “baixa culturas”,sobrepostas à maneira da poesia cinematográfica de Oswald de Andrade.
Se Jorge Ben e seu País Tropical,entre outras,poderia ser uma referência para o movimento,e se Carmen passou a ser incorporada ao tipo de turbilhão sonoro e imagético propostos,o que diríamos, em história e arte,de Assis Valente?

“Salve o morro do Vintém, pendura a saia, eu quero ver o Tio Sam tocar pandeiro para o mundo sambar,o Tio Sam está querendo conhecer nossa batucada, anda dizendo que o molho da baiana melhorou seus pratos, vai entrar no cuscuz, acarajé e abará. A Casa Branca já dançou a batucada, com ioiô e iaiá”.

O início da letra, composta talvez nos anos 30, continha a célula afirmativa de Tom e João, “os possíveis matrizes” do tropicalismo: “Chegou a hora dessa gente bronzeada mostrar o seu valor”.
Aliás, mais do que apropriado que a Carmen Miranda da fase pré-exportação, em seus rompantes de alegoria e intuição, o tivesse como compositor de predileção.

domingo, 8 de agosto de 2010

O Bicho indutivo






Segue um excerto de um texto aparentemente simples, mas oportuno. Pensei nele, de início, para os alunos do ensino médio. No fundo, como alguns ainda estão no fundamental (apesar da idade), pode servir a quem se interessar por.



“Tenho muito medo desse bicho. Ele vive matando. Prefere o sangue de crianças, trabalhadores, indígenas e pobres em geral. Seu lema é antigo e atual: ” Decifra-me ou devoro-te”. Sua base é o mercado. Seu negócio é vender. Por isso, trabalha com o desejo dos consumidores. ”E quem pensa a partir do desejo nunca tem o suficiente”, explica o professor Jung Mo Sung. Entre os efeitos mais notórios do bicho papão acham-se os seguintes:

Exclusão social:

Cresce a categoria dos considerados não-gente. Hoje, quem não tem poder econômico, não é. Os excluídos não contam por que, ao sistema, nada acrescentam. Por esse motivo, são tratados como coisas que falam. Expressão utilizada pelos romanos em referência aos escravos. Existiam as coisas que falavam e as coisas que não falavam. Escravos eram coisas que falavam, mas não eram escutados.

Culpabilização da vítima:

O sistema leva você a acreditar que todo fracasso é culpa sua. Quem não consegue competir, passa a pensar que ele é incompetente e que sua incompetência tem um preço. Quem se sente culpado, habilita-se a aceitar que deve pagar uma pena. E, quem é penalizado constantemente, vai perdendo a autoestima e dignidade. Quem perde a dignidade, passa a pensar que não tem direitos, e perde também a vontade de lutar.

Consumo ilimitado:

Hoje vivemos os efeitos de uma globalização sedentária. O capitalismo nos quer assim: Não críticos e ativos, mas ativistas (ou desocupados) ingênuos. Enquanto fazemos coisas, não paramos para pensar. E se não paramos para pensar, não questionamos. O ativismo tem seus agregados: a irritação, a angústia, existencial, a tensão, a intolerância, etc, levando à depressão, à doença e mesmo à morte. De tudo é salutar livra-se.


Não podemos imitar “o bicho que exclui, devora e depreda“.

(Dirceu Benincá, Doutorando em Ciências Sociais, PUC-SP).
dirceuben@gmail.com)

Pergunta: quais seriam as várias formas de exclusão, muitas desdobradas das já citadas?


“Não há uma sociedade muito religiosa, muito militarizada. Mas há uma imposição da imagem. E a tentativa de responder permanentemente a essa imposição é vivida como um impositivo. E talvez o depressivo, em relação a isso, sofra o pior tipo de culpa, que é a culpa por não obedecer ao preceito moral que aparentemente lhe é favorável.

É diferente da culpa que o sujeito sente quando contraria todos os seus impulsos: uma moral rigidamente repressiva, que não permite o prazer.
O sujeito se sentiria culpado por não responder, mas de certa forma ele perceberia que é uma moral que vai contra seus impulsos. Hoje a moral vai “a favor”.
Você Tem de se satisfazer, ter tudo de bom: sexo, objetos, lazer e, ao mesmo tempo, subliminarmente, todo esse tempo é atravessado pelo ritmo de tempo do trabalho”.

(Maria Rita Bicalho Kehl


Dicas de alguns filmes:

Um Retrato de Mulher(Fritz Lang)
Scarlett Street(Fritz Lang)
Um Corpo que Cai(Hitchcock)
Crash,Estranhos prazeres(David Cronenberg)
Videodrome(D.Cronenberg)
Casamento ou Luxo(Chaplin)
Tempos Modernos(Chaplin)
O Professor Aloprado(Jerry Lewis)
Errado para cachorro(Frank Tashlin)
Sabes o que quero(Frank Tashlin)
Em Busca de um Homem(Frank Tashlin)
Blow up(Michelangelo Antonioni)
ShowGirls(Paul Verhoven)
O Crepúsculo dos Deuses(Billy Wilder)
Se Meu apartamento falasse(Billy Wilder)
Adeus,Amor(George Sidney)
Falsa Loira(Carlos Reichenbach)
O Dinheiro(Robert Bresson)
A Turba (King Vidor)
O Absolutismo(Roberto Rossellini)
Amarga Esperança(Nicholas Ray)
Elogio ao Amor(Jean Luc Godard)
Prenome Carmem(Godard)
Cassino(Scorsese)
Os Bons Companheiros(Scorsese)
O Casamento de Maria Braun(Fassbinder)
Esse Obscuro Objeto do Desejo(Luis Buñuel)


Entre tantos outros.


Importante encará-los, primeiramente, como especificidade de obras, e não como ilustração de alguma teoria prévia de algum filósofo ou sociólogo. Afinal de contas são,antes, arte e não filmes de tese.


Claro que, um vez realizada,a obra não pertence mais ao autor ou tão somente a ele.Tão interessante quanto seria pegar programas televisivos,dos que pululam com mais força por aqui e acolá, levá-los para dentro de sala de aula e provocar novos olhares junto ao grupo.

Malhação seria um belo começo,pela capacidade de criar, descriar e recriar modas instantãneas, que mobilizam tanta gente alvoroçada nas ruas.Vários grupos se agregam por meio de cada grife lançada, que funcionaria, para eles,como atestado de inclusão e de pertencimento imaginários.
"Reconhecimento'' pelo espelho da bruxa do conto de fadas,tal como em Branca de Neve.


E as lojas que se virem- com e no tempo- para darem conta da fome.

quinta-feira, 5 de agosto de 2010

Observatório da Empresa




Nunca fui lá muito fã da Revista Bravo. Mas para informação ou para o que se nomeia como tal, é preciso estar atento. Nesse caso, sempre me pareceu haver algo de uma decoração cult, sob pretexto de cultura.
Num dia em que saí para dar um passeio - ou não era bem isso?-, sei mesmo é que decidi fugir de um trajeto padrão e acabei, enfim, por comprar a última edição da revista. Lou Reed na capa pareceu-me uma ótima pedida, uma vez que o Velvet Underground sempre esteve entre minhas bandas favoritas de rock/pop, ao lado de Kinks, Beatles ou Talking Heads.
A matéria sobre o dito bardo parecia feita para totais principiantes no mundo pop. Mas o que considerei complicado foi o fato do texto praticamente quase omitir Lou Reed de suas preocupações. A bem da verdade, omitiu.
Procurei o artista e encontrei somente algumas menções esquálidas a ele, bem do tipo: “a música x fala de heroína”, dando-me a entender que aquilo, por si mesmo, seria a ousadia em sua obra. Ou seja, saio da ilustração da capa - da dita linguagem fática-, de sedução e ,automaticamente, retorno à mesma, desprovido de alguma observação sequer sobre o estilo musical do ex-Velvet, ou de uma análise relevante de suas letras. As demais matérias ou dicas sobre música correspondiam ao mesmo que ler os encartes dos discos citados.

Mas há também um texto sobre o À Prova de Morte, de Quentin Tarantino, filme que somente agora estréia nos cinemas do Brasil. Já o tendo assistido, gosto até mais do que de seu último, Bastardos Inglórios. Esse último foi chamado de festivo, embora confesse que percebo mais desse estado de espírito no À Prova, como se nele não houvesse nada além do prazer de filmar, do metamorfosear abrupto das cores, a partir da absorção de rudes corpos por suas lentes.
Tarantino, dessa feita, menos cita ou reverencia do que incorpora o estado de espírito de certos filmes de cinemas abandonados do passado, como se fosse um dentre eles, enquanto, gradativamente, irá lhes sobrepondo um visual mais apurado, sem sacrificar a inicial e plena internalização, de tom bruto e espontâneo. Como esteta “de baixo para cima”, menos cínico do que afetuosamente rude, a imagem prolonga uma digressão a apontar desde as primeiras imagens pós-créditos levadas quase à exasperação, ao inserir-se em nulo eixo narrativo. Imagem bruta modulada pelo lúdico. Licença poética, porém com nada de querer agradar ou bajular o espectador convencional ou tipicamente cult, ”esperto”.
O texto da Bravo parece dizer todo o tempo que o filme é genial, já que se trata mesmo de Tarantino, como se a grife, em si mesma, já contivesse o atestado de grandeza. Mais ou menos assim: “para que nos determos na obra, se o nome seria maior do que a mesma?” Garantia predestinada do objeto. Tal qual no caso de Lou Reed, era como voltar à foto da reportagem de mãos vazias.

Mas como nem tudo é programada assepsia nesse mundo, salva a reportagem sobre três grandes pianistas brasileiros. Dessa feita, são as declarações dos próprios instrumentistas que orientam o tom da matéria, conferindo substância à revista, praticamente como se não houvesse mediação de críticos ou jornalistas. Arnaldo Cohen, que interpreta Liszt, traz belos insights: “O romantismo, para ele, não é algo puramente emocional. E continua: “Penso nessa escola estética como um artesanato das emoções organizadas”.
À frente: ”Liszt mostra que o grande piano é aquele que, justamente, não soa como piano. No final da única Sonata que escreveu, ele escreve um crescendo com pleno conhecimento de que o piano é um instrumento percussivo e que, portanto, não se pode obter esse efeito. Através de notas trêmulas, ele, no entanto, consegue mimetizar uma orquestra”.
E conclui: “Sou um defensor ferrenho da obra de Franz Liszt. Para mim, ele é um exemplo de liberdade de expressão. Sabia carregar nas cores, tanto do ponto de vista do intelecto, quanto do emocional... uma ponte entre tudo e tudo”.

Terminada as declarações, a Bravo podia voltar agora à condição decorativa de revista “de cultura”. Joguei-a ao lado, hesitando a dispô-la como enfeite em minha sala, ou oferecê-la, com mesmo propósito, a um amigo dentista. Recortei a reportagem de exceção, mas acabei por doar, por fim, a revista ao amigo. Já que, talvez, naquela sala, entre Caras, Novas, Vejas e bocas, estaria cumprindo seu papel “cultural” em festival pré-selecionado da mídia brasileira.

Ps. Como a Bravo é da Editora Abril, bom deixar aqui registrado que o grupo acaba de comprar o sistema Anglo de ensino. Vamos Abrilzar um pouco mais, como fiéis herdeiros de Victor Civita?

domingo, 1 de agosto de 2010

Imprensa e Comunicação no Brasil





Os Dilemas da Comunicação no Brasil


"O setor da comunicação no Brasil não reflete os avanços que ao longo dos últimos trinta anos a sociedade brasileira garantiu em outras áreas. Isso impede que o país cresça democraticamente e se torne socialmente mais justo. A democracia brasileira precisa de maior diversidade informativa e de amplo direito à comunicação. Para que isso se torne realidade, é necessário modificar a lógica que impera no setor e que privilegia os interesses dos grandes grupos econômicos”.

Este é um trecho do Manifesto da Mídia Livre, movimento lançado no ano passado, reunindo jornalistas, estudantes, trabalhadores da mídia, professores e representantes de movimentos sociais. O diagnóstico apresentado neste manifesto coloca-se como um desafio para a Conferência Nacional de Comunicação.

Os proprietários dos grandes meios de comunicação no Brasil defendem, entre seus ideais, a liberdade de expressão, a pluralidade, a competição e o livre mercado. No entanto, o poder midiático no Brasil está concentrado nas mãos de um pequeno grupo de famílias e suas respectivas empresas, que dominam o sistema de produção e difusão de informações e detém a imensa maioria dos recursos de publicidade (públicos e privados).

O maior grupo de comunicação do país, a Rede Globo, possui mais de 220 veículos, entre próprios e afiliados. É o único dos grandes conglomerados que possui todos os tipos de mídia, a maioria dos principais grupos regionais e a única presente em todos os Estados brasileiros. Sozinha, a Globo controla mais da metade do mercado televisivo brasileiro. Segundo dados da Associação Nacional de Jornais, relativos ao período 2001-2003, apenas seis grupos empresariais concentram a propriedade de mais da metade da circulação diária de notícias impressas no país. Sozinhos, estes veículos respondem por cerca de 55,46% de toda produção diária dos jornais impressos.

Além do imenso poderio da Globo, outros seis grandes grupos regionais se destacam. A família Sirotsky comanda a Rede Brasil Sul de Comunicações, controlando o mercado midiático no Rio Grande do Sul e em Santa Catarina. A família Jereissati está presente no Ceará e em Alagoas. A família Daou tem grande influência no Acre, Amapá, Rondônia e Roraima. A mídia da Bahia pertence à família Magalhães. No Mato Grosso e no Mato Grosso do Sul, os negócios são controlados pela família Zahran. E, por fim, a família Câmara tem grande influência em Goiás, Distrito Federal e Tocantins. Em suas manifestações editoriais, todas essas empresas afirmam a independência como um valor que, supostamente, definiria seu trabalho. Independentes do quê e de quem, exatamente? Essa pergunta nunca é respondida. E não o é, porque a resposta mostraria que o rei está nu!

Qualquer menção à necessidade de democratizar esse cenário é rebatida fortemente por artigos e editoriais enfurecidos destes grupos hegemônicos. Quem defende a democratização da produção e do acesso à informação é imediatamente acusado de “autoritário” e “inimigo da liberdade de imprensa”. O poder das grandes corporações midiáticas é muito forte, estendendo-se também às escolas e universidades que formam os futuros profissionais da comunicação. A imensa maioria de quem se prepara para entrar no “mercado da comunicação” quer arrumar um emprego na Globo, na Folha de São Paulo, na Veja, no Estadão, na RBS, etc. Profissionais ligados direta ou indiretamente a essas empresas garimpam sistematicamente talentos nos bancos escolares. Os professores que procuram navegar contra a corrente são, o mais das vezes, taxados como excêntricos e confinados a guetos.

É importante ter em mente que esse não é um fenômeno exclusivamente brasileiro. A realidade midiática mundial não é distinta. O escritor francês Paul Virilio, ao falar sobre o papel da mídia no mundo de hoje, definiu bem o tamanho do problema a ser enfrentado. A mídia contemporânea, disse Virilio, é o único poder que tem a prerrogativa de editar suas próprias leis, ao mesmo tempo em que sustenta a pretensão de não se submeter a nenhuma outra. A justificativa para tal procedimento trafega entre o cinismo e a treva: uma vez afetada a liberdade de imprensa, todas as liberdades estarão em perigo. Cinismo, denuncia, porque esta reivindicação agressiva trata de negar o óbvio: os meios de divulgação e de formação de opinião vêm se concentrando, de forma brutal, no mundo inteiro, nas mãos de grandes empresas.

A transformação dos veículos de comunicação em grandes empresas, com interesses que vão muito além daqueles propriamente midiáticos, fez da informação, definitivamente, uma mercadoria regida pela lógica que comanda o mundo do lucro. Ela, a informação, progressivamente, deixa de ser um bem e um serviço público. Isso se reflete diretamente na qualidade dos noticiários que assistimos todos os dias nos jornais, rádios, televisões e sites. A economia passou a reinar nestes espaços. Todo o resto passou a ser tratado de forma secundária e como um espetáculo. Esse fenômeno é mais dramático na política, onde a cobertura tornou-se, no mais das vezes, uma exploração de fofocas, intrigas e banalidades. As pautas e os espaços prioritários passam a ser definidos pelos interesses econômicos estratégicos dessas empresas. Esse poderio econômico tem repercussão direta na vida política e social do país. Assim, falar da necessidade de democratizar a mídia implica, diretamente, falar da necessidade de democratizar o poder político e econômico. Os interesses econômicos e as articulações políticas decorrentes destes interesses refletem-se diretamente na qualidade da informação oferecida ao público.

No Brasil, a cobertura política dos grandes veículos nos últimos anos mal consegue disfarçar seus interesses econômicos e políticos.Infelizmente estamos caminhando nesta direção, no Brasil e no mundo. A queda na qualidade do jornalismo é algo assustador que ameaça o futuro da própria democracia. Não se trata, portanto, de um debate restrito aos profissionais do setor, mas de uma agenda de toda a sociedade. É o direito de dispor de uma informação de qualidade que está em jogo. E por isso, é preciso começar já. E um dos primeiros passos é o fortalecimento da articulação política entre todos aqueles setores preocupados com a democratização da mídia no Brasil.

Mais do que declarações genéricas de apoio, precisamos construir iniciativas concretas que mostrem à população a natureza do problema e como ele influencia na sua vida diária. Essa é uma das agendas que deve avançar na Conferência Nacional de Comunicação.Esse debate interessa aos próprios empresários do setor que apresenta alguns números preocupantes. Em artigo publicado no Observatório da Imprensa, Carlos Castilho revela alguns dados da surpreendente queda na venda avulsa dos grandes jornais brasileiros. O artigo relata:A Folha de S.Paulo, considerada um dos três mais influentes jornais do país, vendeu em média 21.849 exemplares diários em bancas em todo o território nacional entre janeiro e setembro de 2009. Em outubro de 1996, a venda avulsa de uma edição dominical da Folha chegava a 489 mil exemplares. Segundo o Instituto Verificador de Circulação (IVC) a Folha é o vigésimo quarto jornal em venda avulsa na lista dos 97 jornais auditados pelo instituto, atrás do Estado de S.Paulo, em 19° lugar e O Globo, em 15° lugar. Somados os três mais influentes jornais brasileiros têm uma venda avulsa de quase 96 mil exemplares diários, o que corresponde a magros 4,45% dos 2.153.891 jornais vendidos diariamente em banca nos primeiros nove meses de 2009.

O atual perfil da imprensa brasileira mostra que os três grandes jornais nacionais agarram-se à classe média para manter assinantes e influenciar na agenda política do país, mesmo com tiragens reduzidíssimas, correspondentes a menos de 5% da média da venda avulsa nacional.Esses números i ndicam claramente que algo vai mal na imprensa brasileira. Indicam, sobretudo, a necessidade de profundas mudanças.Para utilizar uma expressão ao gosto dos grandes empresários do setor, precisamos de uma revolução capitalista na comunicação brasileira.

Mais proprietários, mais veículos, mais produtores de comunicação, produtos de melhor qualidade, consumidores mais exigentes, descentralização dos centros produtores para garantir o direito de todos os brasileiros terem informação e comunicação de qualidade. Isso, porém, não será feito no modelo atual, fortemente monopolista e excludente. Os empresários da comunicação precisam decidir se querem mesmo fazer comunicação, entendida como um bem de utilidade pública, ou seguirão tratando-a como uma mercadoria qualquer, cujo sucesso, depende de esmagar os competidores a qualquer preço.

Mas há boas notícias neste cenário. Nos últimos anos, essa hegemonia de grandes grupos midiáticos começou a ser enfrentada por um crescente número de iniciativas. A internet tornou-se um espaço privilegiado dessas iniciativas, mas não o único. Os movimentos de Software Livre, de rádios comunitárias, de construção de redes de comunicação de movimentos sociais, de sites , blogs e publicações alternativas abriram brechas no bloco monopolista da grande mídia. Além disso, jornalistas que conheceram de perto o funcionamento desses grupos passaram a desenvolver um trabalho de exposição das entranhas da imprensa brasileira.

O conjunto dessas iniciativas contribuiu para a acumulação de um inédito capital crítico sobre o poder dessas empresas. Um poder, importante assinalar, que segue muito forte.Falar de uma comunicação de qualidade, neste cenário, significa falar, entre outras coisas, em liberdade de criação, de difusão e de acesso. Significa compartilhar conhecimentos, recursos, práticas e iniciativas. As palavras “liberdades” e “compartilhamento” expressam, em boa medida, o que é sonegado hoje à maioria da população.

Elas apontam para uma visão generosa de um mundo mais solidário, onde a comunicação, o diálogo com o próximo e a criatividade não são reduzidas à condição de mais uma mercadoria destinada a gerar lucro máximo a custo mínimo. Esse é o espírito que deve animar nossos debates na Conferência em busca da construção de um espaço que propicie o encontro, o diálogo, a criação e a partilha de informações, práticas e experiências. Um espaço que, fundamentalmente, enxergue a comunicação como uma prática a serviço da verdade, da justiça e da liberdade e não como meramente mais uma fonte de lucro"( feito pela mesa que debateu ''Princípios da Comunicação",do segundo dia da Conferência Estadual de Comunicação de São Paulo).