sábado, 14 de agosto de 2010

Informação ou Desinformação





A julgarmos por um histórico de telenovelas, jornais (teles ou não) e por muitos filmes nacionais, o pobre ou negro no Brasil sempre foi condicionado a ser visto como “coitado”. E, pior, como alguém perigoso, um Et indigno de confiança (a não ser se tratasse de uma exceção, como no caso de um mítico Herói, ou de algo que a isso se assemelhe).
Mas quase sempre é ele quem ameaça nossa bolha pretensamente bem montada, como habitat físico, psicológico, místico, cultural, etc. Quando certos ricos ou a dita classe média decidem tematizar o “social”, a tendência é das coisas se inverterem e, como no caso do filme Cidade de Deus, impõe-se uma espécie de videoclipe do horror, entre blindagem extrema de proteção e extremo terror. São eles ( eles quem?) sempre uma categoria de Outros a nos ameaçar em nossa previsibilidade “racional” e emocional.

Já os telejornais e Cia enfatizam a violência em favelas, como reiteração dos estereótipos.Como nada é problematizado,não haveria História, processos,tão somente destino,fatalidades.
Por um lado, gera-se a cultura do pânico, do autocentramento sombrio. Por outro, um prévio anestesiamento em aparelhagens de anulação históricohumana. Esquizofrenia e autismo sociais são doenças que demandam remédios diante da alienação na multidão, da falta de comprometimento de quem quase somente absorve suas enevoantes substâncias provindas de prolongada hiperconexão.

E a TV, como diria Paulo Freire, esforça-se por nivelar passado, presente e o futuro,o mesmo que virtualmente comparece como já dado,pronto.
Sem tocar e ser tocado pelo presente,como estar disponível ao futuro,a processos de passagens, balanços, construção, descontrução,reconstrução? Já hoje, observa-se um tipo de renegação do passado como se dele proviessem nostalgias. Afinal, “nessa época eu nem havia nascido”.O mundo começaria a partir de meu umbigo,como no da eterna criança ou adolescente.

Como se instantes e processos não se cruzassem,se reabsorvessem, enquanto nosso “tão novo”, rapidamente torna-se, em mesma velocidade, gagá. Diante disso, podemos nos refugiar em variações cosméticas,- reais ou virtuais-, ao passo que o tempo e suas reelaborações de “identidade” até pudesse nos passar batido.
Como se não houvesse História.E cínicos,acomodados, estivessem com sua “Santa Razão” congelada em multimovimento circular, como o cachorro a comer seu próprio rabo.
Cabe enxergarmos por vias ainda pouco exploradas,ao contrário de repetirmos a nova-velha cantinela da(des)informação. Não para o cor-de-roseamento do mundo, mas como dialética de assunção de uma não aceitação da unidimensionalidade dos discursos e das imagens, como destino a-histórico-,ou seja,fatalista de tudo e de todos.Discurso "das coisas",de comodistas ou covardes.
Não falo aqui em Revolução ou Vanguarda, como,por exemplo, as dos anos 60,mas a favor de algo que não nomeado - inusitado?- seria contra a estagnação,seja de processos...No caso de professores, de certo estudo contínuo,sem prévia fragmentação.De artistas, de pincelamentos.De intelectualistas,de vida. De mídias, de menos desinformação. De ditos religiosos e partidaristas, contra fundamentalismos. De exotéricos, por argúcia crítica. De céticos, por maior entrega e abertura a “algo mais”.
Desautomatizando o olhar, os ouvidos, místicas receitas de explicação para tudo,ou acadêmicas teorias do hiper-racionalismo, ou do bode...

Desaprendendo tanta coisa,podemos entrever certas brechas e nelas,quem sabe,o inusitado.


Trecho de entrevista:


“Você acha que há o risco apontado por alguns de uma espécie de invasão de bárbaros?”

“Acho difícil, porque o que pelo menos a periferia carioca quer é agregar, é ver o problema da comunidade, é entrar em conexão, é conquistar seus direitos ao acesso ao mundo do trabalho e da cultura. Veja, por exemplo, o caso do AfroReggae.O grupo vende até know-how de tecnologias sociais de gestão de conflitos para outros países.Esse momento não é agressivo,é proativo,de resolução de problemas.Os confrontos e a violência vêm das multinacionais do narcotráfico, não das favelas.

“... é preciso traficar informações entre os segmentos da sociedade para diminuir o apartheid e resolver com o que se tem na mão os problemas imediatos da comunidade. A chamada “tecnologia social” se aperfeiçoou de tal forma que hoje a gente está exportando isso.O José Júnior está levando para a Colômbia,para a Inglaterra, para os Estados Unidos estratégias que o AfroReggae desenvolveu em “gerência de conflitos”,em mediação de interesses”.

“... Tem até uma cooperativa chamada Cooperifa,que simplesmente realizou a Segunda Semana de Arte Moderna na periferia de São Paulo.
...São milhares de escritores. O primeiro que abriu seu guarda-chuva para abrigar essa poesia foi o Ferréz... Toda quarta-feira tem leitura de poemas. Já me mandaram até DVDs :quinhentas pessoas assistindo dentro da favela,não é fora não.Uma amiga me contou que foi lá e me contou que o Sérgio Vaz, que é o grande líder, avisa antes:”Poesia é uma coisa chata.Para quem nunca ouviu, é mais chato ainda.Se quer sair,aproveita e sai agora;senão,tem que ficar quieto”. Ninguém saiu. Ela disse que viu quinhentas pessoas atentas, imobilizadas, durante horas.

“Para você ter uma ideia, eles se baseiam naquela previsão de Oswald de Andrade de que a massa ia comer o biscoito fino que eles(os modernistas) faziam.Eles começam lembrando exatamente isso,que estão comendo esse “biscoito fino”

(Zuenir Ventura a entrevistar Heloisa Buarque de Hollanda)

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