quinta-feira, 5 de agosto de 2010

Observatório da Empresa




Nunca fui lá muito fã da Revista Bravo. Mas para informação ou para o que se nomeia como tal, é preciso estar atento. Nesse caso, sempre me pareceu haver algo de uma decoração cult, sob pretexto de cultura.
Num dia em que saí para dar um passeio - ou não era bem isso?-, sei mesmo é que decidi fugir de um trajeto padrão e acabei, enfim, por comprar a última edição da revista. Lou Reed na capa pareceu-me uma ótima pedida, uma vez que o Velvet Underground sempre esteve entre minhas bandas favoritas de rock/pop, ao lado de Kinks, Beatles ou Talking Heads.
A matéria sobre o dito bardo parecia feita para totais principiantes no mundo pop. Mas o que considerei complicado foi o fato do texto praticamente quase omitir Lou Reed de suas preocupações. A bem da verdade, omitiu.
Procurei o artista e encontrei somente algumas menções esquálidas a ele, bem do tipo: “a música x fala de heroína”, dando-me a entender que aquilo, por si mesmo, seria a ousadia em sua obra. Ou seja, saio da ilustração da capa - da dita linguagem fática-, de sedução e ,automaticamente, retorno à mesma, desprovido de alguma observação sequer sobre o estilo musical do ex-Velvet, ou de uma análise relevante de suas letras. As demais matérias ou dicas sobre música correspondiam ao mesmo que ler os encartes dos discos citados.

Mas há também um texto sobre o À Prova de Morte, de Quentin Tarantino, filme que somente agora estréia nos cinemas do Brasil. Já o tendo assistido, gosto até mais do que de seu último, Bastardos Inglórios. Esse último foi chamado de festivo, embora confesse que percebo mais desse estado de espírito no À Prova, como se nele não houvesse nada além do prazer de filmar, do metamorfosear abrupto das cores, a partir da absorção de rudes corpos por suas lentes.
Tarantino, dessa feita, menos cita ou reverencia do que incorpora o estado de espírito de certos filmes de cinemas abandonados do passado, como se fosse um dentre eles, enquanto, gradativamente, irá lhes sobrepondo um visual mais apurado, sem sacrificar a inicial e plena internalização, de tom bruto e espontâneo. Como esteta “de baixo para cima”, menos cínico do que afetuosamente rude, a imagem prolonga uma digressão a apontar desde as primeiras imagens pós-créditos levadas quase à exasperação, ao inserir-se em nulo eixo narrativo. Imagem bruta modulada pelo lúdico. Licença poética, porém com nada de querer agradar ou bajular o espectador convencional ou tipicamente cult, ”esperto”.
O texto da Bravo parece dizer todo o tempo que o filme é genial, já que se trata mesmo de Tarantino, como se a grife, em si mesma, já contivesse o atestado de grandeza. Mais ou menos assim: “para que nos determos na obra, se o nome seria maior do que a mesma?” Garantia predestinada do objeto. Tal qual no caso de Lou Reed, era como voltar à foto da reportagem de mãos vazias.

Mas como nem tudo é programada assepsia nesse mundo, salva a reportagem sobre três grandes pianistas brasileiros. Dessa feita, são as declarações dos próprios instrumentistas que orientam o tom da matéria, conferindo substância à revista, praticamente como se não houvesse mediação de críticos ou jornalistas. Arnaldo Cohen, que interpreta Liszt, traz belos insights: “O romantismo, para ele, não é algo puramente emocional. E continua: “Penso nessa escola estética como um artesanato das emoções organizadas”.
À frente: ”Liszt mostra que o grande piano é aquele que, justamente, não soa como piano. No final da única Sonata que escreveu, ele escreve um crescendo com pleno conhecimento de que o piano é um instrumento percussivo e que, portanto, não se pode obter esse efeito. Através de notas trêmulas, ele, no entanto, consegue mimetizar uma orquestra”.
E conclui: “Sou um defensor ferrenho da obra de Franz Liszt. Para mim, ele é um exemplo de liberdade de expressão. Sabia carregar nas cores, tanto do ponto de vista do intelecto, quanto do emocional... uma ponte entre tudo e tudo”.

Terminada as declarações, a Bravo podia voltar agora à condição decorativa de revista “de cultura”. Joguei-a ao lado, hesitando a dispô-la como enfeite em minha sala, ou oferecê-la, com mesmo propósito, a um amigo dentista. Recortei a reportagem de exceção, mas acabei por doar, por fim, a revista ao amigo. Já que, talvez, naquela sala, entre Caras, Novas, Vejas e bocas, estaria cumprindo seu papel “cultural” em festival pré-selecionado da mídia brasileira.

Ps. Como a Bravo é da Editora Abril, bom deixar aqui registrado que o grupo acaba de comprar o sistema Anglo de ensino. Vamos Abrilzar um pouco mais, como fiéis herdeiros de Victor Civita?

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