quarta-feira, 17 de agosto de 2011

O Rei da Comédia-2- digressões

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Trechos de uma postagem minha de início de blog:


Uma espécie de livre ensaio sobre a ânsia pela fama, em "O Rei da Comédia" De Niro parece fugir ao padrão mais "viril" dos demais filmes realizados com o amigo Scorsese. Mas não nos enganemos. Trata-se de um homem propício a violências mil.

A primeira delas, segundo o filme, é a de viver sempre no universo do espetáculo, dentro ou fora do proscênio. De Niro encarna aqui um clown de marca maior, mais Arlequim do que Pierrô, sujeito a delírios possíveis e impossíveis de grandeza. A rigor, um homem banal que se vê como Rei.


A chave com que Scorsese trabalha em "O Rei da Comédia" é a da ironia, a roçar sempre certo horror no vazio, como bela denúncia dos tempos. E o que haveria de mais atual do que a banalidade tornada púlpito encalacarado ?


Por outro lado, será a personagem sequestrada por De Niro, de alguma maneira, inocente? Ou aquilo que o cômico vivido por Jerry Lewis mais tema seja justamente o que não passaria de uma descarga da matriz, igualmente cínica e demente- a chamada indústria cultural e sua lógica implacável?


Parecerá, portanto, que essa insana atitude de amordaçar o rei corresponda ao comando do velho Maquiavel- o príncipe: os fins justificam os mídias. O que importa para De Niro, afinal, é chegar lá.



Pai e filho bastardos


Esse tipo de veículo, por sua qualidade hipnótica, não deixa de encarnar, de certa maneira, um certo paternalismo- ainda que mal assumido.

No filme, o protagonista ainda vive com a mãe e não há resquícios de pai em seu lar. Logo, Jerry, o raptado, não passa de um pai simbólico para De Niro, sendo a atitude do clown meramente reativa frente ao poderio de Papai. (Mas composta de uma violência afim ao veículo midiático em pauta).

Por esse lado, "O Rei da Comédia" não deixa de abordar uma violência entre grupos, gerações. O que se dará, afinal, é uma substituição de poderes em mesma moeda. De Niro passa a ser o novo Príncipe da mídia, com sua molequice perfeitamente adequada a um veículo com idade mental um tanto cínica e estagnada.



..É sabido que Scorsese, de início, recusou o "argumento", até o momento em que, instintivamente, percebeu como coerente seria ao tipo de mentalidade instalada.

Nesse caso, o personagem vivido por Jerry Lewis pode representar o próprio gênio ator, defasado frente ao reino do cômico "freak", escancarado, tornado mistificação.
No entanto, o filme de Scorsese evita qualquer estado de espírito que remeta à nostalgia. Seu filme é lúcido e bem humorado.

Desse difícil equilíbrio, entre o ácido e o bem humorado, a insanidade e a sobriedade se dá o fino jogo de "O Rei da Comédia": uma brincadeira-interação inteligente com o espectador.

Afinal, De Niro e Scorsese encenam, na verdade, para nós, a reivindicar nossa atenção e percepção.

Além de brilhante- em todos os sentidos- talvez o filme mais atual de Martin Scorsese.

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