quinta-feira, 30 de setembro de 2010

A Comunicação como (Re)produção do consenso ( Parte Um)






"O que se nota é que a qualidade de vida está associada a um estilo de vida, uma modalidade comportamental, ou seja, no atual contexto essa busca pode ser considerada uma imposição social para se obter o corpo perfeito com dietas, alimentos orgânicos e tratamentos alternativos para que os indivíduos se sintam pertencentes a determinado grupo e respondam aos anseios da sociedade.

Essa apologia do corpo perfeito é uma das mais cruéis fontes de frustração de nossos dias. É o que aponta a doutora em Psicologia pela Universidade de São Paulo (USP), Lilian D.Graziano. “A busca pelo corpo perfeito já é um agente agressor”. O que se observa é a escravidão das pessoas por um modelo inalcançável de beleza rotulado muitas vezes como saudável.

Já para o professor da Universidade Federal de São Carlos, Richard Miskolci, a ideia de qualidade de vida estabelecida hoje opera por um meio ainda mais perverso e eficiente. ”Vivemos em uma era em que o poder opera pela sedução. Somos constantemente convencidos e incitados a desejar este modelo de vida em que, por meio do consumo de técnicas e informação especializada, teríamos acesso à aceitação social plena. Esta busca contemporânea revela como, por trás do termo qualidade de vida, reside a busca conservadora de adequação a modelos propagandeados pela mídia, pelos “saberes” médicos e técnicos sobre o corpo, mas também de normalidade psíquica compreendida como conformismo político e comportamental.”

Assim, numa cultura contemporânea dominada pela mídia, os meios de comunicação são uma fonte profunda e muitas vezes não percebida de pedagogia cultural, pois contribuem para ditar padrões de como se comportar, o que pensar, comer, em que acreditar, o que temer e desejar. Somado a isso, vivemos em tempos da ditadura da magreza, da lipoaspiração, intervenções plásticas radicais - cada vez mais precoces-inibidores de apetite e soluções supostamente mágicas para manter o corpo esbelto. “Qualidade de vida, portanto, pouco ou nada tem a ver com ausência de doenças, antes como culto fascista da saúde compreendida como adequação a valores hegemônicos, o acesso ou suposto acesso a um privilégio de grupo que se confunde - muitas vezes - com um “racismo” da normalidade, do corpo ideal, da reprodução do que a sociedade tem como mais hegemônico. Por essa razão, é observado que os espaços que buscam captar e informar acerca dos fatos sociais atuais não conseguem uma identificação entre o exibido e o referente, o que existe é um fluxo na realidade, de onde os fatos são recortados e construídos, obedecendo a determinação ao mesmo tempo objetivista e subjetiva que vai além.

Tudo isso diz muito claro sobre as relações entre poder e a dinâmica social. O que deixam de lado e querem que as pessoas ignorem é o potencial mobilizador e transformador social desse fenômeno: que qualidade de vida seja tomada como um método, uma regra, um objetivo a ser buscado em todas as instâncias da vida social."
(Por Robson Rodrigues)

Foram observados aqui mecanismos utilizados por meios de comunicação, tendo em vista a produção de consensos, "prefabricados" histórica e imageticamente(Exatamente,a faceta da comunicação como produtora do consenso em que seres não se afirmam,mas mostram a necessidade desesperante da autoafirmação.).
Uma introdução para a postagem que virá em breve, procurando desdobrar um pouco desses processos em curso, a fim de notarmos como não nascem, simplesmente, de uma hora para a outra.

sábado, 25 de setembro de 2010

Cinema da exceção




O Centerplex daqui passa o último Shyamalan chamado O Último Mestre do Ar, ao que dá pra pensar: enfim, algo que deve valer o sacrifício de ir ao único-e fora de mão -espaço instituído de projeção cinematográfica da cidade. Até que, por mais uma vez, dou de voz com a espécie de secretária eletrônica a me informar e ditar: dublado. O que entendo por nublado.
Certa feita, desloquei de minha casa, que fica bem ao largo do cinema, passando pelo fétido córrego da Universidade - onde está escrito f...leia-se fedorento mesmo - para assistir a um Tim Burton,também nublado. Sessão da tarde é a sensação. Assisti (melhor, não assisti) com tamanha raiva, que somente uns meses a seguir viria a reconhecê-lo como valor de obra (Trata-se de A Fantástica Fábrica de Chocolates).
Há os nacionalistas a dizer que gostar de filme dublado é valorizar a nossa língua.Ok, contanto que se trate de filme brasileiro,já que o dublador não participou do processo de filmagem e nisso, mal deve ter captado o estado de espírito da coisa,nublando. Isso pra dizer do caso de direção,ou seja, dos que merecem ser tratados como diretores nesse cenário.Pois em outros casos tanto faz e confesso que aprecio as dublagens em animações. A turma daqui é muito talentosa, e se a animação é boa, melhor que as crianças entendam, mesmo sendo nós as tais “crianças”.

Ninguém tem nada a ver com uma leve frustração de um blogário. O que pode ser dito é que Shyamalan, até certo tempo, não significaria muita coisa pra esse espaço. Aliás, também mal assistia a seus filmes, como ocorre com a leitura de um Paulo Coelho, guardadas as devidas(e enormes) proporções, inclusive de vendas.

Com Sinais, as coisas mudam como representatividade para esse espaço, em que detenho algum tipo de poder no palavrório. A mídia, até então, tratava o diretor de herança indiana como um novo Spielberg. Mas, ao assistir ao filme Sinais, os alienígenas mal compareciam. Tratava-se de uma ameaça real, ou de uma subjetividade que ganharia um cunho mais coletivo - não necessariamente coletivista? Em todo caso,um aspecto que se repetiria por várias vezes em sua obra.

Nessa em questão, o ET não é glorificado,idolatrado, como um belo “de fora” a nos salvar, herdeiro da política espiritualista da Nova Era, mais conhecida como New Age. Tal ser, mitificado em outros cineastas,como tentativa de salvação também das bilheterias de cinema, comparece em vestígios,ou imagens em reflexos. Tampouco suscitará,em si mesmo, prova de grande perversidade.Somente um estranhamento a se situar entre certo horror, tênue piedade,ou sei lá o quê mais, o que dependerá da argúcia de cada espectador. Tal estado representativo, aparentemente “nulo”, carrega consigo algumas questões. Dentre elas, se o ser que nos aparece como refletido “Em algo” seria, ele mesmo,nada além de um estranho em nós, como reflexo, a rigor,“De algo”?

O fato é que o poder de nosso olhar,sua onipotência condecorada em fábulas habituais é,no mínimo, relativizado. Os únicos a poder parir alguma fábula viável hoje - um pouco como no caso do cinema iraniano de Abbas Kiarostami-, seríamos nós, os espectadores,uma extensão de Mel Gibson, o protagonista impotente, ao contrário dos papéis que o consagraram?

Alguns dirão que nada disso importa, que não seria essa uma “crítica séria”, se é que se trata mesmo de algo com objetivo tão “ambicioso e quase inalcançável”. Em todo caso, prossigamos teimosos. O que foi dito até o momento já não seria alguma das constatações a serem feitas em um sucesso como O Sexto Sentido? Onde, a rigor, importaria menos a revelação ou reviravolta do roteiro, do que a constatação de que o olhar do protagonista e, por extensão, o nosso em uma fábula é paulatinamente desconstruído. Bruce Willis, psicólogo,homem do suposto saber que, em seu olhar conjugado ao do espectador, pensa ver os seres, entre eles, uma criança que, por sua feita, e talvez por certa nudez no olhar,é quem deve enxergar -não ver- um pouco melhor.

Em A Vila, o diretor, com maior independência após alguns sucessos, decide por "chutar de vez o balde". Com isso, perde adeptos e, entre eles, os que o viam equivocadamente como um novo Spielberg. Em outros termos,o que já era contemplativo e insólito é radicalizado. O roteiro torna-se minguado, a meditação das imagens se impõe em um ambiente que, de início, parece não pertencer a ela. Há algo na relação dos personagens com os cenários, intercalando espaços interiores e exteriores em um trajeto telúrico dos seres. Desmascara-se o artifício do terror na fábula, e o suspense estaria em ficarmos presos unicamente ao inusitado das imagens.
No périplo, uma cega - a criança dos adultos-, que pode enxergar. Simbolicamente, a única a poder levar alguma possibilidade de cura para a aldeia,justamente por ser cega. Se olhos cansados ou cínicos carecem de reinjeção, por outro lado, nada aqui opera como retórica, mas silêncios, matagal e mistério. Interstícios.

No penúltimo trabalho do diretor- Fim dos Tempos- repete-se o clima de apocalipse do filme Sinais. Nota-se a incomunicabilidade, com personagens em um estado de nudez, mas que só irá até aonde tal cinema permite. O diretor, por uma vez mais, anula os álibis, e os trajetos se afirmam como unicamente provenientes de seu detido trabalho de direção,de experimentação em cinema,independente de ser ou não esse um filme de gênero. Tempos mortos,sentido raro dos ambientes e da relação dos personagens com seu entorno, normalmente ao ar livre. A meditatividade construída num espaço/tempo que caberá somente ao espectador recompor, se e quando possível.

A suposta redenção, com o encontro do casal focado à distância, sem os habituais campo/contracampo, ou sequer planos americanos reafirmam um clima de não invasão do mistério dos indivíduos e suas relações. Se a obra parece reduzir o clima de horror aparente, também não será a mesma a entregar a solução. Imagens,ao final, congeladas, que se contrapõem e se somam às imediatamente anteriores, de aparente redenção. Ambas breves no interior dos planos,dentro de uma lógica de estranhamento e profusão de signos na montagem.

A Dama na Água,o trabalho anterior, chegou a ser criticado como “filme tolo”. Afinal, o que pensar de uma história baseada em um peixe-fêmea(não o Peixe Grande, de Tim Burton, mas cabe uma analogia),a mobilizar uma narrativa? Ou um prédio, estilo condomínio fechado, filmado e fotografado em luz baça. Entrópico quanto a aldeia de A Vila, ou a família de Sinais. Alocamento de frustrações, sentimentos de perda. Pra completar, entre os moradores, um cínico crítico de cinema, atento aos clichês que pensa dominar.

Ao valorizar o processo das palavras, da dita oralidade, o filme restitui aos demais seres- e seu cinema- um estatuto, enfim, materializável. Há a interseção entre os vários apartamentos, com as palavras constituindo camadas telúricas no “cinema de histórias.” E, como tais, reconstituídas em camadas de segredo.
É um pouco assim que Shyamalan trabalha. Revira clichês, retrabalha o estatuto das imagens, instaura dúvidas em um olhar pretensamente onipotente, ou resgata a substancialidade das palavras. Por ter seguido, aos poucos, um coerente percurso de desconstrução do cinema roteirístico - seja de atuais certezas industriais, como intelectualistas-, instaurou um novo sentido de desaprendizagem/aprendizagem na representação do tempo para o cinema ocidental ou norte-americano, conduzindo o foco para o interior dos planos, tanto quanto para ambientes em construções prolongadas e silentes de espacialidade.
Contudo, nada disso negaria o aspecto de fábula desse cinema,fosse por vergonha ou pudor.Passando ao largo de uma postura meramente defensiva,o preço torna-se ainda mais alto.Melhor para a arte.

terça-feira, 21 de setembro de 2010

Comunication Breakdown






Como temos trabalhado no arco profissional do Projovem Urbano,o eixo temático Comunicação, não dá pra fugir dos chamados meio de comunicação de massa,como a famosa TV,for exemplo. Embora,a meu ver, a comunicação, conforme o contexto que a temos estudado, pressuponha alguma interlocução ou interação.

A tv fala comigo,mas não costuma me dar ouvidos.Com as raras exceções de programas que aceitam cartas de telespectadores, muitas delas lidas na hora.

O caso brasileiro tem suas especificidades,não somente por seus canais terem sido gerados via concessão, como também pelo fato do país nunca ter respeitado a lei anti-trustes, e muito menos a máxima de que, quem produz, deve evitar exibir e vive-versa.
Ainda assim, dentro de um sistema do arco da velha, alguém dirá: há o controle remoto.

Ok.Mas não sejamos ingênuos ao pensar que, mudando de um canal para outro,estaríamos evitando uma profusão de falácias, ou outras formas de concentração enorme de poder como a anterior, num contexto que se nomeia como de pluralidades.Somente-se for- no caso da pluralidade de um polvo,com suas várias garras, sem ainda apelar para os Mil Olhos do Dr.Mabuse,o hipnotizador mais consagrado do cinema.

Há quem, na defensiva, queira contra-atacar, retomando a velha conversa de censura.Mas se esquecendo,infelizmente,que a dita cuja já existe,e muito bem.Para o que bem lhe convém.

"No Brasil, o Sistema Central de Mídia é estruturado a partir das redes nacionais de televisão. Mais precisamente, os conglomerados que lideram as cinco maiores redes privadas (Globo, Band, SBT, Record e Rede TV!) controlam, direta e indiretamente, os principais veículos de comunicação no País. Este controle não se dá totalmente de forma explícita ou ilegal. Entretanto, se constituiu e se sustenta contrariando os princípios de qualquer sociedade democrática, que tem no pluralismo das fontes de informação um de seus pilares fundamentais.

Desde a década de 60, a configuração do sistema de redes nacionais foi sendo construída com duas características básicas: forte apoio dos recursos públicos e um modelo de negócios baseado na afiliação de grupos regionais privados a esses conglomerados nacionais. Até hoje, cerca de um terço das prefeituras municipais e outra parcela substancial de empresas públicas estaduais financiam a interiorização dos sinais das redes comerciais.

O gráfico mostra o número de veículos ligados às redes nacionais de TV identificadas pelo projeto Donos da Mídia. E, por exclusão, aqueles que não possuem relação de dependência com elas. Considera-se veículos vinculados às redes nacionais todas as emissoras de TV geradoras ou retransmissoras do sinal da cabeça-de-rede. Além disso, estão incluídos todos os demais veículos controlados pelos grupos regionais afiliados. Neste último bloco, são contabilizadas as estações de rádio, jornais, revistas e operadoras de TV por assinatura.

34 é o número total de redes de TV no Brasil
1511é o total de veículos ligadas às redes de TV e a seus respectivos grupos afiliados no País.

Veículos vinculados às redes

O registro abaixo mostra a proporção entre veículos vinculados às redes de TV e veículos independentes.

das redes de TV

Rede
Veículos Globo
340
-
SBT
195
-
Band
166
-
Record
142
-
EBC
95
-
Rede TV!
84
-
MTV
83
-
União
66
-
PlayTV
63
-
RecNews
42
-
Cultura
40
-
Família
27
-
Sesc TV
20
-
Aparecida
17
-
CNT
14
-
RBT
14
-
Vida
13
-
Canção Nova
12
-
Gênesis
11
-
Gospel
11
-
Gazeta
11
-
RMTV
10
-
RBN
10
-
Rede Diário
7
-
MixTV
5
-
RIT TV
4
-
Mercosul
3
-
Nazaré
2
-
Séc. 21
2
-
Shop Tour
1
-
NGT
1
- "

Agradeço ao blog Os Donos da Imprensa.
O propósito aqui não é demonizar a tv,mas informando,problematizar um pouco-quem sabe?- um sono hipnótico.

sábado, 11 de setembro de 2010

Os Portugueses Brasileiros- Questão de Língua(s)




Quando Marquês de Pombal definiu que haveria somente uma língua no Brasil,a oficial,o que teria ocorrido com as demais línguas que por aqui circulavam? De um lado, o português mais empolado, lusitanista da “Casa Grande”. De outro, na "cozinha",a fala do dia-a-dia, mesclada e sem amarras.

Aquele que gostaria de alçar um novo posto, ou seja,o “novo rico” daqueles tempos, ou pretendente a algo do tipo, situava-se como um purista no vernáculo.A língua sendo dinâmica como ficaria o recalque dos demais dialetos e expressões com suas mutações inevitáveis? O funcionário público almejava seu status social por meio do “bem falar” e do “bem escrever”.Os Sarneys surgiram dali, como um grande contingente de brasileiros com medo de se instalar na cozinha da nação.
A questão do recalque social, em termos até sexuais, foi consumada via misturas, já que “o patrão” não suportava muita das vezes o sexo com sua puritana senhora que havia apreendido de portugueses católicos que só poderia ser na base de “luz apagada, fôrma de estátua” e muita, muita,no caso feminino, anulação do prazer.Autoanulação.
Chica da Silva, (ex) escrava, foi uma a inverter parte do processo escravagista, em sua mente e corpo. Mas, por ora, passemos...

A Lingüística ajudaria e muito, mas com o tempo,a compreender que não existe a tal “Língua certa”,absoluta, mas várias delas. E que o gramatiquês não seria a única forma de expressão nacional, nem de outras.
Certamente que com o ranço dos poetas parnasianos em claro desgaste, Mário de Andrade, Manuel Bandeira, Oswald de Andrade, entre outros, procuraram não desvencilhar a arte da vida,linguagem escrita de oralidade, junto a uma ótica crítica a respeito da visão colonialista que imperava por aqui; ou ainda impera, a despeito da Lingüística?

Mas os artistas e intelectuais paulistas não foram os únicos sintonizados com uma visão menos fechada da expressividade “do verbo”, a redigir manifestos, recolhendo vaias,publicando livros e revistas, cujos frutos ainda estamos a colher, sob a faceta de um Brasil arcaico,autoritário e preconceituoso.

Fora do âmbito tipicamente intelectual,músicos que não participaram nadinha do movimento fariam em silêncio sua própria “revolução”.De um lado, migrados da Bahia ou herdeiros da mesma que,na fusão África/Ocidente, praticavam um som de tipo mais acelerado, não raro na base de improvisos. Caso de músicos estudados,tais como Sinhô ou Pixinguinha. De outro,o que viria a se chamar samba carioca, plasmado no morro por gente como Cartola,Ismael Silva e “cia”,sem a aceleração dos primeiros e à base de instinto musical.
Nesse segundo quadro, se inscreveria o jovem Noel Rosa,em convivência com o espaço de amigos e colegas, negros ou mestiços, essa “má gente”,segundo uma ótica perversamente enraizada. O tal samba carioca criado por Cartola e cia viria a dar, posteriormente,em Tom Jobim e João Gilberto, com as decisivas nuanças na radical fusão do popular com o erudito e o jazz.

Bem antes das letras da chamada música popular brasileira se tornarem “respeitadas”, devido a um poeta oriundo de um meio “mais erudito” chamado Vinicius, o garoto de Vila Isabel matutava o poema irônico, cheio de humor, crítica, coloquialidade e poder de síntese. Ou seja, um novo tipo de lirismo se desenhava pelas canções como obra de um autêntico modernista, embora sem vínculo algum com os literatos artistas de São Paulo. Caso semelhante ao de Lamartine Babo.

Noel compôs a maior parte de suas obras-primas com o compositor-incluso, claro, harmonizador-, Vadico. Enquanto o segundo ficaria a cargo da música, Noel imputava-lhe inovadoras letras. Pesquisadores rigorosos da obra e vida de Noel,como Almirante e João Máximo, não chegam a considerá-lo o melhor compositor da chamada Era de Ouro da música popular brasileira, embora, para a maioria deles, seja impossível se calar diante do arrojado dom poético e(digo eu),de qualquer gravação de suas músicas, com ou sem parceria, por gente como Aracy de Almeida,ou Elizeth Cardoso acompanhada dos dedilhos de Jacob do Bandolim na obra-prima “Três Apitos”.Canção descoberta somente após a morte prematura do artista.

Em todo caso,não somente de Rio de Janeiro viveria essa arte. E para contrariar Vinicius de Moraes, “poeta erudito”, em sua ótica pejorativa a respeito do samba paulista, haveria,for exemplo,Paulo Vanzolini e Monsieur Adoniran Barbosa.O mesmo Adoniran a ser tratado com desdém pelo citado escritor, constrangido com “erros de português” em suas letras. Seriam, aliás, “erros”,sobretudo quando propositais? Ou Adoniran haveria compreendido com rara largueza de visão, em lapidares construções,uma conquista tipicamente modernista(que, independente disso,era a sua), mais do que aquele artista,aparentemente oriundo do movimento paulista e amigo íntimo de Manuel Bandeira?

Adoniran seria uma espécie de Noel Rosa de Sampa? Talvez mais perspicaz frente aos aspectos sociais de sua cidade,sem que isso em nada prejudicasse sua poesia,avessa ao “gramatiquês”, a passar bem ao largo do que poderia se constituir como samba social acadêmico.
Enfim, dois poetas/cronistas,imersos na contingência da melhor arte popular brasileira, em conexão com o dinamismo de um lexo e suas sintaxes, por meio de estética rítmico-sonora, melódica ou verbal,em chave progressista. A androginia do canto de Noel equivalendo à do inovador Mário Reis, e a cacofônica rouquidão de Adoniran a reforçarem os fluxos da língua e da arte.

terça-feira, 7 de setembro de 2010

O Choque imagético em questão(Impossibilidade ou Possibilidade da imagem curricular)




Há tempos em que se fala em letramento-melhor,na falta dele-,enquanto vivemos uma cultura do audiovisual,em que os cortes são cada vez mais rápidos.

Não consigo imaginar muitos da nova geração assistindo a um filme de Antonioni,por exemplo.

Observa-se um energia corporal frenética nos jovens, ao mesmo compasso dos cortes presentes nos filmes industriais,videoclipes,videogames,tv,etc.

E os alunos se sentem menos motivados para desafios.

Mesmo quando não usuários das ditas drogas,outras tomam seu lugar,influenciando a mínima concentração,entre outros fatores.

A distração pode ter seus frutos,claro. Embora,por vezes,como no caso aqui a refletir,a coisa parece ir além. Muitos,incluindo adultos, parecem entorpecidos frente ao bombardeio das imagens na chamada Era da Cibernética.

E,nesse quadro,pouco se fala em analfabetismo visual.

Em algumas boas escolas já se analisam imagens paradas,gravuras,quadros,colagens,recortes...Mas quanto à imagem em movimento,ou melhor,-em ultra-movimento-,que é a predominante no mundo,permanece um silêncio estratosférico.Omissão ou desconhecimento?

Sem querer aniquilar com o mais que necessário letramento,sugiro a aprendizagem de leitura dos diversos registros possíveis de uma imagem,como parte integrante de nosso currículo escolar.Afinal,como nos situarmos diante desse universo hegemônico,sem um mínimo de ferramentas ou de um belo treino de sensibilidade crítica?

Não creio ser o primeiro a sugeri-lo e,quem sabe um dia a coisa pegue.Christoph Türcke engrossa o caldo da discussão em seus livros,como se nota nessa reportagem para a Folha:


"Pensador alemão diz que pessoas se viciam em tecnologia como em heroína"


"A sociedade do espetáculo do pós-Guerra se transformou hoje na sociedade da sensação, mergulhada num excitamento contínuo de efeito similar ao das drogas.

Essa alarmante tese high tech é defendida pelo filósofo alemão Christoph Türcke, que estará em São Paulo na semana que vem para lançar os livros "Sociedade Excitada" e "Filosofia do Sonho".

Se o marxista francês Guy Debord atacou o consumismo em sua obra pioneira de 1967 ("A Sociedade do Espetáculo"), Türcke defende que o aprofundamento da revolução tecnológica, no final do século 20, provoca um frenesi viciante de "choques" imagéticos e visuais.

"Trata-se de injeções sensuais", afirma na entrevista abaixo à Folha.

Assim como as drogas evoluíram em potência --do ópio para a morfina e heroína, das bebidas fermentadas para as destiladas--, a "metralhadora audiovisual" contemporânea provocou um aumento de dependência por parte de seus "usuários". "Isso é o que chamo de distração concentrada."

Herdeiro da Escola de Frankfurt, que fundia marxismo e psicanálise, Türcke conclui que a sociedade da sensação se materializa no fetiche. Pois, diz, "fetiches são sintomas de abstinência, substitutos de algo de que se foi dolorosamente privado".

Folha - O conceito de "sociedade da sensação" não é intelectualista demais?

Christoph Türcke - Pelo contrário. Parte de um ponto de vista sensualista, para não dizer fisiológico.

Avalia como a máquina audiovisual, que emite seus choques imagéticos 24 horas por dia, se impõe ao sensório humano. Tais choques, que se vive com cada nova focagem de câmara, têm o efeito de injeções sensuais.

Como assim, injeções sensuais?

Qualquer corte imagético, qualquer nova focagem, tem o caráter de um projétil, como diz Walter Benjamin [1892-1940]. Penetra no espectador abruptamente, desencadeando uma dose de adrenalina.

Como o vício define a sociedade da sensação?

Vício como fenômeno particular --como dependência física de certas substâncias (drogas)-- está modificando um fenômeno geral, pois a máquina audiovisual também vicia.

Quem presta atenção à tela se dedica a ela, vive uma dependência crescente dela, vincula suas expectativas, sua economia emocional e intelectual a ela.
Assim como o drogado aplica injeções de heroína, uma sociedade que depende da tela se expõe a bilhões de choques imagéticos.

O choque singular é mínimo, quase imperceptível e não faz mal. Bilhões, no entanto, destroem justamente a atenção que elas atraem magneticamente.

Então, em um mundo conectado como o atual, as pessoas estão virtualmente viciadas?

O vício é real. Surge em organismos físicos, não num agregado de pixel.
O mundo virtual tem sua própria realidade, uma realidade prepotente, mas por outro lado fraquíssima, muito fugaz, não consistindo senão numa constelação de impulsos eletrônicos. Ao desligar a eletricidade a virtualidade inteira desaparece.

Citando Trótski, o sr. propõe uma relação íntima entre igreja, cinema e álcool. Qual a razão disso?

Trótski não percebeu o alcance da sua própria observação. O vício tem um subtexto teológico. Cada nova injeção atua como promessa.
O viciado quer cada vez mais, é insaciável, pois quer viver "o inédito", que o vem salvar. Igreja, cinema, botequim: todos os três nutrem expectativas de salvação, cada um deles à sua maneira.
O ateu Trótski tentava tirar a classe operária da aguardente ao reuni-la no cinema. Era a sua igreja.

O sr. diz que, com a invenção do destilado, destruiu-se a cultura do beber e também que a vitória da morfina e da heroína sobre o ópio mudou o padrão do "frenesi", devido à multiplicação do efeito tóxico. Quais as implicações disso para a sociedade contemporânea?

Quanto mais forte, mais rápido o efeito. As drogas desenvolvem-se segundo as necessidades gerais de aceleração.

Então novas drogas, tanto químicas quanto "tecnológicas", deverão necessariamente se desenvolver?
Se forem lucrativas, sim.

Parafraseando o "Manifesto Comunista", de Marx e Engels, o sr. afirma que as pessoas não suportam "o peso da sobriedade". Essa é uma característica da sociedade da sensação?

É. Marx e Engels não eram ascéticos, mas apostaram no domínio da razão sóbria, isenta de qualquer ópio físico ou metafísico.
Eram, em outras palavras, racionalistas ilusionistas, subestimaram o homem enquanto ser pulsional que nunca vai se livrar de todas as expectativas de salvação.
Não adianta recalcar tais expectativas, trata-se de lidar com elas de modo racional e reflexivo. Mas o sensacionalismo de hoje não dá espaço a tal reflexão. A metralha audiovisual torna o desvio o caminho principal.

Então a "metralhadora audiovisual" liquida a perspectiva de alguma salvação?

Não necessariamente. Não vivemos num mundo predeterminado. O livre arbítrio não está liquidado. As forças dominadoras sempre provocam forças de resistência, tanto em termos educacionais quanto sociais. A história continua em aberto.

O sr. é um crítico da "dupla estratégia" do Greenpeace, de criticar e condescender? Qual a implicação disso para o movimento ambientalista?

Constato, não critico a "dupla estratégia".
Observo, porém, que ela sempre indica fraqueza social. São minorias que têm necessidade de usá-la.
Organizações não governamentais como o Greenpeace agem sob as mesmas coações comerciais que as grandes empresas.
Elas têm que colaborar com forças sociais que, ao mesmo tempo, estão combatendo. Não escapam da ambiguidade. Entretanto, isso de nada serve se não arriscar o ambíguo.

A vida é sonho?

Seria bonito. Mas não é assim. A vida é um conjunto de vários estados. Um deles é o sonho. Representa o subsolo da nossa vida, É a massa de fermentação de todos os nossos desejos, planos, projetos.
Ninguém aguenta a vida sem sonho. Sem sonho não há esperança, não há humanidade."

segunda-feira, 6 de setembro de 2010

Pirataria, Esporte,Poder Concentrado





“ A Fifa e sua política de Poucos, mas bons”


"Acabou a Copa, e a maior entidade esportiva do planeta faz as contas de quanto lucrou com a divulgação de seu seleto grupo de patrocinadores, que os executivos da área de marketing da federação chamam de “poucos, mas bons”.
Pra valorizar a marca World Cup, A FIFA adota a política de não fazer negócio com "qualquer um."
E para proteger as marcas que a ela chegaram vale tudo.


A pedido (ou a mando) da FIFA, o governo da África do Sul montou um tribunal onde o sujeito era julgado em tempo recorde (no mesmo dia do delito), uma juíza de Johanesbugo disse nunca ter visto nada parecido e que estava maravilhada com aquela ideia inovadora da entidade. O objetivo da FIFA com essa atitude era combater a pirataria, que segundo o comitê organizador da copa chegou a tirar de circulação mais de 70 milhões de euros em produtos pirateados e centenas de pessoas detidas na comercialização de tais produtos. Esses cálculos foram feitos como se os produtos fossem oficiais, como se as pessoas que compraram os produtos piratas fossem comprar o oficial caso não tivesse o pirata.

Vamos lá, uma camisa oficial da seleção brasileira no Brasil foi vendida durante a copa por 189,00 reais, pouquíssimos torcedores têm condição de vestir uma camisa oficial da seleção.
As camisas “falsificadas” e vendidas nos lugares “ não credenciados” por 40,00 reais, quando são apreendidas entram nesse cálculo absurdo.
Na Copa do Mundo na África não se pôde vender, comprar ou consumir nenhum tipo de produto que não fizesse parte da política da FIFA...

... Quem não tem poder de compra, que não compre! É exatamente assim que a FIFA pensa, pois a política de “poucos, mas bons” não vale somente para as empresas que querem vender seus produtos, mas também para quem quer comprar.”
(Por Mc Leonardo)

quarta-feira, 1 de setembro de 2010

Caixa





Estão procurando lançar a obra completa de Ary Barroso em formato resmasterizado. Mas, por ora, não há quem assuma algum investimento, seja via apoio público ou da iniciativa privada.
Foco a imaginar o tempo levado para a consumação de um trabalho que, segundo consta, respeitaria as nuances das gravações originais.Barroso ficou mais conhecido pelo samba-exaltação (caso de Aquarela do Brasil, entre outras), embora sua obra não pare por aí.
Foi fértil em vários campos. Cantou a Bahia com rara vivacidade e complexidade musical, como em Na Baixa do Sapateiro, Os Quindis de Iaiá, No Tabuleiro da Bahiana...

Há a não tão enfatizada faceta da crônica nacional, como em Camisa Amarela. Enveredou pelo terreno da crítica social (Terra Seca era, aliás, sua composição favorita), para não falar no regionalismo de Maria, Caboca ou Rancho Fundo. Essa última feita em parceria com Lamartine Babo.

No campo da letra, Ary era respeitoso para com o senso de simplicidade, o que pode soar como ingenuidade, sem tomar tal palavra como algo pejorativo. Musicalmente, como Antônio Carlos Jobim, foi estudioso dos clássicos antes de partir para o terreno popular, tendo levado seu background para o “gênero”. Antes de emplacar como compositor, acompanhava, ao piano, os filmes nos cinemas da época. E, também como Jobim, foi inovador na música popular brasileira, contando quase sempre com orquestras das do porte de Fon-Fon.

Tomemos uma música como Na Baixa do Sapateiro. Executar algo supostamente singelo torna-se, na mesma hora, um gigante a ser domado pelos músicos. Já vivenciei o fato por mais de uma vez.

A obra de Ary Barroso talvez tenha sido a mais calorosa a se inscrever por essas plagas. Repleta de cores - em música e letra-, a compor quadros vivos, pulsantes, com suas quebras complexas de ritmo em inovadores molejos.

Que alguém acorde para um empreendimento que demanda tamanho esforço de resgate de uma obra de quem, tendo influenciado Tom Jobim, como o mesmo, permanece atual.
Uma palavra para suas partituras ou “pinturas sonoras”? Exuberância – com a doce precisão do definitivo.