terça-feira, 30 de novembro de 2010

João Pereira Coutinho


Ligados à máquina



"... Um exemplo: alguém me apresenta uma celebridade, dessas que são conhecidas por serem conhecidas, e eu finjo que nunca ouvi falar. "Como é mesmo o seu nome?"

O personagem em causa repete o nome, como se tivesse escutado uma heresia. O rosto não mente: a estupefação profunda; o naufrágio iminente; por vezes, a revolta silenciosa, dolorosa; mas, em todos os casos, uma velha insegurança, que vem das profundezas da alma.

Às vezes, quando estou em forma, subo a parada. A pessoa repete o nome. E eu, propositadamente, troco a profissão. Se é um cantor, digo que já o vi numa novela. Se é um ator, confundo com um cantor. É o golpe final na vaidade da criatura.


A minha perversidade não é um traço de caráter. De mau-caráter. É, quando muito, uma experiência sociológica: as pessoas podem ter todos os aplausos do mundo; podem ter legiões de assessores, adoradores e puros escravos; mas se não existe uma personalidade segura e forte por detrás da máscara, qualquer pequena pedra na engrenagem faz tremer e descarrilar a máquina. Eu sou essa pequena pedra.

...Mas nunca esperei encontrar um irmão gêmeo em Michael Foley. Encontrei.

Michael Foley é um filósofo britânico e o seu "The Age of Absurdity" (Simon & Schuster, 260 págs.), que li às gargalhadas numa sala de aeroporto, é um prodígio. Não de filosofia, porque o livro não pretende ser um tratado filosófico. É apenas uma observação perspicaz das nossas loucuras contemporâneas.

E, a páginas tantas, Foley descreve a forma como as celebridades inglesas reagem sempre que ele finge ignorar quem elas são. De fato, a vaidade da natureza humana é igual em qualquer língua.Nem poderia ser de outra forma.


O Ocidente rico e pós-ideológico vive mergulhado numa combinação mortal de desejo permanente e insatisfação permanente. Queremos sempre tudo. Queremos sempre mais. Pior: sentimos que merecemos tudo e temos direito a mais. Mais dinheiro. Mais amor. Mais sexo. Mais reconhecimento. Mais, mais, mais.
Mas, precisamente por querermos sempre tudo e sempre mais, nada do que temos resolve a nossa agônica impermanência.

Nada disso é novo: não existe religião ou filosofia clássica, a começar pela estoica, que não tenha relatado os dramas dessa "dança macabra": a dança do desejo e da sua perpétua insatisfação.

A originalidade de Foley está em aplicar essa verdade aos aspectos mais anódinos do nosso cotidiano, mostrando a "dança" em funcionamento. Nas escolas. Nos lugares de trabalho. E até nas relações pessoais, onde aplicamos o mesmo raciocínio que preside às nossas idas ao shopping do bairro. Se podemos comprar tudo, por que motivo a pessoa que vive ao nosso lado não nos pode fornecer tudo também?

Michael Foley não fica no diagnóstico. Sugere terapia para aliviar essa estranha condição de nos sentirmos como lixo apesar de vivermos em condições materiais com que os nossos antepassados apenas sonhavam.

Mas aqui reside o primeiro mito: a riqueza material é importante; mas, a partir de um certo grau de conforto, a droga não resulta mais.

Robert Nozick, outro filósofo citado por Foley, sabia disso: 30 anos atrás, Nozick pedia-nos que imaginássemos as nossas vidas ligadas a uma máquina. E a máquina simularia experiências altamente satisfatórias, capazes de substituir o vale de lágrimas onde nos arrastamos.

A conclusão de Nozick é glacial: jamais aceitaremos trocar a vida imperfeita que temos pela vida perfeita que a máquina nos concede. Jamais aceitaremos trocar a autenticidade por uma farsa, mesmo que a farsa seja aprazível.

Foley concorda com Nozick. Eu concordo com ambos. Em teoria, e nos momentos de ócio ou desespero, podemos abominar as dificuldades; as responsabilidades; e, no limite, a nossa perturbante mortalidade.
Mas, paradoxalmente, é a dificuldade, a responsabilidade e a consciência do fim que tornam as nossas vidas significativas. "Tudo que é importante é difícil", escreve Foley.

Ou, por outras palavras, de que vale uma máquina de experiências perfeitas se nenhuma dessas experiências foi realmente conquistada e merecida?
Desconfio que as celebridades ocas que encontro com frequência teriam muito a aprender se, de vez em quando, desligassem a sua vaidade da máquina. E viessem cá para fora viver."

(João Pereira Coutinho hilário e sério, em momento inspirado)
(Foto de Blow up, filme de Michelangelo Antonioni)

sábado, 27 de novembro de 2010

Balanço





Passada a temporada de shows de Paul McCartney no Brasil, fico a observar alguns suplementos culturais de nossos jornais.

Certa feita, cheguei a escrever que não aguentava mais ouvir o artista tocar Yesterday, Hey Jude e Let it be.

Hoje, ao ver o público de jovens e mais velhos no Morumbi, me impressiona a vitalidade dessas músicas, sua capacidade de encantar novas gerações, estabelecendo um diálogo intergeracional.

Isso não se restringe, claro, à estratégias de mercado, ao fetichismo do mito, etc. Os clássicos de Paul são modernos, o que não deixa de ser uma redundância.

Todo grande clássico é moderno. Enquanto o que se diz moderno, mas não é tão bom, já é feito para durar pouco, tão logo envelhecendo. A estratégia da obsolescência programada. A máquina precisa girar.

Os celulares são cada vez mais “inovadores”. Aquele que não possui o último modelo é tido como velho, pessoa ultrapassada. O dito “novo”, já nasce velho, pois tão logo será substituído pelo próximo, e daí por diante...

As músicas, os filmes, em sua maioria, precisam muitas vezes aparentar esse ar modernoso de novidade. Nesse fetichismo do “novo”, são esquecidos rapidamente, ou lembrados em reminiscências vergonhosas.

A grana precisa circular a um ritmo incomparável como o tempo.Precisamos do “cálice da juventude”. Alguns não saem das academias. Corpos são cada vez mais “inovadores” e seguem prontos para campeonatos de “beleza e força” para, tão logo, serem jogados “no lixo” da mesmice programada.

Falamos muito em ecologia. Se eu e um cachorro estivermos acidentados na rua, a Sociedade Protetora dos Animais certamente salvará meu amigo de outra espécie.

Falamos em natureza, crescimento sustentável.Dizemos para jogar papel no lixo, o que é uma boa, claro.
Mas, substituindo os produtos com tanta rapidez, num processo de contínua descartabilidade, para onde iria tanto lixo tóxico?

O (ex) vice da candidata Marina é também dono da empresa de cosméticos Natura. Produtos feitos, segundo a empresa, como forma de respeitar o equilíbrio ecológico.
Mas ao preço de uma das mais intensivas precarizações de trabalhadores que há no país. A região Norte nos guarda inúmeros “mistérios”.
A natureza nos importa mais do que quem trabalha de forma escrava.

Voltando um pouco agora para Paul McCartney, que também é conhecido hoje como um ecologista, embora em uma entrevista não me tenha parecido xiita.

Será lembrado, em todo caso, como um dos principais compositores do século XX.

Sabe-se que Yesterday é a música mais regravada no mundo.Ok.
O que importa, de fato, é que seja a primeira canção dos Beatles a investir ousadamente em belíssimas cordas.

Let It be é um spiritual pop de primeiríssima, com belíssimos vocais ao fundo, independente do número de vezes que foi interpretada.
Hey Jude não chegou a ser estragada por Kiko Zambianqui.
Na versão dos Beatles, guarda muito da herança negra, com gana e garra.
Kiko até tentou, mas não será jogada no lixo.

De minha parte, não me importaria se Beethoven executasse ao vivo, para grande platéia, sua Quinta ou Sétima Sinfonia. Nem menos a Nona, de que gosto menos, mas ainda acho que cairia bem.

Não é todo dia que o próprio compositor pode interpretar suas músicas no Brasil. McCartney só veio por três vezes ao país, contando essa última. E seus clássicos são modernos(a redundância de novo).

Não acharia estranho se George Gershwhin interpretasse Sumertime ou Not for me em um show. Até gostaria.

Nem que Tom Jobim executasse Wave. Richard Rodgers, Blue Moon ou My Funny Valentine. Sinatra interpretasse I ´ve got you under my skin, de Cole Porter. Ary Barroso, Aquarela do Brasil ou Burt Bacharach, Walk on by. Não é todo dia que se pode ouvir coisas como essas ao vivo.

Embora lamente nunca ter ouvido McCartney tocar :

Dear Boy (do disco Ram), Uncle Albert/Admiral Halsey (do mesmo), Tug of War, Dress me up is a robber ( Tug o War), Mr.Bellamy ( Memory Almost full), Raise the Raindrops, About you ( Driving Rain), The World Tonight, Sumedays, Beautiful Night ( Flaming Pie), Surten Softness, No More Rain( Chaos and Creation), Pipes of Peace, Average Person(Pipes of Peace), Listen to What the man said (Venus and Mars), entre outras.

Um articulista da Folha, intitulado como crítico de música refere-se à Blackbird e The Long and winding road, executadas no show, como “deslizes bregas dos Beatles”.
Trata-se do mesmo crítico que considera a banda Oasis melhor do que a dos nascidos em Liverpool.

Quanto a The Long and winding..., pode-se até repetir, como papagaio, que Phil Spector exagerou na orquestração, feita à revelia da banda.
Verdade ou não, a música mesmo permanece ao longo do tempo com brio. Não como catálogo, rótulo “pop”, ou rock/pop”, mas como música.

Blackbird talvez seja uma das principais faixas do Álbum Branco, assim como Martha my dear ou Sexy Sadie.

Sempre me pergunto a respeito do que teria ocorrido com os ditos suplementos de “cultura” do país, que parecem delegar críticas a quem parece ter pouco ouvido música na vida. As matérias cada vez mais supérfluas, ao falar em música, ou outra coisa.
Não se trata de ser especialista em um estilo.(Independente das preferências do “crítico”, claro, o que é mais que compreensível).

A resposta talvez seja que, tal como celulares no mercado, elas precisam parecer “chocantes”, tanto quanto igualmente descartáveis.


Ps. Já consta no repertório de McCartney, Ram On, espécie de lindo “mantra” presente no disco Ram, Mrs. Vanderbilt, provavelmente a melhor faixa de Band on the Run e, de um tempo para cá, Here Today, um dos destaques de Tug of War, que foi chamada de "adocidada" por um "crítico de música".
Tão "adocicada" quanto My Funny Valentine.

quarta-feira, 24 de novembro de 2010

Heráclito




Reflexão n.1


Ninguém sonha duas vezes o mesmo sonho
Ninguém se banha duas vezes no mesmo rio
Nem ama duas vezes a mesma mulher.
Deus de onde tudo deriva
E a circulação e o movimento infinito.


Ainda não estamos habituados com o mundo
Nascer é muito comprido.

(Murilo Mendes)



Murilo, poeta mineiro, que passou pela geração desmistificadora do primeiro modernismo, com sua ironia frente ao domínio lusitanista, inclusive na linguagem.

Seu primeiro livro reconta a "História do Brasil", em outra chave, bem distinta da oficialesca(daquela gerada a partir da carta de Pero Vaz de Caminha).

A poeta trabalha sob tônica espiritual, o que seria coroado em uma obra com Jorge de Lima. E sempre mantendo uma forte relação com as artes plásticas das vanguardas da época, o que pode ser notado em seus poemas, repletos de imagens.

Sua busca sempre foi no sentido de revelar alguma ordem no caos.
Corpo e espírito, para ele, não seriam dicotômicos.

Há uma forte presença do sensorial em sua obra, assim como podemos notar nas referências à figura feminina, sempre com grande força na presença.

Amante de Mozart, por um lado e do imaginário, por outro, não abandonou um forte sentido de concreção em seus textos.
Esse último elemento seria radicalizado ao final, com um sentido de ascese não muito distante das preocupações de rigor formalista, à maneira das de João Cabral de Melo Neto, o engenheiro da linguagem.

Nem por isso deixaria de ser chamado- e não sem razão- de poeta do ar.

quinta-feira, 18 de novembro de 2010

Consciência negra?









Saiu uma reportagem na Folha de São Paulo falando de uma mania, a obsessão por limpeza.

A publicidade tem investido com força em produtos que se colocam como hiperpotentes para a morte de vários germes. E, quando se mata muitas bactérias, o sistema fica indefeso.
A tendência é sacrificar bactérias neutras, fortalecendo as demais.

Quando a “limpeza” étnica era justificada em nome da biologia, das ciências, a expressão aplicada era eugenia. A reportagem sobre a obsessão com germes aplica o termo higienismo.

No filme de Tim Burton, “O Planeta dos Macacos”, os seres tidos como inferiores precisavam ser tratados com luvas.
Além de sujos, os cientistas diziam que “aquelas espécies” eram portadoras de terríveis doenças. Muitas vezes os menores se transformavam em bichos domésticos para agradar aos bebês dos patrões.
E tal como os negros, esses personagens eram marcados com ferro em brasa em sinal de que eram “escravos”.
Ainda que alguns reconhecessem que havia muito talento por ali, naquela cultura.

Sabemos, hoje, que o jazz, uma grande manifestação da música, passou a ser uma arte aproveitada até por músicos eruditos.
Ainda assim, os artistas permaneciam (permanecem?) marginalizados.

A soul music veio do gospel, o blues dos spirituals. Tudo arte negra.

O Brasil passou, em dado momento da história, a não exportar somente matéria prima, mas cultura, com a música de Tom Jobim, dando curso ao processo iniciado com Ary Barroso. E a base era o samba.

A Avenida Rio Branco, quando criada no Rio de Janeiro, então capital do país, optou, em nome da eugenia (da biologia, ciência) pela exclusão dos negros, imigrantes e cia de seu seio.
Os excluídos foram fazer seu samba no morro.

O Bar Zicartola, de Cartola e sua esposa, se tornaria uma escola para toda uma geração: Chico, Paulinho da Viola, Tom, João,...


Mas, voltando um pouco ao Planeta dos Macacos:

Segundo os cientistas, os seres ditos “inferiores” procriavam mais rápido, e em uma forte cena no filme há a tentativa de provar que não tinham alma.
No desenrolar da obra, a tecnologia comparece como a grande ameaça, vinda de “outro mundo”. Aliás, o nosso.

A possibilidade de se ter e usar uma arma, assim como máquinas fotográficas como forma de “registrar” tipos “não adequados”, a intensiva comunicação eletrônica como forma de buscar o “suspeito” imigrante, junto a capacetes e demais artefatos compõem uma carnavalização à maneira de Tim Burton, sua expressionista alegoria de modos de vida.

O diretor parte de uma superprodução de gênero e, paralelo a ela, vai acrescentando seus típicos elementos na composição expressionista das imagens: faces mergulhadas no rio, construções rupestres, cavernosas que apontam para o céu, tais como castelos góticos em mundo de fortes aspectos medievais.
Haverá desde o narcisismo das limpezas até a composição da decrepitude, numa inversão de perspectivas, em que alguns rostos remetem a uma pintura barroca de Goya.

O tom do patético proposital vai se tornando um tipo muito específico de horror, em que as coisas não parecem existir para agradar aos espectadores, em meio ao cenário de superprodução em massa.
Há fios soltos, uma batalha filmada em meio à névoa, ao poeirento.Anticlímaxes, enfim.

O “herói”, após uma batalha que lidera, talvez com o intuito mais de garantir sua sobrevivência do que outra coisa e poder retornar a seu planeta, símbolo de “lar e avanço”, não passará de um homem frágil diante da personificação do horror em um tipo de pedra instalada no topo da construção emblemática: A estátua de Lincoln, hierática, simbolizando um totem, um deus primitivo, sem nenhuma relação com os supostos ideais da “pátria da democracia”. “Magia” e ciência se encontram em chave crítica, soturna.

Tudo é atmosférico, indefinido. É nos planos finais que a iluminação estará mais para a do final de "Vertigo", de Alfred Hitchcock: tumultuada. A paranóia e a magia do Mal imiscuídos na América do progresso.

Para alguém como Tim Burton interessa o outro lado. O que espelhos narcísicos pouco refletem de imediato.
O outro lado do roteiro. Da superprodução.

Não se trata tanto um belo país que havia se deteriorado por conta de guerras, etc. Mas de um Mal que sempre esteve por ali, rondando, em meio à maquiagem do “sonho americano”, que os planos, de esguelha, procuram caçar e sugerir, a indicar uma linha evolutiva, de uma crueldade rupestre a uma “sofisticada”.

Parte 2-


Os neunazismos têm várias formas. Umas mais diretas, como no caso dos garotos da universidade que aterrorizaram uma “gorda”.
Ou, como no caso dos estudantes de escola particular que agrediram rapazes em São Paulo.
Há até os que atearam fogo em índios, julgando que os mesmos eram “apenas” mendigos. Ou vice-versa? Sonetos de Hitler por emendas de Mussolini.

Outra dessas formas, bem conectada com as anteriores, encontra-se nas pesquisas feitas por Joana de Vilhena Novaes.

Seu primeiro livro chama-se “O insustentável peso da feiúra”, em que a doutora em psicologia clínica abordou certo número de pessoas insatisfeitas com seu próprio corpo:

Segunda a pesquisadora, “ há pessoas que limitam sua vida social, deixam de ir à praia ou mesmo às festas. Muitas não namoram.
Chamamos essa doença de dismorfia corporal.”

“As clássicas anorexia e bulimia se juntam hoje à ortorexia, que é a compulsão por alimentos naturais, e à vigorexia, que é a dependência de exercícios físicos.”

“ As múltiplas intervenções cirúrgicas também entram nessa lista. Importante ressaltar que esse grupo de doentes da beleza é um número exponencialmente crescente.”

“O interesse pela cirurgia como forma de emagrecer está causando distorções. Pessoas que não têm o peso suficiente para a indicação da cirurgia preferem engordar até chegar ao ponto certo para ser operadas.”

“Outro tipo de operação que está crescendo é a cirurgia da intimidade.
Por meio de métodos abrasivos, mulheres têm procurado médicos para clarear, diminuir ou aumentar o clitóris. Existem até adolescentes que, insatisfeitas com seu clitóris, fazem cirurgias para tentar se adequar a algum modelo que idealizam. Em breve, teremos um boom de modelos de genitálias”, diz a pesquisadora.

“De modo geral, a cosmetologia da genitália tem crescido muito. É hoje uma das grandes buscas das mulheres de classe média e alta.”
Segundo Joana, “a necessidade de se adequar aos padrões está acabando com a autoestima dessas mulheres”. Se elas não se sentem esteticamente adequadas, chegam a reprimir sua sexualidade.

“Já na primeira infância, os pais exercem uma regulação ferrenha, como fazem a si mesmos. Trata-se de um discurso imposto em que elas passaram a acreditar. Não é apenas uma questão de autoestima. Quem não se enquadra sofre uma exclusão real.”

“O resultado de tudo isso é que as doenças relacionadas à imagem emergem de forma violenta. O sujeito passa a ser o algoz do próprio corpo.”

(Joana de Vilhena Novaes é pesquisadora do Centro de Pesquisas de Psicanálise de Medicina da Universidade de Paris e criou o Núcleo de Doenças da Beleza da PUC-RJ)

Excerto de sua entrevista para Martha Mendonça.
A pesquisadora está para lançar a obra “Com que corpo eu vou?”.



Aliás, essa é a semana da "Consciência Negra"?

sábado, 13 de novembro de 2010

Papo





Para quem se interessa por conhecer parte do que há e houve de minimamente significativo na música brasileira de alguns anos para cá, esse cd contém músicas de diversos artistas, da MPB ao rock, ou rock/pop: Ludov, Mulheres Negras, Curumin, Vanguart, Mombojó, Rubinho Jacobino, Wander Wildner, Mulheres Negras, Wado, Cérebro Eletrônico, ODegrau, Numismata..

Antes do projeto, cada qual já era intérprete de artistas pops consagrados.
André, de Tom Waits e David Bowie.
Miranda, de divas do soul.

Quando se encontraram, sua química pediu por artistas espalhados pelo cenário musical brasileiro.

Pode-se não gostar de alguns dos artistas abordados, mas é necessário ressaltar que a mudança do registro de composição para a de interpretação pode fazer muita diferença.
Cantar nem é tão difícil. Mas a arte de interpretar não é para todos.

Quando Marisa Monte, "intérprete cult" e bela voz, decidiu por regravar Velvet Underground, a grande banda nova-iorquina dos anos 60 já havia deixado de ser "underground", marginal para ingressar o território da consagração "cult". Marisa só usou de esperteza, já que sua versão nada acrescentaria ao trabalho de Lou Reed e sua trupe.

Isso se daria também com Jorge Ben, que hoje parece ser o artista da MPB que mais influencia o novo cenário musical brasileiro.(Refiro-me, naturalmente, a quem gosta mesmo de música e de fazê-la, e não simplesmente dos aproveitadores de maior visibilidade).

Não deu outra. A versão de Marisa não superava ou sequer se igualava à dos anos áureos do artista.

Vanessa Da Matta me agrada. Parece bem menos afetada, sem a excessiva preocupação de ser "artística".
Sem o intuito que muitos e muitas apresentam de querer agradar a uma parcela da população que gosta de se inserir num "padrão cult".
Em outras palavras, gente envernizada.

A dupla composta por Miranda Kassin e André Frateschi se configura como uma faceta promissora, ou mais do que isso, no universo da arte da interpretação no país.

Parte 2-

Enquanto isso, Lou Reed se prepara para seus shows no país, e tudo indica que não haverá nada do repertório do Velvet.

Não precisa ser músico de bar, escravo de hits, claro.
Mas pra que tanta excentricidade, Lou?

Há várias formas de querer chamar a atenção, e uma delas é apelar para a "marginalidade" excessiva.
Afinal, o repertório do Velvet é o que Reed tem de melhor mesmo. Aliás, das melhores coisas que a música nos deu no século passado.

Paul McCartney, por sua vez, pode ser criticado por se prender demais ao repertório dos Beatles, esquecendo suas pérolas solo. Dessa forma, muita das vezes foi "músico de bar" para grande auditório.

Para esse última turnê, com Ms.Vanderbilt, entre outras, parece abrir espaço para "incrementações necessárias", sem ter de ficar recorrendo a clichês como "Live and Let Die".

Paul é um dos maiores músicos do século XX, e torço para que consiga equilibrar o melhor de ambos os repertórios( o dos Beatles e o solo).
O que Reed poderia tentar também.

Discos favoritos de Paul, na ótica do bloguista:

Tug of War, Ram, Chaos and Creation...,Flaming Pie, Driving Rain, e por aí vai.

Dos Beatles, meus favoritos são Rubber Soul e Abbey Road, em que o instrumental da banda me parece melhor e, no primeiro caso, um conjunto de canções, e/ou de ousadias como The Word, que são eternas.

No segundo, no antigo lado B do vinil, uma colagem com o que há e houve de melhor na banda.

quarta-feira, 10 de novembro de 2010

Ciência, Tecnologia e Poder( continuação)





“As sociedades têm vida própria”.
Baseiam-se na existência de certas forças produtivas, em condições geográficas e climáticas, em técnicas de produção, em ideias e valores e num certo tipo de ser humano que surge sob tais condições.

São organizadas de modo a conservar a forma particular a que se adaptaram e acreditam, de maneira geral, ser natural e inevitável o modo pela qual vivem; tendem a crer que qualquer modificação essencial em sua forma de existência levaria ao caos e à destruição.

Essa convicção não é apenas fruto da ideologia.
Está arraigada na parte afetiva do homem, modelada por todas as disposições sociais e culturais que o levam a querer “fazer o que se tem de fazer”, de modo que sua energia seja canalizada para servir à função particular ( específica), que tem como membro útil de determinada sociedade.
É por estarem enraizados nos padrões de sentimento, que os padrões de pensamento são tão persistentes e resistentes às modificações.

No entanto, as sociedades, de certa forma, se modificam.
Muitos fatores, tais como descobertas científicas, novas forças produtivas e outros levam à transformação.

Mas, além desses fatores objetivos ou não tão objetivos assim, há a consciência cada vez maior que o homem tem de certas necessidades, e seu movimento alternado entre desejo de independência e desejo de submissão,o que provoca modificações constantes nas situações históricas.

Surge, então, uma questão subsidiária: o que torna a sociedade capaz de viver e reagir aos desafios?
É evidente que ela poderia ser capaz de distinguir entre “valores", digamos, "básicos”, instituições básicos, e os que seriam “secundários”?

“Sistemas secundários”, ou acessórios, gerariam valores próprios, que chegam a aparecer como tão essenciais, quanto as necessidades humanas e sociais que os provocaram? Mas, alguém dirá que tudo é desejo, e ponto.

O meu ou o seu? Eles, afinal, são de quem?

À medida que a vida dos indivíduos se liga a certas instituições, formas de organização e, sobretudo, estilos de viver, formas de produção e consumo, etc., homens podem se tornar dispostos a sacrificar-se, e a outros também, pelas obras que construíram, a transformar suas criações em ídolos e adorá-los.

As modernas sociedades industrial e pós-industrial, por exemplo, percebem-se e com orgulho, como sociedades da razão. Apesar de parecerem, em seu conjunto, a própria personificação da razão, chegam a personificar, por outro lado, a irracionalidade (Como há os que matam em nome do amor, ou da democracia- física e psicologicamente). A faminta produtividade pode destruir um livre desenvolvimento de faculdades e necessidades humanas, sua paz é mantida por uma constante ameaça de guerra, seu crescimento depende da repressão de reais possibilidades de suavizar a guerra pela sobrevivência.

Essa repressão, diferente da que caracterizou outras etapas, atua hoje não a partir de uma imaturidade “natural” ou técnica, mas de uma posição de força servida por uma tecnologia que, por um lado, pode esmagar aspectos criadores da natureza do homem.

Mas, por outro, a partir de certas resistências ao unívoco e brutal, gerar possibilidades de maior utilização de aptidões e recursos para os demais desenvolvimentos, ou a satisfação de necessidades individuais e mesmo coletivas.
Caso do aqui já citado jornal “O Cidadão”, entre outras iniciativas.

A chamada revolução tecnológica trouxe novas formas de apreensão do mundo e das relações que os homens estabelecem entre si.
Com relação às ciências e técnicas, é preciso dizer que, longe de serem neutras, sempre incorporaram representações humanas e sociais de seu uso.

Tanto os triunfos técnicos do complexo tecnológico, quanto seus desperdícios e perdas não estão dissociados dos valores, desejos, costumes, ideias e escolhas de sociedades, não sendo exclusivamente embrenhados em fatores externos, como reza o ranço de crenças “positivistas”, cristalizadas nas ciências e nos números.

Por mais que a técnica se alicerce no que considera “procedimentos objetivos das ciências”, só pode ser compreendida como elemento de uma cultura que promove o bem e o mal, de acordo com as definições de bem e mal dos grupos que exploram a cultura.

As mais importantes repercussões que o aparato tecnológico tem provocado referem-se aos produtos sociais e culturais dele derivados. A técnica é um elemento da cultura, não sendo, portanto, independente, isolada de uma conjuntura do homem e do tempo.
A máquina, por si mesma, não teria exigências ou finalidades, mas a cultura do homem, sim.

Certo desenvolvimento ocorreu, por certos aspectos, a partir de uma progressiva desvalorização do orgânico( não é esse um discurso ecologista), do corpo, da história, da experiência, como um grande objetivo a ser alcançado, em um processo de mecanização de hábitos humanos, a partir do controle e de um tipo específico de disciplina e de submissão.

O homem reduzido estritamente a um mecanismo de trabalho leva também ao estranhamento/alienação em relação à própria criatividade do/de ser.

Por suas contradições internas, se esse “desenho” aponta para outras possibilidades das formas de ser no mundo, também não deixa de evocar um caráter cruel, desumanizante de uma existência submetida a ditames do complexo tecnológico, dissociado de algum “bem estar”.

É, então, que o termo “qualidade de vida” se integra à tecnologia e à ciência de forma oportunista, como equivocadas compensações: cirurgias cada vez mais precoces ou inapropriadas para o peso daquela pessoa. Cremes de branqueamento de pele distribuídos para outros continentes,etc.

A finalidade de um tipo de trabalho dito racional, regulado de maneira unívoca, explícita ou implicitamente pela economia do lucro - e não pelo trabalho, a moeda, e o consumo enquanto troca entre viventes- levou a dramáticos impasses, evidenciados nas tutelas que pesam sobre os países do ainda chamado Terceiro Mundo, o que conduziu suas regiões a uma pauperização absoluta e, consequentemente, a uma acirrada violência urbana.
A uma intensiva precarização do trabalho, o que obrigou a vários empreendedorismos de curto e médio porte, como alternativas ao massacre do desemprego.

Muitos pobres que trabalham praticamente de domingo a domingo, em condições precárias, como mão de obra barata, ainda são chamados de “vagabundos”(ou aqueles que trabalham à tarde, nos fins de semana, e ainda estudam à noite).

Há quem o seja? Sim, assim como muitos ricos, se é para usarmos a expressão “vagabunda”, tão complicada. Como os parasitas, que jogaram fogo em mendigos, alegando pensar que os mesmos eram índios. “Soneto pior que a emenda”.
Ou os que, agora, aterrorizaram a estudante de uma universidade pelo fato da mesma "ser gorda”.

Com todo o avanço tecnológico contemporâneo, a instauração, a longo prazo, de imensas zonas de miséria, fome e morte parece ser parte integrante, “naturalizada” da organização de estímulo à “utopia globalizante”.

Nos países ditos desenvolvidos reencontramos um mesmo princípio de tensão social, de estimulação pelo desespero, com a instauração de regiões crônicas de desemprego e marginalização cada vez maior de populações de jovens, idosos, de trabalhadores desvalorizados.
Aliás, os idosos, tendo em vista a crescente redução do nascimento de crianças, serão a população predominante daqui a alguns anos. A pergunta de alguns é: “O que fazer com eles”?
Qualificá-los a morrerem resignados?


Nesse cenário, o homem pode se despersonalizar, se reificar, ganhando estatuto de coisa a ser consumida para, em seguida, ser descartada. Como é o caso também da disseminação de redes de prostituição de menores, fedofilias “legitimadas” por ranços machistas, sexistas e mercadológicos.

Tal disposição valorativa opera como violência simbólica contra dignidades básicas, em nome da “liberdade democrática”.
Mas com cara de um tipo muito específico de ditadura, embora de rosto impessoal.

Interessante que muitos dos indivíduos que se desenvolveram paralelamente ao avanço tecnológico são “reservados”, indiferentes e acríticos. Ainda bem que não são todos. Do contrário, iniciativas que uma grande mídia não se interessa por divulgar não teriam sido concretizadas.
A mesma mídia dita “livre e democrática”, cuja predileção é girar em torno de outros aspectos, muitos deles sub-impressionista, e em torno das mesmas ideias, em tonalidade de cinismo, ou de sensacionalimo, como instinto de autopreservação, enquanto máquina de lucro, pela mesmice reiterante de “registros” e abordagens.

Voltando um pouco, mas sem mudar o foco: segundo Marcuse, ao longo do desenvolvimento tecnológico e de sua ampla disseminação na sociedade, surge um novo tipo de racionalidade, fundada em valores tomados de empréstimo à máquina. Com isso, formam-se novos padrões de individualidade, em que o princípio do “narcisismo” tende a colocar o homem contra a sociedade, enquanto submetido aos códigos do consumismo em massa: ou seja, um homem destituído de autonomia, e mais isolado.

A tecnologia e a ciência, apesar de aparentarem o contrário, são um processo social em que a técnica segue como fator parcial. Podem promover tanto o autoritarismo, o controle social, quanto a liberdade. Tanto a escassez quanto a abundância, tanto o aumento, quanto a abolição do trabalho escravo(e/ou sob novas camadas).

Se em uma sociedade se vive mais para trabalhar do que se trabalha para viver, me parece ser ela socialmente contrária a seu princípio de eficácia.

Se a mesma acaba por gerar homens distanciados de interesses da vida, seja apáticos, ou a derivação disso em grupos góticos ou Emos e sua literatura...

Seja os desinteressados de algum desenvolvimento humano, alienados de si, de suas necessidades e desejos, e faltos de vinculação, o que se desenharia seria o equivalente a uma anticomunidade de bárbaros(sem nos referirmos especficamente a um grupo social).

Não por acaso muitos, como se fosse possível parar o dito progresso, tornam-se críticos virulentos da técnica.Como se a máquina fosse o demônio a comandar o homem.
E não o contrário.




Os - Para o tema, recomendo o filme O Planeta dos Macacos, de Tim Burton, que não é bem um remake, mas uma reconstrução.
Sobretudo pela arte que vai se insinuando em prolongamento de bordas e forças, a partir de uma superprodução norte-americana.

O outro é também ficção científica-de Jean Luc-Godard- sobre a preeminência da técnica e da máquina "neutra", impessoal e totalitária.

sábado, 6 de novembro de 2010

Ciência,Ideologia e Arte








Na revolução cultural e social ocorrida dentro dos períodos renascentistas e iluministas, o conhecimento foi crescentemente sendo atrelado ao método científico, configurando-se (supostamente) como superior ao conhecimento popular.

Mas como todo produto social, a ciência é progressivamente conformada durante o processo histórico. Assim, o sujeito, observador ou pesquisador, normalmente envolve-se com os valores e ideias de sua sociedade, refletindo em seu trabalho “valores e princípios” considerados em sua época.

Não permanecem, assim, como detentores de uma verdade absoluta, pois esse sujeito interpreta “a realidade”, e é parte integrante da produção do conhecimento que, por isso mesmo, não é neutro.

Ciência e ideologia

O pesquisador, ao escolher o seu objeto de pesquisa, necessariamente já se posicionou. Toda produção científica, assim, é balizada por interesses desses sujeitos, que determinam um recorte da realidade, já que nunca a abrange de uma forma geral: “são sempre interpretações, porque são do tamanho da mão que as constrói”, afirma Pedro Demo.

Sendo assim, o objeto de estudo das ciências é intrinsecamente ideológico e, porque carregado de decisões, político.

A ciência neutra, que se diz não ideológica, porque pautada em rigorosidade teórico-metodológica, apenas mascara sua conotação política (o que diríamos, então, de uma crítica de arte?).

Além disso, a ciência investiga objetos em consonância com interesses da sociedade, especialmente daqueles de uma estrutura que domina: não estuda qualquer evento ao acaso, mas principalmente aquilo que é relevante para quem a produz e/ou financia.

Na maioria das sociedades (eufemismo?), o conhecimento foi utilizado por grupos dominantes como instrumento de opressão. Vale ressaltar, entretanto, que o conhecimento culto, erudito ou científico não é propriedade de grupos dominantes. Saviani nos lembra que “nem o saber erudito é puramente burguês, dominante, nem a cultura popular é puramente popular.”.

Nas artes, temos o caso do samba produzido por Pixinguinha ou Sinhô, com os elementos de uma educação musical mais formal.
Ou, posteriormente, músicos mais cultos como Tom Jobim e João Gilberto, de formação erudita, influenciados por sambas feitos “na raça” e instinto, como os de Noel Rosa e Cartola.

E Villa-Lobos, músico erudito, a calcar muito do forte de sua obra na cultura caipira.

No cinema, o sofisticado alemão Rainer W. Fassbinder emulava o melodrama popular de Douglas Sirk que, por sua feita, não era puramente popular.

Charlie Chaplin fazia uso do “circense”, sem que abandonasse uma densa metafísica -pelo contrário-, tendo sido comparado, por grandes críticos, a nomes como Tolstoi, Charles Dickens ou Shakeaspeare(nesse último caso, Élie Faure), e não por acaso.

E alguém ainda acredita que Shakespeare fazia suas obras exclusivamente para “nobres”?

Ledo engano. Nem Chaplin.

Mas foram -e ainda são- admirados por grupos diversos.
No segundo caso, Carlitos e seu entorno, ou seja, um mito popular também amado pelas vanguardas européias - caso de pintores e escritores surrealistas - entre outros.

Ao passo que- interessante- Cecil B. DeMille, criador de superproduções em Hollywood, era visto por Salvador Dalí como artista de vanguarda.

Certos músicos do cenário pop, como Paul McCartney, apresentam, em meio ao singelo aparente de seus brinquedos, trocadilhos em texturas “verbovocomusicais”, traços nitidamente eruditos.

"Deus sabe quanto amei" (na verdade, Some Came Running), obra de Vincente Minnelli, rotulada como melodrama, não passa de uma grande tragédia sacra.

Enquanto seu musical – gênero então popular-, "O Pirata", apresenta muito do grande dramaturgo Luigi Pirandello, assim como o "Carruagem de Ouro", de Jean Renoir.

Sendo que o segundo seria mais respeitado -“respeitável”?-, talvez principalmente por ser europeu, realizado por filho de pintor impressionista, e não exatamente em formato de filme musical.

Não importa. Duas grandes obras, de forma e denso (complexo) discurso, realizadas por dois mestres do cinema.


Voltando, agora, à questão do rigor científico a que nos referíamos: a ciência coexiste com as noções ideológicas nela implicadas.O facto é traze-las à superfície, desmascarando-as.

Se possível, dominando-as de maneira crítica, enfrentando seus disfarces e não as encobrindo.

Dessa forma, estaremos oferecendo possibilidades da ciência também ser vista em sua condição de instrumento de manipulação e/ou opressão, a partir de seu formato de suposto purismo.

(Alessandro/Marina Battistetti Festoso e Juliana Neves)

quarta-feira, 3 de novembro de 2010

Jornal





A origem do jornal O Cidadão, no Rio de Janeiro, deve ser semelhante à de muitos outros jornais comunitários. Um grupo de jovens da comunidade cansou de ver uma grande mídia distorcer a imagem de seu bairro.

Quando se falava na Maré era para apresentar casos de violência, e só. Nenhuma iniciativa dos moradores, referente à qualidade de vida, esporte, entretenimento ou cultura era divulgada.

Diante desse quadro unilateral e de distorções, que nos faz lembrar o “básico”, ou seja, que a imprensa não registra exatamente “fatos”, mas versões de fatos, sem falar nas muitas vezes em que obedece a uma série de predisposições e achismos, que aqueles jovens decidiram por fazer um jornal de sua comunidade.
Querendo mostrar aos moradores locais uma imagem distinta da que uma mídia explorava, o projeto tornou-se realidade em 1999, incluindo a adesão de dois jornalistas profissionais.

Um dos fundadores do jornal afirma não ter sido fácil, a curto prazo, o processo de aceitação do jornal na própria comunidade. Muitos receberam a ideia com desconfiança, temendo revelar suas opiniões e críticas, contar suas histórias ou aparecer em fotografias.

Muito disso ocorreu por conta do que viam e liam em outros jornais, pela própria representação social de si, embutida em vários veículos.

No entanto, sem tamanha internalização das representações que vinham "de cima para baixo", a comunidade hoje se sente representada pelo O Cidadão, que passou a dar voz a vários grupos que por ali residem. Caso dos pescadores que vivem da pesca na poluída baía de Guanabara.

O jornal também promove campanhas educativas, como a realizada com a Companhia de Energia Elétrica, que trata de acidentes nas redes elétricas.

Há seções de dicas de vários cursos. E, nesses oito anos, O Cidadão vem ajudando na solução de problemas do bairro, referentes à educação, à saúde, saneamento básico, entre outros.

O jornal hoje sai com uma tiragem de 20.000 exemplares, distribuídos gratuitamente pelas dezesseis comunidades que formam o complexo da Maré. Seus recursos provêm de anúncios de publicidade e o apoio de algumas empresas.
Se alguém se interessar, conferir no www.ceasm.org.br. (se eu não estiver enganado).


Passadas as eleições, o que se notou em parte considerável da imprensa brasileira foi algo equivalente a uma torcida acirrada de futebol, nos termos da violência, e até mesmo da sabotagem de “fatos”.

Instalou-se por aqui um clima de terrorismo, na base de ataques imediatistas, colaborando para desfocar o leitor de questões pertinentes ao país.

Por muitas vezes, uma necessidade de frisar frases fora de contexto, ou “meias verdades”, o que dá mais ou menos no mesmo, como necessidade de chocar uma população, contando que a mesma só possuiria um único referencial de informação(ou de desinformação) para acompanhar.(O que muitas vezes procede).

Um grande grupo de classe média, outros de mais baixa renda, junto a certa elite econômica continuam se apegando às revistas de sempre, como atestado das “verdades que convém”, reproduzindo conceitos, valores, estereótipos do arco da velha, com suas desgastadas representações sociais, em tom de histérica teatralidade. Com isso, o debate se tornou frouxo.

Uma mídia na defensiva chega a cogitar a possibilidade, para eles concreta, de censura, quando nada disso é concreto.

Ou seja, falar meias verdades ou omitir tantas outras coisas não seria censura. Dessa forma, fica fácil trabalhar, escrever, na base de dois pesos e duas medidas.

Uma dessa revistas conta com um articulista, para quem tudo- (ou quase)-o que vem do pais é ruim. Provavelmente, o mesmo “jornalista” não seria aceito em revistas dos países que julga “amar”, tamanho espírito de porco.

Pseudo-intelectuais estão à solta para agradar a uma parcela significativa da classe média, a pessoas incautas, e a um grupo de elite econômica(que não sabe pesquisar por si mesmo). Não raro àqueles que apresentam uma necessidade de se sentir parte de uma “elite intelectual”.

Um país que nos deu Antônio Cândido, Sérgio Buarque e muita gente boa por aí, prefere, em várias parcelas, se contentar com a mediocridade gratuita... Ou nem tão gratuita assim, pois há anúncios, o preço dos exemplares e outros comprometimentos.

Enquanto isso, muitos jovens e mesmo algumas igrejas demonstram uma direta ou indireta aversão a ritmos e estilos brasileiros de música, por exemplo, como se tudo o que viesse de fora, já fosse por princípio, “mais nobre”, ou “mais santo”.

Por um lado, um ranço de mentalidade calvinista da “predestinação dos bons”.
Por outro, bolhas de proteção que, por ódio a si mesmas, preferem projetar uma imaginária superioridade em “outro continente”.
“Esquizofrenia ou autismo”, histórico - inclusive.

O preço é a omissão e a picaretagem, muita das vezes autoconsentida, como instinto de preservação psicológica pela(auto)enganação.

No caso, cabe não somente estudo, como muita terapia e autocrítica.