quinta-feira, 30 de dezembro de 2010

Virada







Presentes simbólicos para a virada de ano. Quem ama se deprimir, como gótico ou emo enrustido, fique à vontade, embora talvez essa lista não agrade, por não pretender ir pelo rótulo de "contramão".

The Party (Ou, O Convidado bem trapalhão), de Blake Edwards

A Roda da Fortuna, Vincente Minnelli

Cantando na Chuva, Stanley Donen e Gene Kelly

A Última gargalhada, Murnau

Meu Tio, Jacques Tati

Carruagem de Ouro, Jean Renoir

Holiday (ou O Boêmio Encantador), George Cukor

Um Dia em Nova York, Stanley Donen e Gene Kelly

O Esporte Favorito dos Homens, Howard Hawks

Soberba, Orson Welles

Intriga Internacional, Hitchcock

Viva Las Vegas, George Sidney

O Escorpião de Jade, Woody Allen

Se meu apartamento falasse, Billy Wilder

Aleluia, King Vidor

As Sete Mulheres, John Ford

Uma Mulher é uma Mulher, Godard

O Bagunceiro Arrumadinho, Frank Tashlin

A Fantástica Fábrica de Chocolates, Tim Burton

Ratatouille, Pixar/Disney

Luzes da Cidade, Charles Chaplin

Febre de Juventude, Robert Zemeckis

Você já foi à Bahia, estúdios Disney

The Cameraman, Com Buster Keaton

O Homem com a Câmera, Dziga Vertov

Sangue sobre a neve, Nicholas Ray

Shadows, John Cassavetes

Victor ou Victoria, Blake Edwards

Duas Garotas Românticas, Jacques Demy



a completar...

Notas



Obrigado pelo comentário abaixo, Garrel, pois que ontem à noite estive pensando algumas coisas quando saí com alguns amigos, e daria agora para puxar o gancho. Trangressão(ou não trangressão) é um dos termos da moda. Pior do que ele é "alternativo".

Fingimos ser chiques usando o marketing pessoal do "alternativo", embora não saibamos bem o que isso hoje seja, de fato, após a "alternativez" já ter se tornado mercado, com o cinismo a tomar conta. Perdemos o bonde da história com rótulos paridos nos 60. Há a esquerda festiva caduca, junto aos cinismo da direita festiva autoindulgente.

A palavra de desordem-ordem da tribo em questão é contestar. Não são, a rigor, de ação, mas de reação. Gostam de "provocar" enquanto nada produzem, a viver de esquizofrenia e autismo.

Ontem saí com uma turma de psicólogos existencialistas que me disseram que a bissexualidade seria uma boa, embora não vivam a mesma no dia-a-dia. Consideram que dizer isso, por si mesmo, possa significar contra-cultura.

Quando a "cultura" ainda não foi assimilada no país, falar em contracultura soa engraçado- logo hoje, em que o mercado é feito para todas as predileções. Como bacana é o cara que se considera da trupe "sexo, drogas e rock and roll", mas não pega ninguém, não fuma maconha, e nem tampouco exibe seus dotes musicais rockeiros. Chegando a idade, começa a carregar o ranço dos instintos não satisfeitos na adolescência.

Falei aos amigos psicólogos: até estudei piscologia, mas naquela época "não havia pego" nenhuma mulher e em uma cultura rigidamente patriarcal acabei partindo, de vez, para as tentativas de conquista. Enfim, quando consegui pegar a primeira, a bissexualidade já havia se tornado moda, de forma que perdera a graça ser parte integrante da "contracultura" sem cultura, ou da sexualidade sem vivência.

Ah, desculpem a digressão: Lembrei do Lobão por esses dias. O cara que foi porta voz de primeira na luta pelo barateamento dos cds em um embate, de início, ingrato contra as grandes gravadoras. Muitos, claro, protestaram. As corporações não abaixaram a bola dos preços, e hoje sabemos que, com ou sem Lobão, perderam a guerra para a pirataria. Digo isso, pois considero Lobão um bom político, melhor do que artista. Ele que adora criticar bossa-nova e cia.

Nesse ponto, é como o "alternativo" de hoje e seus marketing. Só reage, pois sua obra não suportaria a comparação com a dos músicos que ama execrar, o que já virou hobbie de quem sente muito tédio e despeito. Lobão, ao contrário de muitos, talvez não sofra de recalque sexual. Bossa-nova continha muita chatice, mas o que havia de bom deixou um enorme legado estético, não somente pelas obras dos criadores envolvidos, quanto pelos grupos que posteriormente surgiriam, inclusive os ligados ao rock. Ou seja, estética e política, no caso do discurso de Lobão, não combinam. Lobão guarda recalque do sucesso, junto ao primor estético que nunca atingiu em suas músicas.

No começo do novo milênio, Suba apostou na modernização de nossa música, reutilizando a bossa-nova, o que não se daria somente no Brasil, pois há outros exemplos.


A última "digestão",se me permitem- digressão: Passei hoje os olhos pela lista da Rolling Stone sobre as melhores músicas do pop. Dos Beatles, por exemplo, entre "coisas boas" há obviedades mais tolas como Can´t buy me love ou Ticket to Ride.

Precisavam ter "caprichado" tanto nesse lado A? Pois que You never give me your money, She´s leaving home, Sexy Sadie, entre tantas outras, nem pensar? O pop é a cultura que mais desperta mistificação, pois os caras que escrevem a respeito parecem só ouvir o "gênero" a vida toda. Já merece estudo, para publicações melhores.

Concordo também que a MPB tenha se tornado uma espécie de instituição quase intolerável. Contudo, só saber separar as coisas, ouvir mais músicas. Viver e estudar um pouco mais.

segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

Presentes do Saco













Mesmo sem crer em Papai Noel, retiro do saco a lista de presentes fílmicos natalinos:

O Pirata, de Vincente Minnelli

Bonequinha de Luxo, Blake Edwards

O Raio Verde, Eric Rohmer

Aurora, F.W. Murnau

Janela Indiscreta, Alfred Hitchcock

Hatari!, Howard Hawks

A Loja da Esquina, Ernst Lubitsch

O Pão Nosso, King Vidor

Casamento ou Luxo, Charles Chaplin

Gosto de Cereja, Abbas Kiarostami

Tudo o que o céu permite, Douglas Sirk

Dançando nas nuvens, Stanley Donen e Gene Kelly

O Otário, Jerry Lewis

Meet Me in St. Louis, Vincente Minnelli

Edward mãos de tesoura, Tim Burton

Um Mundo Perfeito, Clint Eastwood

A Grande Cidade, Satiajit Ray

Ordet( ou, A Palavra), Carl Dreyer

Encontros e Desencontros, Sofia Coppola

O Messias, Roberto Rossellini

Pickpocket, Robert Bresson

As Vinhas da Ira, John Ford

Menino do Engenho, Walter Lima Jr.

São Paulo SA, Luís Sérgio Person

Elogio ao Amor, Jean-Luc Godard

A Grande Ilusão- Jean Renoir

Errado para cachorro- Frank Tashlin (com Jerry Lewis)

(fotos, de cima para baixo: Edward mãos de tesoura, Elogio ao Amor, O Pão Nosso, Casamento ou Luxo, O Raio Verde, Meet in St. Louis( no Brasil, Agora seremos felizes) e O Otário.

sábado, 25 de dezembro de 2010

Escolhas e Controle








"E então é Natal, e o que você fez?

Aumentei desproporcionalmente meu salário- claro- como naquela música do Ira: "eu quero sempre mais de ti". Assim deu pra comprar mais presentes para toda a família e minhas amantes. Lembram-se de "Se meu apartamento falasse", de Billy Wilder?

E quem sabe agora dar continuidade ao financiamento de novos tráficos, ao abaixar essa poeira toda, após termos (re)garantido o status do exército e cia, enquanto nenhum documento sobre os crimes da ditadura foi, ou é aberto no país. O Brasil oferece um tipo único de privacidade: o da democracia sem transparência.

Jogamos novamente um gelo na população, em nome da "segurança nacional" direcionada ao Rio de Janeiro, a oferecer nosso circo turístico de Copa e Olimpíadas ao restante do planeta. Investimos em publicidades solidárias, com seus shows globais, habituais, nos preparando, mais uma vez, para formar nossos melhores consumidores: as crianças! A rigor, nós é que as consumimos no bombardeio de imagens: Mônicas a anunciar seus produtos com a velha face da inocência.

E se por acaso alguém exigir uma legislação mais criteriosa para tanto, relembraremos que, com isso, estaríamos voltando à ditadura, não é mesmo? Mesmo que a maioria dos países da Europa já tenham adotado tais critérios, sem serem acusados, por isso, de ditadores. Mas para quê, já que temos tantas escapadelas em nossas mágicas mangas?

Começamos com o "céu" da imagem inocente de personagens infantis, desde que Xuxa rachou o mundo lúdico nacional em dois tempos, inaugurando a Era das Paquitas. Daí para Tchans e Axés, e a nova imagem da "mulher liberada" enquanto objeto de mercado, até "Malhação"- a subnovela que criamos para lançar nossas modas instantâneas. E claro está que, quem não entra na festa, estará de fora da "turma da Mônica adolescente".

Crianças e jovens devem se sentir "livres", ok? Livres para comprar à beça e- com muita angústia junto à bastante adrenalina compensatória- poder passar nos vestibulares da vida. Não sem antes passar pela escola mais adestrante, apadrinhada a dedo por pais e amigos.

Adolescentes precisam sentir essa "liberdade" a fim de afirmarem que, com míseros 14 anos, não são virgens, uma vez que, se disserem o contrário, poderão entrar na lista negra de linchamento, propiciada pelas amigas "mais avançadas" da escola. Daquelas que já participam do jogo de mercado do sexo programado. A internet, nossos banners e revistas muito ajudam com suas receitas de bolo, em que a imaginação já chega pronta em rápida e empetecada deglutição- ao menos virtualmente falando. Mas sexo é fantasia,pô! Nós só tiramos um pouco do trabalho deles em poder imaginar "per si", uma vez que nosso estoque industrial é tremendo, ilimitado e apenas mais explícito.

Para o tráfico, preparamos uma bela ofensiva contra os mais visados traficantes, uma vez que damos nossas Caras na revista de mesmo nome quando há convite. Nossas bundas, no entanto, permanecem em zonas privadíssimas. Quem sabe, assim, esqueçam esse negócio de remexer em torturas e mortes de "milênios atrás". Pra que revirar em público as nádegas de um país, por vias menos vistosas?

Pra que acompanhar países mais desenvolvidos, se lucramos tanto sendo assim, como diz outra música do Ira: " me vendem essa droga, nos proibem essa droga"? Aos "mais fracos": o mais atrasado. Mas não sem antes sofisticarmos nosso arsenal tecnológico de armas e contactos. Isso é que é uma supraorganização!

Roubamos até algumas ideias de republicamos que, em nome de um Bem maior e da democracia estabeleceram a relação prolífica entre provincianismo e altos requintes em festas privadas- como no filme "De Olhos Bem fechados", o último de Stanley Kubrick, que esteve por lá antes de morrer a registrar a relação entre Eros e Tanatos(pulsão de morte), poder e seitas, máscara e ocultismo: "Sociedade Secreta". Você, meu caro, só entra se convidado for, se pertencente à família x ou y, Real! Lembram-se quando Bush, Nixon e tanta gente "religiosa" se encontra, de quando em vez, em um campo para um belo de um descanso?

Somos escolhidos a dedo por nossos intocáveis deuses. Assim, constituímos uma multinacional na translação de uma nova era, superando em pontos e números a demagogia da Igreja Universal. Pois fingimos combater aquilo que mais amamos, financiando nossas indústrias, ao mesmo tempo em que compramos alguns policiais e políticos. Empurrando uma massa em completa anomia para substâncias, crimes, na mesma medida em que os combatemos, numa super organizada estratégia "esquizofrênica" direcionada para mirins, ou adultos igualmente esquizofrênicos, "perdidos".

Não venham agora com discursos moralistas, já que podemos nos encarregar dos mesmos em nossas mensagens de Natal de fim de ano. Estamos, como um bom Papai Noel, com o saco cheio delas e para todas as idades: da mais tenra à mais decrépita- em sua sede de juventude e medo da morte. Dessa morte que nos é tão cara".

(Carta enviada a mim por um dono de uma grande empresa, que mantém fortes relações com certos setores da política nacional e internacional).

quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

Lançamento em DVD






Enquanto diretores como John Ford e Howard Hawks eram contemplados à época do VHS, King Vidor era meio que deixado de lado.

Como o mesmo espírito pioneiro dos demais citados, seu cinema guarda uma decisiva relação com a terra (o telúrico), o que poderia aproximá-lo, por esse motivo, do cinema de Ford, a incluir a iconografia cristã. Mas tal como o mestre que ficou mais conhecido por faroestes, na obra de Vidor o puritanismo não deixava de ser criticado. É o que se nota em um filme como Ruby Gentry (ou A Fúria do Desejo, no Brasil).

O diretor não se prendia à firulas ou sentimentalismos, podendo, então, estar mais para o cinema de um Howard Hawks? Contudo, independente de Ford ou do autor de Rio Bravo, seus filmes contém estilo próprio e poucos foram tão veementes no cinema norte-americano.

Por exemplo, em Ruby Gentry, Jeniffer Jones exala excesso de autenticidade e de emocionalidade, a não caber nos padrões interioranos e esnobes da comunidade em que é levada a viver. Essa personagem não deixa de expressar a tônica de parte considerável da obra de Vidor. Tal como o comportamento de Jeniffer, a natureza é filmada em seu estado bruto, com algo a qualquer momento podendo irromper de suas camadas. A água comparece com o caráter expressivo da drenagem de O Pão Nosso (do mesmo diretor). Mas não somente.

Se a interpretação de atores remete a um cuidadoso classicismo, a encenação não abandonará um sentido do selvagem, em que os espaços/ cenários contaminam os personagens e vive-versa. A natureza opera tanto como mistério do desejo, quanto como segredo mítico do universo.

Jeniffer não cabe nos papéis de moça dama, coberta de apetrechos, assim como o diretor King Vidor em sua forma de trabalhar. Ela não pede que um homem lhe abra a porta do carro, além de caçar animais por sua conta e risco e nunca fingir. Todavia, uma anti-dondoca vivendo em um mundo com papéis tão demarcados provocará mais tensão.

Sem abrir mão da iconografia cristã, a obra, no entanto, cutuca um lócus pautado pelo patriarcalismo demagógico. A câmera altera seu posicionamento com parcimônia e por breves segundos, o que aumenta o poder sugestivo e meditativo das cenas. Mas pouco disso é necessário quando se filma com rara expressividade um cenário de terra, água, arbustos, que parecem conter sua própria força, em mutismo e intensidade.

Ruby Gentry , afinal, é uma tragédia de grande porte, cósmica. Vidor a conduz com sobriedade e, paradoxalmente, um olhar atento ao “selvagem” que brota das coisas e seres.

Parte2-

Cineasta tão bom quanto Hawks ou Ford, o diretor agora pode ser contemplado na era do dvd em outras obras-primas, tais como Aleluia, O Pão Nosso, ou O Homem sem Rumo. O que seu cinema parece ter levado às últimas consequências em Ruby Gentry, já pode ser notado nos realizados bem antes do período.

O Pão Nosso mantém certo equilíbrio na encenação, mas também dando margem às irrupções, como em um final que revela heróico esforço manual e espiritual, partilhado por homens comuns.

Já Aleluia nos apresenta tanto a sensatez, quanto uma bruta expressividade da fé religiosa. O diretor valorizava o despojamento em gestos e atitudes, filmados junto ao mistério de uma natureza, ora impassível, ora generosa, ou primal.

terça-feira, 21 de dezembro de 2010

Blake Edwards








Morreu o mestre de grandes comédias: da série A Pantera cor-de-rosa, The Party (ou O Convidado bem trapalhão), entre o brilho de Bonequinha de Luxo, Victor ou Victoria, Anáguas a bordo,..

Resta uma vaga percepção de que suportamos -ou não- o besteirolismo que tem tomado conta do humor Hollywoodiano.

Edwards, além de comediógrafo, apresentava uma visão peculiaríssima de mundo e de cinema em suas obras.

sexta-feira, 17 de dezembro de 2010

Ruas tomam frente de escolas








Se no caso da Europa haveria, segundo Jean Luc- Godard em sua última obra, excesso de livros, no Brasil temos escassez de acesso aos mesmos: incentivos, preços acessíveis, escolas qualificadas para tanto.

Diante do fato, ruas têm dado baile em escolas que, aliás, passam filmes, mas sem nada esclarecer sobre a linguagem visual em voga.

Para Godard, no caso de europeus afogados no livresco, caberia uma percepção propriamente da imagem, do cinema. No caso do Brasil, a meu ver, de ambas: tanto da lida/escrita, quanto da cinematográfica, e suas "derivações".

Contudo, as alternativas comparecem de onde menos se espera. Não tanto do Ministério da Educação, que havia abolido o programa de Erradicação do Analfabetismo, ao eliminar Cristovam Buarque do cargo. Não do saber institucionalizado- argumento de autoridade- tão difundido no país desde o "tempo do bolinha", em seu excesso de citações e aforismos tornados bordões.

Prática muito bem ironizada por Machado de Assis em suas obras, por meio de narradores "casmurros" que, ao não pagarem o preço por suas visões, escondiam-se atrás dos recursos de um "discurso de respeito".

O escritor em questão sequer poupava os modismos absolutistas da época: determinismo, positivismo, cientificismo, junto às castas de "respeitáveis chavões". Por essas e outas, sua obra permanece tão atual, inclusive como estudo original de nossas entranhas.



"NA NOITE DE SÁBADO PASSADO, ventava e caía garoa nas dezenas de crianças espremidas numa viela íngreme e tortuosa de um bairro da periferia de São Paulo (Jardim Ibirapuera), transformada provisoriamente em sala de cinema. Nenhuma delas saía do lugar. Estavam atentas ao filme "O Garoto", mudo e em branco e preto, de Charles Chaplin.

Entre as cenas, quem dava dicas sobre o filme (tinha legendas em inglês) era o apresentador de TV Marcelo Tas, que fora atraído para aquela viela por um personagem que daria um roteiro ainda mais interessante do que o que se via na tela: um ex-traficante, Anderson Agostinho (apelidado Buiú), de 29 anos, que se apaixonou por livros. "Vi que também podia fazer com que as crianças gostassem de ler", conta Buiú.

Resolveu, então, fazer misturas sedutoras. Uma delas foi a criação de um campeonato de futebol em que, para participar, os garotos têm de fazer parte de uma roda de leitura. Outra foi a leitura que antecede um filme, com direito a pipoca e refrigerante.
A tela fica na viela, em cima da casa de Buiú, até pouco tempo só conhecido por causar medo.



Ele seguiu uma trajetória infelizmente comum: deixou a escola, abusou das drogas, viciou-se e, para bancar o vício, virou assaltante e traficante. "Eu tinha poder de liderança." Mas, vendo os amigos serem presos ou mortos, começou a pensar que iria seguir o mesmo caminho. "O que me incomodava mesmo era o sofrimento da minha mãe", diz, apontando para sua mãe, uma das espectadoras, naquela noite de sábado, do filme de Chaplin.

Como gostava de grafitar, Buiú meteu-se num programa de artes plásticas na região do Jardim Ângela, na zona sul. Passou a ter contato com arte-educadores. "Tive, então, a ideia de fazer alguma coisa na minha viela."

Testou a leitura. Primeiro, criou o campeonato de futebol com roda de leitura. Professores da região não só estimularam a ideia como quiseram contribuir na organização dos encontros. Com a aceitação, ele resolveu fazer, uma vez por mês, o cinema. Antes de cada sessão, alguém lê um trecho de algum livro.



Buiú voltou a frequentar o ensino fundamental. E quer ir mais longe. Descobriu uma pequena casa, no fim da sua viela, que poderia ser usada como biblioteca. "Virou meu sonho." Imagina que, com aquela casa, as crianças e adolescentes vão ficar menos nas ruas e mais metidos nos livros. Está percorrendo várias associações do entorno, entre as quais a Casa do Zezinho, da pedagoga Dagmar Garroux, para ver se o projeto da biblioteca sai do papel.

Uma das ideias é criar uma espécie de "viela-livro". Em todos os muros da rua, seriam copiados trechos de romances, contos ou poesias -o final daria na sonhada biblioteca. "Dá para encher este lugar aqui de poesia."



Enquanto a biblioteca ainda permanece no plano da ficção, o projeto como um todo já está atraindo uma série de pessoas -Marcelo Tas é uma delas- dispostas a fazer deste Natal um mutirão para coleta de livros para a viela."

(reportagem de Dimenstein)

Breves notas de um cinema do interior





Enfim, consegui assistir ao “Tudo pode dar certo”, de Woody Allen.

A primeira visão evocada é que se trataria bem mais de um filme de roteiro do que de imagem. Para o primeiro registro, até diverte. Para o “segundo”, falta alguma convicção e gana. Para ambos, os achados encavalam-se, sem o devido suporte da encenação.

Dá pra pensar que, parte do fato se deva à utilização de um protagonista saído do meio televisivo e que, por sua feita, o cinema de Allen, mais afeito, a rigor, à história do cinema e sua consequente filtragem teria fica um tanto quanto perdido num meio de caminho.

De qualquer forma, o diretor tem envelhecido -é claro-, como todos nós.

Mas se em seus melhores filmes, os "achados" carregavam consigo um forte substrato cético e mesmo pessimista, a imagem, por sua vez, tendia a um vigor, a uma crença na filmagem por espaços captados.

Dessa feita, o alter ego é mais ranzinza do que o habitual no diretor, o que por si mesmo não importaria. Acontece que, a partir desse imã de vista, a encenação parece contaminada, a apoiar-se em demasia no roteiro em detrimento dos elementos em cena, na maneira de conduzi-los, por um pobre sentido do tempo,... em que as coisas se acavalariam até um final. O que termina por transmitir certa preguiça de direção.

Se a mesma encontra-se sacrificada, o filme, em todo caso, pode funcionar como divertido programa televisivo.


Suprema Felicidade marca um retorno de Arnaldo Jabor ao mundo do cinema, com irregularidades que não chegam a desmerecer o filme.

A obra custa um bocado a engrenar, mal se sustentando em sua caricatura de Fellini, fundida a resíduos teatrais de Nelson Rodrigues. Os atores, em sua maioria, encontram-se bem deslocados em cena, coincidindo com o fato de Jabor abordar um Rio de Janeiro distante do “cenário jornalístico” atual.

Com o tempo, o cineasta passa a apostar com menos receio nas imagens, o que rende belas cenas, tais como a do carnaval de rua, a irromper abruptamente do extracampo para o campo, nunca se definindo por inteiro. O enquadramento é trabalhado como coreografia, em função dos cortes e tomadas, igualmente coreografadas com discrição. A direção, nesse caso, busca pontos e linhas de fuga de uma cidade e seu imaginário em que, tendo em vista o contexto repressivo, recusa limites.

Ao restante dos bons momentos coube a utilização de um recurso especificamente cinematográfico, o close, muito bem empregado em certos momentos, sobretudo quando do processo de consumação do primeiro amor do protagonista.

Filmados de forma pouco invasiva, rostos são captados e construídos em nuances, com propriedade de delicadeza.

Suprema Felicidade é, enfim, um filme feito de momentos que garantem seu interesse.

terça-feira, 14 de dezembro de 2010

Escolas e Escolas





No post abaixo, deixei um comentário sobre a direita festiva, algo que se tornou moda em imprensas com maior peso de influência no país.
Articulistas, em sua maioria, parecem falar uma mesma língua, bradando contra os mesmos "leões", e confesso que é algo que entedia um bocado.

Ainda assim, fiquei devendo um comentário sobre parte de uma "esquerda" que se considera "luz do mundo".
Humanistas que creem que, por seu próprio esforço, irão transformar o universo: Era de Aquário, combinação de neohippismo com Pandora, o planeta de James Cameron em sua superprodução para a Hollywood dos lobbies modistas.

Essa gente "santa" guarda seus maiores pecados em outros departamentos da alma. Dizendo-se a favor da liberdade, defendem o autoritarismo do "bem coletivo".

Em termos educacionais, seguem a cartilha dos primeiros livros pedagógicos de Rubem Alves, por exemplo. Os quais insistiam na tal sedução para o saber.

Para crianças, essas cartilhas até funcionam bem.
Já para adolescentes e adultos operam como justificativas para a fuga de certa "dureza" implicada em leituras, comprometimentos, reflexões um pouquinho mais agudas.

O mundo já mudou em demasia de lá pra cá. Temos o estatuto da criança e do adolescente e tantas outras coisas. Portanto, precisamos de novas concepções para um novo momento.

As crianças, segundo pesquisas, são as que mais influenciam os pais quanto à escolha das marcas em compras efetuadas. Carregam poder de compra, sem mínima autonomia para tanto.

Adolescentes, muita das vezes, não sabem lidar com desafios. E não me refiro, especificamente, à mercado de trabalho.

Trata-se de uma cultura povoada por romances de fácil deglutição,tão bem inseridos no mercado, que dificultam um trabalho crítico-reflexivo, tanto quanto um desafio frente à linguagens mais inventivas ou orgânicas, terminando por formar jovens suscetíveis demais, com muitos "direitos" e poucos deveres.

Desprezam Graciliano, Machado em nome de fadas e doendes. Isso em pleno Ensino Médio, com a cumplicidade de pais e coordenadores.

Não digo que se deva ler somente "clássicos". Daria até pra conciliar, mas tais leituras são tão hipnotizantes, impostas em disseminação aliciadora por mídias em jogo, que fica difícil o desafio de encarar outros autores- apostando na tão falada diversidade.

Quando os livros me mimam, torna-se insuportável ler qualquer coisa que caminhe por outras direções. Mesmo bulas de remédio. Tomar o remédio sem ler, como forma de me anestesiar. Seria esse o "remédio" para a educação?

Como muita coisa já chega pronta no google, como "várias" de fácil alcance, materiamente falando, muitos negligenciam, e de forma blasé, conquistas que propiciaram os bens de que usufruem. Daí,o empacar no presente perpétuo.

Em termos de escola privada e adjacências são os adolescentes quem mandam. Se não forem com a cara do professor, o mesmo terá de pular fora.

A educação, por mais que queiram dizer o contrário, não passa de mais um negócio. É a Editora Abril comprando o Anglo.

E por mais que se criem novas universidades federais e cursos técnicos, como têm ocorrido, comparativamente a um momento em que as mesmas eram sucateadas, o crescimento avassalador de faculdades privadas à distância vêm tomando conta na "nova ordem mundial" da pedagogia mercantil.

O grupo que mais oferece graduações e licenciaturas à distância hoje chama-se Roberto Marinho. E alguns ainda podem se perguntar, como conter Robertos e Civitas, na engrenagem da educação tornada mimo e negociata? Não será, em contraponto, formando ursinhos de pelúcia, com seus desejos legitimados por mercados e pais. Pardon: onde está "desejos", leia-se: caprichos.

Não será dogmatizando com "novos-velhos" e rígidos padrões questões do saber e do viver, com base em teorias já engessadas, com rosto de perfeitas, "politicamente corretas", a colocarem-se como salvadoras da humanidade, em nem tão implícito missionarismo autoritário. Em nome da "liberdade" e da diferença, embora tão logo exclua a última, no momento em que a mesma dissida em algo do modelo político propalado como mais avançado, embora o mesmo já esteja defasado frente à novas questões do mundo.

Tais escolas se afastam do mundo, compondo-se como mosteiros, como o outro-mesmo lado do que pensam combater. No entanto, a partir de uma atitude reativa, como que a substituir monges católicos. Constituindo-se como os "novos mosteiros" do modismo New Age.

Não à toa que, em meio a tantos princípios fixos, jovens sintam-se em importância desproporcional, como que sendo partes da melhor família da Terra, a desprezar demais escolas como inferiores.


Ps- Rascunhei(de uma lan) sobre a escola como um negócio da direita festiva, e sua contrapartida igualmente problemática: a New Age, pretensamente esquerdista e que de tão aferrada a seus dogmas, não consegue uma articulação com novas problemáticas.
Ou seja, não podendo ou conseguindo habitar o "mundo de fora", e criticando as aparências, terminam por cultuar sua autoaparência, a não passar de mais um partido com alma de "elite". Com a diferença de não se assumir enquanto tal.

Viva a liberdade!

Desculpem o "gerundismo", mas tal como muitos linguistas, não creio mesmo na balela.

quinta-feira, 9 de dezembro de 2010

Murilo Mendes






Há aqueles que abraçam um novo tempo ou novos tempos, como se os mesmos fossem abdicação histórica. Entendem a mesma como "processo evolutivo": teríamos saído, como homens da caverna, direto para a abertura a um reino de progresso material, intelectual, espiritual e científico.
Seríamos hoje "mais livres", em escala ascendente.

O mesmo raciocício se daria com as artes, tanto quanto com a metafísica.
A primeira "inútil". A segunda, "caduca".

Do contrário, podemos ser "cults fakes".

Por outro, rotulados como "fundamentalistas". Então, cuidado com a nova vigia de roupagem liberal. Crer, por si só, passa como sinônimo de fundamentalismo-essa palavra gasta.

Nesse raciocícinio é composto quimicamente um novo tipo de fundamentalismo, em que uma suposta visão da complexidade do mundo, do real, tão logo multiplica filhotes de "existencialistas franceses", chiques blasés, niilistas na dita "contemporaneidade".

Ou seja,como parte integrante de uma religião dita mais lúcida, mas, a rigor, somente mais desencantada.Embora tida como mais rigorosa, pra inglês ver.

Uma nova fôrma para se apegar, não simples, de fundo simplista, mas nunca admitida como tal. Uma religião tão bem organizada como qualquer outra, de um sistema tão falho quanto qualquer outro. Autojustificada como se fôssemos parte de um Novo tempo, o que excluiria o restante como "devaneio", "idealismo",etc.

Por um lado, alguns se entendem como parte de uma espécie de "Era de Aquário". Essa, a meu ver, implodida já nos próprios anos 60, em suas bolhas de basilisco lisérgico.
Hippie hoje é de botequim, mas insistimos acreditando em Pandora, nosso último refúgio de locus romântico, sem nunca admiti-lo como tal.

Se no Romantismo se fugia para trás, a fuga hoje é para frente, não guardando exatamente relações com o termo pioneirismo, para o bem ou para o mal.

Se menos exotéricos, somos direitistas festivos que, em nosso cinismo de adaptação terminamos, direta ou indiretamente, por aprovar tudo o que denominamos como "Real":
"É espúrio, mas é real...então, deixa valer".

"Real", uma instituição tão cultural e construída como as demais, assim como o plano Real que, posteriormente, passaria por sua crise cambial. Baixa na inflação não resolve desemprego em massa, precarizações no trabalho, problemas na saúde ou educação.

Tampouco o vigente Cálculo Previdenciário, criado em "pleno Real", como forma de reduzir o valor da aposentadoria, a desprezar anos de idade tanto quanto os efetivamente trabalhados.

Tal cálculo pensou em um presente imediato, sem calcular o futuro de idosos no país. Tendo em vista a crescente redução de nascimentos, presidentes de um "eterno presente" aposentam com seu salário de governo, enquanto aos demais é reservado um limbo, denominado Fator Previdenciário.
Parabéns aos modernosos blasés!

Se o romantismo do passado era uma enganação que nos levava a criar expectativas desproporcionais em pessoas ou causas, sua compensação niilista é a outra faceta de nossas frustrações, agora transmutadas em cúmplice embrutecimento. Ou em "administradoras de coisas".

Podemos não ser Emos, Góticos, mas abraçamos a "secura" como uma bela prenda, nos inspirando em Hemingway, como o grande mestre da escrita: nosso dogma mais íntimo, oculto e religioso.
No caso da poesia, nada vale se não copiarmos João Cabral...
...basta disfarçar um pouco.

Cabralianos sem cabral- ou não- deixemos pra depois.

Abaixo, poema de Murilo Mendes, que não recusou a metafísica colada ao demasiado humano.
Teria ele caducado? Ou nosso desencanto ranzinza, estilo alter ego de penúltimo Woody Allen, é o que nos torna tão exultantes do "desespero festivo"?

Viva a intelectualidade Axé da direita brasileira, travestida de letrada- deve mesmo ter de pular e se embebedar-, como forma de, quem sabe?, "compensar" seu deserto ético, narcísico.

...E, ao ser irônico, quase me entrego ao cinismo que menciono por aqui...






"Vocação do poeta"


(Murilo Mendes)

"Não nasci no começo deste século:
Nasci no plano do eterno,
Nasci de mil vidas superpostas,
Nasci de mil ternuras desdobradas

Vim para conhecer o mal e o bem
E para separar o mal e o bem.
Vim para amar e ser desamado.

Vim para ignorar os grandes e consolar os pequenos

Não vim para construir a minha própria riqueza
Nem para destruir a riqueza dos outros.

Vim para reprimir o choro formidável
Que as gerações anteriores me transmitiram.

Vim para experimentar dúvidas e contradições.

Vim para sofrer as influências do tempo
E para afirmar o princípio eterno de onde vim.


Vim para distribuir inspiração às musas.

Vim para anunciar que a voz dos homens
Abafará a voz da sirene e da máquina,

E que a palavra essencial de Jesus Cristo
Dominará as palavras do patrão e do operário.

Vim para conhecer Deus meu criador, pouco a pouco,
Pois se O visse de repente, sem preparo, morreria."

domingo, 5 de dezembro de 2010

Línguas e Linguagens








Algumas vezes nesse espaço foi falado sobre Oswald de Andrade, Mário, Carlos Drummond, Adoniran Barbosa, Noel Rosa,... Com o intuito de procurar entender o que seria uma tal “língua brasileira”.

O primeiro movimento de busca de uma literatura mais autônoma no Brasil foi o romantismo. Mas, na maioria das vezes, celebrava-se nossa exuberante natureza e nenhuma pesquisa viável sobre cultura propriamente dita chegava a ser feita, ou bem era ignorada.

Em José de Alencar, a natureza brasileira representa o paraíso. Mas tal Éden só seria completo em casamento com a cultura do colonizador.

Lima Barreto, pré-modernista, consumou uma linguagem mais despojada, a ponto de ser tratado pelos monarcas da língua como escritor de incorrigível desleixo. Além do mais, negro.
Hoje, percebe-se que está entre nossos melhores.

Machado de Assis, igualmente mulato, “se escondia” atrás de um narrador de certa casta brasileira.
Sua narrativa era a voz de um protagonista casmurro, volúvel, incapaz de lidar com certas situações como, por exemplo, aceitar viver, sem dramas de consciência, com uma mulher que chegara a estabelecer amizades com homens(na obra Don Casmurro).

Muitas ainda confundem o narrador com o escritor, como a crítica Pauline Kael fez em um texto sobre Rastros de Ódio, chamando John Ford, diretor da obra, de racista, pelo fato de seu protagonista sê-lo em demasia.
Não soube separar o cineasta do personagem doentemente obsessivo.

Com o Modernismo propriamente dito, milhares de arestas deixadas por românticos, parnasianos e etc., seriam ironizadas e limadas.
Sem o esforço, talvez não houvesse Graciliano Ramos, Carlos Drummond, Murilo Mendes, Clarice, Guimarães Rosa, entre outros e outras.

Contudo, com o empenho grandioso de autonomia e pertinência de um linguajar, não conseguiríamos escapar ainda de Marquês de Pombal em muitas esferas, desde que o mesmo impôs uma língua oficial, unificada e lusitana para o Brasil.

Simultaneamente, o mesmo marquês que dinamitava com a educação brasileira, ao empregar professores na base do “espontaneísmo”, em que o critério era a falta de critérios.

Um tanto por conta isso, nossas petições são mais demoradas, nossos exercícios jurídicos morosos, etc.
Somos um país de burocracias infindáveis e tudo isso, claro, passa pela língua, já que a mesma significa poder.
E, no caso formal-formalista, marca de “status”, reconhecimento social.

Brasileiros sempre buscaram marcar sua distinção pela língua, em que profissões ditas “respeitáveis” exigiam uma mimese do léxico mofoso pombalista.
Quem falasse mais para “brasileiro do que para português” (Noel Rosa) sinalizaria seu locus de “cozinha da nação”.

Nos anos 50 e 60, com a brecha de ditaduras anteriores, como a de Vargas, o país experimentou um imenso crescimento cultural: música, teatro, arquitetura, cinema, em que muitas das lições modernistas passaram, enfim, a serem incorporadas por artistas e outra parte da população. Mesmo que antes disso, músicos como Noel Rosa ou Lamartine Babo, em plena ditadura anterior, exploravam a autonomia e abertura nos modos de se expressar.

Em 1964, houve -pra variar um pouco- outro golpe militar e, posteriormente, um terrorismo mais acirrado, com a instalação do AI-5 em 1968.
Tornaríamos a regredir para o oficialesco oligárquico, em nome da “integração e da segurança nacional”.

Com Médici no poder, a educação era redinamitada, em busca de um modelo industrialista de fragmentação de saberes mecanizados, entre outras “intempéries inócuas”, como diria algum dicionário bestialógico.

Com o advento das Diretas (nem tão diretas assim, por obra e graça de nosso colegiado eleitoral), assumiria o oligarca José Sarney como presidente do país, com seu linguajar bacharelesco. O mesmo-mesmíssimo político do outrora partido único da ditadura: a Arena.

A partir das breves observações, podemos entender um pouco da relação entre linguagem, estagnação e poder retrógrado no Brasil.
O mais, deixo por conta do linguista e escritor Marcos Bagno:



“Quando os revolucionários franceses demoliram a Bastilha em 14 de Julho de 1789, decerto ficaram tão emocionados com o feito que se esqueceram de demolir outro prédio, o da Academia Francesa. Que pena!

Tanto quanto a Bastilha, a Academia representa o que há de mais arcaico e feudal. Basta lembrar que foi fundada em 1935 por ninguém menos que o cardeal Richelieu (para quem leu ou assistiu Dartagnan...), todo poderoso chanceler de Luís XIII, em pleno apogeu do regime monárquico absolutista.

Se a coisa ficasse por lá, entre os pernósticos franceses, não teria problema. Mas os espíritos colonizados não iam suportar abrir mão de mais uma macaqueação francófila. E toca a fundar a Academia Brasileira de Letras em 1897, com os mesmos 40 membros da francesa e num prédio chamado Petit Trianon, cópia em escala menor da outra.

Criada já na República, a ABL é um belo símbolo do caráter oligárquico, elitista e aristocrático de nosso regime republicano, inaugurado por marechais.

Eu não teria nada contra uma Academia Brasileira de Letras se ela prestasse para alguma coisa.

Mas como querer cobrar qualquer presença significativa de uma entidade que tem entre suas “imortais” figuras desprezíveis como José Sarney, senhor feudal do Maranhão e do Amapá, e Marco Maciel que (graças a Zeus!) não foi reeleito pela ducentésima vez para cumprir seu destino reptiliano de “se há governo, sou a favor”...

Adorei quando o bruxo Paulo Coelho foi eleito para a ABL, pois assim o escracho se institucionalizou de vez. No entanto, lamentei quando as mulheres foram admitidas nesse antro de vaidade essencialmente masculina (aliás, vaidade masculina é redundância: comparada à dos homens, a vaidade feminina é uma bênção). E, claro, essa admissão se deu porque a matriz francesa abriu as portas às mulheres.

Quando vejo a produção, por exemplo, da Real Academia Espanhola, fico roxo de inveja. O dicionário da ERA é uma beleza, abrange todas as variedades das línguas faladas mundo afora...
Recentemente, em conjunto com todas as academias de língua espanhola do mundo, foi publicada uma monumental gramática da língua, em dois volumes, com mais de 3.000 páginas, contemplando e dando aval a todas as formas de falar a língua, já devidamente implantadas nos diferentes países.

O problema do português é que ele é uma língua polarizada: Portugal e Brasil. E como tradicionalmente somos colonizados por portugueses, apesar de termos um território dezenas de vezes mais amplo, uma população dez vezes maior..., ainda temos de acreditar nas bobagens que as gramáticas normativas tentam nos ensinar, desconsiderando por completo as características próprias do português brasileiro. E toca a usar mesóclise e outras igualmente ridículas... ”! Ay, qué invidia!”


Ps. O texto de Marcos não fala, mas Roberto Marinho chegou a ser bacharel na Academia.
Ou seja, chegou a ser “imortal” até morrer.
Drummond, por sua vez, ao ser convidado, preferiu recusar o penduricalho.