quinta-feira, 28 de julho de 2011

Frank Tashlin- Continuidade







Trecho de entrevista realizada por Peter Bogdanovich:


1- "Quais diretores você aprecia?


Qualquer um que seja bom, creio. Sou grande fã de Hawks. Ele tem coragem de fazer de tudo: comédias, musicais, westerns...E creio que Welles é muito bom. Não existe filme melhor do que "Cidadão Kane" ou "The Magnificent Amberson" (Soberba).

Alguns anos atrás, quando eu trabalhava na RKO, assisti ao copião daquele filme sul-americano que ele não chegou a terminar- "It´s all True" (sobre o Brasil). Muito era em cores.

Não sei, devo ter ficado sentado por umas dez horas, e não consigo descrever o que vi. Era diferente de tudo que eu já tinha visto.



2- Pessoas como Godard e Truffaut são grande admiradores de sua obra. Você tem consciência da reputação de que goza na França?

Um dia, fui a Paris. Nunca tinha estado lá. Eu não conhecia ninguém, nem ninguém me conhecia.

De qualquer maneira, entrei numa livraria e, numa estante, lá estava o meu nome na capa de uma revista, Positiv. Peguei a revista da estante e a folheei. Eu estava tremendo. Ao todo, umas trinta páginas sobre mim- três ou quatro autores, uma lista de meus filmes.

E o que diziam!? Não sei ler francês. Umas poucas pessoas traduziram um pouco pra mim. Desde então, tenho incluído algumas nos meus filmes especialmente para o público francês- pequenas coisas que sei que só eles perceberão.


3- A maioria dos seus filmes inclui mulheres com seios grandes, e há muitas gags a respeito de seios exagerados.

Sim, isso é parte da coisa. A imaturidade do macho americano- esse fetiche com seios. Não se podem vender pneus sem seios. Imagine uma estátua com seios como os de (Jayne) Mansfield- imagine aquilo em mármore. Não gostamos de pés grandes, ou de orelhas grandes, mas transformamos uma mulher em ídolo porque ela tem seios enormes.


4- Quais dos seus filmes são os seus prediletos?

Tenho grande satisfação com "Will sucess spoil Rock Hunter?" ( "Em Busca de um Homem", 1957). O meu amigo Buddy Adler era um grande produtor. Buddy disse: "Todo mundo me aconselhou a não deixar você fazer isso, mas vá em frente, você sabe o que está fazendo".

Assim, por causa de Adler, "Rock Hunter" não fez concessões.


5- A Televisão:


" A propósito, eu realmente odeio a televisão. Não é experiência alguma: as pessoas ficam sentadas em casa- não participam- , apenas ficam lá sentadas, mudam de canal e fazem críticas. Detesto.


6- Jerry Lewis:


Como é dirigir Jerry?

Jerry nunca ensaia. Faz uma única tomada e está feito. Tentar ensaiar Jerry é a morte. Às vezes, quando tenho de repetir uma cena, ele a altera e faz algo completamente diferente. Esse é o charme dele- nunca se sabe o que ele vai fazer em seguida.

Ele não lê suas falas até o momento em que entra no set, e de qualquer modo nunca se prende ao que está escrito- normalmente, ele melhora as falas.

Só digo a ele em linhas gerais do que se trata e ele a faz, de uma vez só, com muito êxito. Mas não se ganha crédito algum por fazer um filme de Lewis."



Observação do bloguista:


1- A propósito, assisti por esses dias ao "Bagunceiro Arrumadinho", em que a direção de Frank Tashlin trabalha figurações do consumo- seja pessoas ou objetos-, como algo da ordem do grotesco e do caricatural.

2- Nota-se também seu horror ao culto monetarista em um hospital, junto a uma abordagem desmistificadora da "mulher romântica", via paródia sarcástica: caso da moça pertencente à torcida de futebol americano, por quem Jerry se apaixona. Contrariamente a ela, há a mulher comum- que é apaixonada por Jerry.


3- Já as pessoas que trabalham na TV são tratadas como a principal fonte de renda para hospitais psiquiátricos.

4- Ao passo que inúmeros objetos de supermercado são implodidos por seu humor caótico, atroz, tal como as lojas de bens domésticos e roupas em "estoque quente", de seu encantador "Errado pra cachorro".


5- Portanto, percebe-se que a estética de Frank Tashlin opera como que no espaço de suas obras: algo que, a qualquer momento, pode vir a abalar sua moldura clássica, figurativa, a despeito de seu inegável senso do Belo.

terça-feira, 26 de julho de 2011

Carta aos amigos professores- a partir da sessão do filme " Cidade de Deus"





A julgarmos por um histórico de telenovelas, jornais (teles ou não) e por muitos filmes nacionais( mas não somente), o pobre ou negro no Brasil sempre foi condicionado a ser visto como “coitado”. Ou, pior, como alguém perigoso, um Et indigno de confiança.

Mas quase sempre é ele que comparece a ameaçar nossa bolha pretensamente bem montada, como habitat físico, psicológico, místico, cultural, etc.

Quando certos ricos ou a dita classe média decide tematizar o “social”, a tendência é das coisas se inverterem. E, como no caso do filme "Cidade de Deus", impõe-se uma espécie de videoclipe do horror, entre blindagem extrema de proteção- de um lado- e extremado terror- de outro.

São eles ( eles "Quem?" ) uma categoria de Outros, a nos ameaçar em nossa previsibilidade pseudoracional e emocional.

Telejornais e cia enfatizam a violência em favelas, como reiteração de estereótipos. Mas como nada é problematizado em suas imagens e sons, não haveria "história", processos. Mas tão somente destinos, fatalidades.

Se, por um lado, teríamos, com isso, a cultura do pânico, do autocentramento sombrio. De outro lado de uma mesma moeda, um anestesiamento em aparelhagens de anulação históricohumana, uma vez que esquizofrenia e autismo sociais são doenças que demandam remédios (drogas, bebidas, videogames, taras) diante da alienação na multidão, da falta de algum comprometimento por quem quase somente absorve suas enevoantes substâncias provenientes de (hiper) conexão prolongada.

A tv, como bem dizia Paulo Freire, esforça-se por nivelar passado, presente e futuro- esse mesmo que, virtualmente, comparece como já dado, pronto. Frente a isso, como estar disponível a processos de descontrução ou reconstrução?

Hoje observamos um tipo de renegação do passado, como se dele proviessem tão somente "nostalgias". Afinal, “nessa época eu nem havia nascido”, uma vez que o mundo começaria a partir de meu umbigo, como no da eterna criança ou adolescente.

Como se instantes e processos não se cruzassem, se reabsorvessem, enquanto nosso “tão novo” se torna, em mesma velocidade, gagá: um produto novo-velho.

Diante disso, podemos nos refugiar em variações cosméticas- reais ou virtuais-, ao passo que o tempo e suas reelaborações de “identidade” até pudesse nos passar batido. Como se não houvesse história pessoal.

E cínicos, acomodados, estivéssemos com nossa Santa Razão ou nosso niilismo congelados em movimento multicircular, como o cachorro a comer seu próprio rabo.

Não falo aqui em revoluções, como, por exemplo, a dos anos 60. Mas a favor de algo que, não nomeado, seja contra a estagnação educacional.

No caso de professores, por certo estudo, sem prévia fragmentação. De artistas, por pincelamentos.

De intelectualistas, por vida. De mídias, por menos desinformação.

De religiosos e partidaristas, contra fundamentalismos.

De esotéricos, por argúcia crítica.

De céticos, por maior entrega e abertura a “algo mais” ou menos.

Por uma desautomatização do olhar, dos ouvidos, contra certas receitas de explicação para tudo ou acadêmicas teorias do "hiper-racionalismo" , ou do bode.

Desaprendendo tanta coisa, podemos entrever nelas certas brechas, e quem sabe nisso, o inusitado. O "simples" ?

Nada disso é, para como se diz, mudar o mundo. É tão somente uma carta de blog.

domingo, 24 de julho de 2011

Lucidez



Iria postar, por aqui, algo sobre cinema, mas, alucinado, deparei-me com um texto quase emergencial, em que o autor consegue escrever com extrema precisão a respeito de algo pensado por esse inepto bloguista. Sobre o qual não conseguiu escrever...

Com a permissão de Afonso Romano de Sant' Anna


"Pseudoimbecilidade e Pseudointeligência"


As crianças criam a “pseudoimbecilidade” como forma de se defenderem. Fazem-se passar por estúpidas quando estão num contexto que não podem nem aceitar nem modificar. Leio isso no livro A ambiguidade, de Simona Argentieri, que sairá brevemente no Brasil.

Serão só as crianças?

Paro a leitura e penso. O que isso teria a ver com o conceito de “servidão voluntária” de que falava, há mil e quinhentos anos, o filósofo Boethius, no decadente Império Romano? Tem gente que aceita silenciar, se moldar, ser subalterno ou se comporta como os animais que se mimetizam com o ambiente para não serem notados. É um tipo de esperteza, esperteza que consiste em parecer estúpido.

Como variante disto, penso também na questão das pessoas que se inserem numa ideologia que está na moda. É uma maneira de se exibir usando uma carapaça charmosa. E isso me leva logo a uma outra categoria que poderíamos criar — a do “pseudointeligente”.

Uma pessoa pode, por exemplo, passar por “inteligente” nos meios acadêmicos e nos bares simplesmente recitando o receituário de uma certa filosofia ou de um autor que entrou na moda. Pode passar por alguém que está “por dentro” quando, na verdade, ou seja, é um parasita da ideologia dominante.

Se o “pseudoimbecil” se retrai ocultando a sua verdadeira opinião, como casca, para se defender (mecanismo que Winnicott estudou), o segundo avança criando uma máscara de falso ajustamento, e quando sozinho, não sabe o que fazer da angústia e da insatisfação que esse comportamento deixa residualmente.

Os regimes autoritários, as inquisicões, as patrulhas ideológicas obrigam o indivíduo a esconder sua verdadeira opinião. Realmente, é um risco desafinar no “coro dos contentes”. Alguns perdem a cabeça, o emprego, o espaço nos jornais.

A “pseudointeligência”, que é uma maneira sábia de ser covarde, nos leva a consumir o que está na ordem do dia, seja a moda, a roupa, a música, a arte e até a comida. Os argumentos usados, já que são gerados por um “falso ego” — o da máscara — repetem a vulgada, o discurso alheio. Poder-se-ia dizer que, neste caso, são pessoas que não têm “redação própria” ou “autonomia de voo”.

A coisa é tão complexa e sutil e, às vezes, tão paradoxal que a cultura contemporânea tem incentivado a “pseudointeligência” de formas novas. A ascensão das nulidades, o culto ao mercado, a necessidade de seduzir as classes C, D e E estão embaralhando não só sujeitos e objetos, mas sobretudo os conceitos".

quinta-feira, 21 de julho de 2011

O Pessimismo cínico- por Christian Dunker




"Há certo consenso intelectual, não sem motivo ou precedente, de que a expectativa de alguma mudança vai bem com a desconfiança. Aplicação às avessas da lei universal da decepção pelo consumo.

Regra: o objeto, quando consumido, será abreviado da propriedade mágica que ele possuía antes de ser comprado. Propriedade encantada que se desmancha nos primeiros encontros de usos e abusos. Decepção, bem ou mal disfarçada, cujo modelo é a criança mimada às voltas com seu brinquedo novo.

Tenho cá minhas dúvidas com relação a essa moral prevenida de que sentimentos e aspirações mais positivas devem ser aniquilados por um modelo de decepção calculada, que recriminamos como uma disposição infantil e cuja voz sussurra aos conformistas: "é melhor fugir de promessas, assim a gente reduz perdas, não faz papel de bobo. O que vier é lucro".

É a atitude defensiva, baseada no ressentimento social e na tese de que é melhor não apostar em jogo viciado, que inspira um tipo de idealismo, disfarçado de crítica realista e insuficientemente analisado.

Explico. O mais-de-gozar depende da identificação entre um objeto de consumo e o objeto traumático da nossa fantasia inconsciente. Assim gozamos duas vezes e não pagamos nenhuma: gozamos ao reviver a ilusão infantil na qual teríamos sido o objeto da promessa otimista de nossos pais, e gozamos do fato de que nada perdemos com nosso pessimismo, pois "pior que está não fica".

Ou seja, esperando o tempo necessário, seríamos confrontados com a verdade de que "só mudam as moscas", o resto continua tudo igual. Cara, eu ganho, coroa, você perde. O leitor agora está em condições de advinhar quem é esse resto obsceno que não muda nunca.

A ilusão pessimista reside na convicção de que algo precisa e ficará necessariamente igual a si mesmo, não importa o que aconteça. Idealismo preguiçoso, baseado na crença última de que há uma essência que permanece. Crença falsamente realista que nos conforta com o sentimento de "segurança" e "estabilidade", de que existe uma mesma coisa traumática em torno da qual as moscas se revezam".

Crítica de música- Carta 100





" O que seria, a rigor, na pós-modernice" o mero ato de provocar? Repetir as mesmas ladainhas dos 60 ou das "Revistas Mangás" nacionais de praxe?

Arte não é somente provocação. Pode também ser sutileza, relação entre cores, texturas, ludicidade,...

O cara que vive sempre a esperar por um "choque", pode perder todas as nuances que uma boa música ou um bom livro lhe ofereceriam.

Claro que muitos preferem os malabarismos, ou somente aniquilar com o que chamam de "velho". Quando sabemos que o novo é feito em diálogo com esse algo chamado "passado".

Ou seja, tais críticos já chegam armados com suas "ideias de guerrilha artística" em mente. Ora, isso não seria ser banal, "careta"?

Se as coisas funcionassem dessa maneira no Brasil, romancistas e poetas de provocação mais acirrada (explícita) - Oswald ou Mário- seriam os nossos "maiorais". Mas desconfio que, na poesia, Bandeira, que parecia mais "careta" que os demais, permaneceu melhor. Drummond- menos chocante? Idem.

Murilo Mendes foi dar uma de Ezra Pound em fim de carreira, convertendo-se em chato futurista, menos vigoroso do que antes. Já no romance, Graciliano Ramos ou Clarice, que vieram após o primeiro modernismo, saíram-se- também- melhor.

Quanto à crítica de música, o "provocador" Pedro A. Sanches dedicou-se a escrever um livro inteiro com o intuito de desmistificar nomes da MPB. Nesse caso em específico quebrou a cara, pois falava somente às letras, ignorando os músicos.

Hoje atua como defensor de bandas como Calypso, como parca estratégia ideológica".

quarta-feira, 20 de julho de 2011

A Tela, o Espectador, a Criação- 2







De meus cineastas favoritos, o iraniano e contemporâneo Abbas Kiarostami não tem sido encontrado com facilidade por essas paragens interioranas. Deixo, portanto, por aqui trechos de um belo texto do Inácio Aráujo sobre traços de uma obra instigante:



"Talvez a pergunta básica proposta pelo cinema de Abbas Kiarostami possa se formular assim: onde se forma o filme? Ele existe na cabeça que o concebe? Na realidade que a câmera apreende? Ou no olhar do espectador? A resposta, simples e complexa ao mesmo tempo, pode ser a seguinte: em todos esses lugares.


Diferentemente de Hitchcock, mas próximo de Ozu ou de Rohmer, o vazio é uma instância fundamental no cinema de Kiarostami. De início, partimos de um realismo radical: tudo o que está na tela anuncia-se como real. À medida que o filme se desenvolve, no entanto, percebemos que esse real não é monolítico. Ele comporta buracos, vazios, silêncios.

Esses vazios conformam a distância fundamental entre o diretor, a câmera e o olho do espectador. Entre o aparelho que rouba fragmentos da realidade e a cabeça que os organiza existe uma separação: uma não consegue aderir inteiramente à outra.

Entre o filme que se vê projetado na tela e o nosso olhar de espectadores, verifica-se outro hiato: por mais que nos identifiquemos com o drama que se desenrola à nossa frente, ele não é nós mesmos.

Existe uma zona vaga, que nunca se pode anular inteiramente. Ao mesmo tempo, é a fatalidade desse vazio que abre a uma esperança de comunicação.

Quanto mais se distancia do início de sua carreira, mais Kiarostami formula essa ideia das distâncias, mais seus personagens são seres em situações extremas, e somos, com isso, solicitados a compreender alguém difícil de ser compreendido.

O suicida Badii, de Gosto de Cereja é, nesse sentido, o mais radical de seus heróis, já que não faz qualquer esforço para ser compreendido e, em princípio, coloca-se nos antípodas do espectador. Trata-se, a cada momento, de optar entre a vida e a dissolução, entre a beleza e o nada.

Nesse ponto, é preciso dizer que as sugestões lançadas por Abbas Kiarostami são francamente positivas. Em meio aos atropelos, reveses e infortúnios por que se passa, é sempre possível vislumbrar a beleza - o filme pelo menos a mostra; o personagem chegar a apreendê-la é outra história.


Pode-se falar, assim, de um otimismo kiarostamiano, mais próximo de Dreyer do que dos demais citados. Mas um otimismo contido, pois prevê a limitação humana. O cineasta não é um deus. É um ser limitado. Ele pode mostrar a beleza. Não pode forçar seu personagem a vê-la ou o espectador a partilhá-la. O filme não é puro produto da ideia de um diretor. Ele é o encontro entre o cineasta, a tela e o olhar do espectador.

É um produto do encontro entre essas três instâncias, e esse é, afinal, o milagre enunciado pelo cinema de Abbas Kiarostami: a frágil possibilidade de entendimento humano a partir do vazio de cada ser, da impossibilidade de ser uma plenitude, de existir sem o outro. E para que esse entendimento possa se manifestar, é preciso que o cineasta abdique de si mesmo, de suas ideias, retorne ao estrito real. Vemos, assim, que Kiarostami não é uma novidade absoluta.

Sua originalidade, porém, é clara, inscreve-se na história de sua arte, sobre a qual reflete, e que incorpora à sua compreensão das coisas. É possível que, pelo realismo e pela maneira positiva de encarar o mundo, sua obra possa se aproximar de cineastas como Roberto Rossellini ou Jean Renoir. Mas é sobretudo entre os discípulos de Howard Hawks que Kiarostami também deve ser, afinal, incluído.

Pois, conforme a definição clássica de Jacques Rivette, caminhando, Hawks prova o movimento, respirando, Hawks prova a existência. O que é, é. Uma definição que se aplica bem ao realismo do iraniano. Mas à qual ele acrescentaria uma dúvida final: Será?"

terça-feira, 19 de julho de 2011

Em sala: Flip- parte 2 (a discutir)






"A FLIP deste ano escolheu fazer uma homenagem a Oswald de Andrade e à antropofagia. É merecida a lembrança de um dos ícones da Semana de Arte Moderna. Chamaram até Antônio Cândido, 92 anos, para fazer um depoimento.

O mestre da USP, que conviveu com Oswald, é um dos raros casos de equilíbrio critico sobre o autor de "João Miramar". Consegue, afetuosamente, ver seus defeitos e virtudes.

Na década de 50, desaconselhou o poeta a candidatar-se à cátedra de filosofia, pois não via nele um pensamento conseqüente, apenas intuições mais ou menos luminosas. Como Oswald mesmo confessaria no seu diário, era um " bricoleur da cultura".

Portanto, esta deveria ser também uma oportunidade para se rever a obra e o pensamento daquele que causou certo furor em algumas tribos nacionais. Fazer isto não desmerece necessariamente as pessoas, mas esclarece a história.

Heitor Martins, por exemplo, já em 1968 escrevia um ensaio em que mostrava que a idéia da antropofagia de Oswald era tributária de Marinetti e Picabia. Veja-se o "Manifesto Canibal", de Francis Picabia (1920).

O movimento que alguns pensam ser essencialmente brasileiro, não o era. Que a teoria da antropofagia tem um certo charme, isto tem. Um belo marketing. No passado dei muita aula sobre isto e o assunto me seduz tanto que fiz um livro- " O canibalismo amoroso". Para usar a metáfora canibal, eu diria que Oswald deve ser devorado, não adorado. E quando a gente se banqueteia ou come algo, tem sempre umas partes indeglutíveis.

A teoria da antropofagia sobre ser característica universal e não especificamente brasileira: hoje com a globalização estamos todos sendo devorados, índios e civilizados.

Lembro-me de ter recebido a visita de Haroldo de Campos em Los Angeles nos anos 60. Um dia, num restaurante em Westwood, ele, que era siderado na teoria da antropofagia, me disse que estava perplexo ao constatar como os americanos, mais que os brasileiros, devoravam todas as culturas.

Oswald não era o grande poeta que alguns dizem ser, mas um captador de "roteiros", um agitador, um gênio fecundante que fazia um par de opostos com Mário de Andrade. Curiosamente ele gostava de Catulo da Paixão, cita Cassiano Ricardo como grande poeta brasileiro e silencia sobre Drummond ou Cabral.


Mas a coisa intrigante no famoso "Manifesto da Antropofagia" escrito em 1928 é que, depois que se espalhou que os caetés tinham cometido aquela atrocidade, os brancos tomaram suas férteis terras . Ou seja, os brancos é que devoraram os índios".

(Afonso Romano de Sant' Anna)

Literatura na Flip- 1




" Na conferência de abertura, uma dupla de peso: Antonio Candido e José Miguel Wisnik. Falaram da vida e obra de Oswald de Andrade.

Antonio Candido, como único intelectual vivo que conheceu o autor de "Serafim Ponte Grande", amenizou a violência com que Oswald de Andrade atacava autores em suas críticas literárias, sem poupar ênfase na cor da pele e até na deficiência física de alguns escritores. Mas sublinhou que o homenageado jamais guardava mágoa e foi capaz de se reconciliar com Antonio Candido, após esculhambá-lo num texto crítico.

Meu primeiro contato com a obra de Oswald de Andrade foi em 1966, quando José Celso Martinez Corrêa, diretor do Teatro Oficina, me convidou para assistente de montagem de "O Rei da Vela". A peça me parece melhor que o texto. Marcou o ápice do movimento tropicalista, uma forma irreverente de reação à ditadura militar.

Tentei gostar dos demais livros de Oswald. Não consegui.

Penso que o autor casou mais furor que os próprios livros. Talvez seja essa a razão por que Antonio Candido e Wisnik realçaram o homem e suas ideias e deixaram de lado a obra dele.

Aplaudi a dupla Bartolomeu Campos de Queirós e Ana Maria Machado, na mesa do Movimento Brasil Literário. Bartô frisou que a escola não educa, adestra. Não por acaso, lembrou ele, alunos castigados são, às vezes, remetidos à biblioteca.

A biblioteca deve ser o espaço de diálogo e não apenas de consulta, sugeriu. O livro não é apenas um texto que se lê, é também um texto que lê o leitor, dialoga com ele, muda sua ótica de vida. O papel da literatura é ampliar o nosso campo de visão, aprofundar nossa consciência crítica e dilatar nossa capacidade de sonhar. Viver sem sonhar é mero sonambulismo".


(Frei Beto)

sexta-feira, 15 de julho de 2011

Continuação- Hitchcock, Dostoiévski e simbolistas







Seria possível, a partir até dos críticos chamados "jovens turcos" sugerir algumas hipóteses, inclusive dessa relação entre cinema e "mística", espiritualidade, numa continuação, por outras vias, de André Bazin.


1- Gravidade e Graça:

Em "Janela Indiscreta", há tanto as projeções do fotógrafo- James Stewart- quanto a presença do corpo no mundo- por Grace Kelly.

Para o diretor inglês, o cinema ocorre nesse acoplamento em que ideia (projeção) e matéria se interceptam a compor os limites do mundo-ficção.

Ou, em outros termos ou sub-planos, o cinema define-se moralmente como o lugar da Gravidade e da Graça morais, nada indigno dos tormentos de Dostoiévski, grande escritor russo.

A Gravidade presente no fotógrafo Stewart, a carregar consigo forte suspeição e a persecução no olhar siderado.

E a Graça, ou seja, Grace Kelly, sua namorada, a participar com a leveza e o plainar dos corpos, tal como na cena crucial em que ocupa o apartamento do assassino para o orgulho e a angústia do namorado que supõe, dessa feita, perdê-la para sempre.


2- Fotógrafo do Moderno e Vampiro de Charles Baudelaire:


Nessa obra é mais do que nítido que, em Hitchock, o cinema é o lugar da visão e da alquimia atualizadas.

O protagonista é um homem noturno, que mal dorme para vigiar os habitantes do outro prédio, tal como um "vampiro" de Charles Baudelaire a querer sugar a aparência dos seres, compondo para si os sinais na trama das correspondências. Ou seja, é um pintor-fotógrafo e analógico da modernidade.

Grace Kelly, de frívola burguesa ocupada com a moda dará seu salto definitivo. Encontrando a ponte que a conduz para o outro lado da vizinhança, em que escalará com a ligeireza e o flutuar de alguém que se descobre e se desdobra como seu avesso, corpo angelical.

Dessa maneira, trará consigo a possibilidade de libertação do namorado, de suas obsessões de não comprometimento e de leviandade do olhar.


3- Olhar para a Tela e ser Olhado por ela

Após revirar as provas do suposto assassinato que teria desencadeado as atitudes de suspeição do fotógrafo, entregará indiretamente o mesmo ao assassino, ao escancarar com toda graça (Graça) um nítido sinal- a aliança: prova do crime e possibilidade de união para um casal. Em outros termos, desconstrução do amado e alquimia moral.

No universo de Stewart, a casa do crime se constitui como a hesitante moradia das projeções de um fotógrafo. Retirar, portanto, em meio a esse projetado cenário cinematográfico uma aliança seria menos trabalho de ourives do que contundente alquimia detalhada e enfatizada dos sentidos, de sinais (signos) imagéticos. O cinema de Hitchcock encontrar-se-á consubstanciado nesse definitivo plainar de Kelly, a desconstruir o amado a seus próprios olhos.

Dessa forma, será permitido ao fotógrafo obsessivo olhar no espelho do crime e do amor sua própria faceta, como o outro lado do espelho em que tanto se projetava e até residia.

Ele foi, afinal, o precipitador do possível assassinato da namorada. Ou seja, Grace Kelly, ao encarnar o avesso de si mesma, expõe o avesso do amado para o próprio.

Se, até então, víamos quase todo o tempo o que Stewart via de seu prédio é a vez do cinema olhar para o fotógrafo, justamente quando as imagens de Hitchcock buscarão outros focos: exatamente no instante, por exemplo, em que uma solteirona de um outro andar escapa ao suicídio, devido à conclusão de uma composição que um pianista do mesmo prédio tentava a todo custo aprimorar ao longo do filme.


4-Cinema e a música, ou a Herança simbolista em ação


Tal música detém a então solteirona, o que faz com que outros mundos intervenham na ação, trazendo novas perspectivas- menos obsessivas e mais dinâmicas,- conduzidas por um maestro de imagens (Hitchcock) em filiação com a música e o corpo leve e esguio da namorada.

A alquimia de Hitchcock- e de Grace Kelly- desconstrói Stewart, mas o primeiro foi compassivo, salvando-o por um triz.

Tratando-se, a rigor, da possível salvação de um homem, curado agora da doença de espiar, e talvez mais preparado para o mundo do comprometimento, das alianças ou responsabilidades.

Dessa forma (antes, Forma), ideia e matéria consubstanciadas em peso de Gravidade- James Stewart, atormentado e culposo- e Graça: Grace Kelly, deixam as marcas nesse filme brilhante, com aparência de policialesco.

Um momento em que os rastros musicais dos artistas simbolistas são incorporados por uma arte de entrecruzamentos expressivos, fazendo-se a um tempo clássica e moderna.

quinta-feira, 14 de julho de 2011

Breve Histórico da crítica: Aprendendo a ver- 2





"François Truffaut, Éric Rohmer, Jacques Rivette, Jean Douchet, Claude Chabrol, Jean-Luc Godard ( quase todos esses chamados "jovens turcos" escreveram sobre esse filme) praticaram um elogio veemente de "Janela Indiscreta" em nome de uma ideia radicalmente nova de cinefilia que também é fonte crítica de seu futuro cinema- a nouvelle vague: o pensamento de um cineasta toma forma cinematográfica por meio da mise em scène, e pelo que também podemos chamar de seu "olhar".

Segundo essa visão, poderíamos dizer que Hitchcock "deu-se a ver intimimamente" ( gripo meu) na tela, uma visão mascarada, decerto, mas em que a máscara formal é mais reveladora do que um sólido roteiro de filme. Quem vê um filme de Hitchcock aprende a reconhecê-lo como mestre das formas e detentor de um olhar particular; aprende a reconhecer o próprio cinema.

Hitchcock seria o cinema de 1955, assim como os "jovens turcos" ( mas não só) serão o de 1960.

O que dizem de Hitchcock pode ser estendido a uma série de cineastas, principalmente norte-americanos, que constituem a matéria viva dessa invenção do cinema pela crítica, o que ela mesma chamou de política dos autores: Hitchcock, Howard Hawks, Vincente Minnelli, Fritz Lang, Robert Aldrich, Samuel Fuller, Otto Preminger...ou Jean Renoir, Rossellini, Becker, Guiltry...

Cineastas longe de serem desconhecidos na época, mas que, quando eram americanos, gozavam de reputação essencialmente comercial, e quando europeus, evocavam uma presença do "passado" ( o lugar comum do momento consistia em dizer que Jean Renoir, Rossellini e Becker eram cineastas que "haviam sido importantes"; quanto a Guiltry, nem sequer existia).

O esforço concentrado dos "jovens turcos", sua maneira de aprender a ver, consistiu em dizer e clamar em alto e bom som que, do ponto de vista da misce en scène, esses cineastas existiam mais do que os outros.

Porém, ao aprender a ver esse cinema, os "jovens turcos" inventaram, ao mesmo tempo, o seu cinema ( sua prática): a nouvelle vague".

Parte de um histórico da crítica de cinema-1






"Nada autorizava a priori a cinefilia desempenhar esse papel de instância de legitimação cultural, nem de uma autoridade intelectual que outros detinham muito mais em Paris- os cinéfilos são geralmente autodidatas situados fora da cultura literária, filosófica ou universitária,- nem de uma influência econômica qualquer ou política.

Aprender a ver é construir uma representação de mundo em que a vontade e a prática germinam. Portanto, a cinefilia viu filmes que viam a si próprios, ou até mesmo a viam. E , aprendendo a partir dessa aprendizagem, ela, por sua vez, compreendeu como olhar, como fazer filmes.

É possível demonstrar esse duplo jogo criador a partir de alguns filmes. Em primeiro lugar, "Janela Indiscreta", de Alfred Hitchcock, ou como, ao aprender a ver um outro filme-olhar, a crítica inventou um cinema.

" Em Janela Indiscreta", o outro lado do pátio, ali onde incide o olhar de James Stewart, deve ser considerado a tela de projeções múltiplas de um herói fisicamente deficiente", escreve Claude Chabrol em abril de 1955, inscrevendo assim o filme na proliferação dos olhares.

Pois "Janela Indiscreta" é o conto de fadas do olhar, em que um homem, ajudado por uma refinada voyeuse (Grace Kelly), encorajado pelo próprio Hitchcock, vê o mundo com tal intensidade que acaba por produzir na realidade o que esse olhar parece ter inventado num primeiro estágio- no caso, um crime.

O olhar aqui é "onipotente" (gripo meu): o de Stewart inventa uma história ( a trama), o de Hitchcock uma forma ( a mise en scène), o do espectador, do crítico, um filme ( é ele que faz o elo entre uma e outra). Ao ver dessa maneira um filme, a crítica inventa um cinema ( assim como James Stewart inventa uma história, personagens, uma encenação, pela acuidade de seu olhar projetando-se do "outro lado do pátio").

Segundo André Bazin: " Eles se detêm tanto na mise em scène porque em larga medida veem nela a própria matéria do filme, uma organização das criaturas e das coisas que é ela mesma o sentido, tanto moral quanto estético".

( Antoine de Baecque)

terça-feira, 12 de julho de 2011

Em sala: ansiedade do status, por Alain de Botton- 2





O pano de fundo desse tipo de ansiedade é a globalização e a desigualdade crescente em âmbito mundial.


Especialmente nos Brics (Brasil, Rússia, Índia, China), dessas pujantes economias emergentes, afirma De Botton, a apologia do "chegar lá" é tão generalizada que o indivíduo se sente derrotado se falha- por mais irreal e infundado que seja esse desejo.

A crer em De Botton, países como o Brasil são hoje o terreno mais fértil do planeta para as velhas neuroses e psicoses freudianas vicejarem.


"Além do nível habitual de ansiedade em relação à sobrevivência, a sociedade acescentou um novo tipo, que chamo de ansiedade do status.

Trata-se de uma preocupação sobre nossa permanência no mundo, se estamos "por cima" ou "por baixo", se somos "ganhadores" ou "perdedores". Preocupamo-nos com nosso status por uma razão simples: porque a maior parte das pessoas tende a ser "bacana conosco" dependendo do nível de status que desfrutamos- se ouviram falar que fomos promovidos, haverá um pouco mais de energia em seus sorrisos; se fomos demitidos, farão de conta que não nos viram.

Por fim, preocupamo-nos em ter status porque não conseguimos confiar em nós mesmos caso as pessoas pareçam não gostar muito de nós ou nos não respeitar muito. Podemos imaginar nosso "ego" como um balão furado, que requer o tempo todo um amor externo para se manter inflado e que é vulnerável à menor desatenção.

Nós nos apegamos aos sinais de "respeito" do mundo para nos sentirmos aceitáveis para nós mesmos.


Economia, ansiedade e status


A ansiedade do status tem início quando comparamos nossas realizações com as de outros, que consideramos nossos iguais. Podemos nos preocupar com nosso status quando deparamos com alguém próximo que nos dá uma boa notícia.

A ansiedade do status é certamente pior em lugares como o Brasil, pois as possibilidades de realização parecem ser maiores do que nunca. Há tantas coisas em relação às quais nutrimos expectativas, que podemos facilmente nos julgar "perdedores".Estamos todo o tempo cercado por histórias de pessoas que "chegaram lá".

Claro, ainda hoje continua altamente improvável que possamos atingir o topo da pirâmide social. O problema é que, infelizmente, não sentimos mais isso como algo improvável: dependendo da revista que lemos, pode de fato parecer absurdo que ainda não tenhamos preocupado conseguir tudo isso.


A arquitetura também pode nos aliviar da ansiedade, como sugere em " Arquitetura da felicidade"?

Há alguns tipos de arqitetura maciça, sublime, que de fato têm o poder de diminuir nossa ansiedade por que nos colocam em contato com algo maior do que nós mesmos. Qualquer coisa que nos retira da esfera humana, que de algum modo nos relativiza, tem o poder de restaurar a perpectiva. É claro então que a religião tem um papel a desempenhar na redução da ansiedade do status."

Nota do bloguista: as que aderiram ao discurso da "teologia da prosperidade, dificilmente.

sábado, 9 de julho de 2011

Em Sala: Ideologia e Ansiedade- 1






Para o filósofo Slavoj Zizek, a tragédia que inaugurou o século foi o 11 de Setembro. Como os liberais continuaram a fingir que acreditavam em seu sistema, a conseqüência ridícula foi a crise financeira de 2008.

A seguir, um arremedo da entrevista, realizada por Ernane Guimarães Neto:


“Filmes de Tarkóvski têm apelo diferente das produções de Hollywood que você citou. Está querendo apelar para alguma burguesia?

Quem é a burguesia? Estou cada vez mais convencido de que peguei muito leve com Tarkóvski. Ele não é necessariamente melhor que Hollywood.


Ideologia e Ansiedade


O que a ideologia nos diz hoje? “Seja você mesmo, realize seu potencial.” Não, ultrapasse a si mesmo! Deleuze diz que a grande arte olha para o mundo como se fosse pré-humano.


O senhor fala na pressão ideológica para o indivíduo “realizar seu potencial”. Podemos dizer que ela gera uma ansiedade civilizacional?

A ideia usual de ansiedade é a de que ela está conectada de algum modo à morte, à perda romântica.
Mas Lacan fez algo maravilhoso ao dizer que a ansiedade aparece não com a perda, mas com a proximidade do objeto de desejo. Sua noção de ansiedade é prazer demais.
Precisamente o resultado do “seja você mesmo”, uma reação a essa fruição obscena. Lacan é crucial: a ansiedade é claustrofóbica, é ter em excesso.


Brasil e política

“Vocês, brasileiros, têm sorte de não terem recebido uma dose muito grande de populismo. Na Argentina, o peronismo foi a pior catástrofe que aconteceu.


O senhor fala em populismo baseado no medo...

Não há outro tipo de populismo. Populismo envolve um momento de mistificação, pois pressupõe a união nacional contra um inimigo externo. Nunca questiona realmente a ordem existente- se olharmos de perto, nem Chávez faz isso.


E Lula?

Foi mesmo populista o governo Lula? Não foi, pelo que sei. Não vamos confundir populismo com apelo popular. Vou dizer algo horrível para um esquerdista radical: numa escolha entre Chávez e Lula, fico com Lula. Estou ciente das limitações de Lula, dos acordos que fez, de George W.Bush considerá-lo seu melhor amigo na América.



Crise econômica

Por exemplo, na crise de 2008, fui contra os demagogos que diziam para não ajudar Wall Street. Se as finanças quebram, todos vão junto. Concordo que o capitalismo como o conhecemos não pode sobreviver, mas a questão é o que fazer agora.


O Silêncio

Quando surgiram suspeitas sobre o enriquecimento do atual Ministro da Casa Civil, Antonio Palocci, a presidente Dilma Rousseff foi criticada por não comentar o assunto. Como podemos ler essa manifestação da negação?

Há situações em que a única atitude é não dar opinião. Não conheço esse caso específico. Se dar uma opinião é aceitar toda a maneira como o problema é colocado, o melhor é não dar opinião. Não tenho nada contra a punição... Mas a mídia burguesa gosta desse tipo de escândalo porque reafirma o “sistema”.

quinta-feira, 7 de julho de 2011

Formação de uma crítica- 2 / Cultura da imagem










Por conta da coerência de sua visão de mundo, a cinefilia é um instrumento poderoso de legitimação de uma arte ainda amplamente desprezada.

O exemplo emblemático desse trabalho cinéfilo continua sendo o amor pelo cinema hollywoodiano dos anos 50, tal como se exprimiu com a glorificação de seus grandes autores. Enfim, o papel da cinefilia terá sido o de legitimar esse cinema americano "clássico" ( grifo meu), vivo, ativo, tônico, excitante, extravagante, na época considerado um espetáculo de puro entretenimento, e por isso a princípio temido pelo cinema francês do pós-guerra.

Pois, paradoxalmente, a cinefilia parisiense foi buscar seus autores não no seio de um cinema francês que se pretendia abertamente "cultural", mas ali onde pouca gente, naquele momento, suspeitava de sua existência. Em 1950, embora os filmes de Howard Hawks ou Hitchcock fossem conhecidos, eles não estavam vinculados ao discurso intelectual.


A cinefilia, nesse sentido, não é um culto do amor maldito, do artista rebelde e marginal, mas antes um projeto de transferência de discurso, de captação de objeto: aplicar a cineastas que trabalham no cerne do cinema comercial um olhar e palavras anteriormente reservados aos artistas e intelectuais de renome.

Paris recebe o "espetáculo", assiste a ele e o compreende como tal, mas consegue, graças ao movimento cinéfilo, produzir "cultura", no mínimo, uma "contracultura", a partir desse material geralmente julgado trivial.

A oposição


Do outro lado está seu inimigo irredutível, o cinema francês "de qualidade", cultural e literariamente carregado de referências, que não oferece nenhum gancho a essa "contracultura" da escolha paradoxal, tampouco a seus defensores.


Devemos ver sobretudo em ação uma espécie de dandismo, digamos uma cultura de distanciamento: descobrir uma coerência intelectual ( estética- AC) ali onde ela não se evidencia, como o melhor antídoto à cultura do cinema francês, baseada, por sua vez, em roteiros e adaptações literárias.


Para definir essa cinefilia, digamos que a aprendizagem é de fato erudita, marcada por um número de visões e revisões de filmes. Nos antípodas das experiências literárias vanguardistas do referido momento ( letrismo ou nouveau roman), a escrita " superclássica" adotada pelos jovens cinéfilos eleva determinados cineastas, frequentemente norte-americanos, considerados pares dos grandes escritores franceses.

A cinefilia, entretanto, não faz senão transferir as práticas e critérios da cultura clássica ( a escola, a acumulação do saber, a mediação da escrita) para o espetáculo de cinema, então subestimado. Contribui igualmente para criar uma cultura, ressabiada tanto a respeito dos intelectuais, dos universitários, como da política.

Profissão de fé


: "Lola Montès", de Max Ophuls, é obra de gênio, "Crianças sem destino", de Delannoy, trabalho de artesão; Rossellini é genial, assim como Hitchcock e Hawks; a impostura do cinema francês deve brilhar ao ar livre...".

Cada pequeno grupo cinéfilo defende assim seus cineastas e despreza outros, estabelece classificações, listas de selecionados e reprovados, mas considera sempre Hollywood o lugar privilegiado onde esse juízo deve ser exercido, lugar que Eric Rohmer, mentor intelectual dos Cahiers du Cinéma ( os hitchcock-hawksianos"), compara ao teatro francês do século XVII e denomina a "a arte clássica do século XX."

Breve histórico de boa crítica "contracultural"





"O ato de refletir é a marca específica da cinefilia: todas as suas práticas visam dar "profundidade" à visão do filme: a reflexividade também é um sinal de uma possível entrada na história: o pesquisador, depara-se, então, com uma representação do mundo. De modo que a cinefilia passa a integrar de pleno direito os objetos de uma atual história cultural do século XX.


Não apenas a história cultural é frequentemente recortada por problemáticas "cinéfilas": a constituição de um público em torno de imagens animadas, o prolongamento de uma tradição de crítica de arte muito presente na França dos séculos XVIII e XIX, a legitimação cultural de uma produção e de uma atividade por muito tempo desprezadas, ...As relações entre a cultura de massa e cultura de elite.

Godard: "Vencemos ao provar que o princípio segundo o qual um filme de Hitchcock, por exemplo, é tão importante quanto um livro de Aragon. Os cineastas, graças a nós, entraram definitivamente na história da arte".

A cinefilia é uma forma de olhar que impôs seu lugar no grande livro da história do século XXI".

( Antoine de Baecque).

segunda-feira, 4 de julho de 2011

Carta anterior- crítica pop





O patriarcado da MPB ou da música pop- não sei bem, de fato, o que seja.

Ou melhor, sei que a crítica pretensamente vanguardista, a que se considera à frente dos demais- meros mortais-, costuma se pegar ocupada em matar o pai, ou os pais. O que nos aparece como uma questão mais freudiana do que de música, mas sempre travestida de um tipo de discurso pretensamente de "vanguarda".

No cinema, os neófitos necessitam fazer malabarismos com a câmera, a provar que, assim, estariam à frente, sendo "revolucionários". Normalmente, quebram a cara.

Os anos 60 passaram, mas a crítica, sobretudo de música pop, necessita mamar desse caldo de "contracultura".

Ora, no Brasil, onde as escolas mal funcionam, onde pouca "cultura" haveria, o que seria, a rigor, matar o pai? Qual seja, um patrimônio de séculos passados, mal assimilado por nós mesmos. O que dizer, pois, das novas gerações?


Sobre cinema, se a grande maioria não o conhece, o problema maior não se encontraria propriamente na arte, mas no precário conhecimento do mundo da imagem, que é, aonde, - no fim das contas-, estaríamos metidos até o osso. A questão é: como apreendê-lo, com o mínimo de discernimento.


No da música, quando o C. Buarque lançou seu disco "Cidades", não conseguiram sequer reconhecer os elementos de Debussy em sua arte. Qual seja, uma maior influência de Jobim. Talvez porque o cara não se interesse tanto pela música, mas em se tornar um expert em especialismo musical, mais interessado em guerrilha, em política partidária do que nos próprios ouvidos, como ranço da ditadura, de um espírito de protesto- quando não se sabe bem contra o quê, exatamente. Ah, claro, assassinar o pai, autoritário ou ausente, o que daria mais ou menos na mesma.


Já que, ao final, nos museus da vida, o que é bom costuma se ligar a um outro. O tido como velho pode se tornar atual e o novíssimo, até datado. Mas Picasso encontra-se ao lado de Velázquez, assim como Jaspers Johns de Brueguel.

Quanto aos cacos, vão para o lixo, quando não der mais o que colar.

sexta-feira, 1 de julho de 2011

O Ranço crítico dos 60




Como ultimamente tenho ouvido muitas críticas a Paul McCartney e sua suposta "caretice", deixo aqui minha carta de defesa.

Ninguém é obrigado a aderir, claro. Muito menos se agradar de uma carta tão livre, endereçada a amigos de infância:



" Carregamos conosco um ranço de Maio de 68. Esse ranço já institucionalizado ( obrigado, Francis). Infelizmente, ele afeta a área das artes e, sobretudo, da música pop.


Haroldo de Campos não gostava de livros do Drummond como "Claro Enigma" ou " A Vida passa a Limpo", pois o papai noel da crítica esteve atrelado, até o fim, ao primeiro modernismo. Ou seja, não conseguia se desvencilhar de Oswald de Andrade e apreciar a grande poesia. (Pelo menos, outra delas).

De minha parte, por mais que aprecie poesia concreta, não posso deixar de mencionar que, se o crítico houvesse criado obras-primas como "O Relógio do Rosário", "Perguntas", " A Máquina do Mundo" ( dos livros anteriormente citados), sentaria em uma mesa para conversar sobre o assunto. Mas Haroldo, não sei. Era laboratório.


André Bazin, com todo seu arsenal teórico e sensibilidade não podia entender porque diabos Truffaut, Godard, Rohmer, Rivette,... Se opunham a ele- no caso Hitchcock, Hawks, etc.

E, como bem disse Bogdanovich, o estabilishment não suporta o "sucesso". Hitch, Hawks davam bilheteria à época. Portanto, não aceitariam também Frank Tashlin, Vincente Minnelli, Jerry Lewis..



Politiquezas na arte


Ah, o ranço político-ideológico na arte: McCartney, tido como"estrela", " pão duro" não militou em seu passado a favor dos "operários", assim como a Hitchcock interessava "somente" sua arte.

Lennon compôs "Working Class Hero", colocou capacete de operário em shows, mas possuía vários Aps espalhados por essa terrinha. Seriam para obras de caridade?

O importante, no caso, é o mínimo de coerência. Quando dizia que McCartney só havia composto Yesterday é porque morria de inveja por não haver composto as outras.



Crítica dos 60


A crítica pop que não conseguir se desvencilhar do ranço de Maio de 68 não pode ouvir música. Logo, tudo deve soar "jovial"- nunca envelhecemos, não é verdade? Hoje e ontem, podemos observar esses velhinhos de cabelo grande (ou raspado) a entoar os mantras de 68. Nada mais patético.



Abaixo um arremedo de texto encontrado sobre McCartney. É um trabalho de colunista- mais jornalístico do que de crítica. Mas creio que coloca bem alguns pingos nos is.

Ps. Ninguém precisa simpatizar com um homem para admirar sua obra. O mesmo se diga de professores que, para serem bons, não precisam "suprir as expectativas" dos alunos. E aprendi melhor com eles".

(O bloguista)





" Paul McCartney, que vem ao Brasil para os três shows mais esperados do ano, é o compositor mais bem-sucedido da história da música popular. E suas canções envelheceram melhor do que as do ex-parceiro John Lennon".



"Se certas pessoas são uma metamorfose ambulante - de malucos beleza a políticos em busca de votos -, Paul McCartney é uma hipérbole ambulante. Com Macca, tudo é macro. Segundo o livro Guinness de recordes, obsessivo com estatísticas, Paul é simplesmente o compositor mais bem-sucedido da história da música popular... Não tem para ninguém. E não apenas na esfera comercial, mas também na influência estética.


Claro que McCartney se projetou mundialmente­ pelos Beatles, a maior banda de todos os tempos. Mas, ora essa, os Fab Four, apesar do seu pedigree incomparável e da sua alteração de paradigma em áreas que transcendem as partituras, duraram uns relativamente mixurucos dez anos. Paul tem mais 40 anos de estrada posteriores ao conjunto. Somados os dois períodos, ele coleciona 60 discos de ouro e vendeu mais de 100 milhões de compactos simples só no Reino Unido.


Os leitores do site da BBC, a principal rede de comunicações britânica, elegeram McCartney como o maior compositor do milênio. Macca detém também os recordes de permanência mais duradoura no cocuruto das paradas musicais, tanto nos compactos como nos álbuns.

Na lista de músicas do show brasileiro, estão previstos sucessos da carreira solo de Paul e do tempo dos Beatles. Com base nas músicas, é possível meditar sobre como Paul se tornou o mago dos números acima - e talvez o maior criador de clássicos desde que a canção pop passou a ter o baixo e a guitarra como acompanhamentos principais. A resposta talvez esteja num longínquo dia de 1966, quando McCartney compôs a obra-prima que mudaria sua visão de mundo e sua carreira: Eleanor Rigby.


A composição é um painel vertiginoso sobre a solidão e a velhice, ancorado numa descrição de feição literária da personagem título. Na biografia autorizada organizada pelo jornalista Barry Miles, Macca diz sobre essa canção: "Aos 24 anos, que tinha na época, pensava em como seria quando tivesse 30. Ainda estaria tocando em uma banda? De alguma maneira, queria compor coisas "mais sérias". E Eleanor Rigby me pareceu um caminho". A partir daí, Paul passou a encarar a música popular de uma outra maneira. Andava nas ruas em busca de personagens com o objetivo de transformá-los em canções. Nascia um novo Paul - e nascia, também, uma nova fase dos Beatles.

Em Revolver está "For No One", talvez a mais pungente canção sobre separação já escrita, com seus versos: "Haverá um dia em que todas as coisas que ela disse encherão sua cabeça/ Você não conseguirá esquecê-la/ Mas nos olhos dela você não vê nada/ Nenhum sinal de amor nas lágrimas, choradas por ninguém/ Um amor que deveria ter durado muitos anos".

Em Sgt. Pepper's, está "She's Leaving Home", talvez a maior obra-prima entre todo o conjunto de fantásticas canções criadas pelos Beatles. A música se baseia numa notícia do jornal britânico Daily Mail, que falava de uma garota que saiu de casa e nunca mais foi encontrada.

Baseado nessa nota, Paul teceu um enredo em três atos com cenas que, de maneira sutil e altamente literária, dão o clima da história - a porta aberta devagar para não acordar os pais, o bilhete deixado pela moça, que não dava conta da emoção que sentia, a mãe lendo a carta de despedida no alto da escada, como um retrato da solidão. Mas o que John invejava mesmo era Eleanor Rigby - a ponto de espalhar, desonestamente, que era o verdadeiro autor da letra.



LORENZO DI MEDICI E A NOUVELLE VAGUE



Cabe entrar, aqui, na inevitável comparação entre Lennon e McCartney. Quem resume o talento de cada um de forma brilhante é o escritor - e crítico de música Arthur Dapieve: "Paul é o perfeito artista pop e, por isso, tornou-se o clássico dos clássicos modernos. Forçoso dizer que algumas canções mais políticas do Lennon ficaram datadas, por naturalmente fazer referências a fatos da época. Já Paul sempre apagou os rastros do tempo e do lugar, de modo a fazer com que suas músicas, mesmo as menos boas, se tornassem atemporais ou universais".

Até que ponto Lennon tinha consciência de que Paul caminhava para se tornar mais perene? Talvez mais do que se pensa. Depois de consumado o cisma dos Beatles, Johnnyzinho "paz e amor" empregou uma boa parte da sua energia ridicularizando a obra de Paul em sua carreira solo. Lennon chamava as canções dos Wings de muzak, o nome que se dava naquela época às músicas que tocavam em elevadores. E até se deu ao trabalho de compor, expressamente para o seu cupincha de infância em Liverpool, uma das músicas mais cruéis de todos os tempos, How Do You Sleep?, na qual informava ao mundo que "the only thing good you done was Yesterday" ("a única coisa boa que você fez foi Yesterday").

Essa "desconstrução" da imagem de Paul por John, para usar um termo caro aos marqueteiros políticos de hoje, de certa forma funcionou. Em alguns cenáculos, McCartney - sobretudo o Macca pós-Beatles - parece emanar uma persona algo farisaica, meio kitsch, quase filistina. Enfim, um fabricante de tolas canções de amor.

Durante a memorável década dos Beatles (os anos 60), John foi aos poucos se transfigurando em mais do que um integrante da banda hype. Mais do que um vocalista. Mais do que um guitarrista. Mais do que um compositor. Reciclado numa espécie de príncipe renascentista (tipo Lorenzo di Medici), foi canonizado como "autor" - não no prosaico sentido em que eu sou o autor deste texto, mas naquela acepção com que a Nouvelle Vague francesa aureolou os seus cineastas: um criador/ideólogo, um oráculo/ativista. Enfim, um expoente do cânone revolucionário.


Por fim, Lennon morreu assassinado por um daqueles mentecaptos ávidos por cada nanossegundo dos seus 15 minutos de fama. A contemporaneidade trituradora de mitos adora os mártires precoces. James Dean: "Viva depressa, morra jovem e deixe um corpo bonito". No século 19, o poeta austríaco Hugo von Hofmannsthal publicara uma série de obras-primas antes de completar 20 anos - e em seguida secou completamente, até o fim da sua longa vida. Um crítico malicioso exclamou: "Que grande poeta ele teria sido se tivesse morrido aos 19 anos!"

Enquanto John morria e era, de certa forma, canonizado, Paul seguiu vivendo e exercendo sua humanidade. Com o passar do tempo, foi sendo cada vez mais atrelado a uma reputação de pão-duro e mesquinho. Sobretudo depois do colossal barraco que foi o seu divórcio da segunda mulher, Heather Mills, 25 anos mais nova.


Sovina? Alienado? Bem, Paul defende há muitos anos os educação musical obrigatória, o direito dos animais. Militou em inúmeras campanhas contra as minas explosivas, a caça às focas, a dívida do Terceiro Mundo. Tendo testemunhado os atentados do 11 de Setembro do aeroporto JFK, em Nova York, McCartney foi o principal mentor de um concerto em benefício das famílias das vítimas. Ainda no mês passado, o "mais careta e egoísta dos Beatles" se mostrou solidário ao cantor George Michael, preso em Londres desde que foi condenado por dirigir sob efeito de maconha. Segundo o jornal britânico The Sun, numa carta de duas páginas, McCartney prometeu visitar o colega. Em se tratando de maconha e prisão, Macca tem alguma experiência. Em 1980, passou dez dias em uma cadeia japonesa por porte da erva.

Também arriscou seu prestígio atuando em outras áreas artísticas. Paul compôs trilha sonora, enveredou pela música clássica (entre outras, atuou com a Filarmônica de Liverpool, ao lado da soprano Kiri Te Kanawa). E é um pintor bissexto, mas palatável, melhor do que alguns colunáveis metidos que se pavoneiam nas bienais posando de vanguardistas. Basta consultar o livro Paintings.

A exposição de gravuras de Macca em Hamburgo mereceu ensaios aprovadores de vários críticos britânicos respeitáveis.Em que pé ficamos, no frigir dos ovos? Lennon ou McCartney?


Não se trata de achincalhar um para reabilitar o outro. Até porque Paul não precisa disso, e John não merece isso. Caramba, o que John ainda poderia nos ter dado! Paul? Bom, Paul continua a dar".

( Paulo Nogueira)