segunda-feira, 16 de janeiro de 2012

Arte e indústria 2- Truffaut





"Fui um bom crítico? Não sei..."

  Acho que não havia esnobismo em minhas predileções e aprovava a frase de Audiberti: "o mais obscuro poema dirige-se ao mundo inteiro"; eu sabia que, comerciais ou não, todos os filmes são comercializáveis, ou seja,  constituem objeto de compra e venda.

Via diferença de grau entre eles,  mas não de natureza e tinha tanta admiração por "Cantando na Chuva", de Kelly-Donen quanto por Ordet, de Carl Deyer.

Continuo considerando absurda e execrável a hierarquia de gêneros. Quando Hitchcock filma "Psicose", quase todos os críticos na época concordam em julgar o tema trivial. No mesmo ano, influenciado por Kurosawa, Ingmar Bergman filma exatamente o mesmo tema ( “A Fonte da Donzela”),  mas situado na Suécia do século XIV; todos ficam extasiados e lhe concedem o Oscar de melhor filme estrangeiro.

Longe de mim querer subestimar tal recompensa, insisto apenas no fato de tratar-se do mesmo tema. A verdade é que através desses dois filmes, Bergman e Hitchcock se expressaram admiravelmente e  liberaram parte da violência que existe neles.

Poderia citar ainda o exemplo de "Ladrões de Bicicleta", de Vittorio de Sica,  do qual sempre se falará como de uma tragédia sobre o desemprego na Itália do pós-guerra...,... Quando o filme nos mostrava- como em um conto árabe, observara Cocteau- um homem que tem absoluta necessidade de recuperar sua bicicleta, exatamente como a mulher mundana de " Desejos Proibidos" precisa encontrar os brincos.

Refuto, portanto, a concepção de que “A Fonte da Donzela" e "Ladrões de Bicicleta" seriam filmes nobres, graves, ao passo que "Psicose" e "Desejos Proibidos" seriam filmes de "diversão". Os quatro são filmes nobres e graves, os quatro são diversão.

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A principal censura que se pode fazer a alguns críticos é raramente falarem de cinema. É preciso saber que o roteiro de um filme não é O filme; é preciso igualmente admitir que nem todos os filmes são "psicológicos".
 O crítico deve meditar sobre essa afirmação de Jean Renoir: " Toda  grande arte é abstrata".

 (François Truffaut, em "Os Filmes de minha vida")