quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

Ps

Peço desculpas pela rápida digitação do texto abaixo, ocorrida em uma lan.

Fiz uns acertos para que a leitura não fique truncada. Assim espero, ao menos.

Interessante é que o blog continua a marcar os comentários ou textos como se ocorridos pela madrugada, sendo que as postagens são realizadas pela manhã e, por vezes, à tarde.

Nada contra a noite, pelo contrário. Mas facto é facto.

Como já dito por aqui, a máquina é um "deslumbre perfeito".

terça-feira, 25 de janeiro de 2011

A Ficção e sua potência





Há um grande preconceito para com gêneros como o musical. Para os que se consideram cultos, ele não passaria de um escapismo. E, assim, estariam endossando a opinião de certos guias de vídeo, como os da Abril. Ou seja, nada mais inculto.

De início, os musicais em Hollywood apresentavam mesmo uma preocupação frente à crise das bolsas, junto à canhestra tentativa de conduzir o “teatro de vedetes” para o cinema que, então, descobria sua sonoridade, sem saber muito bem o que fazer com ela.

Com a assunção de Arthur Freed como produtor do gênero, as coisas mudavam de figura e, não custa dizer, de consistência. Esse homem revelara faro fino para talentos ocultos, tendo sido ferrenho defensor da menina Judy Garland em seu papel para a produção “O Mágico de Oz”. E, já como produtor, tratou de “convocar” Vincente Minnelli, entre outros, para o mundo dos estúdios cinematográficos.

De uma tacada, Minnelli recriou a estrutura dos musicais, ao fazer com que as cenas que não continham especificamente números musicais seguissem o mesmo sentido de ordenação de elementos no espaço que as demais, de canto e dança.

Contudo, o novo artista de estúdio foi mais petulante. Assimilou e explorou, no bom sentido do termo, o universo das vanguardas, ao descaradamente apostar no surrealismo para seu musical “Yolanda e o ladrão”, estrelado por Fred Astaire. Dessa forma, conferia novo sentido à ficção no cinema norte-americano, uma vez que os cenários, tratados agora como protagonistas, equivalessem aos mundos dos personagens, em seus encontros e desencontros - um pouco como o Tim Burton de hoje.

Da mesma maneira em que havia a tensão e a interpenetração entre narração e números musicais, cenários-personagens passavam a se absorver mutuamente, num contexto de encenação cinematográfica, em que a temida “perda de si” poderia até se converter em ganho.

Se a cenografia passava a ser explorada como um novo tipo de autonomia no cinema, ou seja, como espaço privilegiado dos trânsitos da ficção, “O Pirata” é, nesse caso, um "filme paradigma", emblemático.

O espaço em que habita o ator Serafin (Gene Kelly) é um não lugar. Na verdade, um entre-lugar, mas que lhe permitirá certo acesso aos limiares que conduzem de um mundo a outro, de um cenário a outro (ou outros).

Manuela (Judy Garland), de menina passiva é levada a improvisar diante do caos- em momento em que a moça aflorará do subterrâneo de si pelo fundo do plano geral- , sorrateira e determinada, a se tornar, de forma discreta e repentina, uma visionária em ação e criação. Seu lugar, de espaço restrito à moça burguesa transitará para o entre-lugar da artista. Ou seja, para o palco.

O palco em Minneli é o lugar onde que a ficção se afirma, sendo que, se o dito "mundo real da cidade" (do prefeito, da menina, das coisas programadas,etc) é exibido como delicado teatro das coisas, os cenários do diretor apresentam superfícies e mais superfícies que, assumidas como universo dos papéis e simulacros, podem encontrar, paradoxalmente, sua verdade e potência.

Todas as cenas desse filme são conduzidas em andamento de musical, mesmo quando não há número específico de canto ou dança. Afinal, o mundo é um teatro. Os discretos movimentos nos cenários existem em função dos elegantes movimentos de câmera, o que provoca certa vertigem no espectador à maneira do cinema de Alfred Hitchcock, que utilizava o mesmo tipo de recurso. E, como no caso do diretor inglês, a ficção é atravessada por um filtro rigoroso, classicista a impedir os excessos e estridências.

Um diferencial em Minnelli é que não há culpa à vista. Se em Hitchcock o universo do cinema, com suas cores, cenários, enquadramentos é organizado como movimento de seres que necessitam aceder à vida adulta, no cinema do diretor de “O Pirata” e de ” A Roda da Fortuna”, crescer equivale, antes, a olhar o mundo com olhos lavados, como os de uma criança.

Daí que ser ator, atriz, palhaço corresponda à assunção de um tipo de “artista-criança”, que poderemos encontrar também nas pinturas surrealistas de um Joan Miró. Em outros termos, para se chegar a alguma “verdade”, cabe à ficção o estado (estatuto) virginal da imagem. Não é estranho que a relação desses musicais com a enorme cultura de seu criador se apresente a um tempo como afirmação e negação. Para se fazer adulto cabe aqui desaprender.

Não como estágio de regressão, mas por meio da condução de cenários, mundos a provocar inversões e imersões de papéis em inventivo jogo de metamorfoses, experiênciado como criação, recriação e vida. O cinema de Vincente Minnelli se desenha como o elogio da ficção, do imaginário e da absorção. Do cinema, portanto, enquanto lugar do brinquedo e da “profundidade”, imbricados.

“O Pirata”, filme a um tempo barroco - teatro dentro do teatro - e clássico, ou seja, em que o delírio passa pelo crivo racional não é menos que notável.

sexta-feira, 21 de janeiro de 2011

Mitos sobre Ary Barroso





Há o mito de que "Aquarela do Brasil" seria uma versão oficial do país, via ditadura do Estado Novo. Ou bem, nosso hino de exportação.

Fato é que o DIP, órgão de censura do governo de então, lhe vetara os versos: “terra de samba e pandeiro”. Daí para a efetiva liberação foi uma bela briga.

Sobre o fator “música de exportação”, cabe dizer que, antes da chegada ao restante do planeta, "Aquarela" era muito cantada por aqui, em “quintal brasileiro”.

Já quanto ao caso "Terra Brazilis", de Walt Disney, Ary foi convidado por duas vezes a residir nos USA à trabalho. Recusou duplamente, afirmando que por lá “não havia Flamengo”. Para o segundo, a proposta era para que comandasse a direção musical dos "Estúdios Disney".

Outro artista a se encantar pela música do compositor foi Orson Welles, diretor norte-americano de “Cidadão Kane”, “Soberba” e “A Marca da Maldade”, entre outras preciosidades. Em sua obra “A Dama de Shangai”, Welles utiliza a composição “Na Baixa do Sapateiro”, em meio a um cenário aquoso.

Algumas de minhas favoritas:

"Faceira", "Inquietação", "Samba da Piedade", "Isto aqui o que é?", "Os Quindis de Iaiá", "Aquarela do Brasil", "Camisa Amarela", "Eu Nasci no Morro", "Chorando", "Maria", "Na Baixa do Sapateiro", "É Mentira", "Deixe essa mulher sofrer", "Morena Boca de Ouro", "É Luxo só",...

Para que o Brasil- e eu- conheçamos melhor dessa obra é necessario que a caixa saia de uma vez por todas. Seria um mínimo de bom senso(estético, cultural, histórico) aplicável.

quinta-feira, 20 de janeiro de 2011

Versões de um País- parte 3





Enquanto a caixa com versões remasterizadas da obra de Ary Barroso parece não encontrar ainda apoio público ou privado para o lançamento, seria interessante relembrar alguns mitos e fatos a respeito do compositor de Ubá.

Como me disseram que em um blog não se deve escrever muito, não sei se seria possível resumir Ary, ou qualquer outro, com facilidade.

Quando surge a bossa nova nos anos 50, haverá uma divisão entre músicos e críticos brasileiros diante de um estilo que incorporava elementos “estrangeiros”, como o jazz. Ary Barroso, apesar de admirar Vinicius de Moraes - inclusive como compositor- foi dos que não viram o novo estilo com boa fé.

Em todo caso, não se tratava de exclusividade do autor de “Aquarela do Brasil”. A maioria dos sambistas gerados nas primeiras décadas do Rio de Janeiro guardava singular apreço por aquilo que parecia nos representar. Sobretudo, porque a grande maioria havia padecido de segregação, proveniente das concepções higienistas herdadas da Europa.

Noel Rosa escreveu uma de suas melhores canções do ponto de vista formal, em que ironizava a influência do cinema falado em nossa linguagem, como lugar de status de um esnobismo "chique” e vazio para "franceses tupininquins".

Jobim e turma que pareciam, de início, negar tais compositores "clássicos" assumiriam, posteriormente, influência dos mesmos. No caso de Noel, não haveria como evitar um histórico de formação do Rio de Janeiro e, aliás, dos próprios compositores do novo estilo em sua relação de transação entre o asfalto e o morro.

No de Ary, além de alguns dos mesmos motivos, se tomarmos uma composição como “Camisa Amarela”, por exemplo, nota-se um intrépido trabalho de melodia e harmonia, que seria justamente retomado pela bossa nova.

“A música de Camisa Amarela, com suas transições harmônicas complexas e uma linha melódica elaborada, se adapta plenamente à temática. Além da prosódia perfeita - o acento da melodia coincide sempre com o da letra-, a linha melódica é marcadamente ascendente sempre que os versos citam os refrões carnavalescos “A Jardineira” e” A Florisbela”, cantados pelo folião. O processo de composição de “Camisa Amarela”, artesanal e crítico, evoca o que mais tarde vai caracterizar a bossa nova”, segundo Santuza Cambraia Neves, pesquisadora de música popular e professora da PUC-Rio.

Logo passada a "onda da bossa ", Jobim regravaria Ary Barroso em excelente versão instrumental para seu disco Stone Flower. Sua versão para “Na Batucada da Vida” entraria em uma coleção de cds, realizada em homenagem ao compositor de “Camisa Amarela", por iniciativa de Almir Chediak.

Nos anos 70, Elis Regina consumaria um ajuste de contas com o “passado”, em suas regravações para “Aquarela do Brasil” e “Na Batucada da Vida”- essa última considerada por muitos como superação da versão disseminada por Carmen Miranda. Se fato ou não, podemos relembrar que João Gilberto, menestrel modernista da bossa, regravaria o compositor por diversas vezes.


Pausa para o lanche....

(A foto acima mostra Villa-Lobos, compositor brasileiro erudito afinado ao popular em encontro com Ary Barroso).

domingo, 16 de janeiro de 2011

Versões de um país, via arte- 2




Gosto do Brasil. Devo dizê-lo antes de ser apedrejado em Praça Pública. Porém, no mesmo, avistamos ainda muito mal algumas de suas seitas presentes e quase preexistentes.

Voltando ao tempo: O Modernismo apresentava uma vertente mais à esquerda, com Mário e Oswald de Andrade. O segundo nome incentivaria, de certa maneira, uma visão menos ufanista da nação, sem deixar, por isso, de valorizar o nacional. Não que Mário de Andrade não fosse também, e à sua maneira, um desconstrutor e construtor de peso.

No período- e como acréscimo talvez desnecessário- haveria a turma do Verde-Amarelismo, liderada por Plínio Salgado. Tal faceta se converteria, posteriormente, no Integralismo de vertente Nazi-fascista, por sua feita e tendência.

Desde o início, Plínio e turma primavam por uma visão/versão bem oficiais do país, tratando de fazer a apologia de tudo o que havíamos construído até então. “Instituições perfeitas” deveriam ser supra-valorizadas, inclusive em moldes poéticos.

Segundo informações de um amigo, o Integralismo permanece vivo, sob o formato de resistente “sociedade secreta”.

Nos USA, sociedades secretas costumam estabelecer forte vinculação com decisivos setores da política. Já no Brasil, as ditaduras prolongavam um tipo muito específico de recorte, em nome do patriotismo e da dita “segurança nacional”.

Alguns artistas hoje em voga, filiados a uma vinculação entre local e global, passando de lambujem pelo nacional, passam a relativizar alguns dos "eternos signos" do ufanismo verde-amarelista.

Ok, o Brasil pode até ser “país do Futebol ou do Carnaval”. Mas ficaremos nesse repeteco ad infinitum, como leais papagaios, sem os devidos recortes no tempo?

Uma das artistas da chamada “música do pulso” é a rapper Nega Gizza.

Mulher de pulso, vinculada à música modal, em que elementos circulares, percussivos, absorvidos como “universo dos ruídos”- pré e pós existente à afirmação do canto católico gregoriano- se afirmam numa paródia a nosso “Hino da Independência” ( o mesmo criado sob "suspeitas independências"):


"País da democracia racial
Da mulata exportação
Da beleza natural
Brasil nação feliz
Um País tropical
País da fedofilia, futebol e carnaval”

Não vou morrer pelo Brasil
Não vou morrer pelo Brasil
Não vou morrer pelo Brasil.”

( extraído do cd “Na humildade”).

País do Futebol e Carnaval



Agüenta a Mão, João

Não reclama
Contra o temporal
Que derrubou teu barracão

Não reclama
Guenta a mão,João
Com o Cibide
Aconteceu coisa pior

Não reclama
Pois a chuva
Só levou a tua cama

Não reclama
Guenta a mão, João
Que amanhã tu levanta
Um barracão muito melhor

C'o Cibide coitado
Não te contei?
Tinha muita coisa
A mais no barracão
A enchurrada levou seus
Tamanco e o lampião
E um par de meia que era
De muita estimação

O Cibide tá que tá dando
Dó na gente
Anda por aí
Com uma mão atrás
E outra na frente

(Adoniran Barbosa / Hervé Clodovil)

quarta-feira, 12 de janeiro de 2011

Ciência, Artes, Literatura ( Do "Util" ao "Inútil")






Há o dia-a-dia profissional e, em nome dele, estarei participando de um curso até segunda que vem.

Esse blog pretendeu, desde o início, se comportar mais como um caderno de notas do que como um site, propriamente. É que o profissionalismo já toma por demais do tempo, e por aqui permito licenças maiores que não seriam permitidas no primeiro. Nada de textos acadêmicos, ou excessivamente jornalístos. É claro que, por vezes, um blog pede variações devido à diversidade de leitores - inclusive etária.

Portanto, volto por hoje àquela velha querela objetividade/subjetividade, extrínseco versus intrínseco.

O que já foi abordado nesse espaço diz respeito à dificuldade de uma ciência ser neutra, o que não é óbvio para todo mundo. Trata-se de um ranço positivista que carregamos até hoje, em posicionamento de exacerbada partição das coisas. Não que, do contrário, chegaremos facilmente ao "todo", a um ideal de totalidade.

Mas o oposto é um sofisma com que temos nos arrastado desde muito tempo. Necessitaria uma leitura mais ampla, como a de Machado de Assis, entre outros, e sua relativização do cientificismo - que teria se configurado como um novo dogma na modernidade. O livro "O Alienista", por exemplo, é básico.

Posteriormente, há um momento em que a ciência passa a ser vista como uma ficção (coisas da "pós-modernidade"). Se a ficção- quando "bem feita"- encontra-se longe de constituir-se como engomada enganação, a ciência não deveria também perder seu espaço, nem nos embates, por demais dicotômicos e estéreis, entre a mesma e a religião.

Em meios de maior rigor epistemológico, a ciência tornou-se talvez um tanto quanto subestimada. Por outra, com a predominância da tecnologia como "salvadora da lavoura"- nos ideais de aquecimento econômico e do comércio- na maioria dos "meios sisudos" e jornalísticos prevalece o velho discurso de achincalhamento das artes: "inúteis". Ou da ficção: "mentira". Falácias- quiçá- ainda maiores.

O trecho abaixo pode colocar alguns pingos nos is, com a educação podendo interceptar tais pontas, em belas curvas:


Artes (Literatura) e Ciência

“A tensão entre ciência e ficção revela-se um impasse na França.”

O antropólogo Claude Lévi-Strauss procura um “novo humanismo’, renunciando à ideia de viagem como busca da alteridade e à mitologia do etnógrafo glorioso”, representada no trabalho de campo. Denuncia - no caso do saber de pesquisa - a ilusão de um homem que domina a natureza.

A disputa que opunha, antes da Segunda Guerra, ciência e literatura pela posse do saber sobre o homem vai passar, nos anos 60, com Barthes, à querela sobre a própria possibilidade desse saber. Por fim, como Derrida e Blanchot, Roland Barthes vai se fazer porta-voz de uma literatura no qual “só o silêncio se fala”. Uma literatura que se define como um saber em si, autônomo, irredutível aos recortes de análise histórica e social.

Não é por acaso que a preciosidade do estilo e a meditação moral de “Tristes Trópicos”, de Lévi-Strauss não encantam Barthes. É contra tal impasse que Debaene investe.

Para ele, o clichê pós-moderno segundo o qual o discurso científico é uma ficção apenas reitera a dicotomia entre ciência e literatura, reafirmando a oposição entre objetividade e subjetividade. Para escapar ao vício do esquema, propõe uma antropologia das ciências, que leve em conta tanto o fato social e cultural como a determinação das psicologias individuais.

Ao mesmo tempo, exorta a literatura a descer do pedestal de autonomia e irredutibilidade, onde permanece pairando como um discurso ensimesmado, sem objeto. Quer voltar a submetê-la à história, inseri-la no contexto histórico. É o que se realiza em “Tristes Trópicos”, segundo Debaene.

O “segundo livro” significa a articulação entre a experiência vivida e o discurso do saber, levando a cabo, com a incorporação da subjetividade “literária”, a empreitada inacabada do trabalho de campo, que se sustentava sobre bases falsas, como a busca pela experiência de uma “alteridade pura e preservada”.

O que “Tristes Trópicos” permite ao seu autor é explorar os limites de uma subjetividade historicamente e culturalmente construída. Passa a ser, assim, “um tributo pago pelo etnógrafo pela violência de ter querido constituir outros homens em objetos”.

(Da resenha de Bernardo Carvalho sobre o livro “Adeus à Viagem - A Etnologia Francesa entre a Ciência e a Literatura, de Vincent Debaene).

sexta-feira, 7 de janeiro de 2011

A Relembrar- para frente






A rigor, o que seria "ser alternativo" hoje?

Basta ser, sem a necessidade do marketing.

Reconhecer que ser "alternativo" é também ser comum, ou seja, mortal, apresentar necessidades fisiológicas, desejos, carências,..

Fazendo um pastiche, ou paródia de Caetano: "de perto ninguém é comum". Nem os que fazem esforço para sê-lo, para a extrema adaptação, ou a necessidade de tanto agradar ao outro. Por vezes, com as velhas piadas sem graça.

Ora, por ter de mostrar, de qualquer jeito, uma fajuta perfeição aos alheios.

Por outra, ninguém é meramente "alternativo", apesar de todo esforço cult, clubber da coisa.


"Alternativo"

Entre eles, não ter vergonha da poesia quando se fala em "morte da canção". Claro que não dá para se crer nisso, se considerarmos os vai e vens na/da arte. Assim, com todos os ventos e tempestades posso iniciar o ano também com leveza, ou seja, com ausência de sentimento de culpa pelo formato abaixo adotado por Manuel:

("Oh, Deus, será que sou alternativo"?)




Namorados

O rapaz chegou-se para junto da moça e disse:

-Antônia, ainda não me acostumei com o seu corpo, com sua cara.

A moça olhou de lado e esperou.

-Você não sabe quando a gente é criança e de repente vê uma lagarta listrada?
A moça se lembrava:

-A gente fica olhando...

A meninice brincou de novo nos olhos dela.

O rapaz prosseguiu com muita doçura:

-Antônia, você parece uma lagarta listrada.

A moça arregalou os olhos, fez exclamações.
O rapaz concluiu:

-Antônia, você é engraçada! Você parece louca.

(Manuel Bandeira)

terça-feira, 4 de janeiro de 2011

A Educação e seus mitos




Não sei se daria pra crer em "educação em tempo integral" em qualquer local que seja (uma ideia que tem sido disseminada e vendida como "solução"). A não ser talvez em um seminário ou mosteiro.

Muitos gregos que apostaram ferrenhamente em "cultura e educação" preferiam seus diálogos educacionais em praças públicas. Decerto mais arejado para todos, para mentes, inclusive, contanto que haja uma mútua disposição e certo empenho para o tipo de interlocução.

No lugar do que tem sido proposto a quatro cantos, quem sabe atividades culturais e esportivas ao longo do tempo, a fim de que pessoas não se obriguem a padecer ainda mais no intramuros?

Seria interessante dar um fim em mais um "condomínio educacional".

Em todo caso, podemos nos perguntar ainda quais seriam, a rigor, os reais critérios dos exames de educação propalados, antes de procurarmos os "ineficientes resultados". Nada se divulga dos primeiros.

Se o Enem comparece como contribuição à leitura de mundo, "conhecimentos gerais", com maior valorização interpretativa, a despeito dos erros técnicos, de logística perpetrados, escolas, em sua maioria, padecem "para trás", aferradas em mecânicos adestramentos para velhos vestibulares- enquanto os mesmos vão perdendo sua exclusividade- ou, do contrário, vinculadas meramente a cartilhas do "politicamente correto". O que termina por deixar de lado, muita das vezes e em ambos os casos, uma discussão e problematização mais frontal de fossos culturais, sociais, do ser e do estar no mundo.

Vladimir Safatle colabora com a discussão:


"O mito coreano"

Virou lugar-comum usar a Coreia do Sul como modelo de desenvolvimento educacional. Quando o assunto é educação, sempre há alguém a louvar o pretenso sucesso das políticas coreanas e a se perguntar, indignado, por que o Brasil é incapaz de seguir os passos daquele país.

No fundo, a comparação serve para mostrar o que certos setores da sociedade civil entendem por “educação”. Longe de terem visão inovadora, como propagam, tais setores apenas buscam fornecer nova roupagem a velhos dogmas da educação nacional.

No começo da formação efetiva do Estado nacional brasileiro, nos anos 30, um dos eixos das discussões educacionais girava em torno da necessidade de políticas maciças de “formação para o trabalho”.

Partia-se da ideia de que o país deveria ter uma grande base de formação técnica especializada para fornecer mão de obra qualificada e prometer sólida empregabilidade a classes desfavorecidas.

Por outro lado, bolsões de formação “humanista” seriam criados para uma elite que teria como função a reprodução de si mesma. Este sistema de duas velocidades era abertamente defendido pela intelectualidade que ocupava a imprensa, como Monteiro Lobato e Anísio Teixeira, entre outros.

Mas tais bolsões acabaram por produzir o pensamento crítico que iria, em larga medida, desconstruir a visão que as elites tinham do país, assim como mostrar sua incapacidade de construir um projeto nacional inclusivo. Esta formação não servia para os propósitos iniciais. Melhor seria mandar os filhos abastados estudarem economia financeira no exterior.

Sobrou martelar a ideia de que o Brasil deve reconstruir seu modelo privilegiando a antiga “formação para o trabalho”, proliferando escolas técnicas e reduzindo o espectro de suas pesquisas universitárias aos interesses imediatos dos grupos econômicos hegemônicos. Neste contexto, aparece o mito coreano como promessa redentora.

De fato, para alguns, seria ótimo imitar o modelo de um país que, no fundo, nem sequer conhece o que é pesquisa em ciências humanas e não tem sequer uma universidade como polo real de influência em várias áreas do saber. Pois tais pessoas não acreditam que “educação” seja o nome que damos para um processo de formação do pensamento crítico, de desenvolvimento da criatividade e da força de mudança, de consolidação da capacidade de se indignar moralmente, de refletir sobre a vida social e de compreender reflexivamente as múltiplas tradições que nos geraram.

Para elas, “educação” é só o nome que damos ao processo de formação de mão de obra para empregos precários e mal pagos. Mesmo do ponto de vista do desenvolvimento social, tal escolha é catastrófica."