domingo, 30 de agosto de 2009

Vincente Minnelli( The Bandwagon)





Pode ser fácil elogiar “filmes profundos”, ou até pretensamente profundos. Já elogiar um musical pode parecer um “contra senso”, uma vez que existe aquela opinião tipo “guias de vídeo” de que se trata de um “gênero escapista”.O que certamente passa um desconhecimento da própria história do gênero.Existem aqueles musicais feitos dentro do contexto da depressão norte-americana que, com a chegada do cinema sonoro procuravam unir uma maneira de distrair a população do árduo período de intensa crise, ao levar para o cinema certos talentos do teatro.Bem, o fato é que muitos nem tinham muito talento.
A história é cheia de detalhes, mas o interessante é observar como os musicais vão ganhando gradativamente novas nuances (mesmo ideológicas), em grande parte devido ao papel de Arthur Freed, um extraordinário descobridor de talentos. Foi ele que, contrariando interesses, colocou na cabeça que Judy Garland deveria ficar para brilhar. E foi Freed enfim, quem levou Vincente Minnelli para Hollywood e é partir desse momento que os musicais passam a ser não somente mais encorpados, como também adultos enquanto arte.
Os maiores diretores no ramo ficariam sendo: primeiramente o próprio Minnelli, que se casaria posteriormente com Judy Garland, Stanley Donen (sobretudo em sua magnífica parceria com Gene Kelly) e, ainda numa terceira instância, o esteta George Stevens.
The Bandwagon, ou A Roda da Fortuna é um exemplo da mestria de Minnelli.Trata-se de um entrecho aparentemente bobo em que as imagens vão brincando, sugerindo ou apontando, como uma “séria criança”, certas camadas insuspeitas da vida. A história diz respeito a um dançarino sapateador (Fred Astaire), que num período de extrema decadência necessita, mais do que nunca, de dar sua volta por cima. É sabido que tanto Astaire quanto o próprio Minnelli atravessavam um período muito difícil em suas vidas pessoais quando da realização dessa obra.
Antes de tudo, cabe observar a primeira grande cena com Astaire no filme. Ele se encontra bem perdido em meio à sua decadência e constata que o local onde ficava o antigo teatro acabou se tornando uma espécie de “shopping da modernidade”.Diante daquele caos de pessoas e cenários, ele passa a observar os brinquedos que remetem a uma espécie de lógica do absurdo. Há a máquina com uma interrogação da qual ele, mesmo que fuçando, não consegue extrair algum sentido. Posteriormente, Astaire tira a sorte com uma boneca mecânica e muito animado recebe a sentença: “Georgeous: maravilhoso!”. Em sequência olha-se no espelho, mas o que vê não passa de uma imagem disforme. A partir daí seus passos o levam para próximo de um engraxate prostrado ao chão, desanimado como ele mesmo que se sente um derrotado tanto profissionalmente quanto pelo tempo, que é de onde surgirá seu canto.O desafio aqui será o de criar em cima desse caos moderno com a imposição desse canto e, sobretudo, através de sua dança. Os elementos passam a uma reconfiguração no espaço/cenário, a interrogação transborda como caixa de brinquedos na mesma medida em que o mundo vai sendo resignificado, inclusive aos olhos daqueles que passam.O que se vê é uma espécie de nova “Máquina do Mundo”,de Camões, que se abrirá se oferecerendo a olhares agora novos, embevecidos. Só que dessa feita se trata de uma Máquina do Mundo Cenográfica de figuras, sombras e luzes a par de certa renovação lúdica das artes, vide surrealismo, Paul Klee, Miró...
Já na cena dos bebês, o que vemos é um cenário algo surreal a indicar que uma casa se queimou com três marmanjos que se passam por trigêmeos a nos cantar que cada um deles não mais suporta ser confundido e tratado como se fosse o outro. Nessa cena aparentemente tola e “delirante” encontra-se uma presenciação genial e até delicada (por seu sombreamento) do estado de diferenciação segundo Minnelli.Trata-se daquela mesma dificuldade com certa uniformização gigantesca do mundo, que faz com que na obra Agora seremos felizes, a menina Judy Garland questiona como ficaria seu tempo de liberdade para criar e viver um mundo, uma vez que corria o risco de ser sugada pelo desencantamento metropolitano para onde seu pai havia se tranferido à trabalho, dentro da moderna lógica de produção a um tempo asséptica e massacrante.
Em A Roda da Fortuna, Astaire tem pela frente o desafio de encontrar um lugar nesse “mundo caótico modernizado” e ainda esbarrará com mais dois obstáculos. O primeiro deles é trabalhar com um diretor megalomaníaco que visa transformar o "Fausto", de Goethe em um musical, ou melhor, visa transformar o musical em uma “obra culta." O fracasso tanto artístico como de público virá, o que forçará a mais um giro dessa roda da fortuna. O outro desafio será o de dançar com uma dançarina proveniente do balé clássico que lhe impõe uma espécie de altivez artística com a qual ele não estaria habituado. Enquanto tudo isso transcorre, acompanhamos por também Betty Comdem e Adolph Green, sagazes roteiristas, os bastidores da montagem de uma peça, com todas as manifestações de insegurança e de tensão envolvidas, contornadas por uma belíssima crônica visual.
O fracasso no filme acabou se tornando o principal combustível para que houvesse uma reestruturação dessa peça, porém agora em novos moldes. O diretor culto e megalomaníaco vivido por um ator britânico acaba passando a batuta para Astaire, que se torna então uma encarnação pioneira de uma espécie de arquétipo do Imaginário no Poder(Marcuse..).Ou seja, o arquétipo do homem de grande reputação erudita cede seu espaço e poder para o homem de grande imaginário, embora o que se seguirá não será uma oposição estanque entre uma cultura e outra, mas antes uma grande permuta do popular e do erudito(Minnelli era norte-americano filho de europeus), bem sintetizada por essa associação do sapateador com a dançarina como elemento de ligadura desse imaginário que se reconstrói à toda prova.
Uma das cenas mais emblemáticas do filme se encontra na reconfiguração dessa peça quando, já no comando, Astaire canta junto ao ex-diretor algo sobre uma frustração amorosa, sem nada explicitar da história, o que oferece um pouco da chave desse formidável musical.Toda a angústia de Astaire diante de sua paixão pela bailarina, então prometida a um coreógrafo de balé clássico, comparece aqui seja a um tempo como confissão indireta, seja como sublimação estética nessa cena em que o sapateador retoma seu visual de fraque, cartola e bengala do passado em um cenário quase nostálgico. Na medida em que o número vai chegando ao fim, as bengalas vão sendo lançadas ao chão tais como muletas sendo lançadas fora num ritual de exorcismo e também de afirmação pela arte. É mais um desses grandes momentos em que o musical transfigura um estado de enorme angústia e pesar em grau elevado de arte e consciência.
Entretanto, a cena que talvez melhor ilustre esse momento de “grandes ameaças cerebrais e(ou) factuais”encontra-se na última cena do espetáculo, em que Charisse se desdobra em duas mulheres: A loura desamparada e seu duplo negro:a morena ameaçadora(ambas vivivas pela mesma Cyd Charisse).Em meio a essa brilhante paródia do filme policial em versão dançada, temos a incessante transposição de mundos/cenários em um andamento que pode ser traduzido como um labirinto em fuga. Só que, ao contrário da maioria dos "filmes noir", o significado de se perder aqui é um bocado singular. O personagem da peça encenada representado por Astaire descobrirá que a assassina, no fim das contas, havia sido a tal "loura desamparada”,enquanto a “ameaçadora morena” não passa da potência imagética encarnada do desejo do protagonista do filme,carregando consigo todo seu enigma, com essa dupla possibilidade de nela se perder ou, quem sabe, de nela se encontrar.Franqueia-se o espaço para a elaboração dos fantasmas e ansiedades amorosas,com a mesma mulher a encarnar duplas facetas em fascinantes jogos do ser e do parecer.Após decifrar a intriga policial, sua fala final é algo como “Senti que faltava alguma coisa”.Ela era má, ela era perigosa, eu confiava menos nela do que na minha sombra.Mas era o meu tipo de mulher”.
Em A Roda da Fortuna, Minnelli mostra como grandes angústias podem ser tratadas com um novo brio. Aqui elas são examinadas e transfiguradas: cenários em metamorfoses, dança e música mediando toda uma vida numa polifonia de vozes e de cenários;assim como nessa associação profissional e amorosa de Astaire com Charisse, ou seja, do popular/erudito com o erudito/ popular, do velho com o novo, em que amálgamas de ruínas de mundos trincados são as peças capitais para a reconfiguração desse tipo muito particular de Imaginário no Poder, anterior mesmo às contraculturas.

sexta-feira, 28 de agosto de 2009




Ao Deus Com Unik Assão

EIS-ME prostrado a vossos peses
que sendo tantos todo plural é pouco.
Deglutindo gratamente vossas fezes
vai-se tornando são quem era louco.
Nem precisa cabeça pois a boca
nasce diretamente do pescoço
e em vosso esplendor de auriquilate
faz sol o que era osso.
Genucircunflexado vos adouro
VOS arnouro, a vós sonouro
deus da buzina & da morfina
que me esvaziais enchendo-me de flato
e flauta e fanopéia e fone e feno.
Vossa pá lavra o chão de minha carne
e planta beterrabos balouçantes
de intenso cameiral belibalentes
em que disperso espremo
e desexprimo
o que em mim aspirava
a ser eumano.
Salve, deus compacto
cinturão da Terra
calça circular
unissex, rex
do lugarfalar
comum.
Salve, meio-fim
de finrinfinfim
plurimelodia
distriburrida no planeta.
Nossa goela sempre sempre sempre escãocarada
engole elefantes
engole catástrofes
tão naturalmente como se.
E PEDE MAIS.
A carne pisoteada de cavalos reclama
pisaduras mais.
A vontade sem vontade encrespa-se exige
contravontades mais.
E se consome no consumo.
Senhor dos lares
e lupanares
Senhor dos projetos
e do pré-alfabeto
Senhor do ópio
e do cor-no-copo
Senhor! Senhor!
De nosso poema fazei uma dor
que nos irmane, Manaus e Birmânia
pavão e Pavone
pavio e povo
pangaré e Pan
e Ré Dó Mi Fá Solapante
salmoura
n'alma, cação podido.
Tão naturalmente como se
como ni
ou niente.
Se estou doente, devo estar doentes.
Se estou sozinho devo estar desertos.
Se estou alegre, devo estar ruidosos.
Se estou morrendo, devo estar morrendos?
Cumpro. Sou
geral.
E pouco?
Multi
versal.
É nada?
Sou
al.
Dorme na tumba a cultura oral.
Era uma vez a cultura visual.
Quando que vem a cultura anal
na recomposta aldeia tribal?
O meio é a mensagem
O meio é a massagem
O meio é a mixagem
O meio é a micagem
A mensagem é meio
de chegar ao Meio.
O Meio é o ser
em lugar dos seres,
isento de lugar,
dispensando meios
de fluorescer.
Salve, Meio. Salve, Melo.
A massa vos saúda
em forma de passa.
Não quero calar junto do amigo.
Não quero dormir abraçado
ao velho amor.
Não quero ler a seu lado.
Não quero falar
a minha palavra
a nossa palavra.
Não quero assoviar
a canção parceria
de passarinholaragem.
Quero komunikar
em código
descodificar
recodificar
eletronicamente.
Se komuniko
que amorico
me centimultiplico
scotch no bico
paparico
rio rico
salpico
de prazer meu penico
em vosso honor, 6 Deus komunikão.
Farto de komunikar
na pequenina taba
subo ao céu em foguete
até a prima solidão
levando o som
a cor, o pavilhão
da komunikânsia
interplanetária interpatetal.
Convoco os astros
para o coquetel
os mundos esparsos
para a convenção
a inocência das galáxias
para a notícia
a nivola
o show de bala
o sexpudim
o blablabum.
E quando não restar
o mínimo ponto
a ser detectado
a ser invadido
a ser consumido
e todos os seres
se atornizarem na supermensagem
do supervácuo
e todas as coisas
se apagarem no circuito global
e o Meio
deixar de ser Fim e chegar ao fim,
Senhor! Senhor!
quem vos salvará
de vossa própria, de vossa terrííil
estremendona
inkomunikhassão?
(C.D.A., o grande visionário/poeta que se tivesse nascido em outra país seria honrado como bem merece.Poucos textos são tão atuais).
A foto é do belíssimo filme de Godard, Elogio ao Amor.

quarta-feira, 26 de agosto de 2009

" Dizem que voltei americanizado"








Especialmente para a voz e interpretação de Fred Astaire,Irving Berlin compôs: Cheek to Cheek, Let´s face the music and dance, Isn´t this a lovely day?,Steppin´out with my baby...
George Gershwin compôs com Ira: A Foggy day, They can´t take that away from me, Oh, Lady be good, Fascinating rhythm, S wonderful, Nice york if you can get it..
Cole Porter:Night and day, Begin the Beguine, All of you, I concentrate on you...
Harold Arlen e Johnny Mercer:One for my baby.
Johnny Mercer compôs Something´s gotta give.
Jerome Kern e Dorothy Fields: The way you look tonight, A Fine Romance, I won´t dance.
Sinatra, Crosby ou Bennett nunca tiveram esse privilégio.
Astaire não tinha a voz desses citados, embora tivesse o senso rímico formidável (como nos pés),respiração, perspicácia,timbre suave e firme,qualidade de enunciação.
Com um repertório desses nem precisava ter dançado.

Cascatas de Frank L.Wright



So Long, Frank Lloyd Wright
(Adeus, Frank Lloyd Wright):
So long, Frank Lloyd Wright (Adeus, Frank Lloyd Wright)
I can't believe your song is gone so soon (Não posso acreditar que sua canção se foi tão cedo)
I barely learned the tune (Mal aprendi a melodia)
So soon (Tão cedo)
So soon (Tão cedo)

I'll remember (Eu recordo Frank Lloyd Wright)
Frank Lloyd Wright (Todas as noites que harmonizamos até o amanhecer)
All of the nights we'd harmonize till dawn (Eu nunca ri tanto)
I never laughed so long
So long (Adeus)
So long (Adeus)

Architects may come and (Arquitetos podem chegar e)
Architects may go and (Arquitetos podem passar e)
Never change your point of view (Nunca ter um ponto de vista)
When I run dry (Quando eu fico seco)
I stop awhile and think of you (Eu paro um pouco e penso em você)

So long, Frank Lloyd Wright Adeus, Frank Lloyd Wright
All of the nights we'd harmonize till dawn (Todas as noites que harmonizamos até o amanhecer)
I never laughed so long (Eu nunca ri tanto)
So long (Adeus)
So long (Adeus)

A música é uma obra-prima de Paul Simon de sua fase áurea( com Garfunkel)e gratias, não guarda semelhança com suas incursões pela World Music. Nada contra a World Music em si.Somente nada muito a favor da WM de Paul Simon.
O importante é que durante o período da música aqui citada ele era gênio.
Então, vida longa a Frank L.Wright e a P.Simon, aqui em suas mais decididas,desbravadoras, airosas(e poderosas) expressões.

sábado, 22 de agosto de 2009





O outro filme da revisão-Scorsese, O Rei da Comédia, que sempre foi um dos mais queridos por mim: Uma espécie de livre ensaio sobre a ânsia da fama.De Niro aqui foge ao estereótipo mais "viril" dos demais filmes. Não que não seja um homem propício à violências mil. A primeira delas, segundo o filme, é a de viver sempre no universo do espetáculo, dentro ou fora do proscênio.
De Niro faz um clown de marca maior, mais Arlequim que Pierrô,sujeito a todos os delírios possíveis ou impossíveis de grandeza, um homem banal( pra se dizer o mínimo)que se vê como Rei.A chave de Scorsese é a da ironia maior, roçando sempre um certo horror do "vazio" como sutil denúncia dos tempos. Poucos filmes de Scorsese são tão atuais. O que há de mais atual que a boçalidade tornada púlpito de "reis" e rainhas"?
Por outro lado, será que a personagem vivida por Jerry Lewis sequestrada pelo "futuro rei" de Niro seria tão inocente, ou aquilo que o cômico vivido por Lewis mais tema seja justamente o que talvez não passe de uma descarga( com o perdão do trocadilho)de uma matriz igualmente demente? Qual seja, a lógica televisiva.
Sem maiores especulações, o que importa é que essa atitude de amordaçar o rei Jerry Lewis não passa de uma espécie de obediência ao "comando de Maquiavel", o Príncipe: "os fins justificam os meios", o que traduzindo para o contexto do filme não passaria de:os fins justificam os "mídia". O que importa para de Niro é chegar lá.
Por outro lado, por seu aliciamento hipnótico, a mídia não deixa de representar um certo paternalismo.De Niro ainda vive com a mãe, sendo a criança.Não há resquício de uma figura de pai em seu lar. Logo, Jerry Lewis, o raptado, não passa de um Pai simbólico e a atitude brutal do protagonista é meramente reativa frente ao poderio de Papai,mas de uma violência afim à violência própria ao aliciamente midiático(sempre brutal em sua constituição).
O Rei da Comédia aborda com muita ironia uma violência entre grupos e mesmo gerações.Com o sucesso final desse "louco personagem", o que se dá é uma substituição de poderes em novas moedas. Ele agora será o novo Príncipe da mídia. Sua molequice se adequará perfeitamente a esse veículo com idade mental e emocional a um tempo cínica e estagnada.
É sabido que Scorsese recusou inicialmente esses script até o momento em que viu como aquilo tudo era perfeitamente coerente com a mentalidade televisiva e da fama dos "novos tempos". Por esse lado, Jerry Lewis talvez represente também a genial comicidade do próprio Jerry Lewis que estaria infelizmente "defasada" frente ao reino do cômico freak, grotesco, tornado mitificação, mercadoria,etc.
A rigor, Scorsese evita qualquer estado de espírito que envolva alguma nostalgia.Seu filme é lúcido, bem humorado, com essa ironia que beira o terror, mas sem ceder para nenhum "outro lado".Nesse difícil equilíbrio, entre o mais áspero e o mais irônico e bem humorado é que se dá o fino jogo de O Rei da Comédia, disposto a uma brincadeira/ diálogo inteligente e honesta com o espectador.
E é também por esse seu espírito de modéstia,de aparente despretensão que pode passar desapercebido que se trata, na verdade, de um de seus melhores filmes. E provavelmente o mais atual.

sexta-feira, 21 de agosto de 2009









Depois de O Aviador, vou revendo alguns trabalhos do Scorsese que havia ficado talvez um pouco na geladeira nos últimos tempinhos.
Posto aqui correndo de uma lan uma foto de "O Touro Indomável", que revi pouco tempo após o Aviador. Dos dois trabalhos talvez mais conhecidos do diretor(Taxi Driver e esse Touro),creio que hoje eu ainda goste bem mais do Taxi, mas o Touro permanece um baita filme!
Em "O Touro Indomável" o palco do boxe e o palco da vida são, na verdade, um só.E esse touro vivido por Robert De Niro é sacrificado em ambos.Ou melhor,se auto-sacrifica, uma vez que sua natureza autofágica caminha sempre de vento em popa ao longo de sua jornada.
Em meio à sordidez do mundo do boxe( nada aqui que remeta ao heroísmo de vários filmes sobre o assunto)e à sordidez da vida privada desse impotente Jack La Motta que mal come sua mulher e só pensa em se matar no ringue da vida, acompanhamos uma jornada de purgação que se mostra eterna, na mesma medida da "eterna" inflexibilidade desse homem.
Frente a esses palcos, Scorsese opta pelo balé da câmera principalmente no "palco do ringue", muito embora uma "luz de igreja" esteja presente em qualquer um deles.Afinal, "O Touro Indomável" é o réquiem de Martin Scorsese.

terça-feira, 18 de agosto de 2009

Inimigos Públicos



Será que pelo menos o novo trabalho de Michael Mann chega à "roça interiorana"(com o perdão do pleonasmo)?

Ingrid Bergman em Stromboli

Stromboli, Roberto Rossellini




OS DEGRAUS

"Não desças os degraus do sonho
Para não despertar os monstros.
Não subas aos sótãos - onde
Os deuses, por trás das suas máscaras,
Ocultam o próprio enigma.
Não desças, não subas, fica.
O mistério está é na tua vida!
E é um sonho louco este nosso mundo..."
M.Q.

segunda-feira, 17 de agosto de 2009




A vida em It´s Always Fair Weather é meditada e enfim, retirada de um cenário como o dessa pintura de Goeldi.

It´s Always Fair Weather( Dançando nas nuvens)





Depois de uns dez anos pude rever Dançando nas nuvens(It`s Always Fair Weather),o último musical da dupla Gene Kelly e Stanley Donen, que fizeram juntos Um Dia em Nova York e Cantando na Chuva, ou seja, os dois maiores craques do gênero nos USA ao lado de Vincente Minnelli.
Da última vez que vi esse filme lembro que eu e o Sandro o consideramos na época melhor que o Cantando na Chuva e, interessante, hoje em 2009 permanece o melhor musical da dupla.
Normalmente não falo diretamente de roteiro, mas Betty Comdem e Adolph Green, que já haviam feito juntos roteiros sagazes como os de A Roda da Fortuna e dos outros filmes desses diretores, aqui claramente se superam. A fotografia, por sua vez, não apresenta o tom prodigiosamente celebrativo de Cantando na chuva e leva algo da meditatividade de Um Dia em Nova York ao extremo. Trata-se, sem dúvida, de cores mais esmaecidas, crepusculares.
O filme afinal, fala sobre tempo, sua passagem e desgastes na história dos três pracinhas que após a guerra em que estiveram juntos se reencontrariam dez anos depois como uma espécie de prova de que as amizades sobreviveriam. Mas, a rigor, o que ocorre nesses anos são vidas algo medíocres, e o reencontro da "turma" colocará tudo isso no pescoço deles. Haverá constrangimento, indiferença, asco, mas uma série de cirandas musicais ou narrativas forçará esses personagens, em uma espécie de frenesi em surdina, a "passarem suas vidas a limpo" e, entre outras, se tocarão que o asco que sentiam pelo outro era o sentimento que cada um nutria mesmo por si mesmo. A vida havia perdido qualquer encanto e, em meio às frustrações, era como se não fosse mais possível qualquer promessa, pois cada um havia se convertido num espelho desbotado e insípido de si mesmo.
É então que entra a genialidade da dupla de roteiristas.Como intercalar tudo isso tão dramaticamente, não comprometendo nunca o humor e, claro, o senso lúdico e poético do melhor musical? No trajeto, críticas ácidas acerca da sociedade do espetáculo vão sendo feitas a mostrar cada um como escravo de algum tipo de corrupção da vida, seja de lutas de boxe movidas a marmeladas, seja de campanhas publicitárias insidiosas do chamado "Sabão Limpa Branco", em meio ao show de horrores sentimentalóides da tv.
Em suma, o filme aborda camadas muito presentes da vida do chamado dia-a-dia como o melhor cinema americano, com uma forte presença da sátira unida a uma aguda reflexão sobre o tempo, sem em nenhum momento perder a vitalidade extrema do melhor musical.
Gene Kelly, sempre dado a maiores desafios, não se contentando em cantar na chuva, parte para um extraordinário número de patins nos dando outra obra-prima de cena, ao vitalizar "cenários chapados"(para usar uma expressão utilizada não pejorativamente por G.Deleuze para falar dos musicais da dupla).Cyd Charisse, provavelmente a maior bailarina do cinema, nos dá aqui o seu papel mais marcante como atriz em um musical devido à uma imensa sobriedade,além de dançar magnificamente com os boxeadores outra obra-prima em um estilo meio Betty Boop. As coreografias de Kelly e Donen são estonteantes:a cena que abre o filme, dos amigos dançando nas ruas com os latões de lixo é uma aula do momento lúdico no cinema em que o que está à mão(tampas de lixo, no caso), ou seja,uma "coisa qualquer" se recicla a virar poesia, ou bem revela sua outra faceta.
Kelly e Donen dirigem como mestres maiores do musical sabendo como situar e estacionar a câmera nas cenas de diálogos ou de monólogos silenciosos e meditativos, tanto quanto a hora certa de movê-la nas cenas dançadas. A crítica aqui mostra uma influência de Frank Tashlin(diretor de Jerry Lewis) quanto à ótica da sociedade do espetáculo e sua mediocridade, ou seja,é de uma acidez que só não se converte em niilismo por essa estranha vocação do musical de não se fixar em limbos destrutivos ou autodestritivos.
Será preciso no reencontro dos personagens um certo sentido de revelação nas imagens para que haja uma resignificação de mundos mostrada ao longo de um árduo e sóbrio balanço. Assim os insights vão surgindo em meio à perfeição da obra.Insights em surdina estética para os protagonistas e para os espectadores.
Betty Comdem e A. Green mostram que aquilo que estava mais latente em seus roteiros poderia se converter em algo mais maduro e que a maturidade, nesse caso, é o contrário da mumificação. Afinal, esse filme sobre quase tudo é, em última instância, um filme que dança, que mergulha na dança da vida.A luta final, que não se leva totalmente à sério, é uma aula de encenação como no melhor Minnelli, enquanto a imagem da tv, insidiosa e caquética, é obrigada na cena do programa de tv a se desdobrar em algo "em construção",em um grande painel num momento em que os programadores de tv vêem a si mesmos, num giro de metalinguagem em que o cinema os vê a todos. A máscara da imagem televisiva se torna abruptamente, nesse jogo de espelhos, sagaz máscara de humor e revelação, pondo as coisas em seu lugar, com os encontros podendo ser também possíveis. O que acaba repetindo a façanha do final de Cantando na Chuva, embora com uma densidade nova que remete a um jogo de caixas, nada devendo, nessa camada, a um Jean Renoir.
O final comporta pouquíssimas palavras que nunca dizem o essencial, deixando tudo para uma imagem que de tão sóbria, de tão noturna e crepuscular irá se dissolvendo lenta e gradativamente em profundidade de campo diante de nós, com o paradoxal vigor de uma grande despedida.
Filme proustiano, musical de primeira grandeza, jogo de paródias "em construção", melancolia e poesia extremas dentro do poder de síntese do melhor cinema americano, essa relíquia revista mesmo com a tela cortada(já que seu formato é cinemascope), se afirma como um dos melhores e mais arriscados filmes já realizados, sendo também o maior canto de cisne dos melhores musicais.

sábado, 15 de agosto de 2009

Orquídea, de Regina Ortega( em Voluminismo)

Bresson/Drummond



"Um inseto cava
cava sem alarme
perfurando a terra
sem achar escape.

Que fazer, exausto,
em país bloqueado,
enlace de noite
raiz e minério?

Eis que o labirinto
(oh razão, mistério)
presto se desata: em verde, sozinha,
antieuclidiana,
uma orquídea forma-se"

A foto é da obra-prima Um Condenado à morte escapou, de Robert Bresson, filme de um rigor que atravessa qualquer limite do tempo.
Nada de engambelar o espectador. Nada de engambelar a si mesmo, o próprio filme.
O texto é do poema Áporo, de Carlos Drummond de Andrade, que se relaciona perfeitamente com a forma e o espírito dessa obra. Ou seja, um poema genial para um filme genial!

Fayga Ostrower

sexta-feira, 14 de agosto de 2009

Vórtices ou Arrombamento de retinas

Num belo de um giro, não tanto olhamos esse quadro, mas é ele mesmo a nos olhar e a nos pintar. Pensando bem, é isso que olhamos, mais que tudo.



"As Meninas", de Velasquez.

terça-feira, 11 de agosto de 2009

Teatralidade e Experimentação




Acabo de rever O Aviador, de Martin Scorsese.
Howard Hughes, segundo Scorsese, não se contentou em ser um grande devaneador. Para esse personagem sonhar muito não bastava.. Era preciso materializar cada ideia, cada sonho, por mais “demente” que parecesse a princípio. E somente assim ele pôde inovar a indústria de aviões.
Também para muitos artistas se contentar com o que se dita como sendo “razoável” é pouco, sendo necessário muita autonomia e até mais do que ela. Howard Hughes era muito para Howard Hughes, assim como Picasso era muito para si mesmo, Mozart, Beethoven, Van Gogh,etc...
O limiar entre o gênio e a insanidade pode se afrouxar, mas Scorsese se interessa nisso menos como conflito do que como somatório de elementos, de caracteres. Para o filme parece impossível expurgar uma dessas facetas sem que o reflexo seguinte saia prejudicado.
Howard Hughes, segundo Scorsese, é um pouco como Tucker para Coppola. Não se acomoda no senso comum, ou com unanimidades “pré-fabricadas”. Traça seu caminho de autenticidade pagando o preço que for, sonhador e desbravador que é.
A cena das chamas no avião que pegam vertiginosamente esse homem em delírio extremado, quem sabe mesmo num instante do afã de se igualar a Deus, talvez seja um desses momentos dos vestígios do catolicismo de Scorsese. Chamas sideradas que também abrem o filme Cassino lançando de cara o protagonista no abismo. Hughes faz dos aviões, como bem exprime a montagem, uma espécie de prolongamento dos seios das mulheres que pensa amar. Ora, esse homem de grandes taras( sobretudo, de taras de criação) é também alguém absorto em delírios de pureza como se pode ver em sua higienização obsessiva das mãos ou na ingestão excessiva de leite enquanto renega o álcool.
O andamento da montagem é vertiginoso como deve ser o da cabeça de um desbravador. Acusar o filme de apresentar tiques seria ignorar a natureza teatral mesma envolvida no empreendimento. Hughes a todo o momento deve submeter a pedra à marteladas, tal como Michelangelo que assim o fazia a fim de moldar suas obras de arte. E as obras no caso são, claro, aviões e filmes. Sua história é, portanto, a de um confronto eterno com o mundo como forma de abrir caminhos e inovar. E o gênero dramático, teatral, aqui em fronteira tensa e necessária com o cinema, é fulcrado justamente em confrontos. É através de seu corpo de performances que Hughes deve se engajar para confrontar o Senado americano, a rede de monopólios de aviões e, sobretudo, os céticos ou cínicos de plantão que não crêem ou não querem crer em seus projetos.
Talvez por isso principalmente O Aviador tenha desagradado a muitos, por ser um filme de um homem de crenças. Ou seja, a fé pressupõe ver algo a princípio visto como impossível o “outros olhos”, o que para a “chiqueza cética” com a qual nos acostumamos e nos condicionamos, não deixa de ser imperdoável. Há, dessa forma, a relação do protagonista que projeta filmes para si mesmo em sua sala particular com a ideia de algo que se projeta no futuro, assim como desses aviões com os vôos contundentes de uma águia a desbravar trajetos.
Tudo isso, ao contrário de muitos filmes do diretor dos Caçadores da Arca Perdida, não abandona a problematização frente ao que poderia se converter em uma espécie de fuga para frente. Por outro lado, não daria para se prender obsessivamente no que fatalmente se tornaria um injustificado moralismo. Fez-se necessário, aqui, encarar de frente esse estágio de se estar sempre na corda bamba, diante do abismo (inclusive físico) em meio a uma constante batalha.
E assim se deu com o próprio Scorsese nessa montagem vertiginosa em uma obra extremamente arriscada, sem medo de desagradar. Fez, como em Cassino, um épico que não ousasse somente em termos de roteiro, mas globalmente experimental, sem a inibição de parecer excêntrico a olhos e mentes mais acomodadas, que esperariam sempre “outra coisa”, seja do diretor. Seja da vida.
Em O Aviador, sem dúvida Scorsese se dispos por inteiro a dar sua cara(e a do cinema), à tapa.

segunda-feira, 10 de agosto de 2009

Chagall e Estrelas





Estrelas

Há estrelas brancas, azuis, verdes, vermelhas.
Há estrelas-peixes, estrelas-pianos, estrelas-meninas,
Estrelas-voadoras, estrelas-flores, estrelas-sabiás,
Há estrelas que vêem, que ouvem,
Outras surdas e outras cegas.
Há muito mais estrelas que máquinas, burgueses e operários:
Quase que só há estrelas.

(M.Mendes.)

domingo, 9 de agosto de 2009

No calor das horas entre a Pedra e o Martelo, ou entre o Martelo e a Bigorna

Como já havia colado aqui O Poema do Jornal para me desculpar dos erros de digitação, acabo de arrumar a palavra "percepção" do último comentário e também "abrupto" pela qual me tornei doutorando em erros, já que está presente nos dois últimos comentários. Digitar no calor da hora deve fazer parte do espírito de certos blogs, aos quais me "filiei"a princípio involuntariamente, e enquanto estiver digitando de lans talvez deva incorporar com certo gosto, já que também o tempo é mais curto.
E aproveito para me desculpar principalmente por duas omissões na lista de filmes pinçada. São dois filmes que me vieram de início à mente, mas o marulho das digitações contra o tempo não me permitiu resgatá-los para a escrita daquele momento, o que gerou "grande injustiça".
São eles: O Atalante, de Jean Vigo e Gosto de Cereja, de Abbas Kiarostami.
Abraço a todos e quanto às maquinas modernas
estamos conversados.

sábado, 8 de agosto de 2009

" A Verdade não se encontra nos homens, mas entre os homens"/ "Encontros e Desencontros" e o Elogio da polifonia do discurso, ou do discurso poético





Por esses dias peguei na tv o filme Lost in Translation, de Sofia Coppola, ao qual já voltei inúmeras vezes e pude nesses fragmentos da tv relembrar um dos motivos que o tornam uma das obras mais interessantes dos últimos tempos.Esses personagens um tanto alheios, com o sentimento de não pertencimento ao mundo(apesar de serem de gerações tão distintas),traduzem muito bem uma famosa frase de Sócrates.
Durante parte considerável do filme a percepção equivocada dos personagens faz com que pensem que, ou algum sentido deveria brotar do mundo ou bem deveria brotar de si mesmos, o que não deixará de enfatizar ainda mais a distância frente ao mesmo mundo, ou dessas pessoas frente a elas mesmas.
A fronteira opaca entre o ser e o mundo equivale à uma idêntica opacidade do ser para consigo próprio, até que uma espécie de fluxo aparentemente alheio a essas personas virá conferindo gradativamente forma, ou formas ao amorfo. E assim como na frase de Sócrates, se materializa aqui que "a verdade não se encontrará nos homens, mas entre os homens".
E de tal maneira que esse jorro um tanto polifônico( como de um filósofo polifônico) tornará as personagens quase incapazes até o fim de captar tamanha experiência,que se constitui com exatidão entre os intervalos e o mais abrupto e do abrupto aos intervalos, em perfeita forma, sintonia e equilíbrio de medidas. Sofia Coppola reinventa, ao contextualizar para o mundo contemporâneo, algo como O Esporte Favorito dos Homens, de Hawks, entre outros filmes. Embora aqui com um interesse suplementar pela meditatividade do casual, unida aos silêncios e a uma considerável ludicidade.
Se esses não apagam por completo o sentimento de se estar um tanto desalojado no mundo, ao intercambiar de maneira quase imperceptível as instâncias do cinema americano, europeu e oriental, Lost in Translation vai conferindo aos poucos uma espécie de revigoramento poético ao cinema americano nesse estar sempre colado nos interstícios à espera de que algo brote.
Assim, o aparente efêmero "contaminado" abrirá fronteira com o eterno, como muito bem atesta a fulminação um tanto mágica das imagens finais,que não perdem um nadinha da extrema discrição do restante da obra.(Dessa discrição mágica e silenciosa que tomou conta de um filme realizado todo à espreita, dando margem a improvisos frente a lacunas propositais realizadas paradoxalmente em moldura americana).
Se não houver a percepção apropriada para essas lacunas, que o filme, a se ver bem sintonizado, as preencha para nós, pois permanece brilhante e ainda o melhor trabalho de Sofia Coppola.

quinta-feira, 6 de agosto de 2009

Uma Lista essencial




Um tanto dentro de certa escrita automática do momento, pinço Uma Lista de Filmes Maiorais:

Europa 51( Roberto Rossellini)
Hatari!( Howard Hawks)
Casamento ou Luxo( Chaplin)
O Amigo da minha amiga(Eric Rohmer)
Deus sabe quanto amei(Vincente Minnelli)
Fort Apache( John Ford)
A Última Gargalhada( Murnau)
It´s always fair weather, ou Dançando nas nuvens(Kelly-Donen)
Violência e Paixão(Visconti)
O Amargo Triunfo( Nicholas Ray)
A Marca da Maldade( Orson Welles)
Se meu apartamento falasse( Billy Wilder)
O Alucinado( Buñuel)
Janela Indiscreta( Hitchcock)
Viver a Vida(Godard)
Um Condenado à morte escapou( Robert Bresson)
Um Mundo Perfeito(Clint Eastwood)
Ordet(Carl Dreyer)
O Bagunceiro Arrumadinho( Frank Tashlin)
Carruagem de Ouro(Jean Renoir)
O Beijo Amargo( Samuel Fuller)
Holiday( George Cukor)
O Rei da Comédia(Scorsese)
Manhattan( Woody Allen)
Ruby Gentry( King Vidor)
O Eclipse( Antonioni)
A Grande Cidade( Satiajit Ray)
O Intendente Sancho(Henri Mizoguchi)
Woman under the influence( Cassavetes)
Marcas da Violência(David Cronenbergue)
Mary(Abel Ferrara)
....

Outros: O Homem que matou o facínora( John Ford)
O Pirata( Vincente Minnelli)
Meu Tio( Jacques Tati)
Andrei Rublev( Tarkovski)
Splendor in the Grass( Kazan)
Only angels have wings( Hawks)
Oito e meio (Fellini)
Amor na tarde( Billy Wilder)
Amor à tarde(Rohmer)
Sangue sobre a neve(Nicholas Ray)
O Homem com a câmera (Vertov)
Morangos Silvestres(Bergman)
Notorius(Hitchcock)
A Oitava Esposa do Barba Azul( Lubitsch)
O Fantasma Apaixonado( Joseph Mankievicz)
A Cadela( Jean Renoir)
...............................................a completar.....



Após ter postado seguidamente algo sobre Tom Waits, David Bowie e Joan Miró, me pergunto não tanto numa sede de "sentido", mas numa espécie de peripécie analógica, que eles não estariam por aqui tão arbitrariamente aproximados uns aos outros.
É que Waits cria nas beiradas das ruas em cima dos detritos da cultura e se esforça muito por ir colando caco por caco dos terremotos da decadência a fim de dar origem a um canto que, por vezes, beira o profético.
Enquanto David Bowie morre ao final de cada obra sua para dar origem a um novo Bowie da próxima, a partir das ruínas da civilização. O que gera um ímpeto de reorganização das coisas em estilo renovado, no momento mesmo em que abria caminho para outros artistas.Os terremotos da cultura são importantes para uma nova organização geológica da terra. São eles, afinal, que permitem a conversão de morte em vida.
Para não falar nos Talking Heads que trabalhavam a partir das ressacas das utopias dos anos 60 e, de tais detritos, uma obra reinjetada de ânimo se fazia possível, abrindo caminho também para tantos outros artistas.
Em Joan Miró, o pintor, um surrealismo distinto do de Salvador Dali se realizava. Dali ainda se preocupava com alegorias, com a significação do "por detrás das coisas", tornando o surrealismo também figurativo.
Em Miró as formas encarnam sua própria vida como realização moderna da vivificação dos detritos da imaginação, frente a um mundo mecânico e mecanicista. A partir dos detritos do imaginário, Miró oferece sua resistência ao olhar mecanizado, contaminado do mundo ( inclusive das imagens) disseminado como rotina( hoje não somente nos adultos, mas nos próprios adolescentes e mesmo nas crianças, desde cedo treinadas a uma inclusão cada vez mais veloz no universo da poluição visual, quase sempre nadificante).
Miró é a realização de Marcuse, do imaginário no poder "avant la-lettre". Embora um imaginário que não se leva a sério como Linguagem do Poder. Frente aos cacos da civilização, as aquarelas de Miró estão a rir disso tudo como "crianças" sábias a nos colocar de cabeça para baixo, ou como a reis que abruptamente se vêem nus.
É um pouco por isso que, sua obra, de tão lúdica se converte em algo tão grave a nossos olhos tão marejados.

segunda-feira, 3 de agosto de 2009

"Descobri que a vida é bailarina e que nenhum ponto anula o viravoltear das coisas"( Homenagem a Joan Miró, Vincente Minnelli, Jerry Lewis, Chaplin..)




O título" Descobri que a vida é bailarina..." estraído do poema-minuto de Drummond feito para uma tela de Miró.



Dos Becos para a Indústria, da Indústria para os becos( Tom Waits/Disco de cabeceira)




Falando em artistas dos anos 70, não dá pra deixar de fora o poeta das margens Tom Waits.

Parecia haver nesse período uma onda decadentista também. David Bowie e seu Ziggy Stardust, um momento máximo do glitter, vestia suas máscaras e ia, em sua peça musical, à praça pública em pleno reino do rock tornado modismo de massa( indústria altamente planejada e organizada) para ser exterminado. Não somente a antecipação do ídolo que ascende e morre como um meteoro que cai, terminando por ser devorado por seus fãs( ecos de Michael Jackson).

Sobretudo aquele que não teme se sujar em praça pública, no reino das massas, dando sua cara para bater. Cada disco de Bowie seria uma frustração da persona anterior, se configurando como jogo com a moda, com as personas do rock. Isso nos anos 70, pois nos anos 80 a lei camaleônica torna-se norma máxima do faro marketeiro( vide Madonna, Michael).

Enquanto que em Bowie era, sobretudo, inquietação estética pela busca de novos rumos em sua música, enquanto cada personagem criada para cada novo disco era uma frustração dos modismos do rock e do poder de assimilação que a indústria tem de tudo incorporar até sugar forças.

Até os anos 70 o jogo de Bowie funcionou, enquanto nos 80 ele foi produzindo cada vez menos, para depois renascer das cinzas nos anos 90. O disco Let´s dance carregava um certo espírito conservador se cotejado com o que ele havia feito antes( Scary Monsters, Lodger, Heroes, Low, Station to Station...), mas ainda apresentava algumas pérolas. E para quem já sempre esperava do artista algo um tanto "insólito", não deixou de ser o disco mais um dado dessa "lei camaleônica", ao abandonar o descentramento mais explícito para se localizar numa espécie de centro pouco esperado para o artista. O interessante é que a produção musical foi de Nile Rodgers, produtor da Madonna na época, que se não fosse Bowie um talento à parte, resvalaria de vez na obviedade das obviedades. O que em parte ocorreu enquanto ícone, imagem pop do período MTV.
Nos anos 90, Rodgers trabalharia novamente com Bowie num trabalho infinitamente mais arrojado, ou seja, mais conformado à gana mais inqueita do artista: a inquitação como método de criação. Só que dessa feita a concepção musical não foi deixada a cargo de Nile. Ele acompanhou toda a visão de Bowie, procurando segui-la à risca.
Black tie, White Noise era o artista renascendo das cinzas de vez, correndo o risco de ser exterminado mais uma vez em Praça Pública. Contudo, para que a dimensão mais, digamos, experimental não parecesse mera redundância adentrada numa espécie de "Nova Ordem Mundial"da música e das modas, o disco intercalava com perfeição toda a inquietação sonora do autor com melodias mais redondas, mantendo a qualidade ímpar em ambos os pólos.

Voltando a Tom Waits, o decadentismo aqui não era do Ziggy Stardust de Bowie, mas mais extremamente o da poesia das margens, embebido, sem maiores performances, das beiradas das ruas, como no genial Rain Dogs, arrojado e careta na mesma proporção.

Em Rain Dogs , há por Tom Waits uma recriação pop dos vários escaninhos do cânone popular: polca, tango, etc... aos quais Waits injeta sua "poesia das margens" com sua rouca voz para deixar um Lou Reed enrubescido. Há até o jazz e um bocado do folk à la Bruce Springteen(outro grande artista que comparecia naquela década, os anos 70) e mesmo Leonard Cohen.

O disco da foto é da lindíssima trilha que Waits compôs para o filme de Francis Ford Coppola, O Fundo do Coração. O filme acabou de sair em dvd e seria uma ótima ocasião para revê-lo e "passar a limpo" essa inserção em princípio corajosa do diretor no reino dos musicais. É sabido que Coppola quebrou sua produtora com essa "extravagância". E talvez as pessoas quisessem se limitar no período a ver musicais no estilo John Travolta, e não um ousado reavivamento do imaginário/lúdico de "outros tempos".

Sei que Tom Wats compõs aqui um jazz inesquecível dentro do estado de espírito proposto, bem acompanhado por uma Crystal Gale cantando que é uma maravilha, como moça-crooner de peso dos ano 70, além de linda. Se o filme na revisão estiver à altura da trilha, corre-se o risco de ser uma obra-prima redescoberta.


sábado, 1 de agosto de 2009

Na Guerra

Esse poema é um bocado aquele filme do Hawks, Jejum de Amor, mas é para mim a sensação de ter de digitar tão rapidamente as palavras e depois ver que está tudo errado. Tanto mais que são digitadas de lans e não no "conforto da casa". E já que sai muita coisa errada, já que o tempo não pára, que seja então, como dizia Oswald de Andrade, aquela contribuição milionárias dos erros. Ou seja, nessa época em que tudo é muito ágil, a guerra da escrita também deverá ser ágil, com os respingos ficando pelos cantos, nas margens, a provar que ali houve, em tempos assépticos de apresentação, um trabalho humano. Em doce blog.


Poema do Jornal

O fato ainda não acabou de acontecer
E já a mão nervosa do repórter o transforma em notícia
O marido está matando a mulher
A mulher ensanguentada grita
Ladrões arrombam o cofre
A polícia dissolve o meeting
A pena escreve

Vem da sala de linotipos a doce música mecânica.

O Bardo (Parte 2)










Abaixo um dos melhores poemas de um dos maiores poetas do século XX:
William B. Yeats, numa bela tradução e, certamente muito trabalhosa, de Augusto de Campos (Para muitos, inclusive T. S. Eliot, Yeats era o maior).





Rumo à cidade santa


William Butler Yeats


VIAJANDO PARA BIZÂNCIO



(Tradução: Augusto de Campos)




Aquela não é terra para velhos. Gente jovem, de braços dados, pássaros nas ramas — gerações de mortais — cantando alegremente, salmão no salto, atum no mar, brilho de escamas, peixe, ave ou carne glorificam ao sol quente tudo o que nasce e morre, sêmen ou semente.
Ao som da música sensual, o mundo esquece as obras do intelecto que nunca envelhece. Um homem velho é apenas uma ninharia, trapos numa bengala à espera do final, a menos que a alma aplauda, cante e ainda ria sobre os farrapos do seu hábito mortal; nem há escola de canto, ali, que não estude monumentos de sua própria magnitude.
Por isso eu vim, vencendo as ondas e a distância, em busca da cidade santa de Bizâncio. Ó sábios, junto a Deus, sob o fogo sagrado, como se num mosaico de ouro a resplender, vinde do fogo santo, em giro espiralado, e vos tornai mestres-cantores do meu ser.
Rompei meu coração, que a febre faz doente e, acorrentado a um mísero animal morrente, já não sabe o que é; arrancai-me da idade para o lavor sem fim da longa eternidade.
Livre da natureza não hei de assumir conformação de coisa alguma natural, mas a que o ourives grego soube urdir de ouro forjado e esmalte de ouro em tramas, para acordar do ócio o sono imperial;
Ou cantarei aos nobres de Bizâncio e às damas, pousado em ramo de ouro, como um pássa- ro, o que passou e passará e sempre passa.


William Butler Yeats


O Bardo Novamente!



Leo Cohen com a grata surpresa de um disco novo, e eu com meu Songs for love and hate, um dos discos mais densos já feitos, cheio de falhas. Que o "novo" venha renovar o "velho"!
O "velho", no caso, não é somente um dos mais densos, mas um dos melhores discos já feitos por um incontestável bardo . E sua imensa tristeza não impede os momentos de múltipas epifanias nesse jogo do " profano/sagrado", em que Cohen canta desencantos amorosos e também sua relação com Deus.

Entre a introspecção em seu estado mais rasgadamente denso e o "hino religioso" em seu estado mais visceralmente "litúrgico", as melhores letras e as melodias mais sinuosas e perfeitas se encontram.
Leonard Cohen, Joni Mitchell, Costello, Neil Young, McCartney, Steve Wonder, Marvin Gaye e outros mais... São a evidência de que os anos 70 foram os mais prolíficos em artistas solos dentro do "solo"convencionalmente chamado de pop. Haja gênio...