quarta-feira, 28 de dezembro de 2011

Nota do pós- -Natal







Filme deveras repetido na tv, o que não servirá de desculpa para não comentá-lo. Por  ser razoavelmente conhecido, que certas considerações parecem  “necessárias”.


Edward Mãos de Tesoura


A personagem que encontra Edward - o “monstro” – é ingênua vendedora de cosméticos. Mas Burton- o diretor-, prefere focar  ironicamente os consumidores. 

Afinal, o curso da história segue e suga certas pessoas atreladas a um modo de vida como ganha pão, em um tipo de sociedade que não ofereceria muito mais à vista. As consumistas, em “Edward”, seriam histéricas moldadas, em processo de perpetuação de seus espelhos frívolos.





Edward  comparece como uma  espécie de visor para a sociedade norte-americana. Carrega consigo o excesso e as faltas: as várias tesouras seduzem, ao mesmo tempo em que evidenciam uma falta mais ampla- humana  e cultural.


Num primeiro momento,   ele será  aceito entusiasticamente. Num segundo, será punido. Um mundo que não sabe observar seus espelhos transfere a agressão para o indivíduo supostamente não humano, “fabricado”. Embora, por não ter sido fabricado exatamente em laboratórios, Edward prolonga  a natureza criativa da espécie humana, já que  uma falha na mecânica de produção o tornará, a um tempo,  “estranho”  e artista.



Temos, portanto,  uma interessante carnavalização realizada pela obra. O indivíduo “fabricado” torna-se humano, ao passo que as possíveis pessoas de carne e osso  seriam  pré-fabricadas,  por moverem-se como tais.



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Converter beleza em artifício atroz parece ser o caminho mais banal,  inscrito na sociedade dos supérfluos.

Edward passa a fazer o oposto. Converte qualquer artifício em arte.


Algumas das cenas mais memoráveis na obra são aquelas em o protagonista recria a natureza homogênea- artificialíssima-, produzida como enfeite de moradia dos habitantes no local.




 No entanto,  a engrenagem  atroz não suportará uma criatura alegórica, geradora de uma arte de exposição e reposição de vida. Algo que a comunidade parece desconhecer ao  viver  em função de um modo de vida industrial/ estandardizado.



Tim Burton, diretor da obra, perpassa com rara habilidade diversas fábulas  ( “Frankenstein”,  “A Bela e a Fera”...),  e as contextualiza  para o mundo contemporâneo. 

Sua arte consiste em converter  firula, supérfluo,  vestígios materiais,   - lixo orgânico e inorgânico de cultura-, em reciclagem estética consistente. ( Oriunda, a rigor,  de um raro casamento de neoexpressionismo com art pop).



“Edward mão de tesoura” , além de obra encantadora não deixa de ser  expressão  da arte por si mesma."

 A.C.



quarta-feira, 21 de dezembro de 2011

Em Sala: O Imperativo da Imagem depressiva




Maria Rita Kehl:


“Uma hipótese é de que aceleração de nossa experiência do tempo produz o esvaziamento da vida psíquica. E as pessoas que não estão deprimidas no sentido clínico podem estar se queixando desta mesma sensação de vazio e falta de vontade de viver.
 
Esse sentimento corresponde a uma vivência que é quase reduzida a uma experiência permanente de você responder a estímulos.

Nesse sentido, se houver cura, provavelmente uma experiência possível de desaceleração poderia promover, a médio prazo,  que algo da vida psíquica pudesse se recompor. Porém, essa aceleração não depende tanto da pessoa querer ou não: está inscrita no ritmo do capitalismo contemporâneo.


Claro que a alta competitividade no campo profissional estimula as pessoas à aceleração. Vivemos respondendo aos desafios, às demandas, aos estímulos e ao que esperam de nós. Então você pode falar nesse esvaziamento na medida em que se começa a responder aos “padrões”. 

Embora seja paradoxal, porque vivemos em uma sociedade muito livre, no sentido de que não há uma imposição de forças sobre as pessoas, uma imposição rigidamente moral.

 Não há uma sociedade muito religiosa, militarizada, mas há uma imposição da imagem. E a tentativa de responder permanentemente a essa imposição de imagem é vivida como um impositivo.
  

E talvez a depressão, em relação a isso, sofra o pior tipo de culpa, que é a culpa por não conseguir obedecer ao preceito que aparentemente lhe seria favorável.

O que é distinto da culpa que o sujeito sente quando contraria seus impulsos: uma moral rigidamente repressiva, por exemplo, que não permite o prazer. O sujeito se sentiria culpado por não responder, mas de certa forma perceberia que é uma moral que vai contra seus impulsos.




Hoje a moral aparentemente vai a favor. Você TEM que se satisfazer, ter tudo de bom: objetos, sexo, lazer e, ao mesmo tempo, subliminarmente, todo esse tempo é atravessado pelo tipo de ritmo do tempo do trabalho.



 Vamos pegar o exemplo da publicidade, que é muito boa como analisadora da cultura.

Como é que os bancos fazem publicidade?  Não mostram o sujeito numa fila, nem num escritório, num lap top, preocupado. Motram o sujeito numa rede, numa ilha paradisíaca, ligando para o banco a fim de pedir como aplicar melhor o dinheiro.  Do tipo: “Se você perder esse bonde, você ficou pra trás”.

sábado, 10 de dezembro de 2011

O Português Brasileiro

 

 
Algumas vezes nesse espaço foi falado sobre Oswald de Andrade, Mário, Carlos Drummond, Adoniran Barbosa, Noel Rosa,... Com o intuito de procurar entender o que seria uma tal “língua brasileira”.

O primeiro movimento de busca de uma literatura mais autônoma no Brasil foi o romantismo. Mas, na maioria das vezes, celebrava-se nossa exuberante natureza e nenhuma pesquisa viável sobre cultura propriamente dita chegava a ser feita, ou bem era ignorada.   Em José de Alencar, a natureza brasileira representa o paraíso, mas  tal "Éden"  só seria completo em casamento com a cultura do colonizador.


Lima Barreto, pré-modernista, consumou uma linguagem mais despojada, a ponto de ser tratado pelos monarcas da língua de então como escritor de incorrigível desleixo. Além do mais, negro. Hoje, percebe-se,  encontra-se entre nossos melhores.

Machado de Assis, igualmente mulato, “se escondia” atrás de um narrador de certa casta brasileira. 


Sua narrativa era a voz de um protagonista casmurro, volúvel, incapaz de lidar com certas situações  como a de , por exemplo, aceitar viver, sem dramas de consciência, com uma mulher que chegara a estabelecer amizades com homens (na obra Don Casmurro).

( Muitas ainda confundem o narrador com o escritor, tal como a crítica Pauline Kael fez em um texto sobre "Rastros de Ódio", chamando John Ford, o diretor da obra, de racista, pelo fato de seu protagonista sê-lo em demasia.  Qual seja, não soube separar o cineasta do personagem doentemente obsessivo).


Com o Modernismo propriamente dito, milhares de arestas deixadas por românticos, parnasianos e etc. seriam ironizadas e limadas.  Sem o esforço, talvez não houvesse Graciliano Ramos, Carlos Drummond, Murilo Mendes, Clarice, Guimarães Rosa, entre outros e outras.


Contudo, com o empenho grandioso de autonomia e pertinência de um linguajar, não conseguiríamos escapar ainda de Marquês de Pombal em muitas esferas, desde que o mesmo impôs uma língua oficial, unificada e lusitana para o Brasil.  Simultaneamente, o mesmo marquês que dinamitava a educação brasileira, ao empregar professores na base do “espontaneísmo”, em que o critério era a falta de critérios.





Um tanto por conta isso, nossas petições são mais demoradas, nossos exercícios jurídicos morosos, etc.  Somos um país de burocracias infindáveis e tudo isso, claro, passa pela língua, já que a mesma significa poder.


E, no caso formal-formalista, marca de “status”, reconhecimento social.


Brasileiros sempre buscaram marcar sua distinção pela língua, em que profissões ditas “respeitáveis” exigiam uma mimese (cópia)  do léxico mofoso pombalista.
Ou seja, quem falasse mais para “brasileiro do que para português” (Noel Rosa) sinalizaria seu locus de “cozinha da nação”.

Nos anos 50 e 60, com a brecha de ditaduras anteriores, como a de Vargas, o país experimentou um imenso crescimento cultural: música, teatro, arquitetura, cinema, em que muitas das lições modernistas passaram, enfim, a serem incorporadas por artistas e outra parte da população. Mesmo que antes disso, músicos como Noel Rosa ou Lamartine Babo, em plena ditadura anterior, exploravam a autonomia e abertura nos modos de se expressar.


Em 1964, houve -pra variar um pouco- outro golpe militar e, posteriormente, um terrorismo mais acirrado, com a instalação do AI-5 em 1968. Tornaríamos, com isso,  a regredir para o oficialesco oligárquico, em nome da “integração e da segurança nacional”.


Com Médici no poder, a educação era redinamitada, em busca de um modelo industrialista de fragmentação dos saberes mecanizados, entre outras “intempéries inócuas”, como diria algum dicionário bestialógico.



Com o advento das Diretas (nem tão diretas assim, por obra e graça de nosso colegiado eleitoral), assumiria o oligarca José Sarney como presidente do país, com seu linguajar bacharelesco. O mesmo-mesmíssimo político do outrora partido único da ditadura.



Afinal, falamos Português, mas não nascemos em Portugal.  Nossa região é muito maior, composta por uma população muito maior e mais diversificada. 

Nosso português ganha contornos distintos do de  Portugal, como o provam a literatura de Carlos  Drummond, Guimarães Rosa, Noel Rosa, Lamartine Babo, Clarice Lispector e, claro, a própria Ciência da Língua- a chamada Linguística, a questionar os moldes dessa  gramática normativa que herdamos de Marquês de Pombal. 

E quanto tempo já tem isso mesmo? "


 A.C.

sábado, 3 de dezembro de 2011

Cooperifa- Saraus




" Com a efervescência cultural, os moradores passaram a se apropriar do lugar e ter orgulho da região. “Isto traz uma transformação social muito grande. Antes as pessoas tinham que atravessar a ponte para ter cultura, hoje as pessoas tão vindo do outro lado da ponte para consumir a nossa,” avalia Márcio.



Dificuldades


Muitas dificuldades apareceram no caminho para manter a Cooperifa independente de patrocínios, apoio de Ongs e mandatos políticos. “Já cortaram minha água, a luz,... É aquele esquema de sonhador, tudo o que vem, vai. Mas era um bagulho que se eu não tivesse feito eu teria morrido”, descreve Vaz.


Se a Cooperifa nasce, subjetivamente, da necessidade cultural dos moradores da periferia, objetivamente ela vem de uma ideia de Sérgio Vaz, após assistir uma reportagem sobre a Semana de Arte Moderna de 1922.


No primeiro evento ampliado, planejado para ocorrer mensalmente, não apareceu ninguém além dos poetas. “Então vai ter quarta-feira que vem”- falei. Achavam que eu era louco, já que não tinha vindo ninguém, mas na periferia a gente precisa investir nos bagulhos. Na outra quarta, 18, pessoas chegaram e aos poucos foi aumentando”,   conta Vaz.


Disseminar a palavra


O sarau nasceu porque conhecíamos diversos artistas e todos com as poesias guardadas nas gavetas.

Josuel Medrado considera que o extremo sul de São Paulo é a região onde acontece a maior produção popular de cultura, independente de patrocínios, governos, etc.



“Teve a produção cultural autoral, com os Racionais MC´s , depois disso foi a Cooperifa que possibilitou a disseminação do pensamento acerca dos saraus e de diversas atividades artísticas na região”. 

Aos poucos, a ideia foi ultrapassando as fronteiras de São Paulo e atualmente existe o sarau Bem Black, em Salvador, o sarau do Coletivoz, em BH e o saral do Bezerra, em Porto Alegra, todos inspirados na experiência da Cooperifa. “Não é só aqui na nossa quebrada, porque isso vai borbulhando”.




Formação cultural

Atualmente, A Cooperifa possui relações e produz cultura para vários cantos do país. “ É muito comum encontrarmos pessoas de outros estados e até outros países que vieram acompanhar o sarau.

“Aqui, nunca pensamos em salvar ninguém, é a cidadania através da literatura. A gente transforma o cidadão que muda a comunidade”, explica Vaz. Ainda há o Cinema da Laje, onde filmes e documentários de cineastas da periferia são exibidos na laje do Zé Batidão. Além disso, A Cooperifa organizou quatro edições da Mostra Cultural.


O poeta Valmir Vieira, freqüentador há nove anos, conta casos em que, após participarem do sarau, poetas voltaram para a escola. “É um trabalho de difusão da literatura em um país,  onde até as escolas não valorizam a leitura”, opina o escritor Rodrigo Ciríaco.


Também é muito freqüente histórias de pessoas que começaram a escrever após freqüentarem a Cooperifa. Esse é o caso dos poetas Delurdes e Luciana, que frequentam o sarau há seis ou quatro anos, respectivamente. “Fazia algumas poesias antes, mas comecei a escrever de verdade depois que vim aqui. Tinha medo e vergonha de expor as poesias, passei um ano até começar a declamar”,  conta Luciana.



“Sou daqui, mas não conhecia o universo literário que a periferia tem, como se a gente morasse dentro de um casulo e não conhecesse nada ao redor e de repente a Cooperifa me abriu o mundo”, relembra Delurdes.


" A gente veio na esteira do hip hop, que já tinha dado o grito,  já tinha lançado a ideia da periferia, e começamos a ter noção do nosso pertencimento, que a ideia não era se mudar da periferia, mas sim mudar a periferia”, observa Vaz.


Para Márcio Batista: “Rompemos uma barreira muito grande, de produzir cultura de periferia na periferia mesmo e se manter ali. Não precisar sair daqui para ir a um grande centro e ter visibilidade”.

 (Da Reportagem de Otávio Nagoya).