quarta-feira, 29 de junho de 2011

Tashlin- 2










" Certa vez, quando perguntei a Jerry Lewis quem mais o tinha influenciado, ele respondeu: " O sr. Tishman, soletrado: TASHLIN. Ele é o meu professor".


Se as comédias de Hawks, McCarey e Capra são representativas dos anos 30- e, como assinalou Preston Sturges, também dos anos 40-, então os anos 50 foram vividamente simbolizados no trabalho de Tashlin.

Não foi uma era bonita; ao contrário, foi uma época de excessos grotescos e contrastes. Assim, infelizmente, uma quantidade excessiva de críticos não enxergou a sátira frequentemente amarga e devastadora que estava por detrás da fachada berrante e ostentadora.


"The gir can help it" ( Sabes o que quero), uma visão horrenda da primeira era do rock and roll ( estrelando Tom Ewell e Jayne Mansfield), é quase trágico na sua feiúra proposital; ainda mais quando se considera o quanto Frank admirava a beleza.


"Will sucess spoil Rock Hunter? ( Em Busca de um Homem), o seu melhor filme, é um retrato definitivo da vulgaridade da Madison Avenue- onde ficam as sedes de muitas agências de publicidade-, mas, usualmente, foi considerado explorador em vez de sardônico. A cena na qual Tony Randall é levado às lágrimas pela alegria, quando recebe a chave do banheiro executivo, é tão pouco exagerada que se torna quase aterrorizante em sua verdade básica.


Essa era uma parcela considerável do gênio particular de Tashlin: ele era honesto, e só exagerava ligeiramente para frisar alguma coisa. Era também profético; o futuro se mostrou muito pior. Quais divertimentos selvagens Tashlin teria extraído dos horrores dos anos 80, 90,...?

Ele fez os filmes mais atraentes, e o único sólido, da dupla Dean Martin e Jerry Lewis: "Ou vai ou racha" é um olhar mordaz sobre a mania do cinema; "Artistas e modelos" é uma perspectiva espetacularmente destrutiva da mentalidade de revistas em quadrinhos.


Como era um artesão extremamente hábil, e sendo provavelmente o mais inventivo construtor de gags visuais do cinema falado, Tashlin tomou o humor ultrajante e impossível dos cartuns e o conectou de forma muito humana ao cinema. Embora pretendessem a comicidade que tinham, seus filmes frequentemente refletiam um descontentamento profundo com a situação da sociedade- como observou certa vez o maior escritor farsesco francês, Georges Feydeau, os melhores escritores de comédias " primeiro pensam tristes".

...Seus filmes pareciam sorrir, mas quando vistos sob a perspectiva da criação, refletiam a tolice e a miséria que via a seu redor".


Fotos- " O Rei dos Mágicos" ( The Geisha Boy)- com Jerry Lewis- e "Sabes o que quero".

Frank Tashlin- 1










Para um blog como esse, de pretensões educativas - coisa de gente pretensiosa-, não caberia ficar a espalhar receitas aos quatro ventos. Mas, de alguma forma, fomentar um "debate" em minha mente, ou em outro local. O que poderá, logo, se estender a outros.


Isso não implica que não haja sujeito, sua morte. Em todo caso, em alguns momentos cabe mesmo assassiná-lo, calando-me para que outros falem.

O exercício de escrita já constitui uma tarefa talvez- ou, um tanto quanto- vaidosa. Portanto, em um blog ao menos, caberia por vezes que não somente outros falassem, como a morte de certo estilismo, ao deslizar para um bate papo aberto, quase olho no olho, texto no texto.


Cinema


A educação para o cinema é a mais árdua.

Morando em uma cidade interiorana, com parco acesso a uma boa filmografia, penso primeiramente na turma daqui, que, nesse quesito, parece viver em um deserto- como eu.

De que adianta rastrear certos filmes se as noções não comparecem, sendo lançadas a esmo, em um mundo em que a imagem fala- grita- mais alto para que poucos a ouçam e vejam?


Humor




O riso não hienista, mas aquele que te abre, como proposta de um cinema lúdico, mas nada tolo. Frank Tashlin por Peter Bogdanovitch:


" Frank Tashlin dirigiu e escreveu mais de vinte comédias em Hollywood, muitas delas abiloladas, redigiu enredos para boa quantidade de outras, escreveu e ilustrou três livros infantis engenhosos e cáusticos, e dirigiu mais de sessenta desenhos animados notavelmente inventivos.


Porém, nos USA, pouca gente prestou sua atenção nele, provavelmente porque a maioria dos seus filmes foi- na superfície, com certeza- veículo para Jerry Lewis, Bob Hope, Jayne Mansfield e Doris Day.


Vários foram sucessos de bilheteria, mas esse não é o tipo de material que conduz a grandes créditos no estabilishment. Embora Jean-Luc Godard e vários outros críticos e cineastas da Nouvelle Vague francesa tenham lhe prestado elogios derramados, e apesar de esses diretores (Godard, Truffaut, Jacques Rivette, Luc Moullet) terem sido por vezes claramente influenciados por ele.


Fora de Hollywood, Tashlin era virtualmente desconhecido em seu próprio país. Ainda hoje- apesar da monografia elogiosa publicada pelo Festival de Cinema de Edimburgo para acompanhar a retrospetiva que realizou em 1973 sobre o diretor, e a despeito da grande retrospectiva promovida em 1994 durante o Festival de Locarno-, mais de vinte anos após sua morte, Tashlin permanece esquecido no país que ele procurou descrever ao longo da carreira".



Foto- Will Sucess Spoil Rock Hunter? ( no Brasil, o mixo título é " Em Busca de um Homem")

segunda-feira, 27 de junho de 2011

Fazendo " O Básico"









" O primeiro passo, se pretendemos ter um sistema educacional de qualidade, é um amplo debate sobre o que entendemos por esta qualidade e qual o projeto formativo que temos a oferecer- adianto: isso não cabe nos testes.


O momento atual de discussão do Plano Nacional de Educação seria ótimo para esta tarefa, mas todos querem "celeridade" na tramitação da lei.

Acontece que o PNE estabelece como " projeto educacional" sair-se bem no IDEB, e este foi vergonhosamente amarrado aos resultados do PISA, teste de aprendizagem conduzido por um organismo internacional a serviço dos empresários, a OCDE- Organização de Cooperação para o Desenvolvimento Econômico.


Assim, fica definido nosso "projeto": os alunos devem sair-se bem na Prova Brasil ( português, matemática e futuramente ciências), as escolas devem ter um bom IDBE e todos devem ser avaliados aos 15 anos de idade no PISA da OCDE em português, matemática e ciências. Décadas atrás gritávamos contra os acordos MEC- USAID, hoje aceitamos a subordinação dos interesses formativos à OCDE.


Os reformadores empresarias argumentam que português e matemática é o básico para se formar para a cidadania. Entretanto, não definem o que entendem por cidadania, o que termina resumindo-se em atender aos interesses das corporações empresariais. O problema em limitar-se ao básico é que o básico, por definição, exclui aquilo que se considera que não é básico, claro. E isso é uma decisão ideologicamente orientada.


As artes, o corpo, os sentimentos, a afetividade e a criatividade devem ser desenvolvidas simultaneamente e não após o "básico". Já a função dos testes e indicadores educacionais nas sociedades contemporâneas tem sido essa: ocultar o debate qualificado sobre os fins da educação nacional, substituindo-o pelas matrizes de referências de testes baseados em habilidades básicas de português e matemática. Se os alunos vão bem nos testes, dizemos que o país oferece uma "educação de qualidade".

A resposta dos reformadores empresariais é que primeiro deve vir o básico...Haveríamos de cobrar dos reformadores empresariais que o futuro da educação é agora e isso vai além de ensinar o básico, agora.

( Luiz Carlos de Freitas)



Foto- Não sou lulista, mas adorei a provocação.

O Nó Intensificado





" Educadores profissionais pouco são ouvidos na elaboração de políticas públicas educacionais, e a mídia, em particular, abre espaço para os homens de negócio e seus representantes e muito menos para educadores.


A conversa é sempre a mesma. Os educadores não são objetivos ou não têm propostas concretas. São ideólogos e não cientistas.

Os reformadores empresariais procuram se contrapor dizendo que eles, sim, são objetivos e não fazem ideologia. Como se isso fosse possível, pois não fazer ideologia já é uma opção ideológica.


A educação brasileira sofre e sofrerá nos próximos anos o assédio dos reformadores empresariais. Para eles, a educação é um subsistema do aparato produtivo e nisso se resume. Para os educadores profissionais, porém, formar para o trabalho é apenas parte das tarefas educacionais.

Para reformadores empresariais, os objetivos da educação se resumem em uma "matriz de referência" para se elaborar um teste que meça habilidades ou competências básicas- via de regra limitadas a português, matemática e ciências.


Para educadores profissionais, os objetivos não se limitam a isso. O que implica pensar o jovem em toda sua capacidade de desenvolvimento formativo, ou seja, sua capacidade de sentir, pensar, criar- incluído as demais disciplinas. Para os reformadores empresariais, no entanto, isso não é objetivo- ou seja, não atende aos interesses imediatos da porta da fábrica...


Os pais também não ajudam, é bem verdade. Em geral, só se dão conta do problema quando encontram substâncias na mochila do filho ou quando o mesmo evidencia problema comportamental já avançado".

(Luiz Carlos de Freitas- professor da Faculdade de Educação da UNICAMP e cooordenador nacional do Movimento Contra Testes de Alto Impacto)>

domingo, 26 de junho de 2011

O Nó da Educação - 3






" Costuma-se dar nome para dificuldades de aprendizado. Por exemplo, a dislexia, a hiperatividade e outras. Medicações são usadas para conter, organizar, fazer concentrar, sossegar na cadeira. Comichões de inquietude alfinetam o corpo. Seria expressão da ansiedade, fuga ativa da angústia, agitação pela depressão? Medicação é calar este sintoma?

Tudo se resume ao interesse e, se o objetivo for maior, superamos as dificuldades e damos um jeito de aprender aquelas coisas terríveis que um dia pensamos não servir para nada mais na vida. Sacrifícios fazem parte de nossa vida na cultura.

Resistência

Conteúdos ligados a determinados assuntos precisam ser recusados por estarem ligados a cadeias condenadas a não virem à luz da consciência, pois desencadeariam ideias temidas e insuportáveis. Contê-las, no entanto, produz sintomas e mal-estar.
Condena ao fracasso do sujeito.

É pela escuta das palavras que abrimos caminho até um material retido para que seja recuperado. Reencontramos um saber soterrado, assim como na arqueologia as escavações vão descortinando marcas de uma civilização perdida.

Por isso, o saber nem sempre é simples. Porque aprender é tocar em temas dos quais não queremos saber.

São marcas dos nossos insuportáveis que medicação nenhuma apaga".

( Regina Teixeira Da Costa)

Fotos:" Peixe Grande", de Tim Burton e " A Dama na Água", de M. Night Shyamalan

sábado, 25 de junho de 2011

O Nó da Educação- 2






" Uma das principais causas desse atraso é, também, nossa estrutura federativa: temos quase seis mil sistemas ou redes de ensino.

A União se ocupa do ensino superior, os Estados do ensino médio e os Municípios da educação infantil e do ensino fundamental. Esses entes federados não costumam dialogar entre si quando o assunto é educação. Daí decorre também o nepotismo, o patrimonialismo- muito evidente na indicação política dos dirigentes das escolas- o clientelismo e a corrupção em muitos municípios.


Nenhuma reforma educacional terá êxito se não se traduzir em investimento na docência, não só melhorando os salários dos professores, mas também sua formação, suas condições de trabalho, envolvendo-os como sujeitos no processo.

Quando falo dos docentes, falo de sua categoria, e não isoladamente, por meio de prêmios individuais- como o "bônus por desempenho"-, instituído pelo Estado de São Paulo. O incentivo ao professor deve ser coletivo.

O que deve fazer a escola?

Ela precisa buscar legitimidade na comunidade. De um lado, precisa posicionar-se diante de um modelo econômico concentrador de renda: o Brasil, apesar dos avanços dos últimos anos, está entre os quatro países mais injustos do mundo.

De outro, precisa construir sua alternativa a partir da revisão de seu próprio modelo, para que seja mais participativo e transformador. A escola tem um grande potencial de mobilização que ainda não utilizou inteiramente.


O Congresso deveria discutir, simultaneamente, outro projeto importante: a Lei da Responsabilidade Educacional. Enquanto isso, o Supremo Tribunal Federal ainda não se pronunciou sobre a Ação Direta de Inconstitucionalidade do Piso Nacional do Magistério."

(Moacir Gadotti)



As passeatas estão aí, seja pela descriminalização da maconha, seja para o casamento homossexual. Ok.

Já para temas como educação precária ou saúde abominável, "as minorias" ou, a grande maioria se cala. Claro: o próprio umbigo é sempre mais relevante na cultura apocalíptica do narcisismo- a das ditas "liberdades individuais".

O Nó educacional- 1





" Em que pese alguns avanços, ainda somos um país muito atrasado no que se refere à extensão do direito à educação. Convivemos com uma pesada herança histórica de atraso, que vem desde o Brasil colônia.

Deve-se reconhecer que, nos últimos anos, houve melhoras no campo da economia e na redução da pobreza extrema, mas, no campo da educação, regredimos a posições nunca antes alcançadas.

Segundo o Relatório Unesco 2010, no ranking de 128 países, conhecido como Índice de Educação para Todos ( IDE), perdemos, nos últimos dez anos, 16 posições: passamos de septuagésimo segundo para octagésimo oitavo. Estamos em penúltimo lugar na América do Sul: só melhor do que o primeiro Estado de Suriname.

Entre 2007 e 2008, o índice de analfabetismo diminui 0,1 por cento. Ele está praticamente estagnado. E o número absoluto de analfabetos adultos aumentou, nesse período: passou de 14,136 milhões para 14,247 milhões. É, aproximadamente, o mesmo de 1964, quando Paulo Freire foi exilado.

Onde o Brasil está errando em sua política educacional?

Contribuiram para esses números, além da crônica falta de recursos, políticas educacionais, buscando descentralizar a educação, em muitos casos repassando a responsabilidade para as municipalidades, quando não, para o próprio cidadão, por meio da privatização. Como os municípios são muito discrepantes em termos econômicos, a descentralização acaba gerando ainda mais disparidade e injustiça.


Aqui privilegia-se a expansão do ensino técnico e superior, enquanto vários países começaram por atender a educação básica, e eliminar o analfabetismo adulto."

(Moacir Gadotti- diretor do Instituto Paulo Freire).

quarta-feira, 22 de junho de 2011

Espiritualidade no cinema






" O filme tem menos suspense e menos humor do que o habitual no cineasta inglês.


Isso é fartamente compensado pelo que explicita na obra de Hitchcock, já definida como um cinema da alma, instância que participa ao mesmo tempo da matéria e do espírito; alma que o suspense dilacera, colocando diante de futuros simetricamente opostos- a salvação e a perda.

"O Homem Errado" é também o filme que mais intensamente clarifica a função do olhar em Hitchcock. A escolha do ator é determinante. Henry Fonda tinha uma imagem ambígua: forte e fraca ao mesmo tempo. Mas, sobretudo, possuía um olhar interiorizado.

A capacidade de ver, em Balestero, está associada diretamente à de fixar-se no vazio. E fazer com que o vazio seja uma forma de plenitude, de ocupação do ser por uma instância superior. Este é um dos mais belos filmes sobre o olhar já feitos em todos os tempos".

( Inácio Aráujo, 15 de Maio de 1991).

Espiritualidade no cinema






"Por que a Palavra é loucura para os que perecem; mas para nós é o poder de Deus.


"Onde está o sábio desse mundo, onde está o escriba, onde está o inquiridor deste século?

Porventura, não tornou Deus louca a "sabedoria" desse mundo?

Visto como, na sabedoria de Deus, o mundo não o conheceu, aprouve a Deus salvar os que creem pela loucura da pregação.

Porque a loucura de Deus é mais sábia do que os homens; e a "fraqueza de Deus" mais forte do que os homens.

Mas Deus escolheu as coisas loucas deste mundo para confundir as "sábias". E escolheu as fracas deste mundo para confundir as "fortes", e escolheu as coisas vis deste mundo e as desprezíveis,


E as que não são para aniquilar os que são, para que ninguém se glorie."



Photos- "Ordet" ( A Palavra), de Carl Dreyer e "Soberba", de Orson Welles

sexta-feira, 17 de junho de 2011

A Obra de Arte e sua Nudez- 2








"Viver a Vida" é Jean-Luc Godard em filme de aparência mais sóbria. Uma obra de aspecto bem frontal, que pode se assemelhar a um filme de Roberto Rossellini, pela inserção radical de uma protagonista no húmus do mundo.


A rigor, trata-se, por um lado, de uma busca existencial, de uma tentativa direta de se situar no mundo. Por outra, de um cineasta, Godard, que busca formas de pintar, ou seja, de filmar sua esposa musa- Ana Karina- em vários esquetes.

Esses croquis remetem aos esboços dos contos do moderno cineasta italiano Roberto Rossellini, com a câmera à altura do olho humano, do norte-americano Howard Hawks. Muito embora, o diretor francês comece seu filme por uma longa tomada de um diálogo entre uma homem e uma mulher, situados de costas para a câmera.


Na medida em que a obra evolui, sua “pintura” da esposa Ana Karina torna-se mais próxima do que seria uma perfeição, enquanto a busca da protagonista ganharia mais sentido do que o que havia, para ela, ao início.

A prostituição, nesse caso, é menos literal do que parece. Trata-se de filmar a nudez existencial e espiritual, com direito a um breve paralelo com o filme "A Paixão de Joana D'Arc" , de Carl Dreyer, a que a moça assistirá solitária, e com empatia, em um cinema da cidade.

Se viver não é fácil, como mostra a passagem em que conversa com um filósofo sobre as dificuldades do ser, desdobradas nos papéis da linguagem e do amor, faz-se necessário, como contraste, a descontração, ainda que o próprio bate papo “profundo” já contenha em si resíduos da postura:

Em um dado momento, Ana Karina observa um conhecido realizar uma proeza cartunesca com um balão, ao mesmo tempo em que decide dançar em torno de uma mesa de sinuca com a graciosidade que lhe é inerente, como que igualmente saída de um desenho animado, a abandonar uma grave rigidez, quase mártir de si mesma.

A câmera de Godard a acompanha de esguelha e vertiginosamente, a filmar tanto a presença pelos espaços por onde perpassa- fitada por olhares compenetrados e impassíveis-, como as ausências, os pontos vazios, em um ambiente onde a indiferenciação entre seres e seres e seres e objetos se impõe em um contexto existencialista de negociatas.

Se viver não seria fácil, filmar de forma honesta requer variar os tons em surdina, mas sem comprometer o rigor, a ascese de estilo e de proposta:

Passaremos, aqui, de um registro cartunesco (Frank Tashlin, mestre de Jerry Lewis), a um espírito “documental”, de Roberto Rossellini (mestre do neorrealismo) em segundos, a também emular Robert Bresson ("Pickpocket") nos movimentos focados em mãos, a tocar e a passar objetos neutros.

E, claro, pelo protestante Carl Dreyer ( de "Ordet", e "A Paixão de Joana D'Arc") , pelo tom da "Gravidade e da Graça", em uma subtração de dados em um ambiente que se tornará, com o tempo, descarnado, a fim de atingir seu estado de nudez existencial e espiritual.


Cabe, claro, ser antes de tudo, Godard. Saber brincar, mesmo que um tanto à sério, com a linguagem- seu aparato. Reconhecê-la como artifício necessário, já que se se trata de uma pintura/filmagem, em uma operação que fulminará a obra ao final:

Por mais que a qualidade da imagem da moça musa evolua, junto a uma aproximada e possível definição de caminhos em sua vida, a imagem retornará, à maneira do primeiro diálogo, filmado de costas. Ou seja, parte-se de um artifício da arte e, como num movimento circular, volta-se a ele.


Para Godard, se não existe a imagem certa em seu plano ou moldura, a câmera se afastará em seu desfecho, o que pode configurar um gesto de pudor, por se tratar de sua esposa envolta em um achado, de certa maneira, brutal.

Ao realizar o paralelo com o conto de Edgar Allan Poe, lido segundos antes do final, o marido Godard aniquilará simbolicamente sua esposa Ana Karina, pois a obra, a esse tempo, já teria atingido seu ápice: seguido ao êxtase formal, um recuo necessário e algo extenuado, que se faz incontornável como estágio capital de se viver a vida na obra.

Se o cinema, para o diretor franco-suíço, não é uma arte de resolução de problemas conseguirá, em todo caso, evidenciar um ser em sua quase inteireza, junto às coisas que o cerceiam em um sentimento específico de entrega (em um "estar no mundo").

Nisso, como na pintura, haverá a interação com o que confecciona a obra, pincelando-a e segmentando-a, a tatear e recolher as nuances que lhe são mais caras, evidenciando, assim, a linguagem como estado de artifício formal e afetivo.

"Viver a Vida" é dos pontos mais altos da obra de Jean Luc- Godard

quarta-feira, 15 de junho de 2011

Estudos da Imagem em sala- parte 2







"Marnie", de Alfred Hitchcock, como lugar dramatúrgica da obra é uma mulher frígida. Mark (Sean Connery) será aquele que desejará possui-la. Ou seja, torná-la mulher e curada de seus traumas.

Na dimensão estético-cinematográfica do filme, Marnie incarna o imponderável da Beleza, da obra de arte.

Ora, em muitos Hitchcocks, as imagens se acumulam umas sobre as outras, em contra-luz. O desafio para Mark, portanto, será o de despir cada uma dessas camadas para se chegar à mulher.

Para tanto, necessita submetê-la a algum real, desnudando-a física e espiritualmente. E, assim, poder chegar a alguma luz ( não a contra-luz-). Ou seja, possuir a obra de arte.


Nessa "grande obra doente", nas palavras de Francois Truffaut- assim como Marnie é a obra de arte problema para Mark- se dá o difícil encontro entre o imaginário e o real, como o lugar, por excelência, do cinema e do amor.

Desse equilíbrio difícil, Hitchcock nos legou um de seus melhores trabalhos.



" 1- A Palavra e o Cinema"


Não se dá um sentido à palavra, mas a palavra é o próprio sentido.

Mas se reproduz rapidamente uma degradação desse sentido, visto que a palavra não segue a realidade que designa, em todas as suas transformações históricas, terminando por existir a duplicidade da palavra.

Para lutar contra a "separação" do ser e da palavra é que a poesia quer falar às próprias coisas, e tentar restaurar a união entre a forma e o conteúdo.

"A palavra é a coisa", é o que Valéry quer dizer quando afirma que a "poesia é uma certa concordância entre o som e o sentido."

Essa tentativa da poesia moderna parece que só o cinema pode levá-la a termo. Na imagem de cinema são os mesmos seres e coisas os que aparecem em sua complexidade, ou evolução.


" 2- O Cinema e Outras Artes"


Pode-se dizer que o cinema está situado entre a pintura - da qual toma seu caráter representativo: ( a Marnie, de Hithcock - Alessandro)- e a música ( da qual adquire, graças à montagem, o caráter lírico ( no caso, a trilha de Bernard Hermann).

É uma arte do espaço, como a primeira, e uma arte do tempo, como a segunda.

Mas, além deste vigor representativo, é capaz de realizar a proeza de superação no real, no que esse tem de instantâneo, graças a temporalidade que introduz em tudo."

(Marcel Martin)

domingo, 12 de junho de 2011

Pausa para os 80 anos de João






Percebe-se que a obra de João Gilberto é constituída por uma busca obstinada de depuração pelo silêncio. Como uma dia alguém já disse: uma quase "não emissão" de som.

Se o artista chegará a seu auge, ou irá se perder... Ou se já o atingiu, sem tamanho radicalismo, o tempo é quem dirá melhor.


Tom Jobim tratava o piano- e sua própria orquestação- como algo que, sonoramente, se dissolvia para, então, poder retornar: como breves pincelamentos de camadas sonoras que iam se recompondo, prontas para uma nova dissolução das paisagens musicais.

Nesse sentido, foi filho direto do impressionismo, a flagrar o fugidio das formas, ao ponto da intersecção entre o "real" e o onírico, por vezes, etéreo.


Em Burt Bacharach, novamente observamos essa radical busca por elementos de emissão silenciosa (refiro-me às melhores gravações que, em sua maioria, são as executadas e cantadas pelo próprio), agregados a um forte sentido do clássico no maestro- creio que Bach, sobretudo. Sobrepostos às camadas de jazz, do jazz/canção e do soul.

Esse tipo de combinação confere uma revitalização ao formato "canção", ou canção erudita, se preferirmos. A algo que, como em Bach, quanto mais buscamos as melhores fontes, não envelhece. Até porque não há rótulos: Pop?
Popular erudita?

Música de silêncios, junto a rompantes imprevistos em soul/ gospel.


Tal como Jobim, que não foi exatamente bossa nova, mas passeava no momento por ali.


Aliás, tenho plena convicção de que, à sua época, Bacharach, Jobim e João Gilberto foram os caras. E, que dentro de seu tipo de depuração sonora- de pseudo simplicidade-, ainda não foram superados.

sexta-feira, 10 de junho de 2011

Estudos- Discussões sobre Cinema em sala: : parte 1






"Pela natureza mecânica da câmera, o cinema reproduz a realidade com maior objetividade, ou pelo menos é capaz de dar, melhor que nenhuma outra, a impressão da realidade, de nos impor a aproximação ao mundo, de expressar o peso das coisas, de rodear-nos com a presença dos seres.

Poderão objetar que uma reprodução não é arte, mas basta considerar que falamos de imagem e que dissemos que o cinema nos dá a impressão da realidade... E que ajunta, à imagem mais fiel, um elemento misterioso e inapreensível.


Contentemo-nos agora com o afirmar que o cinema é igualmente uma arte transfigurativa- se podemos usar esse neologismo. A câmera não se limita a copiar, recria; não reproduz, produz, segundo expressão de Balazs. Além disso, câmera não criou o cinema, mas lhe permitiu nascer.


E é “público” que todas as buscas pictóricas (impressionistas), literárias e filosóficas (Bergson) haviam preparado o caminho para a sétima arte, para sua nova visão das coisas e de suas relações no mundo... Através da opacidade de presenças cotidianas, descobre suas possibilidades, ou sua interioridade.


Dessa forma e, paradoxalmente, o cinema é, ao mesmo tempo, a “arte mais realista”- nenhuma nos situa com tão penetrante insistência frente à massa informe das coisas- e a mais “irrealista”, a mais “surrealista”- no sentido que dá a esta palavra Jean Epstein, ou Claude Mauriac- o mais afetivo, o mais ilógico, o mais apropriado para transcender do parecer ao ser, do individual ao universal, da imagem à idéia.”

(Marcel Martin)


Imagens acima de obras de cabeceira: "Marnie", a culminar ("fechar") a melhor fase de Alfred Hitchcock, "O Intendente Sansho", a obra-prima de Mizoguchi e "Bom dia", de Yasujiro Ozu.

quarta-feira, 8 de junho de 2011

O Cinema como Feitiço










" Eis que a palavra "feitiço" nos faz contemplar o que pode ser o segredo da efêmera perfeição do bom cinema.

As artes, quaisquer que sejam, materializam o sonho. Estão destinadas a dar forma ao impalpável. Mas de todos os meios de expressão, o cinema é o que dispôe dos meios mais convincentes para captar o fluxo poético.

Em primeiro lugar, porque não solidifica como as artes plásticas, sem interiorizá-lo também como a literatura.

Beneficiando-se, em troca, do que constitui a força milenária do teatro.

Mas a tela tem sobre a cena outra vantagem, consistente em revestir o irreal das mais concretas aparências da realidade. Mais ainda: de revelar o supra-real no próprio seio do real".

(Claude Mauriac)


Fotos: " Encontros e Desencontros", de Sofia Coppola, "Elogio ao Amor", de Jean Luc Godard, Fred Astaire em "The Bandwagon", de Vincente Minnelli ( que saiu no Brasil com o título capenga de "A Roda da Fortuna"), "Alice no País das Maravilhas" e o jogo de proporções proposto por Tim Burton, e "Carruagem de Ouro", de Jean Renoir.

segunda-feira, 6 de junho de 2011

A Polêmica da Gramática de Pombal







"Em primeiro lugar, o livro destina-se ao EJA - Educação de Jovens e Adultos, i.é, um público que não teve acesso a educação formal, no momento desejado. O livro atende perfeitamente ao seu objetivo. É um material didático dos melhores que já vi para o processo de alfabetização.


Em segundo, não há em nenhum momento a intenção de ensinar a falar errado. Mas, apenas de mostrar que existe uma maneira de falar (mais comum do que se imagina) que pode ser inadequada a determinadas situações.

Quando a mocinha na novela (no capítulo que foi ao ar, logo após a primeira matéria sobre o caso, no Jornal Nacional) diz " Vamos tentar se entender", ela não está de acordo com a NORMA CULTA DA LINGUA PORTUGUESA, no entanto Não ESTA FALANDO ERRADO.

Temos variações geograficas, temporais, sociais, entre outras, no falar. Não quer dizer que exista uma certa e uma errada. Para isso que existem gramáticas: para oferecer um padrão da língua. Não para ditar o certo e o errado.

"A língua sem arcaísmo. Sem erudição. Natural e neológica. A contribuição milionária de todos os erros. Como falamos. Como somos".

(Oswald de Andrade)



Não tenho nada a ver com o governo Lula, nem com os autores do livro. Sou apenas um jornalista, que se sente muito decepcionado em ver a reproduzão da lógica de uma mídia que domina mentes e corações, de uma maneira jamais vista em nenhum outro lugar do mundo".

(Otto- jornalista)




"A repressão começa com a gramática e vai até a polícia política".

(Graciliano Ramos)


"O "erro" é um dos meus modos fatais de trabalho. Meu erro, no entanto, devia ser o caminho de uma verdade, pois só quando "erro" é que saio do que conheço, e entendo".

(Clarice Lispector)





Estilistas da língua- como Nabokov, por exemplo,- desprezavam escritores como Miguel de Cervantes (autor de Dom Quixote), ou Dostoiévski ("Crime e Castigo"), por considerá-los desleixados em sua forma de escrita.

No Brasil, o mesmo estigma carregaria Lima Barreto ( autor de, entre outras, " Triste Fim de Policarpo Quaresma", "Recordações do Escrivão Isaías Caminha").


O neorrealista italiano do cinema, Roberto Rossellini, poderá ser visto ainda como "porco", frente à sua maneira peculiar de despojamento consciente?

Ou bem, seu rigor se encontraria justamente em seu método de trabalho?


O mesmo se daria com o maldito Nicholas Ray ( diretor de "Juventude Transviada", "Amargo Triunfo", "Party Girl", "Sangue sobre a neve") que, bem ao contrário da linha de um John Huston da vida, mostrava pouca preocupação com o trabalho de estruturação de uma obra. E sim, com camadas de instantes poéticos soltos e sobrepostos.


Photos: Nicholas Ray, Dostoiévski, Lima Barreto.

sexta-feira, 3 de junho de 2011

Papo de Lan-House






Sobre a possível última vinda de McCartney ao Brasil, alguém chegou a comentar que seu tipo de show não valeria a pena, que seria algo do tipo : “mal organizado, barulhento e, sobretudo, caro”.

Muitos podem pensar que, para um cara com tanta grana, algo distinto poderia mesmo se dar, tanto mais não sendo Paul um músico exclusivamente de rock e que, de fato, não haveria mais onde enfiar tanto dinheiro.

A se levar em conta argumentos que respeito, não teve, contudo, como não lembrar que tal estratégia se repete em bandas como o U2, por exemplo. O que talvez deva ser "pior", se seguirmos a mesma linha de raciocínio:

Nesse caso, fazem uso de um discurso deveras “politicamente correto” ( nada contra o mesmo em si) - e nem por isso deixam de investir no mesmo tipo de show de luxo -, enquanto McCartney se preocuparia com sua música, como o provam os discos desse milênio “Chaos and Creation”, “Driving Rain” e Memory Almost Full”, para não falar em “Flaming Pie”.

Bono e U2 destinariam o bolo de todos os seus shows para a caridade? Se alguém sabe disso, é porque propalariam o fato aos quatro ventos.

Quem garante que outros não o façam, mas sem divulgar de sua benemerência?


Nesse caso, o que podemos pensar do caso de um artista como Bob Dylan? Comportamento excêntrico, é também conhecido por letras de forte cunho social.

Pois bem, os shows do homem " da contracorrente” são igualmente caríssimos.


Não me interessa, nesse espaço, pegar leve com McCartney no quesito. A pergunta é:


O que tem feito, afinal, de tão distinto da imensa maioria dos atuais ou inatuais. Principalmente, dos descaradamente posers em marginalidades ou "politiquezas"?

quarta-feira, 1 de junho de 2011

Howard Hawks/ C. Eastwood









" Tudo se passa como se Hawks, esse homem tão respeitador das estritas regras hollywodianas, quisesse não só baralhar os gêneros como, além disso, fazer baralhar nossas certezas e ensinar-nos que é preciso desconfiar das primeiras impressões e procurar a realidade dos seres, sempre mais longe... ( Anne Villelaur).


" No mundo caótico em que é obrigado a viver, o herói hawksiano vai até o fim de si mesmo para cumprir a tarefa que o "destino" lhe fixou, ou ele próprio se fixou. O cinema de Hawks é o cinema da nobreza e da dignidade" ( Yves Boisset).


Imagens de: "Hatari!" - meu favorito, "Rio Bravo" - que saiu no Brasil com o título capenga de Onde Começa o inferno, "À Beira do Abismo"- com Humphrey Bogart e Lauren Bacall e "O Paraíso Infernal" (Cary Grant e Jean Arthur).


Ps- "À Beira do Abismo" e "Hatari!" não aportaram em dvd por aqui.

Errata






Na carta abaixo, o que foi comentado como "queda de uma lutadora" e suas respectiva libertação diz respeito não ao "Um Mundo Perfeito", grande filme citado equivocadamente por mim, mas ao igualamente impactante "Menina de Ouro".

Penso agora já ter ajeitado a postagem.