sexta-feira, 16 de novembro de 2012

Donen/Audrey


Charada


 
"Charada"

Stanley Donen mistura estados de espírito aqui:


O drama que ao mesmo tempo é humor, o humor que é sombra de suspense...A cada tomada.

Como fazê-lo, conduzi-lo tão bem até o final da obra ?

O filme trabalha constantes deslocamentos de sentido, "deslizamentos do significante".

O fato do persongem de Grant comparecer com uma identidade pouco definida ajuda e muito.
Sua atuação é escorregadia, como corpo em cena.


Donen, como mestre dos musicais, explora muito bem a dimensão coreográfica do cinema- embora, de forma discreta-, favorecendo a atmosfera algo insólita da obra.
Uma obra que, a todo tempo, sabe rir de si mesma, num lindo execício de saber se perder.

 
Mas não se trata aqui de zombar de seu material.

"Charada" é momento do cinema de se abrir a várias possibilidades do espaço, de se permitir entrar em labirintos abstratos e figurativos, mas sempre com um imenso prazer, com uma enorme crença em seu material.


Cada close em Hepburn é uma nova expressão de surpresa extraída de um rosto.

Donen brinca com a luz, no sentido lúdico da palavra. Brinca com o suspense....


O que interessa a ele parece ser o puro prazer do cinema, o sensorialismo- embora, um tanto discreto-, o de se perder nas luzes e sombras.


No fim das contas, é um filme da magia presente em cada cor e deslocamento...O cinema como espetáculo que sabe rir de algumas coisas, mas que nunca abrirá mão de ser fascinante.


Ainda que, para tanto, necessite deslocar as situações/ clichês, abaixar o tom, para reconfigurá-las.

Cinema irônico sim, mas que comparece aqui menos como paródia do que como música e dança em direção.


" O único esforço possível é afastar essa sombra da intenção, da interpretação. E ver o que está no filme.

Veja: até os anos 50, o Alfred Hitchcock, o Howard Hawks não valiam nada. Eram considerados apenas bons diretores de filmes comerciais.


Aí vieram os jovens turcos dos Cahiers du Cinéma e revisaram tudo. Não foi fácil. Lendo os artigos de Truffaut, Rohmer, Godard, Rivette, Douchet, você percebe que eles tiveram até de se opor com certa violência ao André Bazin..., para

impor esses cineastas.


E qual a particularidade dessa operação? É que esses cineastas eram extremamente populares.
Então, os Cahiers são um momento em que o pensamento crítico e o gosto popular se encontram.

Vendo retrospectivamente, nós podemos observar que, sobretudo para o cinema americano, o público tinha um olhar muito mais sofisticado, muito mais aparelhado do que os críticos da época.

Por que isso? Porque os críticos interpretavam. Eles não olhavam.

Essa é a grande lição dos Cahiers....Fizeram para crítica mais ou menos o que Griffith fez para o cinema.

O que aconteceu de lá pra cá, porém, é curioso. O cinema se "elitizou".

Isto é, um público com formação literária é que começou a ditar o gosto e daí, talvez, é que tenha nascido o "filme de arte", no mau sentido da palavra, esses filmes cheios de pretensão, cheios de coisa, mas que, você vai ver, não servem nem para lamber as botas de um Murnau, de um Fritz Lang."

( Inácio Araújo)

Hatari!




"Com todo o respeito, a feminilidade de Rita Hayworth tirando suas luvas em Gilda é apenas uma grosseria, se comparada à feminilidade de um grupo de girafas correndo em campo aberto em Hatari!.
Quando foge do caçador, a girafa mal encosta os pés no chão.


Dos pés ao pescoço, seu corpo contém as ideias de força e leveza, como se o animal tivesse duas naturezas, uma aérea e outra terrestre.

No filme, a girafa encontra correspondência em Dallas (Elsa Martinelli). Olhando com atenção, pode-se perceber que a montagem sugere essa correspondência.
No momento em que a girafa é aprisionada, alternam-se planos dela e de Dallas.

( O desenvolvimento do filme, contudo, diz : A mulher sabe aonde vai com mais precisão do que o homem. Ao menos do que Sean, o homem-rinoceronte, cuja afetividade está envolta numa carcaça tão resistente quanto a do rinoceronte).

Hatari! se propõe, ao primeiro olhar, como filme de caçada.
Vendo-o com mais atenção, as coisas não são tão simples assim.

Entre a razão e a emoção, o ar e a terra- Os exteriores são enquadrados com a linha do horizonte aproximadamente na metade do quadro-, os homens e os animais desenvolve-se a trama.

A palavra trama não deve ser entendida aqui no sentido de enredo. Hatari! não tem enredo.




É a química do encontro de uma série de sequências, ao longo das quais define-se o equilíbrio entre os elementos que compõem o universo.

Essa arte que Hawks desenvolveu desde os anos 1920, antecipa um tipo de modernidade cinematográfica.

Em "Hatari!", esse procedimento chega a uma radicalidade sem precedentes.
À luz do futuro (Antonioni, Nouvelle Vague, etc.), esse passado mostra com mais desenvoltura o tamanho de sua modernidade. Não é por nada que, quanto mais passa o tempo, mais Hatari! se torna atual."

(I. A.)


"...

Ao longo do filme, Feathers espera ouvir justamente isso de Chance: que ele a ama. Compreenderá que o xerife tem maneiras estranhas de dizer essa frase bem simples.


Por outra, o que Hawks faz é justamente demonstrar o quanto essa fra

se é complexa.

No caso de Chance, a principal resistência é mais ou menos a mesma de todos os filmes de Hawks:


Primeiro, a mulher é um acontecimento indesejado na vida do homem, na medida em que desorganiza uma ordem masculina construída em torno do trabalho.



Aqui, entra o aspecto o mais polêmico aspecto de sua filmografia, para muitos construída em torno da masculinidade.


É uma meia-verdade. O que Hawks constrói, plano após plano, é a tensão entre o masculino e o feminino.


Nesse sentido, foi o cineasta que mais profundamente percebeu a "mulher moderna".


A companheira de Chance é, ela também, uma profissional, que se integra à vida do homem, mas não renuncia à dela. Ela o entende e o força a entendê-la."


Notas sobre "Rio Bravo", de Howard Hawks.


( I. Araújo).


Claudia Cardinale em " A Moça com a Valise", de Zurlini

quarta-feira, 7 de novembro de 2012



Greg Tolland e John Ford em " As Vinhas da Ira".




"Eu acho tão legal, esclarecedor mesmo, que voltou à moda - afinal é de moda, de último lançamento mesmo que estamos falando quando falamos de lixo proselitista deliberadamente prolixo desconstrutivista sessenta-e-oitista - ver o Ford como
um "sentimentalóide" "de talento" "porém datado", com aquele ar despudorado, aquele embasamento notavelmente adquirido na faculdade de humanas na aula de "Cultura e ..........." com embalagem de cult(ura).


Porque é aquela coisa: Straub filmando campesinos descansando debaixo da sombra de uma árvore com o sol a pino num pedacinho de terra siciliana sem cerca não é sentimentalóide, pois tem as cauções certas de "distanciamento" (na realidade abstração, mas as pessoas, desde Brecht, desde Eisenstein, desde tragédia grega gostam de confundir uma coisa com a outra) e "materialidade" (embora não haja nada mais místico e indescritível que a Sicília filmada pela janela de um trem pelos Straub) que essa gente toma por pré-requisito.


Já a mesma coisa - mesmíssima, exata, tão-tenebrosa-quanto coisa - com o Henry Fonda e o John Carradine em Vinhas da Ira ( John Ford) recebe um simples "não senhor".


Enfim, abstração, a tal "economia do movimento, de atores e de câmeras; não fazer nada se mexer sem propósito; a diferença entre calma e estatismo", MISE EN SCÈNE em suma, isso não se discute.

O que se discute são as confusões retóricas..."

( Bruno Andrade).

Ps. Foto de "The Grapes of Wrath" ( As Vinhas da Ira)- John Ford -, baseado do romance social de Steinbeck.



"O Vento nos Levará", de 1999, nos joga no território da abstração. Aqui, o personagem- o engenheiro de uma aldeia no Curdistão iraniano- percorrerá as mesmas estradas sinuosas.
Mas podemos nos perguntar- por quê?


Em outros filmes, sabíamos o que estava em questão. Aqui, bem menos.

Por que o engenheiro está nessa aldeia? Em princípio é um segredo. " Se perguntarem, digam que procuro um tesouro", diz.


Nos filmes anteriores de Kiarostami, sabíamos, bem ou mal, com o que estávamos à volta. Aqui, o sentido é sugerido, mas em seguida deslocado.

Podemos nos perguntar se é mesmo um engenheiro ( não poderia ser um cineasta em busca de assunto?).

Em síntese, assim como as pessoas da aldeia, ignoramos quem são os protaginistas da história, seus motivos, o que buscam.

Só temos contato com o tempo- a duração e a evolução das coisas.


Engana-se quem imaginar que Kiarostami tende a mostrar o que é a vida numa aldeia. Ao contrário, de certa forma postula a impossibilidade do documentário, da pretensão de mostrar a "realidade".

Como as águas de um rio, a vida e a morte aqui não podem ser apreendidas. São um mistério. "Um tesouro que busca".

Nada do que vemos é especialmente significativo.
É o correr do tempo, sua incidência sobre as coisas o que nos hipnotiza e nos carrega."

( I. A.)


 
 
 
"Quando a China era um furacão no universo do cinema, na virada dos anos 1980/1990, o nome de Abbas Kiarostami começou a surgir na Europa. A China, vá lá. O Irã era algo mais inesperado.

Não era, até onde se sabia, uma cultura direcionada às coisas do cinema.

Kiarostami foi uma dupla surpresa. De uma hora para outra, o cinema parecia ter ganho um novo Roberto Rossellini.

A elegância de seus planos não tem nada a ver com um cinema inculto. Revela um perfeito domínio das imagens.

...(  )....

Kiarostami gosta de filmar itinerários. O filme que mais o influenciou foi A Estrada da Vida, de Fellini. E a Vida Continua já era um road movie turbulento. Ao longo do trajeto em que o diretor de cinema procurava um jovem ator com quem havia trabalhado anteriormente.

Essa intervenção do diretor não é narcisista. O diretor e o filme, seus trajetos e destinos, se identificam.

Ambos percorrem o país à deriva, topando com estradas intransitáveis, casas destruídas, pessoas que sobrevivem à catástrofe. O diretor toma o rumo que o filme toma e vice-versa. A realidade os arrasta. Não uma realidade que preexiste ao filme, mas que se forma junto com ele.

Esse caminho, Kiarostami percorre com elegância exemplar, sem nunca perder o sentido da beleza. Uma beleza cujo fundamento é o homem. Não se trata de um retorno puro e simples ao Neorrealismo italiano.

Mas a herança de Rossellini, de um cinema essencial, em que só se filma o necessário e em que se transita da realidade física do homem para a espiritual, estão lá.

Ninguém tenha dúvida: Kiarostami não é um desses meteoros exóticos, que fazem estilo, jogam poeira nos olhos do espectador e desaparecem sem deixar sinal.

É um diretor de cinema grande, simples. A retrospectiva com seis de seus filmes será, com toda certeza, um dos pontos altos da Mostra Internacional deste ano. "

( I. Araújo)



 Se para muitos críticos aos anos 30 são o período mais experimental do cinema, a "contracultura" em "Holiday"( de Cukor) me parece mais sólida que muita fanfarronice feita posteriormente.

O apego ao dinheiro aqui literalmente escraviza o homem.


Grant opta por Hepburn, que é mais ligada ao mundo "dos brinquedos".



Mas se engana quem pensar que se trata de um filme bobinho. 

"Pouco adulta" é a maioria das comédias produzidas hoje nos USA.

"Holiday" é hilário e encantador.


"Holiday"- de George Cukor 
 
Ironia lírica na ausência de empostação.



A mansão gélida, aprisionante....



E o quarto de brinquedo.


Irreverência popular e coloquialidade circense em um filme, paradoxalmente, "fino".



Cinema do gestual e não das "teses"