sexta-feira, 31 de julho de 2009

Experiência Maior



Soberba, de Orson Welles foi feito após Cidadão Kane e, como se sabe, a montagem foi feita à revelia do diretor, ficando truncada. Interessante que nada impediu o filme de ser um dos mais impactantes já feitos. Sente-se um sobressalto ao final do filme, que sufoca o andamento da obra e parece inserir algo um pouco alheio ao espírito do que então se passava. Mesmo assim, as imagens finais, como todo o restante, ficam com uma força enorme ao final da projeção. Guardemos esse termo: projeção.
Nesse filme se sente menos a interferência mais direta do autor Welles se relacionarmos com outras obras, tais como Kane, A Marca da Maldade A Dama de Shangai e tantos outras mais. Um dos motivos seria que Welles, dessa feita, não se encontra aqui com sua presença de ator, aquela sua presença quase Onipresente que enche a tela.
Mas, bem mais do que isso, Soberba é um filme em que se pode falar, à maneira de Bazin, que o cinema se torna romance, ou seja, que se pode escrever diretamente em cinema, com a ressalva de que essa espessura romanesca é extremamente cinematográfica. E dentro desse romanesco, a presença do narrador-memorialista é o aquele que procura organizar as partes desse passado, em busca de um "tempo perdido". Ou seja, a memória aqui é passível de reorganização das impressões, dos afetos, dos estados de espírito, embora de maneira espiralante/circular, mas nem por isso sem um certo senso de "ordem".
Quando me refiro a alguma ordem nesse filme, é claro que não se trata de uma ordem extremamente fechada, ou que se trataria de um filme demasiadamente "clássico".Welles permanece ultramoderno em seu romanesco, mas é que agora, ao contrário de Cidadão Kane, de A Marca da Maldade, de A Dama de Shangai....espelhos e reflexos podem coincidir.
Em Cidadão Kane virou praxe dizer que a questão fundamental seria: "Onde esta a verdade?" Ou seja, a verdade de Kane, a verdade de uma vida, etc...A figura do trenó dilacerado pelo fogo ao final é a prova, a evidência que a imagem nos dá de que a única coisa que poderia importar para o personagem se tornou descartável com o tempo, pelo depósito de lixo. Que o bem mais precioso( que englobaria ouros bens preciosos) foi sendo esquecido ao longo de uma vida de correcorres, de vaidades vãs, a um ponto em que o essencial se perdeu. É um pouco como no Eclesiastas: " é tudo como correr atrás do vento", ou " como querer pegar o vento". Mas, mais do essa dimensão de fábula, quem teria sido, de fato, Charles Foster Kane? Resposta do filme: Não há reflexos que possamos pegar, possuir. Esses nos fogem.
Em A Dama de Shangai, a cena mais conhecida, de maior pico( embora seja esse um filme feito de planos em picos, em tensões extremas, contínuas), é aquela em que os espelhos vão se partindo num alvoroço com os tiros e nada permanecerá como nítido que possamos pegar. Ou seja, novamente temos aqui que espelhos e reflexos não coincidem, se estilhaçando em várias partes com as quais não se compõem uma unidade legítima para nós. Poder-se-ia falar com Lascher na relação entre narcisismo e potência de perda, destruição.Mas as coisas vão decerto mais longe.
Nesse Soberba existe uma luz diáfana que vai penetrando intermitentemente os ambientes fechados, um pouco como se Welles tivesses se tornado uma espécie de novo Carl Dreyer, dando formas quase etéreas ao invisível. As tomadas estão entre as mais belas do cinema, com fundos de cena vivíssimos. E ainda podemos ver um bocado dos jogos de espelhos do diretor, seja em cenários de fundo, seja nas vidraças, na circularidade dos movimentos de cena...Mas é, antes de tudo, uma uma obra de rostos que se fecham e que se abrem com sua vida de rostos inteiros, vivíssimos, expressivos que comunicam a nós sua epiderme, seu calor. Trata-se, nesse resgate pela memória, de uma obra de imenso calor humano que pode, a princípio, parecer um pouco alheio ao cinema do diretor.
Se esse é um filme a um tempo diáfano e também de epidermes, de calores, de personagens em sua maioria imensamente respeitosos, com uma espécie de dignidade que nunca se perde, trata-se sim e ainda de um filme de um "nobre", com uma nobreza muito particular. Mas cuja nitidez na dignidade não deixará de lado seu próprio mistério, o mistério das origens da ficção.
Nos perguntamos de onde viria essas imagens, essa "projeção de luzes" obedecendo a um plano de demiurgia, a um plano maior de criação/reordenação. Os créditos finais nos mostram apenas um microfone a anunciar os feitores do filme, os atores, etc... e esse microfone remeterá por fim ao próprio Welles que se anuncia então como o roteirista e diretor.
E quem seria esse Welles, afinal? Um microfone apenas, num lugar "sem-lugar", já que não há nenhum chão, não vemos matérias/corpos a abrigar esse corpo de homem. Essa voz que nos fala é uma parte do corpo do narrador, do demiurgo.Mas, mais do que isso, é um momento quase definitivo em que podemos ver a presença da obra e do autor se confundindo e se materializando com a ideia de Projeção de uma Obra, de um Rastro que propulsiona as coisas com seu sopro,( a fala é calma) , em sua projeção quase sussurrada. É o momento em que a criação de uma obra nos remete a uma espécie de origem de tudo, um microfone apenas como a materialização que nos levará para cada vez mais longe do que poderíamos pegar/possuir.
É a mesma natureza do mistério de Welles que se inscreve novamente nesse final a nos provar que estivemos, a todo tempo, num estado quase mágico de supensão, suspensão essa tão cara à obra um diretor, de um gênio que suplementa sua obra com calores intensamente imprevistos, sem jamais abandonar seu (aqui) discreto jogo de espelhos, a única "figuração definitiva" possível para um criador de excessão, para um poeta de marca maior: a rigor, seus Rastros que, em Soberba, se fazem delicadíssmos como pegadas diáfanas e com toda a pregnância humana a que um artista se deu direito. Das maiores experiências da chamada Sétima arte!

quinta-feira, 30 de julho de 2009

Na Calorosa e Discreta intimidade do Prosaico, em extrema intimidade com uma carta: pintura de Veermer( da época em que cartas eram fundamentais)


Rejuvenescendo O Pop




Há uns dez anos mais ou menos quando tive contato com as letras dos Talking Heads me pareceu muito enfadonha aquela festa narcísica entre seres indiscerníveis em "mocas comunitárias". Já hoje quando ouço ao primeiro trabalho da banda, não foco as letras( isso já era para ser óbvio naqueles tempos), mas me surpreende o tom de arrojo e o o respiro de frescor lançados por David Byrne naquele universo musical pop que ficava bem estagnado, seja por certas estripulias do prog, seja pelo tom algo dark quase gótico de muitas músicas ressaquentas das utopias dos anos 60.
Não que não haja ressaca nos Heads, mas não deixa de ser uma ressaca revitalizada por um espírito de descoberta, de injeção de arrojo e vitalidade naquele universo algo Tanático( mortal) do período. Depois disso Brian Eno, que era dos Roxy Music, se juntaria a Byrne e também a David Bowie... e o resto é história, ou bem História.
Esse primeiro trabalho dos Heads já remete às experimentações futuras com Eno e ao trabalho desse com Bowie no Lodger (1979), que já tem muito do que posteriormente seria chamado de "World Music".
Não gosto tanto de um Andy Warhol, por exemplo, quanto das pinturas de um Edward Hopper ( aliás, a distânca entre um e outro é enorme pra mim), mas como sempre ouvi música pop com destilado prazer por vezes despretensioso, fica fácil embarcar na jornada dos Heads, onde o espírito de descontração se casa com a inovação musical, sem nunca abandonar a ênfase nas superfícies, mas aqui em suas máximas, ou quase máximas possibilidades.
David Byrne, por sua vez, ainda dentro desse mesmo espírito algo inquieto, descobriria uma certa música brasileira e na sua " latino coletânea"abriria com Jorge Ben( ainda não Jor) em sua fase áurea.
Já nesse primeiro trabalho dos Heads podemos ver todo esse estado de espírito inquieto, nada conformista de Byrne a resgatar uma energia na música popular dos anos 70 de forma inédita.
Recomendo desde já a pérola!


terça-feira, 28 de julho de 2009

Nos Meandros da Luta

Poema da Purificação

Depois de tantos combates
o anjo bom matou o anjo mau
e jogou seu corpo no rio.

As água ficaram tintas
de um sangue que não descorava
e os peixes todos morreram.

Mas uma luz que ninguém soube
dizer de onde tinha vindo
apareceu para clarear o mundo,
e outro anjo pensou a ferida
do anjo batalhador.

(Drummond, extraído de "Alguma Poesia", livro feito no contexto modernista)

Rope(Alfred Hitchcock)


Intercâmbio Mental/Espiritual

De todas as últimas vezes que pude (re) ver ao Festim Diabólico, de Hitchcock ficava meio que nítido que aquela tomada final com os três personagens igualmente enquadrados equivalia a um ritual elegíaco trinário de culpa e(ou) mea/culpa frente ao crime cometido. E todo aquele discurso didático/moralista do professor( James Stewart) não se sustentava nas imagens do filme, que adentraravam a culpabilidade do mestre dos garotos. Afinal, Stewart com suas idéias supostamente arrojadas de "seres superiores " e "inferiores" semeou as raízes do crime na cabeça de seus pupilos. E logo que ele procura entender como teria sido cometido tal crime, saberá como ninguém passo por passo como deslindar, em sua mente assombrada, como as coisas teriam de fato ocorrido daquele dia e lugar fatídicos, num intercâmbio perfeito entre sua mente e a dos assassinos. Ou seja, ler aqueles garotos era como ler a si próprio, pai espiritual dos meninos.
Por isso,entre outras, o filme se encontra aquém (ou além) de um mero exercício virtuosístico com as imagens( a experiência de uma continuidade única e avassaladora devido a pouquíssimos cortes, realizados quase invisivelmente).
Depois tive a chance de ler ao texto do Lourcelles, que coincidiu com a visão que tive. E o transcrevo aqui extraído do dicionariosdecinema, por cortesia do Júnior.

Festim diabólico
Primeiro filme de Hitchcock em cores, primeiro dos quatro rodados com James Stewart, , primeiro onde o diretor aparece como produtor. Data importante na carreira de Hitchcock, Festim diabólico é também um dos filmes mais sérios jamais filmados. É baseado na fórmula que, durante mais de quarenta anos, vai seduzir os públicos do mundo inteiro: um extremo formalismo posto a serviço de emoções elementares, de temas universais, ligados em sua maioria à moral. Realizar um filme de um único plano foi sempre o sonho- mais ou menos confesso e consciente- de um bom número de diretores. De fato, este sonho corresponde à passagem ao limite de uma das duas principais atitudes estéticas possíveis no cinema: dada a inevitável fragmentação da criação cinematográfica, ou podemos acentuá-la e tomar como ponto de partida pesquisas estéticas que valorizam a montagem e a multiplicação dos espaços, ou podemos negar esta fragmentação ao forjar uma continuidade que absorva todos os espaços em um único espaço, todos os planos em um único plano. O cinema da fascinação ( Lang, Preminger, Siodmak, etc), cultivado nos anos 40 nos Estados Unidos, vai levar esta tendência ao seu mais alto grau de refinamento, ao desenvolver o uso do plano seqüência. E não é espantoso que Hitchcock, que considera cada filme como uma desafio, um exercício de estilo, uma nova maneira de estarrecer o público, tenha tido nesta época o desejo de estender as possibilidades do plano sequência à dimensão de um filme inteiro. Pragmático, formalista, mas não esteta, Hitchcock vai levar a cabo este desafio em primeiro lugar tomando-o ao pé da letra: um plano é um plano; portanto, nada de mudança de local, portanto tempo contínuo, portanto nem um único raccord visível ( o que vai implicar a utilização de astúcias e truques visuais , uma vez que, tecnicamente, nenhum plano pode durar mais que dez minutos de projeção). O desafio proposto nos leva assim ao teatro mais fechado e claustrofóbico, enquanto que, por exemplo, no espírito de um Preminger , o sonho do filme em um único plano possui algo de cósmico: trata-se de abater as muralhas em torno da realidade a fim de apreendê-la em um único fluxo uniforme e em um espaço contínuo.
Curiosamente, em Festim diabólico, o “parti-pris”, a lógica do ponto de partida se perdem no meio do caminho ou, se preferirem, se desvanecem em um harmonioso compromisso. A razão estará em que a virtuosidade cansa facilmente o mestre do suspense? Em todo caso, uma mudança de plano será absolutamente normal e visível, o plano seguinte vai se efetuar sobre as costas de um personagem ( fusão sobre preto, “fondu au noir” disfarçado), e o último “fondu au noir” vai se dar excepcionalmente sobre a cobertura do baú.. Enquanto que um filme em média comporta entre duzentos e seiscentos planos, Festim só tem onze ( respectivamente, o de 1’54, 9’36, 7’51, 7’18, 7’09, 9’57, 7’36, 7’47, ‘0’, 4’36, 5’39). As dez mudanças de planos se operam da seguinte maneira: 1) mudança de plano correspondente a uma mudança de lugar ( é o único do filme: passamos do exterior ao interior do apartamento); 2) sobre as costas de John Dall; 3) normal; 4) sobre as costas de Douglas Dick; 5) normal; 6) sobre as costas de John Dall; 7) normal; 8) sobre as costas de John Dall; 9) normal; 10) sobre a cobertura do baú onde está o corpo.
Aliás, este filme que recusa a montagem é extremamente découpé e autoritário em sua mobilidade e sua maneira de apreender o espaço. Aí também ele vai na contramão da ótica do plano sequência segundo Preminger, que visa a fazer esquecer ao espectador a existência da câmera. Aqui, a câmera permanece, do começo ao fim, muito presente: ela, como sempre em Hitchcock, é o personagem principal da história, conduzindo, em seu percurso, um espectador submisso e satisfeito. Encenado com deleite por Hitchcock, este “huis-clos” onde a câmera circula no meio de compartimentos escamoteáveis e móveis com rodilhas contém a mais bela “descoberta” da história do cinema ( maquete de Nova York pouco a pouco tomada pela noite) e só visa a um único fim: acentuar de forma surpreendente a tensão e o mal-estar suscitados pela intriga. Nenhum filme de Hitchcock, tirando Psicose ( onde o mal-estar, a intervalos regulares, deságua no terror), engendrou uma atmosfera tão irrespirável. A abjeção dos dois assassinos é elevada a um outro nível, em face da mediocridade dos outros personagens ( notemos que Hitchcock evitou colocar em suas bocas o menor diálogo brilhante). O próprio pai, posto por Hitchcock à parte da mediocridade ambiente, participa do mal-estar geral enquanto vítima pateticamente impotente- depois, é claro, do próprio morto- deste absurdo holocausto. Quanto ao personagem de Stewart ( o professor), ele é aos olhos do diretor o mais culpado de todos. Neste sentido, Festim diabólico é um filme relativamente excepcional na obra de Hitchcock: o espectador não pode se identificar a nenhum dos personagens, a não ser talvez ao morto no baú, que espera ( ?) que seus assassinos sejam reconhecidos e julgados. Festim ocupa um lugar central no seio do edifício hitchcockiano , uma vez que consolida justamente a moral tradicional- universalista em seu princípio- do autor e elimina como monstruosa toda tentativa de uma moral individualista, elitista, que daria a um único ser ou a uma única categoria de seres um lugar à parte na sociedade. O filme sublinha também a responsabilidade do intelectual, cujas palavras, escritos, teorias, paradoxos devem ser considerados, tanto pelo autor como pelos outros, com tanta seriedade quanto se constituíssem atos. Vejamos que o filme não brinca em serviço. Outro aspecto do segredo de Hitchcock: ninguém antes dele ousou ser tão grave, sabendo permanecer extremamente divertido.
Jacques Lourcelles
Tradução: Luiz Soares Júnior

domingo, 26 de julho de 2009

Nas Sombras do Som e da Imagem


Ainda dentro do frisson Michael Jackson em que muitos que o atacavam chegam agora a condecorá-lo como semi-deus, o "Rei do Pop" e muitos que mal o conheciam se auto-declaram agora seus fãs... Até onde sei, esse negócio de "Rei do pop" não passa de uma invenção do próprio Michael que não era tão Rei do Marketing quanto a Madonna, mas nesse ramo também se saia muito bem. Ou seja, a mesma mídia que o escurraçou, agora tem participado do espetáculo masturbatório em torno da morte daquele que morto já se encontrava há tempos.
Não existe "Rei da pintura", Miles Davis ou Louis Armstrong não são tidos como "Reis do Jazz"( nem Bach ou Beethoven o são da música erudita). Já na intensa e, hoje mais do que nunca, supra-organizada cultura de massa, já houve o rei do rock(Elvis), há o Rei Roberto...Todos lidando muito mal com esse trono em que foram alçados( por quem, afinal?) a "Reis pops" de uma cultura que exige uma enorme renúncia de seus homens para que adentrem seus papéis. Do tipo, vamos jogar no ar pra ver o que que dá já que súditos sempre existirão ao máximo ... há até os súdito, guardadas as devidas proporções, da chamada "Rainha dos Baixinhos".
Eu quando baixinho, quarta série do ainda chamado ginásio, ouvia tanto Beatles que para mim, MJ não era ninguém. Com o tempo descobri que ele havia feito o Off the Wall. Feito claro, ou bem "co-feito", já que o verdadeiro autor sempre pareçeu ser o Quincy Jones, que já havia produzido musicalmente Sinatra e Aretha Franklin.
Como bem disse meu amigo Daniel, é lógico que aquelas linhas de baixo de Billy Jean não foram obras do Michael. No entanto, MJ ganhou uma enorme projeção na Era MTV, era um autêntico showman, dançava muito( seu grande talento, de fato). E dançou muito num período em que o diretor do filme Irmãos cara de Pau (John Landis), cujo talento estava no auge durante esse período, projetou com uma espécie inegável de inovação nos videoclipes o "Lobo Michael".
Em Bad ele contou, em uma enorme produção para videoclipes, com a grandeza do talento de Martin Scorsese, que já havia feito e ainda estava fazendo coisas geniais( Taxi Driver, O Rei da Comédia, O Touro indomável...). A projeção em massa via videoclipes atingia seu auge e a MTV não seria nada sem Michael, nem ele sem ela, provavelmente. Pelo menos não o ícone Michael Jackson, que aos poucos foi se acomodando musicalmente e se centrando mais e mais em se "limpar" de seus fantasmas( em Thriller ele ainda era seu próprio fantasma, seu "Lobo Noturno").
O fato é que o showman conquistou um espaço nunca pensado para negros em "horário nobre" em plena América, bem depois de ter enfiado com os Jackson Five músicas em primeiríssimos lugares nas paradas ditas "brancas". Abriu portas e o resto, como se diz, é lenda.
E Michael foi se ocupando em "limpar-se" do Espelho Devorador de proliferantes lobos assassinos, se mantendo progressivamente mais e mais num Castelo fechado, abrigando-se em seus condomínios fechados sem nenhum contato com o "Mundo impuro", com o "Real World", morando em sua Disney particular e em suas máscaras de gelo. E dá-lhe remédios, já que a obrigação de um astro, além do mais, é ser um corpo perfeito, estar sempre no auge da forma, tendo sua sauna particular(Naverland) cobiçada por tantos...os mesmos cobiçadores que optaram por um acordo milionário frente à acusações sobre um suposto lobo devorador. Bem, devorador ou devorado?
Depois de ter contado com o impulsionamento da "sereia negra" Diana Ross, Steve Wonder( esse sim, um gênio da música), Quincy Jones( seu produtor) e até, quem diria, Paul McCartney( outro gênio incontestável do pop, provavelmente o maior deles), passou a contar com sua própria auto-(in)suficiência rodeado de sangue-sungas por todos os lados, os mesmos lobos dos quais quanto mais ele parecia correr, mais o seguiam como essas sombras que permanecem até hoje no pós-morte, nessa mutação final de lobos.
Com muita influência de Fred Astaire e James Brown, Michael impõs sua dança para o mundo todo, muito embora morrendo longe do mundo em uma espécie de "sacrifício final", em que muitos agora elaboram sua cínica e demagógica "mea/culpa". E vendendo mais hoje do que à época de Thriller( o mais vendido disco, mas não o seu melhor).
Ao contrário do que disse um de de seus irmãos no "velório/espetáculo", Michael: nem agora te deixam em paz.

PS. Um bocado saturado do frisson, deixei uma foto de um verdadeiro Gênio da música, Marvin Gaye, em sua obra-prima "What`s going on".


A Morada do Ser ( Cessa o teu Canto!)







Cessa o teu canto!

Cessa, que, enquanto o ouvi,

ouvia uma outra voz

como que vindo nos interstícios

do brando encanto

com que o teu canto vinha até nós.

Ouvi-te e ouvi-a no mesmo tempo e diferentes

juntas a cantar.

E a melodia que não havia se agora a lembro, faz-me chorar...


Foi tua voz encantamento que,

sem querer, nesse momento

vago acordou um ser qualquer alheio a nós que nos falou?
Que anjo, ao ergueres a tua voz,

sem o saberes,

veio baixar sobre a terra onde a alma erra,

e com suas asas soprou as brasas de ignoto lar?"

(Fernando Pessoa)

Entre o Telúrico e o Espectral( Contos da Lua Vaga)






Para Mizoguchi, grande cineasta japonês, parece não haver distinção material, ontológica entre o universo empírico ou vivido e o universo imaginado, fantasmagórico/espectral. É o que nos aparece em Contos da Lua Vaga, essa obra esplendorosa em que tudo, tanto o realismo telúrico mais cru e o universo das obsessões fantasmáticas são parte de um mesmo imbróglio, ou seja, de uma mesma realidade. Seja como lenda com ecos de aspereza, ou como "neo-realismo" telúrico com prolongamentos espectrais e supra/reais, todos são parte de um mesmo equilíbrio, de uma mesma unidade.

"Esse filme conta-nos a aventura do homem perante a vida e que tem de optar entre a sua profunda realidade e a aparência de sua realidade, a do artista perante a sua arte, tentado a escolher a beleza pura e enganadora contra a verdade da beleza da verdade e a verdade da beleza. É que vida e arte não são senão uma só e mesma experiência, uma exterior, outra interior:uma objetiva, outra subjetiva"( Jean Douchet).

Precisamos lembrar que nesse conto moral, quando as personagens voltam à terra e abandonam sua vãs ambições/obsessivas, o telúrico mais áspero reencontra uma atmosfera de onirismo aéreo, do ar do espaço sobreposto à terra em que estão detidamente capinando para o trabalho. Genial!

O Supra-Real( Lewis Carroll segundo Tim Burton)


Alice, segundo Burton


sexta-feira, 24 de julho de 2009

A Resistência da Ficção( pequeno esclarecimento)

Quando assistimos ao último Batman, percebemos que se trata de um trabalho cuidado de produção. Mas ao assistirmos aos dois primeiros Batmans, de Tim Burton, percebemos que não há necessidade de ser fiel ao original, seja ao seriado, seja à HQ. Ou seja, não se trata de um filme feito para fãs do Batman, mas de uma recriação. Tudo, aliás, em Tim Burton é recriação. Quando Edward imprime com suas tesouras uma nova cara para as ruas norte-americanas( em Edward mãos de tesoura) ele estará substituindo o modelo estandardizador, padronizador daquelas casas e propondo novos olhares como um visionário que se anuncia em pleno sistema industrial.
Após o segundo Batman, o susto foi grande por não ter obedecido às previsibilidades de praxe. Ao contrário do Batman mais recente, o de Burton está longe de ser o herói da América, defensor do esquema político e policial da nação. Aliás, ele mal pode conservar a si mesmo em seu mar de tormentos, cisões. E Gothan City era uma cidade ultra-moderna, do espetáculo do progresso, mas por isso mesmo uma grande arquitetura gótica.
O último filme do Batman investe num clima sombrio, mas não passa de espetáculo de segunda para idéias raquíticas. E chamá-lo de infanto/juvenil talvez seja subestimar o potencial dos adolescentes. Potencial esse muitas vezes adormecido por certa apatia, filmes de ação centrado na chuva de adrenalinas, tramas de uma simplificação absurda...
Voltando aqui, Tim Burton é fiel à dimensão de criação de mundos das fábulas e para tanto bate de frente com o modelo pronto industrial. Infelizmente poucos captaram o Planeta dos Macacos, que sob a indumentária da enorme produção, foi um de seus filmes mais expresssionistas e ácidos para com a nação do "Progresso", os USA, seu fascismo tecnológico: as armas e as máquinas para a Guerra do (dito) progresso.
O que Burton propõe é esse esforço contra a "naturalização" do olhar, a desautomatização de imagens banais difundidas como "real" ou "natural".Longe do show de efeitos e dos recursos de "naturalismo" vigentes, ele investe nessa dimensão de artifício descaradamente e a partir disso não iremos brincar de fábula, mas adentrá-la de vez, observar e fruir simulacros de imagens( tautologia?) trabalhando como guia de implosão de "realidades" dadas e difundidas como universo de uma única dimensão( unidimensional).
Questionemos esses dogmas de imagens pretensamente reais e objetivas tão difundidas com Tim. E, sobretudo, com ele contemos as falsas verdades, os "contos do vigário" ao contrário, de trás para frente, a fim de que, tal como nos espelhos que sempre se nos mostram, mas sempre de forma invertida, reflexos e rostos concidam.
Por tudo isso, seu último filme promete.

Das fontes de Edward mãos de tesoura e L.Carroll, o novo Tim Burton


O Avesso das coisas

O novo filme de Tim Burton, autor de Edward Mãos de Tesoura, Peixe Grande, ED Wood, entre outros, está prometendo. O filme é uma adaptação de Alice no país das maravilhas, de Lewis Carroll e promete ser como em outros trabalhos do diretor, mais uma viagem ao outro lado de nossos espelhos, ao avesso das coisas que só as grandes fábulas são capazes de flagrar.

Eu particularmente não gostei muito de seu último filme, mas existem trabalhos brilhantes. O próprio Peixe Grande que foi bem subestimado, é uma verdadeira aula de fabulação, do artifício como lugar de abertura de mundos, não como mentira, mas como revés do "real".
Tolstoi já havia dito que se descrevêssemos as coisas exatamente como são, não haveria nenhuma verdade em nós. Toda a obra de Tim Burton caminha por uma assertiva como essa. Tomara que nós, filhotes do jornalismo, de uma mídia de segunda e de filmes pretensamente realistas ou "naturalistas"( incluso, novelas) consigamos enxergar o "óbvio ululante" das sólidas fabulas.

quinta-feira, 23 de julho de 2009


A Lucidez, Enfim

"Mudei-me da casa dos eruditos e bati a porta ao sair. Por muito tempo a minha alma assentou-se faminta à sua mesa. Não sou como eles, treinados a buscar o conhecimento como especialistas em rachar cabelo ao meio. Amo a liberdade. Amo o ar sobre a terra fresca. É melhor dormir em meio às vacas que em meios às suas etiquetas e respeitabilidades".( Nietzsche)

Entre o "Clássico e o Moderno"

" A grande contribuição do jazz à música do século XX parece ser a re-humanização da música. Deu ao intérprete uma total liberdade de criação, dentro de âmplos parâmetros. O música voltou a ter personalidade e não ser apenas um mero instrumento do compositor, mas igualmente um ativo criador. Enquanto a chamada música erudita esbarrou nas combinações de tons e micro-tons ordenados por computadores, o jazz chamou novamente a atenção para o músico como co-autor da obra muscal. A Jam-session reviveu e revigorou, no século XX, a intuição criadora do quodiblet(harmonização improvisada) na era barroca." (Luiz Orlando Carneiro).

"Couperin, Bach e Haendel regiam do cravo seus próprios oratórios e óperas, improvisando com incomparável arte..."(Wanda Landowska).

Nota sobre a questão dos gêneros ou "Chuvamos no molhado"

Existem cinemas clássicos e cinemas clássicos. Existe uma grande diferença entre o clássico mais acadêmico de um William Wyler e o "clássico" moderno de um Howard Hawks, por exemplo que, segundo um Rogério Sganzerla em seu notável ensaio, seria a matriz do cinema fenomenológico, ou seja, independente dos mecanismos habituais de interioridade psicológica, etc... Existe diferença entre o cinema poético, épico, mas de grande valorização do despojamento de um Ford e a maioria dos filmes ditos "de época" do período.
É preciso lembrar que quando falamos em "gêneros",esses só o são para os grandes artistas entre aspas, mil e uma aspas, ou seja, funcionam apenas operacionalmente como ponto de partida de um diretor, mas não de chegada, de desenvolvivento dessa arte. Ou funcionam instrumentalmente para o crítico( como o comentário aqui feito sobre Douglas Sirk) por exemplo, iniciar seu texto para um público, digamos, mais amplo, menos iniciado nas nuances, nas modulações decisivas da arte.
Mesmo os pólos clássico e moderno não se revelam estanques. Hawks é clássico e ultra-moderno, Nicholas Ray tem algo de clássico e muito de moderno já que, além do mais, junto a Samuell Fuller e outros mais, influenciou sobremaneira a dita "nouvelle vague( nova onda), composta por Godard, Rohmer, Truffaut, Chabrol...com sua poética do instante.
O que seria o cinema de Truffaut sem Hitchcock( como o primeiro mesmo afirmara), Chabrol( que junto a Rohmer dedicara o primeiro estudo sério do dito "mestre do suspense) sem o mesmo?Por quê um grande experimentador como Alan Resnais em filmes como Muriel, por exemplo, além de estabelecer citações( paráfrases) diretas de Hitch, trabalharia também atmosferas e recursos linguísticos do cara? Simplesmente porque Hitchcock, entre outras, já era ele mesmo um grande experimentador.
Poderíamos enumerar muitos exemplos como esses( como a relação Demy/Minnelli, Chaplin/Renoir ou Chaplin/Tati e Fellini....), etc,etc...
Prender-se a gêneros para falar dos grandes artistas americanos significa tanto quanto dizer que o grande cinema europeu seria pobre por filmar mais dramas, o que não deixaria, sob o ponto de vista desse raciocínio raquítico, de ser também e obviamente um "gênero pronto".
Mas tudo isso que digo aqui é um tanto óbvio, é chover no molhado, seja para os maiores ensaistas como para os próprios feitores da sétima arte. Ou, para os mesmos ensaístas que, baseando nesses diretores americanos de peso, se tornaram eles mesmos ao filmar, a grande prova viva e material do que defendiam em seus textos.

terça-feira, 21 de julho de 2009

O Rio Sagrado ( Jean Renoir)/Hatari!( Howard Hawks)


Carta sobre O Rio Sagrado enviada para os amigos (a reler): "Poiésis + Fenomenologia da percepção"


O Rio Sagrado, de Jean Renoir ( cineasta filho do pintor impressionista Auguste Renoir) flui como um rio, como ciclos da vida. O filme fala, aliás, sobre esses ciclos como um tempo que se faz sempre presente como futuro( um futuro que então se abrirá para um novo ciclo a partir do envelhecimento que seria, segundo o filme, um novo começo...). É o fime de Renoir que também se assemelha ao Hatari! de Howard Hawks(cineasta americano que atravessou o período de desenvolvimento da sétima arte até chegar nos anos 60).
Rio Sagrado e Hatari!, dois trabalhos descomunais, quase sem história. Filmes sobre o ritmo natural das coisas, sobre o aprendizado pelas coisas, no interior mesmo dessas coisas como seria o aprendizado icônico/contemplativo que, por intermédio da riqueza analógica, diferencia do aprendizado indicial( que é esse das imagens habituais que vemos por aí que não se detêm em si mesmas, só passando de um lado para o outro como setas para um determinismo final ou um Nada Absoluto). E também não se trata do aprendizado simbólico que também é mais vivo que o indicial a que nos acostumamos nas novelas, na maioria dos filmes meramente industrializados, padronizados, nos videogames,etc... O simbólico seria mais conceitual que o que vemos em Renoir e Hawks.
Em Hatari!, filme que espantosamente ainda não saiu em dvd no Brasil, os americanos( John Wayne à frente) vão à África caçar e em O Rio Sagrado, os norte-americanos já se instalaram na Índia. Um continente diverso nos dois filmes irá trazer o aprendizado do Ser em contraposição ao Ter ocidental. As coisas não são "para si", vamos até elas, aprendemos com sua interioridade.. O antropocentrismo( homem no centro) ocidental/burguês é relativizado.
No filme de Hawks, John Wayne só pensa em trabalhar, mas sua "Ordem" será um bocado abalada pela fotógrafa que chegará abruptamente e que, além do mais, por sua própria sensibilidade não se ocupará somente de trabalho, mas da cria de elefantes. Wayne também, essa espécie de Golias americano frágil na testa, não passa de um tipo de elefante( suprema analogia sutil), grandalhão, machão, mas carregado de vulnerabilidade até certo ponto velada. Esse reflexo e refluxo do "de fora", da "natureza"( elefantes, a interação da mãe-humana com eles) irá refletir e interagir com o ambiente do "de dentro", que é o da casa de trabalho, o "cercado" planejado pelos homens para caçar os animais e depois partirem de volta para a América.
As coisas ganham forma além do pragmatismo e dos compartimentos estanques onde a vida estaria bloqueada, sem jorrar. Como em O Rio Sagrado, de Renoir, a expansão interna dos universo dos seres se dará não pelo "acúmulo
ocidental", mas pela subtração do que se supõe saber(Dominar). A linguagem do poder se revira e o homens se vêem pequenos diante do imenso mundo, só podendo apreender algo no interior dos ciclos de vida, agora despojados pelas lentes de cinema.
O Rio Sagrado é obra-prima assim como Hatari! São filmes sobre a expansão do Universo Exterior e interior, seja pelo rio que jorra no filme de Renoir, seja pela caça que revela também sua autonomia e os espaços entre os homens e os bichos. É o Rio de Renoir que nos mostra o específico de tudo, de uma pedra a um galho, ou um vôo de mosquito em exuberância telúrica( da terra) e aérea no interior das quais se reinstalará os personagens. São os bichos em meio à exuberância do restante do meio com os quais Hawks nos surpreenderá ao mostrar o estabelecimento de relações incomuns conosco. Por fim, se Wayne foi para a África caçar será por fim "caçado" por essa fotógrafa em termos físicos e afetivos. E a última caçada do filme, de Wayne e os elefantes juntos como "pais e filhos simbólicos" correndo a fim de recuperar a moça, "mamãe simbólica" que poderia já ter partido por cansaço, será talvez a mais árdua das caçadas, a concretização ápice dessa reviravolta de universos propostas por Hawks.
Sem álibis narrativos, quase sem enredo, Rio Sagrado e Hatari! são filmes que recusam os "papéis" do cinema. São obras que parecem ignorar as progressões dramáticas. Ao apostar na desdramatização, se existem picos, serão somente os de aprendizado e(ou) poéticos. E esses só surgem na surdina para espectadores atentos e como filmes que nos "iniciariam" na vida e, claro, em arte, estética.
São trabalhos que ignoram um visão matemática da montagem.Filmes ontológicos, sobre as coisas, obras icônico/analógicas que dispensam o conceitualismo pronto "ocidentalizado" a que nos viciamos. Comparemos por exemplo essas duas obras-primas com essa novela da Índia, ou melhor, nem precisamos de tanta facilidade ao descer na lama para nos auto-afirmarmos nessa superioridade da grande arte. Sejamos respeitosos, vivos como esses filmes, como certa vida jorrando como evidência de sua "moral" interna, a um tempo "bruta", espiritual e poética.
Duas obras-primas absolutas, certamente!!( como isso é um blog, peço perdão desde já pelos erros de digitação ao ritmo cardíaco/perceptivo em que são digitados. Por outra, justo por ser um blog cabe talvez a licença-poética dos erros, sua "contribuição milionária" como dizia Oswald. Por fim, sua nudez sem a qual tudo ficaria muito impessoal, acadêmico).

Espírito pioneiro

"Poetas do porvir! arautos, músicos, cantores do porvir!
Não é dia de eu me justificar e responder ao que vim,
mas vós, nascidos de nôvo, continentais, telúricos, atléticos,
maiores do que os conhecidos antes,
erguei-vos!pois deveis justificar-me.

Eu mesmo apenas escrevo uma ou duas palavras de indicação
do futuro,
adianto a roda um momento apenas e volta às sombras correndo.

Eu sou um homem que, vagando a êsmo sem estacionar de todo,
passa uma vista casual por vós e logo desvia o rosto,
deixando por vossa conta prová-lo e conceituá-lo,
as coisas mais importantes esperando de vós".

Walt Whitman e seu espírito pioneiro: Homenagem aos que abrem caminhos, narcisicamente aos professores (como eu), aos artistas do pioneirismo( King Vidor, John Ford, Lennon/McCartney, Safo, Homero, Cartola, Velasquez, Beethoven, Joyce, Rossellini, Orson Welles, Tom Jobim, Jorge Ben, Ary Barroso, Vadico, George Gershwin, Howard Hawks, Miles, Lima Barreto, Martin Luther King, Da Vinci...) e tantos outros....Meus agradecimentos!

"Brasil, Mostra Tua Cara"

"Sentimental"

Ponho-me a escrever teu nome
com letras de macarrão.
No prato, a sopa esfria, cheia de escamas
e debruçados na mesa todos contemplam
esse romântico trabalho.
Desgraçadamente falta uma letra,
uma letra somente
para acabar teu nome!

_ Está sonhando? Olhe que a sopra esfria!

Eu estava sonhando...
E há em todas as consciências um cartaz amarelo:
" Neste país é proibido sonhar."

(C.D.A.)

segunda-feira, 20 de julho de 2009

"Burt Bacharach por Murilo Mendes"

Poema de Além-Túmulo

Deste horizonte estável
Vejo homens e bichos combatendo
Ao mesmo tempo pela guerra e pela paz,
Vejo campos de sangue e ossadas,
Faixas de terror:
Mas vejo essencialmente uma coisa branca,
Um castelo branco e simples
Feito de um só diamante
Que da Terra não se vê.

(Murilo Mendes)

Férias na escola Gralha Azul

"Se eu esquecer o meu nome e se os outros não exigirem que eu continue a ser o que sempre fui, então alguma coisa nova poderá nascer da velha: uma fonte no deserto. Afinal de contas, esta é a suprema promessa do evangelho: que os velhos nascerão de novo e virarão crianças."
(Amilcar Herrera)

domingo, 19 de julho de 2009

NOTINHAS


Douglas Sirk é uma espécie de referência máxima do cinema, realizou suas principais obras no período dos anos 50 com seu estilo fortemente melódico, que se não fosse Sirk um talento à parte, resvalaria tudo para esses dramalhões típicos que vemos por aí. Ele não foi o criador, mas levou a coisa a um estado máximo. Se Minnelli não tivesse feito Some Came Running e Herança da Carne, por exemplo, ele seria a única grande referência do gênero nesse período. Almodóvar, por exemplo, sempre diz que nunca se cansa de rever suas obras(eterno fã babão que é).
Bem, Imitação da Vida tido por muitos como momento máximo do cara consegue ser ainda superior a Palavras ao Vento. Mais uma vez entre tensões desse microcosmo do "todo-social" chamado família, Sirk extrai o máximo do colorido dramático reinstalando a dimensão do sagrado de ecos bíblicos no cinema. Os pioneiros do melodrama, de Griffith( o primeiro grande articulador do " coração do cinema", a montagem) a King Vidor( Ruby Gentry, Aleluia, A Turba, O Pão Nosso) que era mestre no mesmo plano que Howard Hawks e John Ford, sempre trabalharam com ecos bíblicos estéticos e por que não dizer também Chaplin e De Mille?
Sirk reinstala essa dimensão sacra sem falsos puritanismos. Se um John Ford, por exemplo, soube fazer uso desse recurso, foi primeiramente devastando o que há de moralidade farisaica na sociedade americana, colocando o banqueiro rico e as dondocas da alta sociedade mesquinhos perto do ex-ladrão vivido por John Wayne e da prostituta que seguem viagem numa diligência que abriga todas as camadas sociais. Foi insurgindo sutilmente contra o linchamento puritano americano em Fort Apache, por exemplo ou um Fritz Lang, também moralista a seu modo, desconstruindo o espírito de porco do massacre imediatista(M, Fúria...) que se construiu muito desse cinema.
O Melodrama reatado por Sirk soube precipitar conflitos e desse transbordamento também sentimos as fissuras, as grandes contradições do american way of life. A negra do filme fica como uma das grandes, senão a maior presença gospel do cinema nessa obra lindíssima, cinco estrelas!!!
De Orson Welles, A Marca da Maldade permanece como uma das maiores obras-primas do cinema. Cidadão Kane mesmo não sendo o melhor de todos os tempos, tendo sido revisto primeiramente já era e permanece brilhante e, ao contrário do que seus invectivadores sugerem, nada está ali que seja firula desnecessária. Tudo é deveras preciso com todo o amálgama barroco, fragmentado da música da montagem.
Em A Marca da Maldade, o abarrocado aparece de forma mais discreta que Kane, mas é ainda mais, aliás, bem mais intenso! Intensificam-se os cenários labirínticos, as lentes que ampliam as imagens fornecem uma imagem sempre descentrada, altamente e lindíssimamente enviesada do mundo incongruente em que vivemos. O arquétipo do bom herói hollywoodiano encarnado por Charlton Heston, herói da América dos épicos e do militarismo, é descentrado sutilmente, enquanto o dito vilão vivido pelo próprio Welles é um bocado a encarnação do próprio diretor-ator que lhe dá a pele. Se Charton Heston é o homem da lei, seu guardião, e se Welles, como o chefe de polícia guiado pela intuição é um homem deveras complexo e com certo decadentismo, estaremos diante da história desse diretor que viveu como incompreendido a vida toda. Seu primeiro longa, Cidadão Kane, teria sido o único a contar com a total liberdade de confecção de sua arte, enquanto os demais foram parcialmente devorados na montagem final ou simplesmente abortados, como suas filmagens no Brasil.
Se a América de Heston, guardiã de produção, de "Moral" é o "Bem", então Welles é o "Mal". Mas as coisas se complicam quando vemos o bom agente do governo Heston abandonar sua recém-esposa numa cidade e hotel inóspitos a fim de resolver problemas profissionais na cidade em que mal chegaram para passar a lua de mel. Posteriormente, o "guardião da lei" forjará provas para atacar Quinlan, o policial vivido por Welles. Ou seja, Heston usa os mesmos métodos que reprovava em Welles, a forja de provas e, por fim, a intuição do policial que parecia passar por cima da lei para exercer a justiça se revelou certeira ao cabo do filme, ao cabo de sua própria vida.
Cada plano, enquadramento contém fortes idéias e o filme exige um bocado de dinâmica do espectador nesse frisson labiríntico de imagens sob o signo da duplicidade amor/horror à vida, do claro/escuro intermitente com luzes se expandindo e se contraindo a todo o tempo, voluntariamente.
Obra inteiramente montada, brinquedo denso e sempre instigante, presença Onipresente de atores-personagens em cena, ciranda em abismos de espaço e com tempo musical( Henry Mancini na trilha), é o descentramento poético de Welles que se afirma nessa espécie de tragicomédia barroca, intensa, "modesta" autenticamente charmosa( como os grandes clássicos) e ultra-moderna pela dinâmica, pela denuncia do universo fictício como arte-simulacro necessário, sobretudo por esse poder de inquietar, baralhando com arte e nenhum rastro de pedantismo nossos conceitos fixos, nossas certezas de espectador/homem.
A Marca da Maldade é uma tapeçaria em abismo, um filme que usa o truque,o método da ficção como máscara da verdade: só se fazendo passar pelo "outro", pelo falso aparente para se chegar ao real. O plano final com Dietrich seguindo seu rumo nos confins, onde o claro-escuro não chega, está longe de ser um choro auto-comiserativo pela morte do simulacro de "monstro" Welles; é tão somente em surdina poético a figuração mais certeira desse estado de mistério de verdades eternamente incompreendidas.
Obra-prima!