Douglas Sirk é uma espécie de referência máxima do cinema, realizou suas principais obras no período dos anos 50 com seu estilo fortemente melódico, que se não fosse Sirk um talento à parte, resvalaria tudo para esses dramalhões típicos que vemos por aí. Ele não foi o criador, mas levou a coisa a um estado máximo. Se Minnelli não tivesse feito Some Came Running e Herança da Carne, por exemplo, ele seria a única grande referência do gênero nesse período. Almodóvar, por exemplo, sempre diz que nunca se cansa de rever suas obras(eterno fã babão que é).
Bem, Imitação da Vida tido por muitos como momento máximo do cara consegue ser ainda superior a Palavras ao Vento. Mais uma vez entre tensões desse microcosmo do "todo-social" chamado família, Sirk extrai o máximo do colorido dramático reinstalando a dimensão do sagrado de ecos bíblicos no cinema. Os pioneiros do melodrama, de Griffith( o primeiro grande articulador do " coração do cinema", a montagem) a King Vidor( Ruby Gentry, Aleluia, A Turba, O Pão Nosso) que era mestre no mesmo plano que Howard Hawks e John Ford, sempre trabalharam com ecos bíblicos estéticos e por que não dizer também Chaplin e De Mille?
Sirk reinstala essa dimensão sacra sem falsos puritanismos. Se um John Ford, por exemplo, soube fazer uso desse recurso, foi primeiramente devastando o que há de moralidade farisaica na sociedade americana, colocando o banqueiro rico e as dondocas da alta sociedade mesquinhos perto do ex-ladrão vivido por John Wayne e da prostituta que seguem viagem numa diligência que abriga todas as camadas sociais. Foi insurgindo sutilmente contra o linchamento puritano americano em Fort Apache, por exemplo ou um Fritz Lang, também moralista a seu modo, desconstruindo o espírito de porco do massacre imediatista(M, Fúria...) que se construiu muito desse cinema.
O Melodrama reatado por Sirk soube precipitar conflitos e desse transbordamento também sentimos as fissuras, as grandes contradições do american way of life. A negra do filme fica como uma das grandes, senão a maior presença gospel do cinema nessa obra lindíssima, cinco estrelas!!!
De Orson Welles, A Marca da Maldade permanece como uma das maiores obras-primas do cinema. Cidadão Kane mesmo não sendo o melhor de todos os tempos, tendo sido revisto primeiramente já era e permanece brilhante e, ao contrário do que seus invectivadores sugerem, nada está ali que seja firula desnecessária. Tudo é deveras preciso com todo o amálgama barroco, fragmentado da música da montagem.
Em A Marca da Maldade, o abarrocado aparece de forma mais discreta que Kane, mas é ainda mais, aliás, bem mais intenso! Intensificam-se os cenários labirínticos, as lentes que ampliam as imagens fornecem uma imagem sempre descentrada, altamente e lindíssimamente enviesada do mundo incongruente em que vivemos. O arquétipo do bom herói hollywoodiano encarnado por Charlton Heston, herói da América dos épicos e do militarismo, é descentrado sutilmente, enquanto o dito vilão vivido pelo próprio Welles é um bocado a encarnação do próprio diretor-ator que lhe dá a pele. Se Charton Heston é o homem da lei, seu guardião, e se Welles, como o chefe de polícia guiado pela intuição é um homem deveras complexo e com certo decadentismo, estaremos diante da história desse diretor que viveu como incompreendido a vida toda. Seu primeiro longa, Cidadão Kane, teria sido o único a contar com a total liberdade de confecção de sua arte, enquanto os demais foram parcialmente devorados na montagem final ou simplesmente abortados, como suas filmagens no Brasil.
Se a América de Heston, guardiã de produção, de "Moral" é o "Bem", então Welles é o "Mal". Mas as coisas se complicam quando vemos o bom agente do governo Heston abandonar sua recém-esposa numa cidade e hotel inóspitos a fim de resolver problemas profissionais na cidade em que mal chegaram para passar a lua de mel. Posteriormente, o "guardião da lei" forjará provas para atacar Quinlan, o policial vivido por Welles. Ou seja, Heston usa os mesmos métodos que reprovava em Welles, a forja de provas e, por fim, a intuição do policial que parecia passar por cima da lei para exercer a justiça se revelou certeira ao cabo do filme, ao cabo de sua própria vida.
Cada plano, enquadramento contém fortes idéias e o filme exige um bocado de dinâmica do espectador nesse frisson labiríntico de imagens sob o signo da duplicidade amor/horror à vida, do claro/escuro intermitente com luzes se expandindo e se contraindo a todo o tempo, voluntariamente.
Obra inteiramente montada, brinquedo denso e sempre instigante, presença Onipresente de atores-personagens em cena, ciranda em abismos de espaço e com tempo musical( Henry Mancini na trilha), é o descentramento poético de Welles que se afirma nessa espécie de tragicomédia barroca, intensa, "modesta" autenticamente charmosa( como os grandes clássicos) e ultra-moderna pela dinâmica, pela denuncia do universo fictício como arte-simulacro necessário, sobretudo por esse poder de inquietar, baralhando com arte e nenhum rastro de pedantismo nossos conceitos fixos, nossas certezas de espectador/homem.
A Marca da Maldade é uma tapeçaria em abismo, um filme que usa o truque,o método da ficção como máscara da verdade: só se fazendo passar pelo "outro", pelo falso aparente para se chegar ao real. O plano final com Dietrich seguindo seu rumo nos confins, onde o claro-escuro não chega, está longe de ser um choro auto-comiserativo pela morte do simulacro de "monstro" Welles; é tão somente em surdina poético a figuração mais certeira desse estado de mistério de verdades eternamente incompreendidas.
Obra-prima!
Bem, Imitação da Vida tido por muitos como momento máximo do cara consegue ser ainda superior a Palavras ao Vento. Mais uma vez entre tensões desse microcosmo do "todo-social" chamado família, Sirk extrai o máximo do colorido dramático reinstalando a dimensão do sagrado de ecos bíblicos no cinema. Os pioneiros do melodrama, de Griffith( o primeiro grande articulador do " coração do cinema", a montagem) a King Vidor( Ruby Gentry, Aleluia, A Turba, O Pão Nosso) que era mestre no mesmo plano que Howard Hawks e John Ford, sempre trabalharam com ecos bíblicos estéticos e por que não dizer também Chaplin e De Mille?
Sirk reinstala essa dimensão sacra sem falsos puritanismos. Se um John Ford, por exemplo, soube fazer uso desse recurso, foi primeiramente devastando o que há de moralidade farisaica na sociedade americana, colocando o banqueiro rico e as dondocas da alta sociedade mesquinhos perto do ex-ladrão vivido por John Wayne e da prostituta que seguem viagem numa diligência que abriga todas as camadas sociais. Foi insurgindo sutilmente contra o linchamento puritano americano em Fort Apache, por exemplo ou um Fritz Lang, também moralista a seu modo, desconstruindo o espírito de porco do massacre imediatista(M, Fúria...) que se construiu muito desse cinema.
O Melodrama reatado por Sirk soube precipitar conflitos e desse transbordamento também sentimos as fissuras, as grandes contradições do american way of life. A negra do filme fica como uma das grandes, senão a maior presença gospel do cinema nessa obra lindíssima, cinco estrelas!!!
De Orson Welles, A Marca da Maldade permanece como uma das maiores obras-primas do cinema. Cidadão Kane mesmo não sendo o melhor de todos os tempos, tendo sido revisto primeiramente já era e permanece brilhante e, ao contrário do que seus invectivadores sugerem, nada está ali que seja firula desnecessária. Tudo é deveras preciso com todo o amálgama barroco, fragmentado da música da montagem.
Em A Marca da Maldade, o abarrocado aparece de forma mais discreta que Kane, mas é ainda mais, aliás, bem mais intenso! Intensificam-se os cenários labirínticos, as lentes que ampliam as imagens fornecem uma imagem sempre descentrada, altamente e lindíssimamente enviesada do mundo incongruente em que vivemos. O arquétipo do bom herói hollywoodiano encarnado por Charlton Heston, herói da América dos épicos e do militarismo, é descentrado sutilmente, enquanto o dito vilão vivido pelo próprio Welles é um bocado a encarnação do próprio diretor-ator que lhe dá a pele. Se Charton Heston é o homem da lei, seu guardião, e se Welles, como o chefe de polícia guiado pela intuição é um homem deveras complexo e com certo decadentismo, estaremos diante da história desse diretor que viveu como incompreendido a vida toda. Seu primeiro longa, Cidadão Kane, teria sido o único a contar com a total liberdade de confecção de sua arte, enquanto os demais foram parcialmente devorados na montagem final ou simplesmente abortados, como suas filmagens no Brasil.
Se a América de Heston, guardiã de produção, de "Moral" é o "Bem", então Welles é o "Mal". Mas as coisas se complicam quando vemos o bom agente do governo Heston abandonar sua recém-esposa numa cidade e hotel inóspitos a fim de resolver problemas profissionais na cidade em que mal chegaram para passar a lua de mel. Posteriormente, o "guardião da lei" forjará provas para atacar Quinlan, o policial vivido por Welles. Ou seja, Heston usa os mesmos métodos que reprovava em Welles, a forja de provas e, por fim, a intuição do policial que parecia passar por cima da lei para exercer a justiça se revelou certeira ao cabo do filme, ao cabo de sua própria vida.
Cada plano, enquadramento contém fortes idéias e o filme exige um bocado de dinâmica do espectador nesse frisson labiríntico de imagens sob o signo da duplicidade amor/horror à vida, do claro/escuro intermitente com luzes se expandindo e se contraindo a todo o tempo, voluntariamente.
Obra inteiramente montada, brinquedo denso e sempre instigante, presença Onipresente de atores-personagens em cena, ciranda em abismos de espaço e com tempo musical( Henry Mancini na trilha), é o descentramento poético de Welles que se afirma nessa espécie de tragicomédia barroca, intensa, "modesta" autenticamente charmosa( como os grandes clássicos) e ultra-moderna pela dinâmica, pela denuncia do universo fictício como arte-simulacro necessário, sobretudo por esse poder de inquietar, baralhando com arte e nenhum rastro de pedantismo nossos conceitos fixos, nossas certezas de espectador/homem.
A Marca da Maldade é uma tapeçaria em abismo, um filme que usa o truque,o método da ficção como máscara da verdade: só se fazendo passar pelo "outro", pelo falso aparente para se chegar ao real. O plano final com Dietrich seguindo seu rumo nos confins, onde o claro-escuro não chega, está longe de ser um choro auto-comiserativo pela morte do simulacro de "monstro" Welles; é tão somente em surdina poético a figuração mais certeira desse estado de mistério de verdades eternamente incompreendidas.
Obra-prima!
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