quinta-feira, 9 de dezembro de 2010

Murilo Mendes






Há aqueles que abraçam um novo tempo ou novos tempos, como se os mesmos fossem abdicação histórica. Entendem a mesma como "processo evolutivo": teríamos saído, como homens da caverna, direto para a abertura a um reino de progresso material, intelectual, espiritual e científico.
Seríamos hoje "mais livres", em escala ascendente.

O mesmo raciocício se daria com as artes, tanto quanto com a metafísica.
A primeira "inútil". A segunda, "caduca".

Do contrário, podemos ser "cults fakes".

Por outro, rotulados como "fundamentalistas". Então, cuidado com a nova vigia de roupagem liberal. Crer, por si só, passa como sinônimo de fundamentalismo-essa palavra gasta.

Nesse raciocícinio é composto quimicamente um novo tipo de fundamentalismo, em que uma suposta visão da complexidade do mundo, do real, tão logo multiplica filhotes de "existencialistas franceses", chiques blasés, niilistas na dita "contemporaneidade".

Ou seja,como parte integrante de uma religião dita mais lúcida, mas, a rigor, somente mais desencantada.Embora tida como mais rigorosa, pra inglês ver.

Uma nova fôrma para se apegar, não simples, de fundo simplista, mas nunca admitida como tal. Uma religião tão bem organizada como qualquer outra, de um sistema tão falho quanto qualquer outro. Autojustificada como se fôssemos parte de um Novo tempo, o que excluiria o restante como "devaneio", "idealismo",etc.

Por um lado, alguns se entendem como parte de uma espécie de "Era de Aquário". Essa, a meu ver, implodida já nos próprios anos 60, em suas bolhas de basilisco lisérgico.
Hippie hoje é de botequim, mas insistimos acreditando em Pandora, nosso último refúgio de locus romântico, sem nunca admiti-lo como tal.

Se no Romantismo se fugia para trás, a fuga hoje é para frente, não guardando exatamente relações com o termo pioneirismo, para o bem ou para o mal.

Se menos exotéricos, somos direitistas festivos que, em nosso cinismo de adaptação terminamos, direta ou indiretamente, por aprovar tudo o que denominamos como "Real":
"É espúrio, mas é real...então, deixa valer".

"Real", uma instituição tão cultural e construída como as demais, assim como o plano Real que, posteriormente, passaria por sua crise cambial. Baixa na inflação não resolve desemprego em massa, precarizações no trabalho, problemas na saúde ou educação.

Tampouco o vigente Cálculo Previdenciário, criado em "pleno Real", como forma de reduzir o valor da aposentadoria, a desprezar anos de idade tanto quanto os efetivamente trabalhados.

Tal cálculo pensou em um presente imediato, sem calcular o futuro de idosos no país. Tendo em vista a crescente redução de nascimentos, presidentes de um "eterno presente" aposentam com seu salário de governo, enquanto aos demais é reservado um limbo, denominado Fator Previdenciário.
Parabéns aos modernosos blasés!

Se o romantismo do passado era uma enganação que nos levava a criar expectativas desproporcionais em pessoas ou causas, sua compensação niilista é a outra faceta de nossas frustrações, agora transmutadas em cúmplice embrutecimento. Ou em "administradoras de coisas".

Podemos não ser Emos, Góticos, mas abraçamos a "secura" como uma bela prenda, nos inspirando em Hemingway, como o grande mestre da escrita: nosso dogma mais íntimo, oculto e religioso.
No caso da poesia, nada vale se não copiarmos João Cabral...
...basta disfarçar um pouco.

Cabralianos sem cabral- ou não- deixemos pra depois.

Abaixo, poema de Murilo Mendes, que não recusou a metafísica colada ao demasiado humano.
Teria ele caducado? Ou nosso desencanto ranzinza, estilo alter ego de penúltimo Woody Allen, é o que nos torna tão exultantes do "desespero festivo"?

Viva a intelectualidade Axé da direita brasileira, travestida de letrada- deve mesmo ter de pular e se embebedar-, como forma de, quem sabe?, "compensar" seu deserto ético, narcísico.

...E, ao ser irônico, quase me entrego ao cinismo que menciono por aqui...






"Vocação do poeta"


(Murilo Mendes)

"Não nasci no começo deste século:
Nasci no plano do eterno,
Nasci de mil vidas superpostas,
Nasci de mil ternuras desdobradas

Vim para conhecer o mal e o bem
E para separar o mal e o bem.
Vim para amar e ser desamado.

Vim para ignorar os grandes e consolar os pequenos

Não vim para construir a minha própria riqueza
Nem para destruir a riqueza dos outros.

Vim para reprimir o choro formidável
Que as gerações anteriores me transmitiram.

Vim para experimentar dúvidas e contradições.

Vim para sofrer as influências do tempo
E para afirmar o princípio eterno de onde vim.


Vim para distribuir inspiração às musas.

Vim para anunciar que a voz dos homens
Abafará a voz da sirene e da máquina,

E que a palavra essencial de Jesus Cristo
Dominará as palavras do patrão e do operário.

Vim para conhecer Deus meu criador, pouco a pouco,
Pois se O visse de repente, sem preparo, morreria."

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