quinta-feira, 19 de julho de 2012

Blake Edwars e Peter Sellers




"À época do lançamento de "Um Convidado Bem Trapalhão" ( "The Party"), Pascal Bonitzer, obcecado com as questões políticas que se incrustavam ao universo artístico (crítica inclusa) naquele momento, escreveu nos Cahiers du Cinéma: "Um ator ...que simboliza o terceiro-mundo destrói uma mansão que simboliza Hollywood – uma alegoria da revolução que vai revolucionar o cinema".

Embora o diretor diga que estava apenas querendo encenar algumas gags ao lado de Peter Sellers – e que no máximo queria mostrar uma outra forma de fazer cinema, um novo alicerce de comédia -e essa sacudida na estrutura já não seria uma sugestão de revolução estética? –, a análise de Bonitzer é no mínimo uma maneira muito interessante de dizer que o cinema, no final dos anos 60, se achava embrenhado pelas vias mais inusitadas.

Não havia roteiro para o filme, apenas linhas gerais de ação e de descrição dos personagens, anotações a partir das quais tudo era improvisado.

A clássica cena da festa em "Bonequinha de Luxo", em 1961, já tinha sido em grande parte improvisada, como um momento encantado em que se pressagiava o prazer indescritível que seria acompanhar passo a passo – quase em "tempo real" – a festa de "Um Convidado Bem Trapalhão".


A mestria da duração, o trabalho precioso com o espaço - uma casa modernosa que remete à sátira arquitetônica de Meu Tio – e Jacques Tati é uma influência confessa, a lógica de acúmulo - gags se somando até não caberem mais nos limites do filme e este transbordar de vez, a função dramática que os objetos adquirem -a estátua de um anjo urinando e o sistema de irrigação do jardim intensificando o desconforto de Hrundi.

Não importa o quão simples ou – melhor ainda – desinteressante seja a situação, Blake Edwards sempre acha um jeito especial de compor as gags. Apesar de ser um cineasta surgido já numa etapa avançada do pós-guerra, ele não fez parte da Nova Hollywood .

Em texto publicado na Senses of Cinema, June Werrett explica bem essa posição de Edwards ao mesmo tempo prolongando o classicismo e incorporando formas modernas de explorar a cor, a iluminação e a concepção de atmosfera. Ele chega a ser visto por alguns como uma extensão moderna de Ernst Lubitsch - e de fato desde filmes como Ninotchka e A Viúva Alegre não se viam tantas portas abrindo e fechando repetidamente, num verdadeiro balé de comédia física.

"Um Convidado Bem Trapalhão" é um excelente exemplo desse prolongamento do clássico através de um instrumental estético moderno. Trata-se, também, de uma das mais elegantes "comédias vulgares" de todos os tempos: o slapstick mais autêntico divide o quadro com uma sofisticação inabalável.

A trilha de Henri Mancini, que uma bandinha de jazz toca na festa, traduz com precisão o clima, contribuindo para uma estética lounge. Mas essa ambiência em que tudo a princípio parece equilibrado, relaxante, começa a ceder espaço ao caos.

No final, quando chegam os amigos da filha da dona da casa (acompanhados de um elefante pintado com mensagens de protesto pacífico), a mansão já se tornou um parque de diversões cujos brinquedos fugiram ao controle e ficam dando voltas e voltas com seus passageiros.

Figuras doces em meio aos tubarões da indústria cinematográfica, Hrundi e Michele escapam pela manhã e saem no carrinho engraçado do indiano. Para fazer jus à ambigüidade da aproximação entre homens e mulheres na obra de Edwards, eles não trocam um beijo, apenas se despedem parecendo tanto dois bons amigos quanto amantes em potencial. Naquela magnífica cena da confusão no final da festa, mesmo que a despeito das intenções de Edwards, a revolução já estava feita – para o bem do cinema.

(Luiz Carlos Oliveira Jr.)

3 comentários:

  1. Uma das grandes comédias do cinema em todos os tempos.

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  2. De acordo, André.
    Gags extremente sutis. Grande cinema.

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  3. De acordo, André.
    Gags extremente sutis. Grande cinema.

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