segunda-feira, 28 de junho de 2010

Na Televisão







Passando ontem um Tiro na Noite, de Brian De Palma, na TV, veio-me à memória o fato de ter sempre havido uma movimento de desclassificação desse diretor pelo mesmo ter sido, seja um suposto plagiador de Alfred Hitchcock, seja um mero brincalhão formalista,de intenções e gosto duvidosos.

Não é bem o que se nota no filme em pauta. Haverá um momento em que estaríamos a rever a famosa cena do chuveiro de Psicose. Ela comparece como propositalmente mal feita, tão mal copiada, de maneira que certo tom jocoso se imponha logo de cara. De onde se levanta uma questão: Tratar-se ia de um filme interessado em desmontar Hitchcock, com a petulância dadaísta de quem sobrepõe um bigode sem pé nem cabeça em um filme consagrado?

Haverá, posteriormente, uma cena em que John Travolta, protagonista do filme, se arremessará ao mar, até salvar uma moça de pele clara de um afogamento. Temos, com isso, um nítido paralelo com o filme Um Corpo que Cai, do citado diretor Hitchcock. Já no filme de De Palma aqui tratado, a personagem também voltará intacta à terra,mas não como o ser distante e misterioso, à maneira da Kim Novak do diretor inglês. Dessa feita, trata-se uma mulher com gestos e falas bem palpáveis. A partir da aparição da moça, praticamente uma prostituta, abre-se uma operação importante na obra. A mulher trabalha com maquiagem, de maneira a tornar “natural” a aparência das pessoas, como ela mesma afirma. É, ao menos, o que pensa fazer. Pois a maquiagem no filme estará inscrita em cada plano ou rosto como método de filmagem. Há, por esse lado, algo do elogio da maquiagem, feito pelo poeta francês Charles Baudelaire, igualmente em contexto de massificação urbana, em que a marginalidade de anônimos em beiras de ruas era evidenciada. Assim como uma nova relação entre Belo e Feio.

Na obra de De Palma, trabalha-se a partir de uma história de cinema já desenrolada e,por vezes, assimilada. No caso, o próprio filme voltará obsessivamente às fitas, aos frames de uma filmagem posta. Imagens e sons revistos em detalhes por Travolta,,o protagonista, que procurará recompor os elementos de um suposto crime em busca da obra perfeita, tal como o James Stewart de Um Corpo que Cai. Em Um Tiro na Noite, o som do tiro ocorrido no acidente, a se encaixar com precisão ao visual captado, faria da imagem uma prova, como no filme Janela Indiscreta, do mesmo Hitchcock. Onde voltamos, por outras vias, ao diretor inglês. A obra perfeita pode se configurar como engodo, a passar por um triz do figurativo ao abstrato. Sobretudo, de um suposto concreto ao fugidio, constituindo-se como fator de risco.

Em Blow up, de Michelangelo Antonioni, a quem o filme homenageia em seu título original (Blow out), a imagem do fotógrafo, personagem principal, passará de um suposto real à condição de um tipo de alucinação em que a encenação da obra incorpore os personagens e seus signos como ilusões de si mesmos,de maneira que, no plano de desfecho, a dissolução em cena do protagonista o terá esvaziado por completo de um real, no mundo da imagem.
Em Um Corpo que Cai, James Stewart configura-se também como impotente diante das coisas. Mas buscará sua salvação em uma imagem de espectro, irreal, de um quadro rígido e impassível de uma mulher. Em outros termos, procurará a vida em uma imagem hierática, estática- nascida morta. Que é onde seu artifício, no desenrolar da obra, se voltará contra si, a implodir a obra pretensamente perfeita.Criada, recriada e aniquilada em termos trágicos de uma ópera de Wagner.

Em Um Tiro na Noite, há intimidades sendo devassadas por aparelhos, em uma clara analogia com Janela Indiscreta e sua dimensão ética, de maneira que uma nova tragédia poderá se precipitar. Em suma, se De Palma desmontaria Hitchcock seria para, no fim das contas e de certa maneira, retornar ao mesmo, embora contextualizando-o para uma nova época.Histórica e de cinema.
Contudo, se no diretor inglês havia a sugestão dos artifícios empregados na filmagem, dos mecanismos implicados em sua confecção, De Palma trata os elementos de cinema,por um lado, como diretamente desmontáveis a nossos olhos.Quando,por exemplo, o assassino mata por engano uma moça que mais se assemelha a uma boneca de pano, esvaziada de substância.Ou no momento do indivíduo, tecnicamente, colar o som a uma imagem, uma vez que o resultado da sonoplastia nos chegará esvaziado de sentido e de estética.

Por outro lado, no entanto, a operação no filme seria mesmo de reconstrução. A partir de artifícios expostos, da imposição de certo brega no tom, em decomposição de sons e imagens, De Palma,no fim das contas, apostará em uma relação de Travolta com uma frágil moça, impotente diante do mundo. Após o processo de relativa consumação do “gosto duvidoso”, em que o kitch já terá dado suas cartas,com suas máscaras e maquilagens quase borradas- simulacros-, é que o vôo poético poderá comparecer como legitimidade de linguagem. Travolta com a moça em seus braços, entre o concreto e o abstrato e vice-versa, enquanto a câmara gira em torno de si mesma e dos seres no plano. Movimentos circulares a acompanhar os fogos de artifício de uma festa na cidade, em um tipo de vertigem dramático-poética a incorporar, em imagem, som e ritmo: o amor, as perdas, o trágico e a memória, em única e incisiva operação. Nesse momento chave, o suposto brega e a “mentira”, repentinamente, passam a registro de verdade de uma condição humana. Uma repentina combustão de De Palma em cena, tal como os fogos de artifício do local. O simulacro como potência da criação, como diria o filósofo francês Deleuze.

Em todo caso, o momento não ocorrerá tanto como a alucinação do filme Blow up, uma vez que a câmera lenta decompõe e compõe os sentimentos e seres com serenidade, como bem cabe a quem, respeitosamente, observa um homem e sua alma, uma mulher e sua inocência, contornados por cores diáfanas em pontilhações esbranquiçadas no jogo visual. Fugidios fogos que circundam um plano e uma moldura de cena. Sentido de moldura viva, pois se trata de um instante fugaz tornado eterno por um registro de direção de cinema.

Mas também pela acidental gravação de um grito, involuntariamente realizada por Travolta, para o outro filme para o qual trabalhava como sonoplasta. Na “obra” para a qual trabalhava, permanecerá um vestígio do momento. Um som que resumirá um mundo. Já para a obra de De Palma, trata-se de um filme dentro de outro. Um fragmento de um grito efêmero sobreposto, pelo jogo de montagem, a um registro do eterno a se instalar na memória: Distendidos no tempo do filme, os fogos de artifício intercalam e somam o estilhaço breve de um som. Concreto.

Filmado entre o kitsch e a crueza das ruas, Um Tiro na Noite faz da desconstrução de um arsenal da arte, um trajeto sinuoso de imagens e sons enganosos, com direito a andróginas bonecas e maquilagens borradas. Simulacros assumidos em tom jocoso que, com e no tempo, passam a reconfigurar uma verdade humana, com direito ao vôo poético de incisiva,arriscada expressividade. Nesse caso, o cinema de De Palma não exatamente nega o de seu mestre - Alfred Hitchcock- mas, de certa forma e, à sua maneira, o prolonga, como quem brinca, e aqui soube brincar um tanto à sério, com a linguagem. Como “potência do falso”. Da verdade no falso. Como uma espécie de herdeiro de Nicholas Ray. Ou melhor, como um Jean Luc-Godard norte-americano.

sábado, 26 de junho de 2010

To Play 3





Satyajit Ray: A Grande Cidade(sentido de "nobreza",de resistência de uma mulher do povo,imersa na máquina massacrante do trabalho da grande cidade em marcante obra),
A Esposa Solitária.

David Cronenberg: Crash,
Marcas da Violência(a visceralidade de Crash é incorporada de forma intermitente, a suplementar a radiografia dos rostos.
Jeitão de faroeste em exercício discreto,arqueológico e antropológico da história norte-americana).

Robert Zemeckis: Febre de Juventude(o diretor em exercício de liberdade em início de carreira,dando mais ênfase aos esquetes do que à narratividade).
Prazer evidente na liberdade de filmar,aderindo com humor e graça aos quiproquós dos fãs dos Beatles em histeria, quando do início da beatlemania em 1964),
De Volta Para o Futuro.

David Lynch:Estrada Perdida,
História Real(Jeitão de John Ford? "Naturalismo"?
As bifurcações ocorrem em chave aparentemente mais elementar,indireta.Mas não deixam de ocorrer.É Lynch,afinal).

quinta-feira, 24 de junho de 2010

To Play 2





Começando a brincar com obras de alguns diretores de cinema que conheço um pouco mais...

De pouquinho em pouquinho, dois filmes para cada.
Um dos filmes evocados costuma não variar.
Em outros casos,claro,pode ser variável,conforme a época,o momento,ou a memória que,a depender do tempo implicado na última revisão,pode ser das mais traiçoeiras.

Começo um pouco pelo início mesmo,pero no mucho:

Jean Renoir: O Testamento do Doutor Cordelier,Carruagem de Ouro.

Charlie Chaplin:Casamento ou Luxo(Woman of Paris foi o mais elogiado dos filmes do diretor e também o que menos chamou a atenção do público.Um dos motivos é que Carlitos só se encontrava por trás das câmeras nesse melodrama de primeira,econômico e contundente),
Luzes Da Cidade.

Murnau:A Última Gargalhada,
Aurora(meio óbvio,mas não deu pra sair diferente.
No primeiro,o dito "final feliz", tão criticado,é de um sarcasmo e ternura unidos para mais um giro expressivo da obra).

King Vidor:O Pão Nosso(pela vivacidade telúrica esteve nitidamente à frente de seu tempo.Mas também há muita água,drenagem,rs),
Ruby Gentry(a água aqui é primal,podendo ser destrutiva).

Howard Hawks:Hatari!(provavelmente,um dos três melhores filmes de todos os tempos,com o diretor escancarando o potencial de modernidade de seu cinema.
Tantas vezes visto erroneamente como mero "filme de caça". Se for,deve ser por esse dado aparentemente elementar que é tão bom.),
Paraíso Infernal(a desenvoltura no ritmo,a variedade de tons,sem comprometer a sobriedade.Fortes nuances de sugestão na relação entre personagens.
O trágico evocado,sem sacrificar certa leveza,sua fluidez.
Obra de rara solidez,concretude,como deslizante no ritmo).

quarta-feira, 23 de junho de 2010

Lançamento de Arthur Nestrovski






Chico Violão,pela gravadora Biscoito Fino

Luiz Fernando Vianna disse:

"Há algo nele de aula de anatomia.Nestrovski põe no osso as melodias de Chico e expôe suas estruturas.São "antiarranjos",como ele diz.
Dessa forma e sem as letras sendo cantadas,perde-se em emoção,mas ganha-se em compreensão das canções.

Em "Futuros Amantes",por exemplo,os acordes repetidos no final apontam para o infinito,como pedem os versos.
Em "Embebedado",a execução da melodia aponta para um caminhar torto,o equilíbrio difícil.

Pelo menos,o repertório não é óbvio,opção louvável e,também,compreensível:O Chico mais sofisticado das duas últimas décadas,é o menos popular,pois as músicas grudam menos no ouvido.
Nestrovski mostra a complexidade de "Romance","Iracema Voou","Outra Noite",e ainda assim indica o quanto podem ser cativantes."

quinta-feira, 17 de junho de 2010

Observação

Havia postado,de início,corretamente o comentário abaixo sobre a enquete Hitchcock,mas por minha total ignorância das coisas básicas do computador,acabei apagando uma parte.
Agora,consegui resgatar e o texto se encontra na íntegra.

quarta-feira, 16 de junho de 2010

Enquete Hitchcock(alguns apontamentos)





Observando a enquete no blog do André Setaro: Setarosblog, sobre o melhor Hitchcock, filmes como À Sombra de uma dúvida, Interlúdio, os Pássaros, Marnie, O Homem Errado e a Tortura do Silêncio, grandes Hitchcocks, mal foram lembrados. Isso para não falar em Rope(O Festim Diabólico) ou em Sob o Signo de Capricórnio.
Mas Janela Indiscreta e Um Corpo que cai resumem, como talvez nenhum deles, o método hitchcockiano em forma e conteúdo. O diretor em questão se notabilizou por ser um minucioso controlador de cada recurso de seu cinema-um demiurgo, por excelência-que, no primeiro filme citado, cria mundos a partir de um artifício cenográfico para um apartamento de Nova York e, também, para o que se encontra quase invisivelmente ao redor dessa construção:a rua,seus sons,etc.

No segundo caso, Hitchcock faz de um homem com acrofobia (medo de altura), alguém que se dispõe a fazer de uma mulher morta, idealizada, algo vivo e a seu alcance. Ou seja, tornar o fantasmagórico verdadeiro e totalmente possuído para o ser em questão, via artifício.
Hitchcock não era um manipulador sádico, como tantas vezes foi ou ainda pode ser visto.Sua obra apresenta plena consciência do processo manipulador pela qual se constrói, mas também se desconstrói,em âmbito problematizador e ético.

Se em Rope(Festim Diabólico),os assassinos querem manipular a vida e a morte,pensando estar além tanto de uma quanto de outra, será por intermédio de uma postura limite e da figura de um professor-consciência das coisas- que serão desmascarados por aquele que teria sido(involuntariamente?) a própria cabeça do crime.O educador mencionado estará inserido, principalmente ele,no processo da penalização final.Arrependido,envergonhado das ideias plantadas com imprudência nas mentes e almas dos jovens, situa-se,ao final da obra, de costas para a câmera, com uma iluminação esverdeada,doentia a sugerir as camadas implícitas e implicadas.É como se todo o plano manipulador fosse explicitado no momento em que o professor reconta o crime de sua própria mente. Ele parece ter estado lá, como uma ideia fantasma a orientar os detalhes.

Na medida em que o filme se desenvolve, as luzes se tornam de néon, mais artificiais,não somente pela passagem do dia à noite a criar o suspense, ou o clima doentio que se evidenciam. Enfim, é todo um artifício que se autoproclama, de mente e de cinema, com a iluminação do prédio do lado de fora da janela principal a incidir, sem nenhuma cerimônia e como autodenúncia, na sala de estar onde ocorrerá a cena.Trata-se de uma forma de linguagem, de um simulacro que se nomeia enquanto tal.

O ator arquetípico de Alfred Hitchcock dentro de uma proposta de denúncia de formas (literalmente falando) de manipulação, como configuração das limitações do homem demiurgo recaiu, na maior parte das vezes,em James Stewart.No filme mencionado, é ele quem monta e remonta as ideias da cabeça dos alunos e, posteriormente,as tentará desconstruir,mas sem escapar a seu próprio artifício de moralista tardio,quando não haverá mais tempo para um concerto.

É, sobretudo, o mesmo Stewart que, em Janela Indiscreta, tentará, para fugir ao tédio,fazer com que suas teorias sobre um crime sejam verdadeiras. Para tanto, esforça-se por manipular as sombras projetadas, como também os seres à sua volta: a namorada, uma enfermeira, um velho amigo, o próprio assassino, a fim de fazer valer suas obsessão de brincar de controlar um universo.Ideia e matéria em condução aparentemente manipuladora são estratagemas hitchcockianos,que colocarão em xeque não somente seus próprios protagonistas, mas, sobretudo, toda uma indumentária “cênica”,cinematográfica,junto a nós mesmos, seus espectadores.

Em Um Corpo que Cai (ou Vertigo),o mesmo Stewart faz o que pode e o que não pode para tornar Judy,a mulher real: Madeleine, um fantasma vivo, absoluto, como uma espécie de alquimista de formas do cosmos, em um processo em que, por uma vez mais, a luz de néon, doentia, incidirá de um prédio de fora da janela sobre a mulher em transformação.Trata-se do mesmo tipo de cor que conduzirá a cena de um pesadelo que levará o personagem de Stewart a um tratamento psicanalítico ou psiquiátrico.

Em Janela Indiscreta,conduzido com humor a um tempo inglês e norte-americano, em uma encenação mais sutil,como que realizada à pinceladas, temos vidraças e pequenas "sombras chinesas" a se movimentarem no interior de pequenos blocos-espaços.Com os pontos em cores experimentais a se instalarem em cada um dos vários mundos das janelas,em que o herói será sacrificado por uma segunda vez, por conta de sua velha mania de controlar os fatos.

Em Vertigo, a obra já ganharia o formato de uma solenidade germânica.Nos momentos de paixão, teremos um derramamento típico de Goethe, poeta alemão,com direito a delírios de suicídio, sem que haja um desvencilhamento de um horror à maneira de Edgar Allan Poe. Nas de maior tensão, temos a ópera Wagneriana, sobretudo nos momentos em que acompanhamos as subidas pelas espirais da escadaria da alta torre,em que uma pintura tumultuada e sobrecarregada se faz presente como fundo de cena,tornando a obra o lugar eleito dos extremos emocionais,e espirituais-fantasmagóricos.

Janela Indiscreta contém, apesar do já dito, algo do cineasta Murnau, pelo manejo e somatório de mundos paralelos, janelas/mundos a se interceptarem em algum ponto na obra, e pela junção de uma tonalidade do cotidiano a um “irreal” estilizado,em mesmo patamar de universos.
A condução, contudo, terá mais de cinema norte-americano, seja pelo tipo de humor irônico a intercambiar idéias e instantes, seja pelo sentido quase cartunesco de estilização de personagens, em ambientes recortados por vidraças, por vezes foscas,por vezes mais cristalinas, às quais Stewart procurará impor seu sentido de controle das coisas.Enquanto uma trilha de jazz cooperará para a condução de certa flexibilidade no jogo,inclusive na postura física esguia e algo mutante da namorada de Stewart,Grace Kelly, a interagir com as leves síncopes da banda sonora.

Um Corpo que cai opera em mente bifurcada, mas contém algo de rígido e de rigorosamente trágico.Afinal de contas, trata-se de um homem possuído ao limite por tais caracteres. É uma obra fantasmagórica e operística, voltada para certo romantismo alemão - o de Wagner- como já dito.No fundo,duas obras-chaves para um conjunto de Hitchcock - contando com seu ator paradigmático - em que o diretor não faz da manipulação do Mal uma instância invisível a nos assombrar ou a irromper do outro lado da tela -ou,de uma janela-,a nos devorar, sem que nada saibamos dos estratagemas implicados,ao contrário,por exemplo,de um David Lynch.O próprio diretor inglês dizia que deveria apresentar dados aos espectadores.



Por essas e outras, Hitchcock foi- e é- um artista maior, sabendo dispor na sua, na nossa e na de seus heróis, uma consciência de artifícios, de tendências próprias à manipulação demiúrgica. Criava um mundo para, posteriormente, confrontá-lo, dispô-lo em estado de xeque, de suspensão, intercalando as coisas com um recurso de um humor da ordem da desmistificação.Como cineasta à frente de seu tempo foi ampliador, porém nomeador dos simulacros da linguagem, tendo sido, portanto, problematizador dos limites empregados, instalando-se como que em um sábio pêndulo de construção/ desconstrução de si e de um aparato de fascínio e de sedução do cinema.
Em Um Corpo que Cai, por exemplo, as malhas formais, fantasmagoricamente construídas pelo artifício desmedido,voltam-se contra si mesmas,a provocar a final implosão.Trata-se do ser e do artifício se autodenunciando pela/na linguagem, enquanto nenhum dos demiurgos implicados,seja diretor, espectador e personagens estarão de fora.

Ps-A foto é de seu derradeiro filme,o classudo Trama Macabra.

segunda-feira, 14 de junho de 2010




"Eu antes tinha querido ser os outros para conhecer o que não era eu.Entendi então que já tinha sido os outros e isso era fácil.Minha experiência maior seria ser o outro dos outros:e o outro dos outros era eu".(Clarice Lispector)

Bate papo de Cinéfilo





A meu ver,os dois melhores(Jean)Renoirs,extraindo do "menos",o máximo:a fluidez coreográfica e,por fim,grave de Carruagem de Ouro.E a fluidez densamente detida,concentradíssima e algo jocosa de O Testamento do Doutor Cordelier.

terça-feira, 8 de junho de 2010

domingo, 6 de junho de 2010

Ps- Alice(de novo)




Alguém falou sobre espírito antiguado,de coisas antigas em Alice.
É a forma,a meu ver,de resgate,de enfrentamento da descrença do olhar,da fábula.
Quando se filma a trupe toda tomando chá,em um ambiente decadentista,é por se saber,de antemão,que aquilo pertencia a outra obra, a outro contexto.No atual momento,o que há são cacos de copos,xícaras furadas,etc.
Alice precisa passar por isso,como se recolasse os cacos dispostos.

Se antes,nas fábulas orais(como nas comunidades de campo,familiares ou outras),escritas ou visuais(como no período primário e experimental do cinema),havia um processo de iniciação de ouvidos ou de olhar,no filme de Tim Burton olha-se os cadáveres,os cacos de frente para,a partir deles,operar a reiniciação.
Da menina que se torna mulher.Como Shyamalan que,em A Dama na Água,parte de um ambiente fúnebre,baço de um condomínio, para o reintensificar,como mergulho no mito,como se tudo passasse,naquela ninfa,por um primeiro olhar.Não à toa Tim Burton evoca musicais em seus filmes,como o gênero de associação da oralidade do mito com a visualidade do cinema mudo,como já foi falado aqui no comentário sobre O Lúdico Hoje no Cinema.
Depois retomamos,que o tempo está curto.


A foto é do filme A Dama na Água que, se não é perfeito,não deixa de ser encantador e radical em suas propostas.
É que após o filme Sinais,Shyamalan foi se tornando um cineasta cada vez mais estranho,um corpo inusitado de "cinema popular" para seus antigos admiradores(Os de Sexto Sentido e Corpo Fechado).O que não deixa de ser compreensível.E talvez com aparência de não tão "erudito" a outros apreciadores de filmes.Ou seja,um artista pretensamente mais ingênuo ou inocente.Ledo engano.Basta rever as obras.

sábado, 5 de junho de 2010

Atentos aos lançamentos(notas)







Dentre eles:

Lola, a Flor Proibida:

Estréia mais do que promissora do cineasta francês Jacques Demy em um longa.
O diretor faria grandes musicais, tais como Duas Garotas Românticas, Os Guarda Chuvas do Amor e Pele de Asno.
Lola não se assume dentro do “gênero” citado, mas pelo tipo de ritmo e de enquadramento empregados, junto a algumas avulsas canções, não deixará, de certa maneira, de ser um deles. Sua primeira obra pode não ser perfeita ou ir tão longe como alguns desses, mas é, no mínimo, admirável.

Clamor do Sexo, de Elia Kazan:

Filme admirado e, na mesma medida, tratado hoje com certa indiferença ou incômodo.
O diretor levou a um máximo a tensão entre “naturalismo” e romantismo, tal como entre teatro e cinema (essa última era praxe sua ).
Tudo parece dilacerar junto aos protagonistas que não suportarão a pressão de papéis predeterminados e contraditórios sobre seus corpos. O primeiro alquebrado será Warren Beatty,cuja perna não se sustentará ao longo de um jogo de campeonato de basquete e, posteriormente, sua namorada Natalie Wood,que se sentirá,ora entre a necessidade de ser “santa”,ora de ser suposta “prostituta”. Papéis mui demarcados que provocam confusões e distorções em seus corpos e almas.

O naturalismo no filme é em um sentido de descrição maníaca de seres e de ambientes como em um Eça de Queiroz. E o romantismo encontra-se nas paisagens fotografadas, entre o lírico e o esmaecido, a evocar o poema de Woldsworth, citado por mais de uma vez na obra.
Como Juventude Transviada, seu filme primo, a água desempenha papel central, a exprimir desejos e sonhos represados, junto à dimensão de abismo incipiente de afogamento do ser. Há um estudo da insanidade da América, em que se transporta o mal estar do período da Depressão dos anos 30 para o contexto dos anos 50 até o início dos 60,em que o filme foi,de fato, realizado.
Há um momento em que, internada, Natalie Wood pergunta ao amigo, futuro marido, sobre o quadro que ela acabara de pintar, ao que ele, mais ou menos, responde: ”Não precisava ser tão direto”. Nisso, ambos olham para a câmera, para as objetivas inclinadas, a se situarem de maneira oblíqua no plano, o que provoca uma leve distorção no olhar. Em seguida,chega à clínica a mãe da moça e enquanto espera Natalie na sala de estar do recinto, fita, um tanto quanto constrangida, um quadro modernista, para além de descentrado em sua forma.Ou, por outra, é o “insano” quadro que a contemplará.Duas provocações em seqüência, feitas pelo mesmo filme.

Em uma obra de desintegrações de papéis e consequentes resignações, Elia Kazan monta um jogo de quadros espelhados, em que uma época refletirá a outra, em que um olhar duplicará outros, enquanto todos se igualarão em um mesmo sentimento de mal estar e de “insanidade”. Inclusive, talvez, o próprio diretor.

O Intendente Sancho, do cineasta japonês H. Mizoguchi e Europa 51, de Roberto Rossellini dispensam, ao menos por ora,comentários. Há um Renoir imperdível como recém-lançado; O Testamento do Doutor Cordelier,o que ficará para uma próxima oportunidade.