terça-feira, 8 de novembro de 2011

Os Supers- papéis



“Um cartaz muito eloqüente”, Por Marina Colasanti



“Não sei como ela consegue”, diz o cartaz. Abaixo, chamativo, o título do filme “Se é fácil, o homem também pode aprender”. E a indefectível Sarah Jessica Parker avança a passos seguros recortada sobre fundo infinito.




Não tenho a menor intenção de ver o filme, o cartaz já é todo o programa. Lá vem ela, sorrisão, cabelão, recém-saída do cabeleireiro. Veste terninho de saia bem curta, e blusa de bolinhas, com laço. Bolinhas e laço estão ali para dar uma amaciada feminina no terno escuro.




E o primeiro recado já está dado: ela obedece às normas ditadas pelo mundo corporativo dos homens, mas sem perder o ar sexy.


Na mão esquerda, essa jovem mulher, que parece começar o dia cheia de energia e entusiasmo, empunha um tablet ou iPad. Não se vê exatamente a marca, porque está na capa rosa choque. No ombro, carrega - mas sem nenhum esforço visível - uma bolsona enorme, cheia, de onde escapa um brinquedo de pelúcia.



E o segundo recado está dado: madame tem filho pequeno e é mãe extremosa, mas isso não perturba a disponibilidade com que avança no universo do trabalho.


Pendente do braço direito está uma pasta grande, que tanto pode conter um computador - quem sabe, para alguma apresentação em power-point - quanto pode ser um book. E na mão, pronto para ser atendido no ato, o celular. O terceiro recado está dado: esta bela mulher não perde uma, está sempre e totalmente conectada com o mundo.




Há mais um recado, menos explícito, mas não menos eficiente: os sapatos. Altíssimos, vertiginosos, nem por isso impedem o incidir firme. E alguém duvida que sejam daquele famoso estilista, o das solas vermelhas cujo nome propositadamente não cito, que ela popularizou na série “Sex and the city”?  Recado: na natureza feminina nada se perde, tudo se incorpora; o saltão e a passada, a sensualidade e a eficiência, a garra, a maternidade, a moda.





Estou equivocada ou, repaginada e com acréscimos, temos aí de volta a Mulher Maravilha, que tanto combatemos no passado?





E graves são os acréscimos porque, àquilo que já era insustentável, agregou-se agora o duplo modelo “produtora/ consumidora”. Produtora feroz no trabalho, consumidora de engenhocas eletrônicas, de moda, de cosméticos, de luxo, enfim, de mercado.




Na França acaba de ser publicada, pela Editora Seuil, em três volumes, uma “Histoire de lá virilité”. Como a identidade feminina, a masculina tampouco é espontânea e natural. Ambas obedecem a modelos que a sociedade gera e que, de forma sutil ou nem tanto, impõe. São percursos complexos.




Quarenta especialistas reunidos para realizar essa verdadeira enciclopédia do homem chegaram à conclusão de que, construída ao longo de séculos, por meio de mitos, das guerras, das necessidades econômicas e geográficas e da mais recente revisão feminista, a "virilidade"  é muito pesada para se carregar, e constitui tremenda armadilha.




Escapar desses modelos não é fácil. Lutamos para nos livrar de um e já um outro nos cai em cima. Um cartaz como esse tem pelo menos a virtude de nos alertar para a lentidão das modificações comportamentais e para nos dizer que ainda não chegou o tempo de desligar o sinal de alerta".      

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