terça-feira, 21 de julho de 2009

O Rio Sagrado ( Jean Renoir)/Hatari!( Howard Hawks)


Carta sobre O Rio Sagrado enviada para os amigos (a reler): "Poiésis + Fenomenologia da percepção"


O Rio Sagrado, de Jean Renoir ( cineasta filho do pintor impressionista Auguste Renoir) flui como um rio, como ciclos da vida. O filme fala, aliás, sobre esses ciclos como um tempo que se faz sempre presente como futuro( um futuro que então se abrirá para um novo ciclo a partir do envelhecimento que seria, segundo o filme, um novo começo...). É o fime de Renoir que também se assemelha ao Hatari! de Howard Hawks(cineasta americano que atravessou o período de desenvolvimento da sétima arte até chegar nos anos 60).
Rio Sagrado e Hatari!, dois trabalhos descomunais, quase sem história. Filmes sobre o ritmo natural das coisas, sobre o aprendizado pelas coisas, no interior mesmo dessas coisas como seria o aprendizado icônico/contemplativo que, por intermédio da riqueza analógica, diferencia do aprendizado indicial( que é esse das imagens habituais que vemos por aí que não se detêm em si mesmas, só passando de um lado para o outro como setas para um determinismo final ou um Nada Absoluto). E também não se trata do aprendizado simbólico que também é mais vivo que o indicial a que nos acostumamos nas novelas, na maioria dos filmes meramente industrializados, padronizados, nos videogames,etc... O simbólico seria mais conceitual que o que vemos em Renoir e Hawks.
Em Hatari!, filme que espantosamente ainda não saiu em dvd no Brasil, os americanos( John Wayne à frente) vão à África caçar e em O Rio Sagrado, os norte-americanos já se instalaram na Índia. Um continente diverso nos dois filmes irá trazer o aprendizado do Ser em contraposição ao Ter ocidental. As coisas não são "para si", vamos até elas, aprendemos com sua interioridade.. O antropocentrismo( homem no centro) ocidental/burguês é relativizado.
No filme de Hawks, John Wayne só pensa em trabalhar, mas sua "Ordem" será um bocado abalada pela fotógrafa que chegará abruptamente e que, além do mais, por sua própria sensibilidade não se ocupará somente de trabalho, mas da cria de elefantes. Wayne também, essa espécie de Golias americano frágil na testa, não passa de um tipo de elefante( suprema analogia sutil), grandalhão, machão, mas carregado de vulnerabilidade até certo ponto velada. Esse reflexo e refluxo do "de fora", da "natureza"( elefantes, a interação da mãe-humana com eles) irá refletir e interagir com o ambiente do "de dentro", que é o da casa de trabalho, o "cercado" planejado pelos homens para caçar os animais e depois partirem de volta para a América.
As coisas ganham forma além do pragmatismo e dos compartimentos estanques onde a vida estaria bloqueada, sem jorrar. Como em O Rio Sagrado, de Renoir, a expansão interna dos universo dos seres se dará não pelo "acúmulo
ocidental", mas pela subtração do que se supõe saber(Dominar). A linguagem do poder se revira e o homens se vêem pequenos diante do imenso mundo, só podendo apreender algo no interior dos ciclos de vida, agora despojados pelas lentes de cinema.
O Rio Sagrado é obra-prima assim como Hatari! São filmes sobre a expansão do Universo Exterior e interior, seja pelo rio que jorra no filme de Renoir, seja pela caça que revela também sua autonomia e os espaços entre os homens e os bichos. É o Rio de Renoir que nos mostra o específico de tudo, de uma pedra a um galho, ou um vôo de mosquito em exuberância telúrica( da terra) e aérea no interior das quais se reinstalará os personagens. São os bichos em meio à exuberância do restante do meio com os quais Hawks nos surpreenderá ao mostrar o estabelecimento de relações incomuns conosco. Por fim, se Wayne foi para a África caçar será por fim "caçado" por essa fotógrafa em termos físicos e afetivos. E a última caçada do filme, de Wayne e os elefantes juntos como "pais e filhos simbólicos" correndo a fim de recuperar a moça, "mamãe simbólica" que poderia já ter partido por cansaço, será talvez a mais árdua das caçadas, a concretização ápice dessa reviravolta de universos propostas por Hawks.
Sem álibis narrativos, quase sem enredo, Rio Sagrado e Hatari! são filmes que recusam os "papéis" do cinema. São obras que parecem ignorar as progressões dramáticas. Ao apostar na desdramatização, se existem picos, serão somente os de aprendizado e(ou) poéticos. E esses só surgem na surdina para espectadores atentos e como filmes que nos "iniciariam" na vida e, claro, em arte, estética.
São trabalhos que ignoram um visão matemática da montagem.Filmes ontológicos, sobre as coisas, obras icônico/analógicas que dispensam o conceitualismo pronto "ocidentalizado" a que nos viciamos. Comparemos por exemplo essas duas obras-primas com essa novela da Índia, ou melhor, nem precisamos de tanta facilidade ao descer na lama para nos auto-afirmarmos nessa superioridade da grande arte. Sejamos respeitosos, vivos como esses filmes, como certa vida jorrando como evidência de sua "moral" interna, a um tempo "bruta", espiritual e poética.
Duas obras-primas absolutas, certamente!!( como isso é um blog, peço perdão desde já pelos erros de digitação ao ritmo cardíaco/perceptivo em que são digitados. Por outra, justo por ser um blog cabe talvez a licença-poética dos erros, sua "contribuição milionária" como dizia Oswald. Por fim, sua nudez sem a qual tudo ficaria muito impessoal, acadêmico).

Um comentário:

  1. Salve, poeta-lusófono-americano, de rios-bravos, porteiras abertas para as possibilidades, rufando tambores de poesia e esperança!

    Parabéns pelo site!

    Ah..dá uma pssadinha lá...http://lamlambe.blogspot.com/

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