quinta-feira, 4 de fevereiro de 2010

Do Baú



Depois de tentar ajeitar um rebelde blogspot,aí vai o comentário(novamente).




Essa crônica publiquei em jornal daqui à época de um alvoroço em torno do filme Cidade de Deus:



"Cidade antes e após o Oscar"

"Vira e mexe o caso Cidade de Deus volta à pauta, sobretudo depois de indicado ao Oscar. Procuraremos entender o que teria rondado sua indicação. Os “méritos” seriam, antes de tudo,técnicos or not?
Por uma narrativa de surto ou aparência de complexidade,fragmentária,que abarcaria vários acontecimentos a um só tempo sem perder uma coesão,por uma fluência dos diálogos(coisa rara no que nos acostumamos a chamar de filmes nacionais?),ou pela fotografia chamativa, “blindada”?
Cidade de Deus não passaria de uma bula(xerocada)de várias maneiras de se fazer cinema.Teríamos desde o Quentin Tarantino,de Pulp Fiction,passando pelo John Woo (artesão de filmes de ação)até um Martin Scorsese,e o quê mais.
Todos mal e porcamente filtrados,não assimilados.Ou bem,se assimilados,para “um bem fora”de contexto.
Talvez invertamos a equação e veríamos a cadela Baleia comendo seu próprio rabo, como em um volteio histórico nada barroco.
Tratar-se-ia antes de um tipo de parasitagem,mas com a chamada,o estofo do chamado filme ”social”. O personagem que narra a história como o indivíduo que,escolhendo o caminho do “Bem”,consegue safar-se daquele estado de coisas,do modus-vivendi em questão.
Tornando-se uma espécie de jornalista,capaz de registrar à distância os acontecimentos,sem se misturar a eles.
Como é dele o ponto de vista da instância narrativa,o que nos coloca a seu lado, poderia sê-lo também o do cineasta?Sentimo-nos aliviados por tanta violência que, afinal,não nos diria lá tanto respeito.
Certa grandiosidade épica do “espetáculo”,do estranho parque de diversões videoclíptico do terror, passaria a configurar-se como forma de alívio(não confundir com catarse aristótélica),para esse espectador que não se comprometeria com nada do que vê.
Nada de catarse,repetimos.Muito de sessão de descarrego cultural.
Temos,assim,uma visão “poluída” de miséria, blindada para nós em um produto que funcionaria mais como produtor de adrenalinas,ou de possíveis prêmios,mas,antes de tudo isso,como reprodutor,reificador de estereótipos do “medonho”(ou de medonhos estereótipos?),que não problematizaria nunca seu olhar frente aos excluídos.
Quem seria esse “Outro”,afinal, para essa classe-média que assesta suas lentes,a produzi-lo e a digeri-lo?
Talvez uma espécie de(neo)demônio,representado por um recurso naturalista apropriado pelo mítico da narratividade fragmentada contemporânea,que nos assustaria.E que,justo por isso,deveria ser expropriado como ser e como linguagem,já que dele deveríamos tomar devida distância como herdeiros que seríamos de um “bem maior”(burguês-"cristão"?).
Pessoas das quais nos aproximamos somente pela mediação de um parque de diversões do terror,ou do delírio virtuosístico.
Nesse caso,sugiro aos que se dizem artistas,antes de se arriscarem a temas do tipo,que lessem o poema Operário no mar,de Carlos Drummond de Andrade,somente como iniciação em um processo de aprendizagem do que diz respeito à problematização de um abismo entre grupos,classes.Pela mediação do que seria a linguagem artística.
Mas,por enquanto,vão(e vamos)ficando por aí na tela onde trafegam nossos pesadelos jornalísticos e de classe mais íntimos e mais (pós) "modernos".
A se julgar por Cidade de Deus(e outros filmes nacionais),o pobre no Brasil é aquele portador de uma carga de violência e de ameaça, que deveria ser exorcizado em volteios virtuosísticos de câmera,ou em fotografia épica,da fosforescência dos supermercados.
O supermercado, dentro do âmbito burguês, trazendo a sensação de “segurança”,pela claríssima visibilidade,dentro de uma tipo de cultura,de um tipo de ótica,esgarçada em si mesma.
Como reduto de segurança do espectador,o primeiro dos violentos.
Como reduto violento dos que perpretam esse tipo de cinema.
O prolongamento Oscar nos dá a ver o alcance para o exterior de uma imagem(neo)folclórica de um país chamado Brasil,com uma semelhança de linguagem em relação a dos modelos norte-americanos.
Assim,devolvemos para o exterior,à maneira de autômatos Ets,o que nos teria sido dado,tão pronto: uma velha condição de colônia,nesse caso do espetáculo e nos regozijamos com a esmola.
Fluxo de um país agora rico em “técnica”, em ”qualidade”,ineditamente sintonizado com um tempo atual do “progresso”.
Mas pobre,no caso em questão,de espírito".

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