quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

Lançamento em DVD






Enquanto diretores como John Ford e Howard Hawks eram contemplados à época do VHS, King Vidor era meio que deixado de lado.

Como o mesmo espírito pioneiro dos demais citados, seu cinema guarda uma decisiva relação com a terra (o telúrico), o que poderia aproximá-lo, por esse motivo, do cinema de Ford, a incluir a iconografia cristã. Mas tal como o mestre que ficou mais conhecido por faroestes, na obra de Vidor o puritanismo não deixava de ser criticado. É o que se nota em um filme como Ruby Gentry (ou A Fúria do Desejo, no Brasil).

O diretor não se prendia à firulas ou sentimentalismos, podendo, então, estar mais para o cinema de um Howard Hawks? Contudo, independente de Ford ou do autor de Rio Bravo, seus filmes contém estilo próprio e poucos foram tão veementes no cinema norte-americano.

Por exemplo, em Ruby Gentry, Jeniffer Jones exala excesso de autenticidade e de emocionalidade, a não caber nos padrões interioranos e esnobes da comunidade em que é levada a viver. Essa personagem não deixa de expressar a tônica de parte considerável da obra de Vidor. Tal como o comportamento de Jeniffer, a natureza é filmada em seu estado bruto, com algo a qualquer momento podendo irromper de suas camadas. A água comparece com o caráter expressivo da drenagem de O Pão Nosso (do mesmo diretor). Mas não somente.

Se a interpretação de atores remete a um cuidadoso classicismo, a encenação não abandonará um sentido do selvagem, em que os espaços/ cenários contaminam os personagens e vive-versa. A natureza opera tanto como mistério do desejo, quanto como segredo mítico do universo.

Jeniffer não cabe nos papéis de moça dama, coberta de apetrechos, assim como o diretor King Vidor em sua forma de trabalhar. Ela não pede que um homem lhe abra a porta do carro, além de caçar animais por sua conta e risco e nunca fingir. Todavia, uma anti-dondoca vivendo em um mundo com papéis tão demarcados provocará mais tensão.

Sem abrir mão da iconografia cristã, a obra, no entanto, cutuca um lócus pautado pelo patriarcalismo demagógico. A câmera altera seu posicionamento com parcimônia e por breves segundos, o que aumenta o poder sugestivo e meditativo das cenas. Mas pouco disso é necessário quando se filma com rara expressividade um cenário de terra, água, arbustos, que parecem conter sua própria força, em mutismo e intensidade.

Ruby Gentry , afinal, é uma tragédia de grande porte, cósmica. Vidor a conduz com sobriedade e, paradoxalmente, um olhar atento ao “selvagem” que brota das coisas e seres.

Parte2-

Cineasta tão bom quanto Hawks ou Ford, o diretor agora pode ser contemplado na era do dvd em outras obras-primas, tais como Aleluia, O Pão Nosso, ou O Homem sem Rumo. O que seu cinema parece ter levado às últimas consequências em Ruby Gentry, já pode ser notado nos realizados bem antes do período.

O Pão Nosso mantém certo equilíbrio na encenação, mas também dando margem às irrupções, como em um final que revela heróico esforço manual e espiritual, partilhado por homens comuns.

Já Aleluia nos apresenta tanto a sensatez, quanto uma bruta expressividade da fé religiosa. O diretor valorizava o despojamento em gestos e atitudes, filmados junto ao mistério de uma natureza, ora impassível, ora generosa, ou primal.

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