domingo, 5 de dezembro de 2010

Línguas e Linguagens








Algumas vezes nesse espaço foi falado sobre Oswald de Andrade, Mário, Carlos Drummond, Adoniran Barbosa, Noel Rosa,... Com o intuito de procurar entender o que seria uma tal “língua brasileira”.

O primeiro movimento de busca de uma literatura mais autônoma no Brasil foi o romantismo. Mas, na maioria das vezes, celebrava-se nossa exuberante natureza e nenhuma pesquisa viável sobre cultura propriamente dita chegava a ser feita, ou bem era ignorada.

Em José de Alencar, a natureza brasileira representa o paraíso. Mas tal Éden só seria completo em casamento com a cultura do colonizador.

Lima Barreto, pré-modernista, consumou uma linguagem mais despojada, a ponto de ser tratado pelos monarcas da língua como escritor de incorrigível desleixo. Além do mais, negro.
Hoje, percebe-se que está entre nossos melhores.

Machado de Assis, igualmente mulato, “se escondia” atrás de um narrador de certa casta brasileira.
Sua narrativa era a voz de um protagonista casmurro, volúvel, incapaz de lidar com certas situações como, por exemplo, aceitar viver, sem dramas de consciência, com uma mulher que chegara a estabelecer amizades com homens(na obra Don Casmurro).

Muitas ainda confundem o narrador com o escritor, como a crítica Pauline Kael fez em um texto sobre Rastros de Ódio, chamando John Ford, diretor da obra, de racista, pelo fato de seu protagonista sê-lo em demasia.
Não soube separar o cineasta do personagem doentemente obsessivo.

Com o Modernismo propriamente dito, milhares de arestas deixadas por românticos, parnasianos e etc., seriam ironizadas e limadas.
Sem o esforço, talvez não houvesse Graciliano Ramos, Carlos Drummond, Murilo Mendes, Clarice, Guimarães Rosa, entre outros e outras.

Contudo, com o empenho grandioso de autonomia e pertinência de um linguajar, não conseguiríamos escapar ainda de Marquês de Pombal em muitas esferas, desde que o mesmo impôs uma língua oficial, unificada e lusitana para o Brasil.

Simultaneamente, o mesmo marquês que dinamitava com a educação brasileira, ao empregar professores na base do “espontaneísmo”, em que o critério era a falta de critérios.

Um tanto por conta isso, nossas petições são mais demoradas, nossos exercícios jurídicos morosos, etc.
Somos um país de burocracias infindáveis e tudo isso, claro, passa pela língua, já que a mesma significa poder.
E, no caso formal-formalista, marca de “status”, reconhecimento social.

Brasileiros sempre buscaram marcar sua distinção pela língua, em que profissões ditas “respeitáveis” exigiam uma mimese do léxico mofoso pombalista.
Quem falasse mais para “brasileiro do que para português” (Noel Rosa) sinalizaria seu locus de “cozinha da nação”.

Nos anos 50 e 60, com a brecha de ditaduras anteriores, como a de Vargas, o país experimentou um imenso crescimento cultural: música, teatro, arquitetura, cinema, em que muitas das lições modernistas passaram, enfim, a serem incorporadas por artistas e outra parte da população. Mesmo que antes disso, músicos como Noel Rosa ou Lamartine Babo, em plena ditadura anterior, exploravam a autonomia e abertura nos modos de se expressar.

Em 1964, houve -pra variar um pouco- outro golpe militar e, posteriormente, um terrorismo mais acirrado, com a instalação do AI-5 em 1968.
Tornaríamos a regredir para o oficialesco oligárquico, em nome da “integração e da segurança nacional”.

Com Médici no poder, a educação era redinamitada, em busca de um modelo industrialista de fragmentação de saberes mecanizados, entre outras “intempéries inócuas”, como diria algum dicionário bestialógico.

Com o advento das Diretas (nem tão diretas assim, por obra e graça de nosso colegiado eleitoral), assumiria o oligarca José Sarney como presidente do país, com seu linguajar bacharelesco. O mesmo-mesmíssimo político do outrora partido único da ditadura: a Arena.

A partir das breves observações, podemos entender um pouco da relação entre linguagem, estagnação e poder retrógrado no Brasil.
O mais, deixo por conta do linguista e escritor Marcos Bagno:



“Quando os revolucionários franceses demoliram a Bastilha em 14 de Julho de 1789, decerto ficaram tão emocionados com o feito que se esqueceram de demolir outro prédio, o da Academia Francesa. Que pena!

Tanto quanto a Bastilha, a Academia representa o que há de mais arcaico e feudal. Basta lembrar que foi fundada em 1935 por ninguém menos que o cardeal Richelieu (para quem leu ou assistiu Dartagnan...), todo poderoso chanceler de Luís XIII, em pleno apogeu do regime monárquico absolutista.

Se a coisa ficasse por lá, entre os pernósticos franceses, não teria problema. Mas os espíritos colonizados não iam suportar abrir mão de mais uma macaqueação francófila. E toca a fundar a Academia Brasileira de Letras em 1897, com os mesmos 40 membros da francesa e num prédio chamado Petit Trianon, cópia em escala menor da outra.

Criada já na República, a ABL é um belo símbolo do caráter oligárquico, elitista e aristocrático de nosso regime republicano, inaugurado por marechais.

Eu não teria nada contra uma Academia Brasileira de Letras se ela prestasse para alguma coisa.

Mas como querer cobrar qualquer presença significativa de uma entidade que tem entre suas “imortais” figuras desprezíveis como José Sarney, senhor feudal do Maranhão e do Amapá, e Marco Maciel que (graças a Zeus!) não foi reeleito pela ducentésima vez para cumprir seu destino reptiliano de “se há governo, sou a favor”...

Adorei quando o bruxo Paulo Coelho foi eleito para a ABL, pois assim o escracho se institucionalizou de vez. No entanto, lamentei quando as mulheres foram admitidas nesse antro de vaidade essencialmente masculina (aliás, vaidade masculina é redundância: comparada à dos homens, a vaidade feminina é uma bênção). E, claro, essa admissão se deu porque a matriz francesa abriu as portas às mulheres.

Quando vejo a produção, por exemplo, da Real Academia Espanhola, fico roxo de inveja. O dicionário da ERA é uma beleza, abrange todas as variedades das línguas faladas mundo afora...
Recentemente, em conjunto com todas as academias de língua espanhola do mundo, foi publicada uma monumental gramática da língua, em dois volumes, com mais de 3.000 páginas, contemplando e dando aval a todas as formas de falar a língua, já devidamente implantadas nos diferentes países.

O problema do português é que ele é uma língua polarizada: Portugal e Brasil. E como tradicionalmente somos colonizados por portugueses, apesar de termos um território dezenas de vezes mais amplo, uma população dez vezes maior..., ainda temos de acreditar nas bobagens que as gramáticas normativas tentam nos ensinar, desconsiderando por completo as características próprias do português brasileiro. E toca a usar mesóclise e outras igualmente ridículas... ”! Ay, qué invidia!”


Ps. O texto de Marcos não fala, mas Roberto Marinho chegou a ser bacharel na Academia.
Ou seja, chegou a ser “imortal” até morrer.
Drummond, por sua vez, ao ser convidado, preferiu recusar o penduricalho.

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