quinta-feira, 3 de setembro de 2009
(Foto de Bill e Scarlett no entre-lugar em que ocupam seus corpos no filme de Sofia Coppola)
Como havia visto os fragmentos do Lost in Translation(Encontros e Desencontros) na tv, decidi por abarcá-lo na íntegra ontem e, para minha feliz surpresa, os insights por mim transcritos aqui foram confirmados. Só que ao título socrático :"a verdade se encontra entre os homens" poderia ser substituído ou suplementado :"o pleno se encontra entre os homens", quando bem procurado(diga-se).
Ou seja, é nessa dimensão de aparente opacidade escolhida por Sofia Coppola para assestar suas lentes que deverá brotar alguma fagulha de uma certa plenitude.Para tanto, a diretora é obstinada, se colocando sempre entre as coisas, entre os seres, em contínuos intervalos, em princípio com essa postura cujo tateamento pode remeter à própria errância de seus protagonistas.
Lost in Translation, filme feito de momentos de digressão,de tateamentos do existir,da afasia dos interstícios é feito de uma calma impressionante, sempre disposto a esperar o momento certo para que algo desabroche em meio à opacidade da civilização contemporânea do "pós-tudo". Japão,USA, Brasil, que diferença tudo isso faz, afinal? O importante é não trapacear com esses estados de embaçamento,de "inócua" opacidade, pois são deles, paradoxalmente, que algo irá brotar.O filme é, antes de tudo, a história de um nascimento.E não se nasce assim, de uma hora para outra.Mais do que o indicado por uma história, por um enredo, busca-se sempre o nascimento de uma imagem, nesse contínuo estágio de se estar sempre entre o amorfo e a forma,entre o vazio(opaco)e o pleno,já que(nessa obra,ao menos)um somente poderá brotar do outro e pelo outro.
Para Sofia cabe entender que é justamente dessa "vazia opacidade" que o pleno, em suas dobras insuspeitas,se mostrará. Para tanto, primeiramente deve-se aceitar o inócuo aparente e permitir uma abertura para os "tempos mortos" possíveis, deixando a imagem irromper como súbita fulminância justo nos momentos em que ela mais parece se calar.
S.Coppola lança mão dos recursos dos cinemas oriental e europeu, deslocando sempre com extrema desinibição uma aparente moldura de filme norte-americano.O andamento é imensamente respeitoso para com esse tatetar dos protagonistas, bem como nas propositais lacunas temporais de um Bill Murray, que esse artista saberá preencher com os inesgotáveis recursos de um grande ator, até o momento final em que pedirá para o carro parar a fim de descer para cochichar algo ao ouvido da protagonista. Agora sim,ele poderá partir com a sensação de dever cumprido,de uma experiência finalmente consumada. E é nesse final que a configuração da imagem de Tóquio se tornará outra.Essa experiência, em princípio alheia a essas "personas", foi finalmente consumada,bem absorvida ao cabo da jornada, tanto por Bill e Scarlett como por, principalmente, Sofia Coppola. A aporia do eterno entre-lugar dos protagonistas passa agora, abruptamente, à moradia talvez perpétua do ser como em súbita e "ilógica" fábula. A mais ousada moradia de S. Coppola no cinema até hoje.Dever cumprido.
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