terça-feira, 23 de fevereiro de 2010

Patrimônio atual


Algo surpreendente que o momento áureo da obra de Erasmo Carlos não seja devidamente conhecido no Brasil,com as raras exceções de alguns pesquisadores de música que não se contentam com a facilidade das listas oficiais de uma imprensa reducionista. Talvez por ser um som não tão mpbista para os fãs do gênero(daquilo que teria se convencionado a chamarmos de MPB).Ou muito experimentalista do soul e do samba(e afins) para os fãs de rock-pop.

Já falei nesse espaço da obra-prima Sonhos e Memórias.Por esses dias tenho ouvido Pelas esquinas de Ipanema,se não me engano de 1977.Nesse disco o artista já não conta com os músicos dos Mutantes,por exemplo,mas com outros igualmente de primeira.Trata-se de um trabalho com menos elementos de rock,mas a mistura de soul,samba e etc,não foge ao modelo híbrido e original de seus melhores trabalhos.
Ao contrário dos anteriores em que percebemos uma certa atmosfera dos anos de chumbo da ditadura,embora conservassem o humor e o forte sentido de leveza,Pelas esquinas de Ipanema é abertura ao universo declarada,disco solar.Na Banda dos Contentes já era mais aberto que o lendário Carlos Erasmo e que Sonhos e Memórias.Pelas Esquinas é praieiro,mas de um praieiro moderno,declaradamente flaneur.Passeador e observador do híbrido urbano.

Deixemos claro que a postura de certa abertura não abandona em nenhum momento a crítica ao ego ou à ganância humana,a começar pela música que abre o disco,a famosa Panorama Ecológico,de uma ironia ímpar e classuda. As demais são mais swingadas,usualmente carregando nos ritmos quebrados e permanecendo o contrabaixo como carro chefe,ou seja,com o papel do que seria a guitarra no rock.
Do prólogo ao epílogo,está presente o frescor em alto grau,aliado à inventividade dessa fase.O que confirma que os melhores trabalhos do artista são tão atuais quanto ainda de ponta,à frente,tanto mais por não terem sido tão assimilados quanto seus pares mais aparentes(exceção feita aos trabalhos de certas bandas dos anos 90 e do início desse milênio,que tentaram,embora sem lograr um êxito que sequer as aproximasse,em seus resultados,de suas matrizes).

Disco tão significativo quanto qualquer trabalho da fase áurea de Ben ou de Tim Maia. Erasmo sendo somente mais crítico,como também mais enredado em um sentido de forte teor e torpor marítimo,mas de um lirismo arribado nas esquinas da urbe.Festejante ou delirante,sem perder a sobriedade.

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