segunda-feira, 9 de maio de 2011

Livre nota sobre a sutileza em Janela Indiscreta- parte 1




O cinema passaria com o tempo a tematizar, com mais força, o lugar do homem no mundo.

Levada da Breca, por exemplo (anos 30/40), de Howard Hawks: enquanto obra de arte tudo que já foi falado funciona menos como metáfora do que como ressonância do corpo. Seja nos objetos: o megadinossauro de brinquedo, símile cultural de um masculino partido. Seja no animal -leopardo: ressonância selvagem daquilo que, de tão recalcado, precisaria de alguma maneira ser recuperado.

É um tanto do sentido da busca dos personagens. Ou melhor, da busca "sem sentido", das pulsões. De onde vem deriva o tom de caos, de absurdo aparente.

Corpos que se aproximam, que se distanciam, que se chocam, mas que também não conseguem se separar.

As falas são muitas, mas parecem não fazer sentido: deslizam como significantes desses corpos neuróticos, histéricos (rachados ao meio), que se negam, se atropelam e se absorvem.

Em Janela Indiscreta (foto), de Alfred Hitchcock, o cinema norte-americano lidou mais uma vez com a questão do lugar do corpo do homem no mundo. Pouco de trama policial. Muito de medo e ânsia de comprometimento.

O jornalista de perna quebrada (James Stewart) só consegue ver o que se passa do outro lado da vizinhança. A rigor, contempla exacerbadamente. Parece que só dá conta de viver nesse filme, do outro lado da tela.

Já Grace Kelly quer o casamento a qualquer custo. Mas é vista por ele como mera burguesa "de plastic".

O desenrolar se dá quando ela capta (intuição feminina) que a melhor estratégia é ocupar seu corpo de dondoca no filme do amado. Ou seja, passar para o lado de lá, onde o desejo do homem se encontraria sublimado e, assim, dar uma chacoalhada nessas imagens fixas.

A gana de Grace ao ir em busca das provas do suposto assassinato será por ânsia de conquista, claro. Por instantes definitivos, ela se tornará parte da tela de cinema do fotógrafo, ao trangredir as linhas que separariam a realidade (o "de cá") do imaginário (o "de lá").

E o faz por meio de seu corpo de gata felina: passando por caminhos árduos, escalando paredes, a dançar para Stewart ao som de uma bela trilha em trajeto sinuoso, em que devassará o quadro/espaço do suposto criminoso ao remexer em segredos.

Naturalmente, que o espaço de segredos do criminoso é também o de Stewart- seus segredos e fantasias de projeção-, uma vez que a dita janela é uma de suas moradias de notívago obsessivo. E aqui a obra entrará em combustão.

Ao ver a moça diante de uma possível queda- do alto de uma janela-, o homem parecerá compreender, ao menos instintivamente, todo um jogo criado por si mesmo (jogo amoroso, existencial).

A próxima queda, no momento em que Stewart se identifica (ao menos parcialmente) com o vilão, será a de si. Entre o imaginário e a realidade- quase só víamos o que ele via todo o tempo como homem fotógrafo na projeção-, a câmera mudará de foco: queda concreta, embora sem grandes lesões.

Se Stewart entrara com a fotografia obsessiva e suas imagens congeladas em mente, Grace entra (penetra) como cinema- ao lado de Hitchcock: imagem dinâmica.

Seu corpo de modelo/manequim se distende, se reconfigura, ao passo que o do amado passa para uma segunda perna quebrada: dormindo, talvez desinteressado desse mundo outro.

Pode ser que nesse novo sono/sonho o fotógrafo esteja em paz, na mesma medida em que Grace, sem uma única perna quebrada, ou seja, livre a seu lado ensaie os próximos passos do desejo. Não sem antes pegar aquele tipo de revista que ele tanto desprezara, como mais um de seus movimentos no filme.

Se a queda doeu ou não, o que dizer do tapinha? Um tapinha não dói... E quanto ao tapa de luva de pelica desferido pela obra em pauta?

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