quinta-feira, 11 de março de 2010

Balancete





Não que fosse gostar do cineasta Eastwood tardiamente, pela maturidade hoje mais propalada. Josey Wales,por exemplo,já era um filme encantador.

Após Um Mundo Perfeito houve uma sequência de dar inveja.Entre eles,As Pontes de Madison e o insólito Meia Noite no Jardim do Bem e do Mal.Nesse ínterim, Poder Absoluto,em que o protagonista dá vida a um pai a um só tempo ausente e presente.

Sua filha o via como alguém próximo do desprezível mas, ao chegar em sua casa,dará de cara com as fotos dos eventos que,afinal, contavam a história dessa moça.O homem esteve sempre por ali,rondando,flagrando dados,em meio às sombras(ou, a despeito delas),não podendo ser notado.O fotógrafo dessas fotos é também um exímio desenhista,dando corpo novamente às formas fugidias.Pela arte,o pai estará próximo à sua filha.É sua única e real forma de comunicação.

O motivo da fotografia é o mesmo de As Pontes de Madison,assim como as cartas.São essas mediações que carregam consigo um poder mesmo de ressuscitar vidas.Por meio delas, o filhos de Maryl Streep serão reinjetados de vida nova.Mas não parece se tratar de essencialismo da arte, simplesmente.São, antes, sombras.Condição necessária para que a imagem ganhe vida no cinema,qual seja, produzindo sua própria forma.

Com Crime Verdadeiro,Clint retoma a figura durona de séculos.É nesse filme que certa proximidade com a obra de John Ford se faz valer,em certos pontos.

Temos um personagem à cinema americano,fiel em suas tarefas,levadas até o fim.
Publicamente,um obstinado em suas causas.Privadamente,péssimo pai e marido.Como se a primeira existisse para compensar a segunda,mas o que ele guarda de si mesmo são suas sombras,seus estilhaços,como o Ethan de Rastros de Ódio, igualmente um fiasco na vida familiar,vivendo a vagar por entre os ventos.
O personagem de Clint insere a questão do olhar desconfiado e somente assim conseguirá livrar um homem condenado injustamente à pena de morte. Retoma-se aqui o problema das vistas embaralhado de Um Mundo Perfeito. A imagem fantasma, a sombra sugere a “verdade”(ou a não verdade), por outro viés, que não o óbvio.Essa imagem de cinema esteve ali desde o início em meio aos estilhaços.Carrega consigo uma História de histórias:corpo ausente e presente.

Mas o que o protagonista teria a dizer ao condenado?”Não creio em seu Deus”.Claro,trata-se de um homem possuído ele mesmo por dados que somente pensa dominar.Tanto que quando se resolve a trama,nada daquilo resolverá os dilemas do “herói”:anti-herói.E muito menos será ele agraciado por quem foi salvo.Parece não ter feito mais do que a obrigação: “Que os mortos cuidem dos mortos”.

Ao final, no momento em que um fita o outro,após a cena em que uma certa inverossimilhança faz valer a ideia de milagre silencioso,em surdina(não mostrado), serão ambos sombras,cada qual à sua maneira.
Com a diferença de que um,o liberto, apresenta crenças bem definidas.O outro,Clint, encontra-se em uma posição diametralmente oposta,partindo,indo embora, pelo outro lado do enquadramento.De um lado,um homem com sua família a seguir.De outro,o protagonista consigo mesmo para carregar.É,de certa maneira,uma variante da situação final do clássico Rastros de ódio,de John Ford, dessa feita tendo o verde como fundo,em meio à noite e um jazz melancólico que cai em cena.

Esse verde é a cor do lápis pedido pela filha do pai condenado, em um momento tenso na cadeia.É a mesma cor que posteriormente comparecerá congelada em um quadro de um restaurante fino.E,finalmente,na imagem final da troca de olhares,compondo um agridoce cartão natalino: um cenário escuro-esverdeado permanecerá em cena, estaticamente,como uma bela natureza-morta, na medida em que os créditos fluem até a dissolução da imagem.

Em Menina de Ouro, o protagonista Eastwood não aceita que a moça seja uma lutadora.Mas diante do entusiasmo,da obstinação à cinema americano clássico da garota,ele renuncia.São seres novamente e diametralmente opostos:Eras e crenças diferentes...Mas como Ethan,de Rastros de ódio, faz ele valer o desejo dela por meio de sua dupla renúncia.Fazendo a menina lutar,primeiramente.Depois:precipitando seu fim..São fantasmas de mundos distintos.O mais velho a serviço do mais novo, enquanto o primeiro dilacera.

Em Gran Torino é novamente o jogo do novo com o velho que se dará,em que o segundo passará o bastão para o primeiro.Em Crime Verdadeiro, o protagonista serve como instrumento de vida, também como um pós- decadentista. Em Um Mundo Perfeito, o protagonista morre, mas não sem antes comunicar vida a uma criança.

Em outros termos, nas sombras da imagem algo é sacrificado ou renunciado para que a projeção se dê. A morte do filho de Jolie em a Troca,por exemplo, nos oferecerá uma imagem ainda mais forte dessa mulher que vaga,sem abandonar sua obstinação.
É a condição da marca na película.Morte e vida no cinema de Eastwood se intercambiam como velho e novo, cinema clássico e modernidade,vacância moderna e firmeza obstinada,renúncia e vida:Sombras,enfim, como condição de projeção.

(Depois retomamos o caso, quem sabe com Sobre Meninos e Lobos ou a respeito do mais recente Invictus,que ainda não chegou pelas plagas interioranas).

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