quarta-feira, 24 de março de 2010


Fuga para frente










Falaram em Rousseau a respeito do último trabalho de James Cameron, Avatar.O que fica nítido é que não se trata tanto desse filósofo,mas da chamada Nova Era, uma crença espiritual.
Quando ao final do filme se diz que os bons ficarão no novo planeta e os maus no velho (leia-se: a Terra), estamos diante de uma cartilha desse movimento inscrita didaticamente. Aliás, a música que prevalece é a New Age, outro indício do tipo de proposta e do estado de espírito do filme.

O diretor de ET talvez tenha sido quem lançou Hollywood de vez nesse tipo de crendice. A figuração emblemática desse filme,com o dedo do menino e de seu ícone extraterreno se tocando, seria uma clara substituição da pintura de Michelangelo sobre a criação do mundo em que o dedo do homem se encontrava com o de Deus. Teríamos dessa feita e em seu lugar, o Et, Deus da Nova Era, símbolo de um mundo pretensamente mais evoluído, enquanto à Terra caberia seus despojos.

Nesse sentido, Avatar é um herdeiro não tanto do western,ou seja,de Anthony Mann ou de John Ford, como sugeriu Inácio Araújo,mas de Steven Spielberg.

Há um momento no filme em que se tenta uma solução diplomática para a guerra, que poderia ter nascido de Fort Apache. Porém, o que contará ao final será a ênfase dada aos grandes heróis ( não tanto aos anônimos de Ford).Como também não haverá espaço para as contradições, as ambiguidades de um protagonista de Mann (Se há alguma contradição, ela estaria no fato de que, quanto mais se tenta algo mais plano, indiretamente o turvo pode comparecer).

A solução dada à diferença será bem mais ao estilo do diretor de Contatos Imediatos.
O diferente, em Avatar, seria o ser de outro planeta, não uma singularidade inscrita no hábitat mesmo dos humanos, o que tornará essa questão, pelo tipo de metáfora empregada, bem dada ao espírito evasivo do neoromantismo exotérico e em voga na Hollywood de uns bons tempos para cá.

Nesse sentido, o modesto Invictus,de Clint Eastwood, embora seja seu filme mais fraco em anos,seria mais eficiente.Um trabalho que começa muito bem e em que, aos poucos, o diretor vai perdendo a mão,sem conseguir encontrar melhores soluções para um tema que, em si mesmo, já tende ao clichê.Mas é na longuíssima passagem em câmera lenta que o diretor parece afrouxar de vez seu estilo.O problema não estaria no recurso empregado,mas na falta de parcimônia com que o utiliza,junto à qualidade frouxa dos rostos congelados.

Contudo, trata-se de um filme que usa o esporte para falar de política, como o fez o próprio Mandela. Algo mais interessante que o filme de Cameron, que para tocar em tema do tipo, preferiu o álibi de uma difusa (e melosa) espiritualidade. Não é o fato do filme se segurar em efeitos, como chegou a ser dito.( Aliás, nesse quesito, ele explora bem mais o poder de sugestão do que a intensa visibilização que se poderia esperar,o que é um claro mérito).Mas em tratar assuntos políticos de uma maneira não somente escapista,como dentro de uma fôrma da moda.

Para quem pensa que não há como ser muito diferente por se tratar, mesmo, de um blockbuster,lembremos do Planeta dos Macacos,de Tim Burton,dos trabalhos de Shyamalan,ou daquela fábula sobre a megalomania humana chamada Titanic,do mesmo Cameron.Ao contrário desses filmes, que partem de clichês para revirá-los com imaginação,inteligência e ousadia,Avatar simplesmente tende a reforçá-los com cada vez mais força em seu desenrolar, como quem simplesmente se ocupa em aplicar sua cartilha pronta.

Nesse sentido, seria uma síntese de muita coisa do cinema contemporâneo industrial médio, um refluxo dos primeiros sucessos de Spielberg e Trigueirinho não estará longe. Afinal, Avatar é, ainda que com toda a roupagem do espetáculo, mais um filme de tese do Movimento Nova Era.

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