terça-feira, 9 de março de 2010





Fragmentos de um preciso texto do Ricardo Calil sobre uma obra contemporânea de peso:Encontros e Desencontros,de Sofia Coppola.

Matéria: "A Difícil simplicidade de Sofia Coppola(Pequenos Milagres Da Distância)"

Encontros e Desencontros... é como um álbum de fotos de viagem que a cineasta Sofia Coppola nos convida gentilmente a folhear.

...Mais adiante,nas fotos mais memoráveis,podemos ver Bob e Charlotte juntos:primeiro,um olhar furtivo no elevador do hotel,a conversa de apresentação no bar;uma visita a um karaokê;alguns encontros nos respectivos quartos,até o momento em que adormecem de mãos dadas.”

Depois Calil fala da desorientação diante do entorno: “sensação reforçada pela insônia que o fuso horário provoca e pela dificuldade de comunicação com os japoneses”.

“Esse deslocamento (ou trava comunicativa-termo do bloguista),estaria “impresso em quase todas as fotografias:no retrato irônico e carinhoso dos japoneses e de seu mau inglês,nas panorâmicas que revelam a conjugação esquizofrênica de passado e futuro em Tóquio.

“Bob e Charlote são os únicos personagens que conseguem estabelecer conexão ao longo do filme. É uma relação de difícil classificação: não é amizade, paixão e tampouco amor, embora tenha um pouco de cada.... O seu encontro os salvará por certo tempo de todos os outros desencontros de suas vidas. Cada momento em que eles aparecem juntos representa um pequeno milagre-tanto para os personagens quanto para os espectadores.

Encontros e Desencontros não é um álbum de fotos apenas em seu formato: pequenos episódios, entremeados por longos planos que sugerem o estado de espírito dos personagens, em vez de uma narrativa contínua.

Também o é na sua essência: a tentativa de tornar permanente o efêmero, de dar concretude à substância da memória. E, ao mesmo tempo, a consciência da impossibilidade dessa tarefa(ao falar nisso, Calil faz com que o autor desse blog se lembre de o Desprezo,de Godard).

Não dá para documentar uma epifania.Mas é preciso acreditar para recordar: “E,por isso,Encontros e Desencontros é permeado por uma nostalgia do presente.

Sofia Coppola nos consegue oferecer um filme contemporâneo (na temática da falta de conexão em um mundo hiperconectado;nos signos visuais e sonoros) e atemporal(pelo tratamento metafísico e filosófico da idéia de encontro e todos os seus significados.).É um filme absolutamente moderno,mas sem afetação de modernidade.

Não são poucas as virtudes que a filha de Francis Ford Coppola demonstra como cineasta em seu segundo longa-metragem...Sabedoria para não definir em momento algum a relação entre os protagonistas,o que banalizaria todo o filme e o engessaria em algum gênero cinematográfico.Delicadeza para transitar da hilaridade à ternura.Sensibilidade para se apropriar da estética e da linguagem dos editoriais de moda e também para criar atmosferas com a trilha sonora.Habilidade para transformar uma cidade em personagem(ajudada aqui pelo fotógrafo Lance Acord,que consegue retratar Tóquio com o olhar da insônia).Intimidade com os sentimentos dos personagens,especialmente Charlotte.

Mas os maiores méritos de Sofia talvez sejam sua intuição para o elenco e a direção de atores.Bill Murray e Scarlett Johansson não foram escolhas corretas para os papéis principais;foram iluminadas.

...Sobre Murray: “Nunca esse ator extraordinário teve tantas possibilidades de demonstrar a extensão de seu talento,nem mesmo em O Fio da Navalha(1984),de John Byron,ou Rushmore(1988),de Wes Anderson.Como Bob,ele consegue ser ao mesmo tempo impassível e expressivo,irônico e desolado.Sem falar que sua interpretação de “More than this” no karaokê é comovente.

...Depois do promissor Virgens Suicidas,que ainda era prejudicado por alguns maneirismos,Sofia Coppola se revela agora uma cineasta madura e dona de um estilo próprio.Aos 32 anos,ela consegue finalmente dissociar sua imagem da figura onipresente do pai....
Se existe algum ponto de contato entre obra de pai e filha,ele pode ser encontrado em alguns dos primeiros títulos de Francis,como Agora você é um homem(1966) e Caminhos mal traçados(1969).Pouco lembrados hoje,esses filmes também possuem a delicadeza agridoce que vem marcando a obra de Sofia."

Um comentário:

  1. Obra-prima. Cinema de instantes fugazes, de filigranas gestuais/emocionais tornadas perenes pela força e sensibilidade do registro. Saber captar o momento, sem maculá-lo, mas sendo cúmplice afetivo e sentimental dos fatos. Estar pronto/aberto/preparado para o inesperado, para o epifânico.

    (Sandro)

    ResponderExcluir