terça-feira, 2 de março de 2010

Rodapé antes de trabalho





Já tinha muita simpatia por Clint Eastwood quando assisti ao Um Mundo Perfeito.Mas,com esse filme,parece ter havido uma reviravolta em sua obra,talvez definitiva.Seu personagem,por exemplo, está longe de ser o principal,mas é de suma importância.Esse policial durão será paulatinamente desmistificado,ou,ao menos,relativizado com força.Mas o essencial parece estar no fato de que tudo que parece ser vai se(des)constituindo como o contrário,ou quase,do que pensávamos que víamos.Essa América,seus valores,contravalores,tudo parece fora de lugar,como em um labirinto de imagens.

O problema no filme é,antes,de um tipo de cegueira.A mesma que provoca um tiro no protagonista,precipitando seu fim:tiro precipitado e,antes,cego.
O filme termina com o personagem de Clint dizendo que já não entende mais nada.Esteve envolvido sempre com a justiça,mas o que essa tal teria hoje a dizer?Qual seja,um problema de papéis.Não somente de tempo,mas de vistas embaralhadas.

Para tanto,Clint faz um mosaico de vários filmes da história norte-americana para,ao fim,questionar sua sustentação. Em alguns momentos parece emular ironicamente o Et ou o Rain Man nessa história de amizade entre um menino e seu sequestrador.

Ok.Todos são,de alguma maneira,ets nesse filme. Mas o problema de vistas embaralhadas,de valores e contravalores fora de lugar é culminado com o tiro na barriga liberado pelo menino em seu sequestrador.É algo que,àquela altura, soa como absurdo,patético.Trata-se de uma passagem longuíssima.Tudo pára.E o homem lá, sangrando no campo.Anticlímax concentrado, quase infinito.

Surge um longuíssimo diálogo entre o homem e o garoto e,ao final,saberemos que a América é esse tiro na barriga.Um organismo ferido no estômago.E que,se um organismo é algo que pressupôe uma ordem,ao menos para se ver as coisas,estamos diante de uma ausência dela(o que leva a um sério questionamento sobre o classicismo tantas vezes atribuído ao cineasta.Filiações certamente,mas classicismo...).

Uma mãe supersticiosa ou fanática,policiais trapalhões(como na cena de perseguição em que os carros se desmembram),loja de roupas que aposta em sorrisos histéricos como porta de entrada,etc..são os cacos mal colados da América,entre o seco,o tragicômico e o poético.

Com Crime Verdadeiro,Clint conquistou bem mais de minha pessoa cinéfila.

Agora veio esse Gran Torino,em que a filmagem de um organismo debilitado volta à tona(ok,Menina de Ouro também),de uma maneira em que o velho renuncia a algo, apontando para algum futuro(Em Million Dollar Baby,o treinador renuncia por duas vezes).Gran Torino é menos decadentista que Menina de Ouro,igualmente grave,mas conduzido muitas vezes com certa ar de descontração,o que não é pejorativo,pelo contrário(esse tipo de tonalidade ocorria também em Howard Hawks ou John Ford,apesar de certos pontos infundados que ocorrem ao se comparar esses cineastas).

Depois voltamos ao assunto(hora de trabalho).

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