sábado, 11 de setembro de 2010

Os Portugueses Brasileiros- Questão de Língua(s)




Quando Marquês de Pombal definiu que haveria somente uma língua no Brasil,a oficial,o que teria ocorrido com as demais línguas que por aqui circulavam? De um lado, o português mais empolado, lusitanista da “Casa Grande”. De outro, na "cozinha",a fala do dia-a-dia, mesclada e sem amarras.

Aquele que gostaria de alçar um novo posto, ou seja,o “novo rico” daqueles tempos, ou pretendente a algo do tipo, situava-se como um purista no vernáculo.A língua sendo dinâmica como ficaria o recalque dos demais dialetos e expressões com suas mutações inevitáveis? O funcionário público almejava seu status social por meio do “bem falar” e do “bem escrever”.Os Sarneys surgiram dali, como um grande contingente de brasileiros com medo de se instalar na cozinha da nação.
A questão do recalque social, em termos até sexuais, foi consumada via misturas, já que “o patrão” não suportava muita das vezes o sexo com sua puritana senhora que havia apreendido de portugueses católicos que só poderia ser na base de “luz apagada, fôrma de estátua” e muita, muita,no caso feminino, anulação do prazer.Autoanulação.
Chica da Silva, (ex) escrava, foi uma a inverter parte do processo escravagista, em sua mente e corpo. Mas, por ora, passemos...

A Lingüística ajudaria e muito, mas com o tempo,a compreender que não existe a tal “Língua certa”,absoluta, mas várias delas. E que o gramatiquês não seria a única forma de expressão nacional, nem de outras.
Certamente que com o ranço dos poetas parnasianos em claro desgaste, Mário de Andrade, Manuel Bandeira, Oswald de Andrade, entre outros, procuraram não desvencilhar a arte da vida,linguagem escrita de oralidade, junto a uma ótica crítica a respeito da visão colonialista que imperava por aqui; ou ainda impera, a despeito da Lingüística?

Mas os artistas e intelectuais paulistas não foram os únicos sintonizados com uma visão menos fechada da expressividade “do verbo”, a redigir manifestos, recolhendo vaias,publicando livros e revistas, cujos frutos ainda estamos a colher, sob a faceta de um Brasil arcaico,autoritário e preconceituoso.

Fora do âmbito tipicamente intelectual,músicos que não participaram nadinha do movimento fariam em silêncio sua própria “revolução”.De um lado, migrados da Bahia ou herdeiros da mesma que,na fusão África/Ocidente, praticavam um som de tipo mais acelerado, não raro na base de improvisos. Caso de músicos estudados,tais como Sinhô ou Pixinguinha. De outro,o que viria a se chamar samba carioca, plasmado no morro por gente como Cartola,Ismael Silva e “cia”,sem a aceleração dos primeiros e à base de instinto musical.
Nesse segundo quadro, se inscreveria o jovem Noel Rosa,em convivência com o espaço de amigos e colegas, negros ou mestiços, essa “má gente”,segundo uma ótica perversamente enraizada. O tal samba carioca criado por Cartola e cia viria a dar, posteriormente,em Tom Jobim e João Gilberto, com as decisivas nuanças na radical fusão do popular com o erudito e o jazz.

Bem antes das letras da chamada música popular brasileira se tornarem “respeitadas”, devido a um poeta oriundo de um meio “mais erudito” chamado Vinicius, o garoto de Vila Isabel matutava o poema irônico, cheio de humor, crítica, coloquialidade e poder de síntese. Ou seja, um novo tipo de lirismo se desenhava pelas canções como obra de um autêntico modernista, embora sem vínculo algum com os literatos artistas de São Paulo. Caso semelhante ao de Lamartine Babo.

Noel compôs a maior parte de suas obras-primas com o compositor-incluso, claro, harmonizador-, Vadico. Enquanto o segundo ficaria a cargo da música, Noel imputava-lhe inovadoras letras. Pesquisadores rigorosos da obra e vida de Noel,como Almirante e João Máximo, não chegam a considerá-lo o melhor compositor da chamada Era de Ouro da música popular brasileira, embora, para a maioria deles, seja impossível se calar diante do arrojado dom poético e(digo eu),de qualquer gravação de suas músicas, com ou sem parceria, por gente como Aracy de Almeida,ou Elizeth Cardoso acompanhada dos dedilhos de Jacob do Bandolim na obra-prima “Três Apitos”.Canção descoberta somente após a morte prematura do artista.

Em todo caso,não somente de Rio de Janeiro viveria essa arte. E para contrariar Vinicius de Moraes, “poeta erudito”, em sua ótica pejorativa a respeito do samba paulista, haveria,for exemplo,Paulo Vanzolini e Monsieur Adoniran Barbosa.O mesmo Adoniran a ser tratado com desdém pelo citado escritor, constrangido com “erros de português” em suas letras. Seriam, aliás, “erros”,sobretudo quando propositais? Ou Adoniran haveria compreendido com rara largueza de visão, em lapidares construções,uma conquista tipicamente modernista(que, independente disso,era a sua), mais do que aquele artista,aparentemente oriundo do movimento paulista e amigo íntimo de Manuel Bandeira?

Adoniran seria uma espécie de Noel Rosa de Sampa? Talvez mais perspicaz frente aos aspectos sociais de sua cidade,sem que isso em nada prejudicasse sua poesia,avessa ao “gramatiquês”, a passar bem ao largo do que poderia se constituir como samba social acadêmico.
Enfim, dois poetas/cronistas,imersos na contingência da melhor arte popular brasileira, em conexão com o dinamismo de um lexo e suas sintaxes, por meio de estética rítmico-sonora, melódica ou verbal,em chave progressista. A androginia do canto de Noel equivalendo à do inovador Mário Reis, e a cacofônica rouquidão de Adoniran a reforçarem os fluxos da língua e da arte.

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