sexta-feira, 22 de outubro de 2010

Música Sacra ou Secular






“A música na igreja é um dos temas mais debatidos e acalorados por séculos. O músico e artista como profissional também é assunto em terreno arenoso e reticente.”

Por um lado, nota-se um grande preconceito, primeiro com os músicos em geral na sociedade brasileira. Como se essa não fosse uma profissão “séria”.

Quanto às igrejas, muitos de seus “músicos” têm lucrado maciçamente com a nova onda gospel, aproveitada tanto por católicos quanto por protestantes. Mas, músicos de igreja, por vezes, veem “outras manifestações sonoras” - as chamadas músicas seculares - com olhos não muito bons. E o pecado pode estar também no olho de quem vê, tal como no ouvido de quem escuta.

Ninguém é obrigado a achar uma maravilha a "Égua Pocotó", muitos sertanejos universitários (o termo, aliás, combina?), ou os Festivais do Pulo Axé.

Cláudia Leite canta muito bem, assim como Ivete, como já provaram em homenagens a outros compositores. Mas o Brasil precisa pular e muito, independente de quais sejam seus arranjos, texturas, harmonias, melodias,... Enfim, de qual seja a “música”.

Quanto à relação música e igreja, percebe-se em muitos uma ausência de formação teológica mesmo. Se o leitor não se interessar por ela, quem se encontra em uma igreja, ao menos deveria. Dentro de uma perspectiva de criação, a criatividade de um Deus teria gerado um universo e, portanto, o dom criativo do homem seria reflexo desse criador. Como diz Nelson Bomilcar, “a arte, historicamente, em suas manifestações iniciais, retratava a intenção do homem em direcionar suas expressões criativas a um divino. O homem procurava, no que fazia artisticamente, retratar o belo, suas formas e significados, inclusive por que se sentia parte de uma criação".
A visão da dicotomia da vida reflete uma teologia que foi ganhando espaço com o tempo, isto é, de que existiam duas vidas para serem vividas, uma santa e outra secular, uma carnal ou espiritual. Segundo Bomilcar, a vida integrada com um Criador seria a de seres em mente, coração e corpo, num sentido integral.

Ninguém é obrigado a endossar uma teologia, mas é uma introdução para tentarmos captar um pouco desse complexo música nas igrejas, a partir de um histórico de seus ancestrais fundadores.

Segundo Franky Schaeffer, no livro “Viciados em Mediocridade”, " a arte, por si só, não precisa de explicação, pois é fundamentalmente criação do criador.”

A mãe de Bomilcar, cristã devota e musicista, costumava dizer, e com bastante humor: “ Ora, toda música é secular, dentro e fora da igreja, pois toda ela foi criada e executada em algum século.”

Segundo seu filho, “ela ficava às vezes surpresa pelos cristãos desconhecerem que, em parte dos hinários considerados sacros, existiam músicas que não foram feitas com objetivo religioso, mas que eram expressões populares de sua época. Castelo Forte, hino da Reforma, é um desses exemplos. E muitas foram feitas apenas como expressão criativa dos homens, sem objetivo definido. Na realidade, o critério acabava sendo se as músicas eram boas ou ruins, a partir das observações de seus primeiros ouvintes, que eram críticos.

“A igreja (instituição ou institucional), principalmente na Idade Média, tentou manipular, controlar sem escrúpulos, entre outras coisas, qualquer manifestação do mundo das artes. Era ela que atribuía valor às obras consideradas de arte ou de arte sacra, usadas com fins nem sempre artísticos ou religiosos”. A história nos fala desses outros fins.

“ Essa dicotomia de vida espiritual e carnal, fez e faz muitos estragos para uma visão “mais saudável”, ou seja, não terrorista, daquilo que foi criado por Deus. Francis Schaeffer nos chamou atenção em seu livro "O Deus que intervém”, para o quanto o evangelho influenciou e influencia o mundo das artes na história da humanidade.”

Há muita ignorância teológica sobre isso. Entende-se, algumas vezes, que o músico ou o artista em geral vive num planeta à parte, sujeito a algo bem distinto de outros profissionais. O que nos remete aos excessos de Platão, cujo pensamento foi consideravelmente aproveitado pela Igreja Católica na Idade Média.

“Infelizmente, artistas e músicos foram e são marginalizados muita das vezes em sua atuação. Essa realidade foi um pouco atenuada fora do país, por causa de uma mentalidade mais aberta e por se valorizar a arte também como base de educação de um povo.” Lembremos dos clichês: “músico é arruaceiro”,” um vagabundo bon vivant” por trabalhar à noite”, e coisas afins.

“Barreiras para se trilhar esse caminho (com alguma dignidade,inclusive artística)”:

1-Familiar: quando os pais se assustam com a opção dos filhos se tornarem profissionais, já que em nossa cultura isso não é valorizado.
2-Barreira educacional, já que o ensino de música não é obrigatório nas escolas.”
Com a nova lei federal algo pode mudar.

Sem falar na própria barreira profissional. Em um sistema atolado nos jabás de gravadoras(via rádios e tvs), ou seja, na picaretagem, as oportunidades para um “artista-de facto” não são muitas.

E, em muitos segmentos, a demonização, na linhagem de Platão(que, aliás, nem conheceu a Cristo), sob o pretexto cristão, de todo um universo artístico, em que os conceitos se tornam confusos, sob pretexto de simplicidade.

Por outro lado, há a exploração irrestrita de gêneros que em princípio apontam expressões e potencialidades que terminam por naufragar, por obra dos vampiros dos nichos mercadológicos.
O rap, com isso, torna-se a um tempo estigmatizado ou idolatrado, a depender do público. Claro que o melhor do rap não comparece na grande mídia. Somente sua vampiresca distorção, quando passa da expressão de “identidade” de quem o criou ou recriou, para o espaço espinhoso de uma cultura massificada. Apropriado pela indústria fonográfica como forma de desviar seus “princípios, meios ou fins”. Ou melhor, suas expressões em jogo, num esforço e reforço contínuo de anulação artística e pessoal em nome do curto prazo da usura. Tal como foi feito com o rock, após o boom do estilo nos anos 60.

Segundo Marcuse, teórico da contracultura, a estratégia foi neutralizar o imaginário na arte, e, com isso, o feitiço se voltar contra o feiticeiro. A sexualidade e seu imaginário que, entre outras, poderia libertar algo, torna-se, em um dado momento, escravista coisificação do corpo, como embotamento da mente, por obra e graça de um mercado espertinho.

Mas, voltando um pouco, e se me permitem: um bom pesquisador encontrará belas expressões na maioria dos estilos, mas normalmente muitos se acomodarão à crítica fácil. O que não deixa de ser muito diferente de quem ouve o hit de um artista, não gosta e se empenha em generalizar o trabalho, sem se dar ao trabalho, ou ao empenho mais digno de, ao menos, pesquisar e procurar, por si mesmo(mas não só) conhecer um pouco mais dessa obra. O que pode ocorrer com os mais diversos estilos, de rap a rock, passando pelo samba, jazz, gospel, soul e cia.

No próximo tópico retomamos, inclusive com os fios soltos deixados nesses fragmentos de blog, sobretudo no que diz respeito à relação música sacra e secular.

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