domingo, 3 de outubro de 2010

Qualidade de vida e Reprodução do consenso - Parte final




A qualidade de vida é uma noção contemporânea que sintetiza ideais que emergiram a partir do terço final do século 19.É nessa época, arcada por progresso científico, avanço industrial e crescente urbanização, que surgiram temores sobre o que os saberes biológicos consideravam riscos degenerativos.

Em sua análise, o professor Richard Miskolci destaca que foi a partir da década de 1880 que surgiu um conjunto de saberes e práticas sociais conhecidas pelo termo “eugenia”, palavra que vem do grego eu (bem) mais genos(nascido), ou seja, um verdadeiro dispositivo normalizador voltado para o controle da população. Para Miskoci, “a eugenia sintetizava interesses imperiais e colonialistas, criando processos de identificação (projeção), discriminação e até extermínio daqueles que considerava “disgênicos”, anormais, degenerados. Assim, processos de racialização, sexualização e subordinação política se uniram de forma a alçar como modelares os homens brancos colonizadores, os quais não titubearam em implementar formas de dominação da população de deus países e,ainda mais, dos povos que subordinavam por meio da colonização na África, Ásia ou América.”

De forma geral, esse tipo de pensamento ainda hoje não foi totalmente superado, as conseqüências dessas teorias e práticas foram além dos campos de concentração criados primeiramente como prática colonial na África do Sul e, durante o nazismo, transplantados para o centro do continente europeu.

“A eugenia não foi jogada no cesto de lixo da ciência depois da revelação das atrocidades nazistas. Ela se renovou em vertentes de pesquisas com intuitos altamente questionáveis, como os que buscam as causas supostamente biológicas de comportamentos socialmente perseguidos assim como se desenvolveu por meio de práticas de controle e transformação corporal e subjetiva.” Ainda hoje, esse processo de adequação funciona de maneira até mais eficiente. “Não por acaso este processo se dará não na Europa, cujas práticas eugênicas de extermínio levaram à catástrofe da Segunda Guerra, mas nos Estados Unidos, a primeira sociedade de consumo plenamente constituída”.

Nesse novo momento, fica evidente a gestão política e técnica do corpo e da sexualidade como questão central para a cultura. O sucesso de um estereotipado estilo de vida se firma no auge de um processo iniciado com a invenção da pílula anti-baby, baseada em estrógenos sintéticos, em 1946. No ano seguinte, os laboratórios Lily passam a comercializar, como analgésico, a molécula de metadona.

“Isso, por fim, atinge a todos, mas tem conseqüências ainda piores para grupos historicamente marginalizados, como gays, os quais têm na figura da “Barbie”, o homem musculoso, um ideal que busca enfrentar os estigmas que os associaram ao “efeminamento” e à fragilidade.”

A propaganda agressiva foi desenvolvida para manter a máquina funcionando. E a preocupação imperativa com a “qualidade de vida” caminha ao lado. Para o professor Richard Miskolci, foi em meio ao forte crescimento econômico do pós-Segunda Guerra e da crescente diversidade dos centros urbanos, que a classe-média branca norte-americana rumou para os subúrbios, para aqueles bairros residenciais em que buscavam reconstituir um ambiente homogêneo em termos étnicos e econômicos. Queriam sair do centro da cidade em que perambulavam mendigos, imigrantes, negros, homossexuais. Assim, buscavam se afastar dali de maneira a construir em outro lugar um “universo perfeito”.

Esse ideal difundido durante a Guerra Fria aderia a ideia de que qualquer indivíduo, independente das circunstâncias, poderia melhor a qualidade de sua vida no futuro por meio de determinação, trabalho duro e habilidade. Politicamente, o american way acredita na “superioridade” da democracia dita livre, fundada num mercado de trabalho competitivo sem limites, porém o termo “qualidade de vida” tem mais a ver com processos históricos e sociais de hierarquização e subordinação de mais pobres, não brancos, estrangeiros e não heterossexuais do que como busca de eliminação do estresse cotidiano.
“Mas não nos enganemos, o que se busca como “qualidade de vida” é distinção social, vida em meio mais homogêneo, “puro”, ou seja, por trás desse ideal supostamente saudável e positivo residem escolhas, práticas de exclusão e hierarquização”, adverte Moskolci.
Além do mais, o resultado de tal estilo de vida suburbano foi a criação da geração do conformismo, que desconhecia sua realidade social,cultural. A formação de jovens adestrados para o consumo e a reprodução de um “óbvio” aparente.

(Robson Rodrigues, Richard Miskolci e Alessandro Coimbra).

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