sábado, 10 de outubro de 2009
Sem gêneros,one more time
Vira e mexe alguém solta um comentário estranho sobre Tom Jobim.Por esses dias me disseram por mais uma vez que sua música é muito triste.Nem se fosse.Além do mais,o pessoal de hoje será que não estaria habituado com letras que falam sobre uma melancolia qualquer? O fato é que, no geral,apesar da influência de Chopin, suas músicas cantam o sagrado exuberante da natureza,das mulheres.Da vida,em uma palavra!Uma letra brilhante de sua própria autoria: "Águas de Março"fala da morte como um dado a mais da vida,numa colagem impressionate de elementos quase videoclípticos.
É interessante observar que o despojamento das letras era um mérito dele, que tornava sua arte ainda mais sólida que nas elaborações de Chico ou Vinícius.
Mas se observamos em Manhattan,de Woody Allen,um Gershwin que canta Nova York,suas belezas,mulheres,Tom cantou o Rio sim,depois nossas florestas,etc.Aí surge outro comentário de doer,ele seria " um pequeno-burguês de classe média".Não, ele era um poeta.Ele só faria boa arte se fosse um esquerdista descarado?Esses patrulhamentos empobrecem tudo, não é mesmo?
O fato é que Jobim tinha uma formação clássica e notamos isso em sua música:Debussy(alguém se lembra de Imagina ou Inútil Paisagem,...?),ou Chopin(Insensatez,...)e ainda há Villa-Lobos(Trem de Ferro,etc)...Bem, são outros os elementos em antropofagia.O interessante nisso tudo é que sua música soa como se fosse muito simples,sem nenhum empolamento, passível de ser assoviada pelas ruas ou mesmo no banho.Ou banho de mar...Como se fosse mesmo simples.
Outros falavam em "Americanismo" e o interessante é que seu processo de composição era de descoberta e redescoberta do Brasil,já que ele deglutia desde choros,passando por Ary Barroso,Noel...
Jobim estudou com Lúcia Branco que foi professora de piano de grande parte dos grandes pianistas brasileiros,vide Arthur Moreira Lima.Estudou com Kollreutter, que trouxe o dodecafonismo para o Brasil,sem falar em Radames Gnattali que já orquestrava muita coisa da música popular. Ele também seguiria primeiramente esse caminho de orquestrador.
Tom estava inescapavelmente ligado ao popular.Além dos músicos brasileiros citados que ele tanto amava,começou a aprender orquestração em um livro de Glenn Miller focado no assunto.Mas havia mais:a canção americana de Gershwin e Cole Porter.Dizem que o Samba de uma nota teria sido inspirado em Night and Day,entre outras.
Agora pensemos bem e calmamente:deglutir tudo isso sendo tão Tom Jobim, sendo tão brasileiro e tão cosmopolita, ao mesmo tempo..Talvez por isso Caetano tenha dito que o Tropicalismo(e sua antropofagia mais declarada como projeto)era um continuador dessa linhagem.
Bem, Jobim soa airoso,aéreo,marítimo e, por vezes, noturno também, como em uma tela estrelada de Chagall.Fazia uma música popular tão perfeita, de aparência tão simples,sendo tão erudito.Ser tão cosmopolita,soando tão brasileiro.E, afinal, qual seria a relação possível entre Ary Barroso,Gershwin e Debussy?Bem,Tom Jobim é a única resposta possível,ou bem "impossível".
Antes de Villa Lobos morrer, ele disse a um músico(cujo nome não me vem no momento)que tomasse cuidado com Tom, que esse e o tal músico seriam seus únicos e verdadeiros herdeiros."Cuidado com Tom na música de câmara.Ele é um perigo pra escrever".
Bem, a meu ver, suas músicas de câmara são as peças-canções que ele deixou,tão aparentemente econômicas, humildes até,mas cheias de modulações,nuanças internas infinitas.
Esqueçamos os clichês bossanovistas, ou o argumento de autoridade que narra Sinatra ou Dianna Shore babando ou se ajoelhando diante dele,somado aos músicos de jazz ou Henry Mancini:todos seus admiradores aficionados.Ou o fato de que nos USA, um país tão nacionalista, ele seja considerado ao lado(leiam bem:ao lado,nem um pouco abaixo)de seus principais compositores.Mas claro que não precisamos dessa bobagem de "referência externa" para reconhecer seu gênio.Gênio,bem dito,de múltiplas interioridades.
Não importa que muitos tenham banalizado sua música e ainda continuem assim,que Garota de Ipanema,entre muitas,esteja entre as mais tocadas nesse século e no que findou..Pensando bem, é até bom isso tudo.Já que Jobim não somente redescobriu modernísticamente o Brasil:sua obra inventou e reinventou o Brasil e parte significativa,determinante de nosso mundo.Quem sabe um dia o Brasil(e o mundo) estejamos à altura.
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário