terça-feira, 20 de outubro de 2009
Texto perdido não dá pra ser reescrito.Em linhas mais gerais, o que poderia ser dito da revisão de Noivo Neurótico,Noiva Nervosa(Annie Hall),de Woody Allen?Que, ao longo do tempo,ele não perdeu nada de sua força.É o trabalho em que Allen parece mais se encontrar à vontade em matéria de humor.O que acompanhamos é sim um torpedo de achados de grande perspicácia,acompanhados por um senso de cinema o mais solto e livre possíveis.Exemplo:cortes no tempo em que podemos acompanhar o pretérito, juntamente ao pretérito passado, somados ao presente do protagonista,tudo como se em um único fluxo, o que não quer dizer frenesi,em absoluto.
Em alguns momentos a cinefilia filtrada do diretor parece estar mais para o Fellini de Amarcord( a cena na escola em sua infância),mas o que prevalece é uma espécie de sopro de nouvelle-vague francesa,tanto pelas quebras,deslocamentos constantes,como por esse gosto pela captação mais aberta:seja como entrega ao mais casual do cotidiano,ou por esse dom de flagrar inequivocadamente(em seu caso,com certa calma e sobriedade)a energia dos espaços exteriores-mais abertos.
A história de amor entre um neurótico e uma histérica pode remeter a uma nova depuração de Levada da Breca,de Hawks, só que com inversão de papéis.Aqui a histérica é a mulher, e o homem, o obsessivo, encampados em uma ambientação no máximo do urbano,constituinte daquela civilidade fortemente cindida que tanto agrada ao artista.Só que em pouquíssimos filmes se poderia(como se dá aqui)haver quebras da narratividade para uma abordagem direta do espectador pelo próprio protagonista-diretor,sem que isso em nada prejudique o timing do momento.
Annie Hall tinha tudo para ser um filme carregadamente pessimista, tendo em vista certas notações do diretor-protagonista ao longo da projeção,ou por se tratar de uma história de amor frustrado.Sem atraiçoar o que isso implica de densidade,o que Allen faz é injetar o filme de tanta descontração cinematográfica com gags incessantes-as verbais afiadíssimas,dignas de um Groucho Marx em seus melhores momentos-,que a obra, na maioria das vezes,não teve como não fluir tão desenvolta e deslizantemente.O que acompanhamos é uma reorganização dessa experiência amorosa,entre a chave mais irônica e a mais afetiva(Fellini de novo),por onde se possa,de alguma maneira,celebrar o instante mais vivido(certa nouvelle-vague francesa, novamente).
Porém, Noivo Neurótico,Noiva Nervosa não deixa de ser não “somente” uma homenagem às experiências de vida,mas também um canto à figura de Annie,Diane Keaton.Quando ela canta,o filme pára e se concentra um tanto mais.Quando ele termina, é a voz da atriz que acompanhamos em off para as imagens revividas e redivivas.A se considerar que o diretor e a atriz tiveram de fato um romance em vida,mas já concluído quando da realização da obra, trata-se mesmo de uma das mais belas reorganizações de experiências do cinema,como também uma das obras mais definitivamente agridoces(melancólicamente enfezada e terna),que já passaram pelas telas(grandes ou pequenas)..Mas tudo isso consiste nessa inteligência arguta com raro sentido do tempo,que pôde lançar fora todo o bolor, a partir de uma experiência extrema de perda e fracasso.
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