quarta-feira, 2 de dezembro de 2009

Janela Indiscreta(De Novo)



Janela Indiscreta ou o cinema segundo Alfred Hitchcock:as projeções do fotógrafo(James Stewart)+ a presença do corpo no mundo(Grace Kelly).Para o diretor inglês,o cinema ocorre nesse acoplamento em que ideia e matéria se interceptam a compor os limites do mundo-ficção,ou bem da ficção- mundo.
Em outros termos ou sub-planos, o cinema define-se moralmente como o lugar da "Gravidade e da Graça"(Simone Weill).A Gravidade presente no fotógrafo Stewart,que carrega consigo a forte suspeição e persecução do olhar siderado + a Graça=Grace Kelly,sua namorada,que entra com a leveza e o plainar dos corpos,tal como na cena crucial em que ocupa o apartamento do assassino para a um tempo o orgulho e a angústia do namorado que supõe dessa vez perdê-la para sempre.
Em Janela Indiscreta(como em Um Corpo que Cai), fica mais do que nítido que, em Hitchock,o cinema é o lugar da desconstrução e da alquimia atualizadas,acopladas para o "Bem" ou para o "Mal."
No primeiro,o protagonista é um homem noturno,que mal dorme para vigiar os habitantes do outro prédio,tal como um "vampiro" baudelaireano a querer sugar a essência dos seres,compondo para si mesmo os sinais da trama das correspondências:Pintor-fotógrafo.
Grace Kelly, de frívola burguesa ocupada com a moda, dá seu salto definitivo.Encontra a ponte para o outro lado da vizinhança, em que escala com a ligeireza e o flutuar de alguém que se descobre e se desdobra como avesso,corpo angelical.Tanto mais que,após revirar as provas do suposto assassinato,que teria desencadeado(também supostamente)as atitudes de suspeição do marido,entrega o mesmo indiretamente ao assassino,escancarando com toda a graça e Graça um nítido sinal: a aliança.Prova do crime e possibilidade concreta de união para o casal.Desconstrução do amado e alquimia moral.
No universo de Stewart a casa do crime seria também a hesitante moradia das projeções do fotógrafo.Tirar,em meio a um cenário cinematográfico do crime,uma aliança seria menos trabalho de ourives do que contundente alquimia de sentidos,de sinais imagéticos(não confundir com fácil simbolismo).Nesse sentido,o cinema de Hitchcock encontra-se consubstanciado nesse definitivo plainar de Kelly,que desconstrói o amado a seus próprios olhos.Será permitido dessa vez ao fotógrafo obsessivo ver no espelho do crime e do amor sua própria faceta,como o outro lado do espelho em que tanto se projetava e até residia.Grace Kelly,ao encarnar o avesso de si mesma,expõe o do amado para ele.
Víamos quase todo o tempo o que Stewart via de seu prédio.Agora é a vez do espelho olhar para o fotógrafo,justamente quando as imagens de Hitchcock buscam outros focos.Exatamente no momento em que a solteirona do outro andar escapa do suicídio,devido à conclusão de uma composição que o pianista do outro andar tentava à todo custo aprimorar durante todo o filme.Essa composição a detém,fazendo com que outros mundos intervenham na ação,trazendo novas perspectivas,menos obsessivas e mais dinâmicas,sendo conduzidas por um maestro de imagens e pelo corpo esguio da namorada.
Após esse jogo de trilha sonora efetivado pelo pianista do outro andar,que nem sabia o que estaria se passando de suspense no prédio,ao cabo desse momento ápice da sinfonia de Hitchcock,só poderemos ver nosso "herói" precipitando-se na queda-leia-se- Queda-de seu próprio andar.
A alquimia de Hitchcock(e de Grace Kelly)o desconstruiu,mas o primeiro foi também compassivo,salvando-o por um triz.Dessa forma(antes Forma),ideia e matéria consubstanciadas em Gravidade e Graça deixaram as marcas nesse filme brilhante com aparência de mera brincadeira.Um momento em que os rastros simbolistas de um Charles Baudelaire fizeram-se modernos em uma arte cheia de segredos,carregada de entrecruzamentos,os mais expressivos e de natureza.

2 comentários:

  1. Excelente apreciação e um blog que dá prazer de ler.

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  2. Obrigado,André.
    Como posto correndo(desleixo ou falta de tempo nas trocas de fraldas de minha filha de 7 meses?)no lugar de noturno,havia postado diurno.Agora arrumei.

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