quinta-feira, 31 de dezembro de 2009

A linguagem e seus fracassos como fundamento




O cinema,ou a música e a literatura,por exemplo,muitas vezes são vistos como válidos quando fabricam as ditas obras-primas.
Os modernistas passaram a questionar esses pressupostos,tentando aproximar vida e arte.Foi então que a oralidade da linguagem do dia-a-dia passou a ser também valorizada e passou a firmar novos modelos.
Isso radicalizado daria em Guimarães Rosa,com seus neologismos e também seus trocadilhos e "chavões"-tudo misturado.
Nesse espaço blogueiro,quando foi abordado o cinema de Roberto Rossellini,comentei algo sobre uma alternativa à linguagem oficial dessa arte.Mais do que isso,um estar "fora da linguagem",como recurso coerente às propostas do diretor italiano.Por exemplo,como seria filmar uma radical transmutação em um ser(com um alter se formando),ou mesmo um milagre de outra espécie(já que a mudança,por si só,já poderia ser um estado de "milagre")?
Nem precisaria tanto.Filmar o humano já constitui,por si mesmo,uma grande armadilha.Talvez a maior delas no cinema e na tv.Diretores como Eric Rohmer,Jean Renoir e Howard Hawks deram raríssima conta desse estado de presença do homem,do "milagre" de se estar vivo no universo,de alguma maneira.
Em Rossellini caberia dar conta não somente da presença,mas de como o universo reagiria a ela,nos termos de uma encenação.E a partir disso,de como o homem reagiria a esse olhar do cosmos sobre ele.
Como,então,seria filmar esse estado de coisas,esse jogo do visível ao invisível e vice-versa?Esse captar um certo estado de enraizamento na terra,conjugando-o com um estado de trânsito para o céu?
Enraizando Cristo ao máximo, colocando-o ao lado de outros homens para somente assim poder filmá-lo no momento da ressurreição,em que ele(ou Ele)esvanescerá diante do espectador e dos demais personagens em "O Messias".
Ou enraizando radicalmente a heroína de "Europa 51",que abandonará seu ambiente de palacete para habitar o húmus da terra e,assim, podermos entrever seu céu,no exato momento em que ela parece nos escapar(e aos demais no filme)sob forma branca,caiada,subtraída de uma dada matéria(ou bem de uma matéria dada).
Contudo,isso ainda não daria conta de toda uma estratégia de encenação.Em que consistiria essa atitude de filmar por subtração,de se desligar de um "bem escrever",de um "bem filmar"?
Em um ponto importante,resistindo à tentação da "fôrma" da obra-prima,que havia se tornado um anacronismo parnasiano,nada condizente com uma postura mais urgente da arte de se atrelar à vida.
Mas a respeito disso, fala melhor uma buriladora da mentalidade modernista no Brasil,a escritora Clarice Lispector:

"O indizível só poderá me ser dado através do fracasso da minha linguagem.Só quando falho a construção é que obtenho o que ela conseguiu."

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